Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2567/15.0T8LSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: NULIDADES
SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EXPLOSÃO
AERONAVE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário da Responsabilidade do Relator:

O comandante da aeronave comercial com registo nacional e operando entre aeroportos nacionais comunitários, é a autoridade máxima a bordo, encontra-se investido de verdadeiros poderes públicos de disciplina a bordo não só em relação aos tripulantes como em relação aos passageiros e, no caso particular do risco potencial para a segurança da aeronave e dos seus ocupantes, o comandante não tem apenas o poder tem de o dever de agir e de+ desembarcar os passageiros que, e aqui é que reside a especialidade, “na sua opinião”, represente um risco potencial para a segurança da aeronave e seus ocupantes. De igual forma o comandante, nessas circunstâncias, tem o dever de submeter o passageiro potencialmente causador de distúrbios a medidas de segurança adequadas. Isto significa que o juízo sobre a segurança da aeronave e dos ocupantes da mesma é um juízo que apenas cabe ao comandante, um juízo subjectivo, ou seja, quem avalia se aquela ordem de desembarque ou medida de segurança é ou não adequada no caso concreto é o comandante da aeronave, insindicável pois por qualquer outra entidade ou Tribunal, salvo quando em razão das circunstâncias que ocorreram, aquela decisão se mostre absurda, manifestamente ilegal, criminosa ou inconstitucional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO

APELANTE /AUTOR da ACÇÃO nos JULGADOS de PAZV (representado pelo ilustre advogado Brites, com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de 18/09/2013 de fls. 10 dos autos, a qual substabelece sem reserva na pessoa do ilustre advogado Maurício, com escritório em Lisboa, conforme cópia do instrumento de 7/12/2015 de fls. 308).
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APELADOS/RÉUS da ACÇÃO nos JULGADOS de PAZ: TAP- Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. e M (representados em juízo, pelo ilustre advogadoCarlos, com escritório em Lisboa, conforme cópias dos instrumentos de procuração de 24/1/2014 de fls. 49 e de 23/01/2014 de fls.117 dos autos)
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Com os sinais dos autos.
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I.1. Inconformado com a decisão de 22/05/2015, que, suportado no Regulamento de Navegação Aérea aprovado pelo Decreto n.º 20062 de 25/10/1930 e no DL 71/84, de 27/2 que instituiu o Estatuto do Comandante de Aeronave, sustentou a improcedência do pedido indemnizatório do Autor que pelo Comandante da Aeronave onde se fazia transportar dela foi expulso dela recorreu, recurso que foi admitido pelo Julgado de Paz para os Juízos Cíveis de Lisboa, tendo a Meritíssima Juíza do J7 secção Cível, Instância Local da Comarca de Lisboa proferido decisão aos 8/9/2015 que julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do julgado de paz; de novo, julgando-se injustiçado recorre dessa decisão para esta Relação recurso que não foi admitido no Tribunal recorrido mas que na sequência de reclamação veio a ser admitido e em cujas alegações conclui em suma:
1. Não se aceita que sejam considerados provados efeitos nos restantes passageiros da classe executiva uma vez que só eles poderiam atestar tais efeitos, só a eles cabendo dizer se estavam incomodados e enojados com o comportamentos do Reclamante as testemunhas S e PS disseram qui o comportamento do apelante não deu nas vistas não se podendo ainda aceitar a matéria de facto assente nos pontos 10, 11, 13 sem suporte de qualquer depoimento, devendo considerar-se como provado o contrário do que aí é afirmado e/ou o que as testemunhas efectivamente disseram e que infirma essa matéria assente anulando-se nos termos do art.º 662/c do CPC (conclusões 1 a 8)
2- Não se aceita que se considere adequado que o chefe de cabine volte a abordar o passageio que já se encontrava no seu lugar nem que o Tribunal considere que tal abordagem não casou incómodo para o apelante, dizendo que o Chefe de Cabine foi discreto ao abordá-lo. A reacção do apelante não se pode considerar arrogante, não é razoável que o Chefe de Cabine insista com o Recorrente sobre um assunto que em nada punha em causa o bem-estar dos restantes passageiros, especialmente quando, para o apelante, já tudo tinha sido resolvo antes de ter saído da classe executiva e regressado para o seu lugar, a testemunha S ficou com a ideia de que o Chefe de Cabine queria um pedido de desculpas (conclusões 9 a 14)
3-O apelante não teve nenhum comportamento de tal forma grave que justificasse o seu desembarque, o recorrente não constituía um problema de segurança ou potencial, o que fica provado pelas leis da lógica por a recorrida TAP o ter embarcado no voo seguinte após este ter pago novo bilhete, o apelante foi expulso por não ter pedido desculpas (conclusões 15 a 20)
4-O apelante tem alguma idade e problemas de saúde, a situação na qual foi colocado pelo chefe de cabine e pelo comandante traduziu-se em nervosismo e stressa desnecessários para si, o que a sentença não ponderou, foram violados os art.ºs 3/2, 18/2 e 60/2 da Constituição da República Portuguesa, porquanto a sentença não considerou as disposições legais que limitam a actuação do comandante aso casos previstos na lei, desconsiderou o princípio da proporcionalidade, pois a restrição de um direito só se justifica para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, a expulsão não salvaguardou os direitos dos restantes passageiros ou tripulantes por não constituir a actuação do apelante perigo para os mesmos, tendo sido violado o direito constitucional do consumidor à qualidade dos bens e serviços consumidos (Conclusões 21 a 25)
5-A Juiz de paz não resolveu todas as questões que o apelante submeter à sua apreciação, nos termos do art.º 608/2 como o especifica o art.º 615/1/d, não sendo de admitir a fundamentação e a sustentação de taios nulidades por parte do Tribunal a quo, sendo a mesma decisão nula por violação do art.º 615/1/b do CPC.(Conclusões 26 a 28). Termina pedindo a revogação da decisão recorrida por estar ferida de nulidade e caso assim se não entenda deve ser substituída por outra que julgue procedente por provada a acção,
I.2. Em contra-alegações, a TAP conclui, em suma, dizendo:
1. A reacção do chefe de cabine não foi exagerada mas a correcta face ao ambiente tenso a bordo de uma aeronave que regressava ao ponto de partida para resolução e avaria técnica, o recorrente nunca se manifestou nem se queixou de qualquer mal-estar, o assunto não estava resolvido quando o Chefe de Cabine aborda o apelante, o comportamento do apelante causou desconforto e pôs em causa o bem-estar dos restantes passageiros, os factos dados como provados não devem ser alterados (Conclusões 1 a 14)
2. O comportamento do apelante gerou no comandante a convicção de que o recorrente ao retomar o seu lugar na aeronave, após desrespeitar o chefe de cabine, não oferecia garantias de que o seu comportamento não perturbasse ordem a bordo, pelo que o comandante teve de ordenar o desembarque do passageiro ora apelante (Conclusões 15 e 16)
3. A decisão do julgado de paz não padece de nulidade
I.3. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.
I.4. Questões a resolver:
a) Saber se ocorre a nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação na decisão recorrida;
b) Saber se ocorre, na decisão recorrida erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão dos factos
b) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação indagação e de aplicação das disposições conjugadas dos art.s8/c do DL 71/84 de 27/2 do Estatuto do Comandante de Aeronave, 11 das Condições Gerais do Contrato de Transporte, 2, 3, 18/2, 484 do CCiv.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1. O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1 - Em 11 de agosto de 2013, o demandante, conjuntamente com outras seis pessoas, em viagem por este organizada, na qualidade coordenador de um agrupamento musical da Orquestra Sinfónica Juvenil, embarcou em Lisboa no voo nº 1843 da TAP, com destino à cidade da Horta nos Açores (doc 1, confirmado pelas testemunhas apresentadas pelo demandante);
2 - Duas pessoas integrantes do grupo, CS e S, esta ouvida como testemunha, tomaram lugar na classe executiva, e as restantes, incluindo o demandante, tomaram lugar na classe económica;
3 - Na altura em que estava sendo servida refeição na classe executiva, o demandante, e a testemunha PS, dirigiram-se à classe executiva "para socializar" com as duas integrantes do grupo referidas supra ponto 2;
4 - Uma vez junto dos assentos onde se encontravam as companheiras de viagem o demandante provou a sobremesa servida às mesmas;
5 - Ao provar a sobremesa o demandante teve uma reacção de repulsa considerando que a mesma estava deteriorada. (ponto 5 do RI.)
6 - No mesmo instante o demandante cuspiu o pedaço da sobremesa para o tabuleiro da passageira S (admitido e confirmado pelas testemunhas apresentadas pelo demandante);
7 - Ao mesmo tempo o demandante proferiu a expressão "então isto é que é a executiva da Tap" (ponto 6 do R 1.);
8 - O chefe de cabine que passava pelo corredor onde se encontrava o demandante, ficou desagradado e abordou o demandante dizendo: "A TAP é a minha casa há 17 anos. Acho isso muito inapropriado" (ponto 7 do R I.);
9 - O demandante questionou o Chefe de Cabine perguntando-lhe se havia algum problema em frequentar a classe executiva, este respondeu que não mas que o comentário tinha sido inoportuno (ponto 8 do RI.);
10 - Disse o Chefe de Cabine que estava em causa o "espectáculo grosseiro" que tinha denegrido a imagem da TAP Portugal, pondo em causa a qualidade do serviço e a refeição prestados, em frente aos passageiros da classe executiva e com isso incomodado os outros passageiros e a ele próprio (confirmado pelo próprio no seu depoimento);
11 - Os passageiros que faziam a refeição na classe executiva e assistiram, ficaram enojados e incomodados com a atitude do demandante (confirmado pela testemunha RR, Chefe de Cabine);
12 - O Chefe de Cabine relatou o sucedido ao Comandante da aeronave, MM (confirmado por este);
13 - Após insistência do Chefe de cabine o demandante regressou ao lugar (confirmado pela testemunha RR, Chefe de Cabine);
14 - O Chefe de Cabine reportou o incidente ao Comandante da aeronave;
15 - Por altura da finalização da refeição foi comunicado aos passageiros que devido a avaria a aeronave tinha de regressar a Lisboa (admitido);
16 - O Chefe de Cabine abordou as passageiras S e CS, comentando o incidente e disse-lhes que iria falar com o demandante para se resolver o mesmo a bem (confirmado pela testemunha S).
17 - O chefe de Cabine abordou o demandante no lugar onde o mesmo viajava, de forma discreta, dizendo-lhe "acho que é melhor resolver a questão a bem. Quer resolver a questão a bem?" (ponto 10 do RI.);
18 - Nesta abordagem, o Chefe de Cabine pôs-se de joelhos para estar mais próximo, e ser discreto (confirmado pela testemunha PS que usou a expressão pôs-se cócoras;
19 - Ao ser abordado, o demandante respondeu: "mas que questão? Está a falar de quê" (ponto 11 do RI.) "se é para me chatear por causa daquilo de há bocado deixe-me em paz" (confirmado pela testemunha RR, Chefe de Cabine).
20 - Em Lisboa, enquanto os técnicos reparavam a avaria, o Comandante MM abordou as passageiras S e CS, no sentido de se informar quem era aquele grupo e a versão delas da ocorrência (confirmado pela testemunha S);
21 - O comandante informou o demandante de que tinha a versão dos factos feita pelo Chefe de Cabine e das duas passageiras do grupo e pediu que relatasse a sua versão (confirmado pela testemunha MM e S).
22 - O demandante disse ao Comandante que não tinha cuspido, tinha sido a comida que "caiu da boca" (confirmado pelo testemunha MM, não desmentido pelo demandante quando usou da palavra);
23 - O Comandante decidiu desembarcar o demandante em Lisboa recusando-se a transportá-lo para a Cidade da Horta.
II.2 Deu o Tribunal recorrido como não provados, os seguintes factos:
Com relevância para a decisão da causa não se considera provado que o Chefe de Cabine ou o Comandante da aeronave tenham tido qualquer comportamento ou proferido quaisquer palavras, na presença dos restantes passageiros, susceptíveis de humilhar o demandante.
II.3. Motivação da matéria de facto provada e não provada.
A convicção do tribunal funda-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual, nos depoimentos produzidos em
audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que,
porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Ouvidas as testemunhas apresentadas pelo Demandante e pela Demandada, realçou o facto de existirem coincidências no essencial, que, por sua vez, também não contrariam, no essencial, os factos expostos pelo demandante no requerimento inicial, conforme se assinala nos respectivos factos, e melhor se explicitará no segmento seguinte.”

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC.[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se ocorre a nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação na decisão recorrida;
III.3.1. A nulidade por omissão e pronúncia da sentença recorrida assenta nisto: os danos alegados pelo apelante na p.i. nunca foram apreciados, o bom nome do apelante foi ainda posto em causa com a publicação de uma notícia no Correio das Manhã onde a Direcção de Comunicação da TAP, à revelia do apelante apresenta uma versão totalmente distorcida e falsa dos factos ocorridos a bordo, o que pôs em causa o bom nome em violação do art.º 484 do CCiv, a sentença não aprofundou o motivo pelo qual aquela Direcção de Comunicação da TAP se pronuncia em relação a essa notícia desse modo.
III.3.2. A decisão do julgado de paz que julgou a acção indemnizatória improcedente não chegou a analisar os alegados danos porque considerou legítima a ordem de expulsão do Autor/apelante da aeronave e muito embora o não diga expressamente, a razão de ser dessa não apreciação só pode ser sido o juízo implícito de que o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada tal como previsto no art.º 608/2 (1.º parte), ou seja não analisou os prejuízos alegados pelo autor/apelante na medida em que não se verificando um dos pressupostos da responsabilização dos Réus, a ilicitude da conduta (art.ºs 483 do CCiv); nas suas alegações para o Tribunal recorrido o Autor suscitou essa mesma nulidade tendo a Ex.ª Juíza de paz sustentado a decisão e depois a sentença recorrida apreciou a nulidade da falta de fundamentação da decisão do julgado de paz e pronunciando sobre a nulidade por omissão de pronúncia afastou-a. E afastou-a, muito embora sucintamente, de forma correcta. Diz-se nela que o julgado de paz apreciou todas as questões que deveria apreciar tendo em atenção o seu entendimento quanto ao comportamento do apelante, ou seja, afastou-a, muito embora o não diga expressamente, porque, tal como acima se disse, implicitamente a Ex.ª Juíza de Paz considerou prejudicado o seu conhecimento. Se bem se mal é já outra questão que nada tem a ver com a nulidade em causa.
III.3.3. Diz o apelante /Autor que a sentença recorrida- vício que igualmente apontara à decisão do julgado de paz- não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e remata “especialmente porque mesma vai contra a prova testemunhal e contra o normativo legal que regula essa decisão-
III.3.4. Basta ler a sentença recorrida que é o que está em apreciação neste recurso e já não a decisão do julgado de paz, que a mesma especifica os factos que foram dados como provados pela decisão do julgado de paz e indica as disposições legais relevantes. Nenhuma nulidade pois.
III.4. Saber se ocorre, na decisão recorrida erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão dos factos
III.4.1. No corpo das alegações o apelante em suma diz que não se aceita o facto constante do ponto 11 porque os passageiros que fora ouvidos em audiência no Julgado de Paz em momento algum referiram terem ficado enojados e incomodados e que deveria tr sido considerada a versão das duas testemunhas arroladas pelo Autor não devendo a sentença bastar-se com a mera opinião de uma testemunha, sem considerar a versão dada pelas restantes; também em momento algum o Chefe de Cabine no seu depoimento refere o facto constante do ponto 13 e também não se aceita o facto constante do ponto 17, quando se diz que o passageiro foi abordado de forma discreta porque a testemunha PS que estava do lado da janela ouviu o Chefe de Cabine.
III.4.2. Como resulta das actas os depoimentos das testemunhas foram extractados (acta de 17/3/2014 de fls. 109/114 e de 5/5/2014 de fls. 150/155);
III.4.3. Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes(alínea b)”.
III.4.4. Era a seguinte a anterior redacção:
Dispunha o n.º 1 do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]”
E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.”
III.4.5. Os ónus são basicamente os mesmos, vincou-se na alínea c) do n.º 1 do art.º 640 (o que não estava suficientemente claro, mas a doutrina pressupunha), o ónus de especificar a decisão que no entender do recorrente deveria ser proferida sobre a matéria de facto, manteve-se, também, o ónus (com redacção ligeiramente diferente) de identificar com exactidão (nova redacção), ou identificar precisa e separadamente (anterior redacção) as passagens da gravação em que se funda (comum).
III.4.6. Pode dizer-se que continua válido o entendimento anterior da doutrina nessa matéria. A este propósito referia António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso, deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[2]
III.4.7. Não havendo gravação como patentemente não houve, estando extractados os depoimentos, incumbia ao recorrente transcrever as passagens dos depoimentos que impunham uma decisão de facto diversa daquela que foi proferida, o que, manifestamente, o apelante não cumpriu; mas mais relevante ainda é o incumprimento do ónus da alínea c) do n.º 1 do art.º 640, ou seja, a omissão da indicação da decisão que no seu entender deveria ter sido proferida sobre as questões de facto constantes daqueles pontos, no corpo das alegações o apelante utiliza formas verbais “não se percebe, não se aceita”, formas verbais essas que volta a utilizar nas conclusões 7 a 14 concluindo que “deverá considerar-se como provado o contrário do que aí é afirmado e/ou o que as testemunhas efectivamente disseram”; o que as testemunhas disseram foi muita coisa e contraditória entre si como refere o apelante, tal não é suficiente para se considerar cumprido o ónus legal a seu cargo na impugnação da decisão e facto, que se rejeita.
III.5. Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação indagação e de aplicação das disposições conjugadas dos art.s8/c do DL 71/84 de 27/2 do Estatuto do Comandante de Aeronave, 11 das Condições Gerais do Contrato de Transporte, 2, 3, 18/2, 484 do CCiv;
III.5.1. O Autor na sua acção indemnizatória estribando-se nos art.ºs 60/2 da Constituição, Lei 24/96 de 31/6 Lei do Consumidor, desadequação e desproporcionalidade da medida de expulsão por parte do Comandante da Aeronave por nunca ter posto em risco a aeronave onde se fazia transportar para a Horta entende dever ser ressarcido dos prejuízos sofridos pela ordem de desembarque que em suma lhe pareceu ilegítima e desadequada. Suportado na condição 11.1 das Condições Gerais de Transporte da TAP e que faz parte do contrato de transporte celebrado entre o Autor e a TAP da qual consta a possibilidade do desembarque (para além da prisão) no caso em que o utente se comporte a bordo de tal modo a provocar desconforto ou incómodo nos restantes passageiros ou tripulação.
III.5.2. Para além daquela disposição do contrato que se encontra transcrita com esses dizeres a fls. 47 interessam ainda os seguintes diplomas, entre outros. Desde logo as seguintes referentes aos poderes do Comandante constantes do Estatuto do Comandante de Aeronave instituído pelo DL 71/84 de 27/2 e que no que aqui interessa contém as seguintes disposições:









III.5.3. Também o art.ºs 76/1/c do DL 289/03, de 14/11, diploma que adopta as normas constantes das partes I e III do anexo 18 da Convenção Internacional da Aviação Civil e normas técnicas 1 e 3 JAR OPS dos operadores de aeronaves civis com sede em território nacional que efectuem transporte aéreo comercial
Artigo 76.o
Deveres do comandante
1 — Sem prejuízo das competências previstas no Estatuto do Comandante de Aeronave, aprovado pelo Decreto-Lei no 71/84, de 27 de Fevereiro, o membro da tripulação técnica de voo nomeado para desempenhar a função de comandante da aeronave tem os seguintes deveres, nos termos das normas JAR-OPS 1.085 e 3.085:
a) Ser responsável tanto pela segurança da operação da aeronave como pela segurança dos seus ocupantes durante o período do voo;
b) Ter autoridade para dar todas as ordens que considerar necessárias para salvaguardar a segurança da aeronave, dos seus ocupantes e da carga transportada;
c) Desembarcar qualquer pessoa ou qualquer volume de carga que, na sua opinião, represente
um risco potencial para a segurança da aeronave e seus ocupantes;
d) Recusar o transporte de pessoas que aparentem estar sob a influência de álcool ou substâncias psicoactivas em tal grau que a segurança da aeronave ou dos seus ocupantes possa ser colocada em risco;
e) Recusar o transporte de passageiros inadmissíveis, deportados ou pessoas sob custódia legal quando o seu transporte representar um risco para a segurança da aeronave e seus ocupantes;
f) Assegurar que todos os passageiros sejam instruídos sobre a localização das saídas de emergência e a localização e utilização do equipamento de emergência e salvamento;
g) Assegurar que sejam cumpridos todos os procedimentos operacionais e listas de verificação, em conformidade com o manual de operações;
h) Não permitir que qualquer membro da tripulação execute tarefas durante a descolagem, subida, aproximação final e aterragem, excepto aquelas da sua responsabilidade necessárias para a operação segura da aeronave;
i) Não permitir que o registador de parâmetros de voo seja desligado durante o voo ou sejam
apagados os registos durante ou após o voo, quando tenha ocorrido um acidente ou incidente
de comunicação obrigatória;
j) Não permitir que o gravador de conversações da tripulação técnica seja desligado durante o
voo, salvo se esta medida se destinar a preservar os registos existentes que considere pertinentes para a investigação de um acidente ou incidente e que de outro modo seriam apagados automaticamente;
l) Não permitir que registos efectuados pelo gravador de conversações da tripulação técnica sejam manualmente apagados, durante ou após o voo, caso tenha ocorrido um acidente ou incidente;
m) Rejeitar uma aeronave com anomalias não autorizadas pela CDL ou MEL;
n) Assegurar que foi executada a inspecção antes do voo;
o) Comunicar ao operador, no fim do voo, todas as ocorrências relacionadas, directa ou indirectamente, com a aeronave.
2 — Os deveres do piloto comandante previstos no número anterior têm início no momento em que as portas da aeronave se fecham para iniciar um voo e terminam quando as portas se abrem, após o voo.
III.5.4. Interessa também o Regulamento n.º 300/2008 do Parlamento e do Conselho de 11/3/2208 cujo anexo em concretização do art.º 4.º contém “normas de Base Comuns De Aplicação de Aviação Civil Contra Actos de Interferência Ilícitos”, designadamente a norma n.º 10 desse anexo com o seguinte teor:
10. MEDIDAS DE SEGURANÇA DURANTE O VOO
1. Sem prejuízo das regras de segurança operacional da aviação aplicáveis:
a) Durante o voo, deve ser impedida a entrada de pessoas não autorizadas na cabina de pilotagem;
b) Durante o voo, os passageiros potencialmente causadores de distúrbios devem ser submetidos a medidas de segurança adequadas.
2. Devem ser tomadas medidas de segurança adequadas, como seja a formação da tripulação técnica e do pessoal de cabina, para impedir actos de interferência ilícita durante um voo.
3. Não são permitidas armas a bordo de uma aeronave, com excepção das que são transportadas no porão, salvo quando tenham sido preenchidas as condições de segurança exigidas nos termos da respectiva legislação nacional e os Estados envolvidos o autorizem.
4. O disposto no ponto 3 aplica-se igualmente aos agentes de segurança a bordo que transportem armas.
III.5.5. Do exposto resulta que o comandante da aeronave comercial é a autoridade máxima a bordo da aeronave, encontra-se investido de verdadeiros poderes públicos de disciplina a bordo não só em relação aos tripulantes como em relação aos passageiros e no caso particular do risco potencial para a segurança da aeronave e dos seus ocupantes o comandante não tem apenas o poder tem de o dever de agir e de desembarcar os passageiros que, e aqui é que reside a especialidade, “na sua opinião”, represente um risco potencial para a segurança da aeronave e seus ocupantes. De igual forma o comandante nessas circunstâncias tem o dever de submeter o passageiro potencialmente causador de distúrbios a medidas de segurança adequadas. Isto significa que o juízo sobre a segurança da aeronave e dos ocupantes da mesma é um juízo que apenas cabe ao comandante, um juízo subjectivo, ou seja quem avalia se aquela medida de segurança é ou não adequada no caso concreto é o comandante da aeronave, insindicável pois por qualquer outra entidade ou Tribunal, salvo quando em razão das circunstâncias que ocorreram aquela decisão se mostrou absurda, manifestamente ilegal, criminosa ou inconstitucional, como é o caso, por exemplo em que o comandante não gosta da cara, da cor, do sexo, da altura, do semblante de um passageiro e o faz desembarcar. A definição do que seja um passageiro potencialmente causador de distúrbios não consta da lei, tudo depende do caso concreto e da aferição que o comandante da aeronave possa fazer casuisticamente e no circunstancialismo de modo tempo e lugar da actuação do passageiro; por outro lado, uma vez que o comandante não tem por função a custódia de passageiros potencialmente causadores de distúrbios, fica no seu justo critério aferir qual a medida de segurança adequada que poderá passar pelo desembarque do passageiro potencialmente causador de distúrbios se, na sua opinião, aquela actuação do passageiro poderá vir a por em causa segurança da aeronave.
III.5.6. Voltando ao caso concreto: o apelante que se fazia transportar em classe económica, na altura em que estava sendo servida a refeição na calasse executiva, juntamente com a testemunha PS dirigiram-se à classe executiva para confraternizar comas referidas pessoas integrantes do grupo de viagem CS e S para confraternizar, o apelante decidiu provar a sobremesa servida àquelas teve uma atitude de repulsa, considerou que a sobremesa estava deteriorada, cuspiu o pedaço da sobremesa para o tabuleiro da passageira S e exclamou “então isto é que é a executiva da Tap?”, o Chefe de Cabine ficou desagradado e abordou o apelante dizendo-lhe que era inapropriado (seguramente à espera de um pedido de desculpas), o que não ocorreu, pelo contrário o apelante retorquiu se havia algum problema em frequentar a classe executiva ao que o Chefe de cabine replicou que não mas que era inoportuno e ainda o que consta do ponto 10; os passageiros que faziam a refeição na classe executiva e assistiram ficaram enojados e incomodados com a atitude do apelante, esses factos o Chefe de Cabine relatou-os ao comandante e só após insistência do Chefe de Cabine é que o demandante regressou ao lugar (pontos 11 a 14); em virtude de avaria a aeronave teve de regressar a Lisboa, já havia sido finalizada a refeição a bordo, o Chefe de Cabine abordou discretamente o demandante como consta do ponto 17 (naturalmente à espera de um pedido de desculpas pelo sucedido, o que para bom entendedor a meia palavra bastaria) desculpas que não ocorreram, pelo contrário, o apelante retorquiu de forma arrogante “mas que questão? Está a falar de quê? Se é para me chatear por causa daquilo de há bocado deixe-me em paz”
III.5.7. E o eventual pedido de desculpas era relevante porquê? Porque como a aeronave regressava a Lisboa para reparação da avaria e teria que fazer toda a viagem para a Horta o Comandante teria que ter alguma garantia da parte do passageiro (é disso que se trata) que não voltaria a causar quaisquer distúrbios de igual natureza ou outros, não desafiaria as ordens ou instruções dadas pelo Chefe de Cabine ou outros membros da tripulação e nisso o juízo do Comandante é soberano, como se disse.
III.5.8. Não ocorre, pois, qualquer desproporção na aplicação da medida de segurança; aquela disposição do contrato de transporte, já citada e as disposições legais acima mencionadas quando interpretadas como o foram, não violam o princípio da salvaguarda dos direitos ou interesses constitucionalmente previstos e da proporcionalidade do art.º 18/2 da CRP; as leis restritivas estão teleologicamente vinculadas à salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, tornando-se necessário que o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir um dos direitos, liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e adequada expressão com o é o caso do direito à integridade física e moral do n.º 1 do art.º 25 e o direito de terceiros à segurança nos termos do n.º 1 do art.º 27, ou na falta de adequada expressão constitucional, desde que se invoque um interesse constitucional pertinente, que tenha alguma ligação com direito fundamental, como é o caso da segurança interna do art.º 272/1 e defesa nacional do art.º 273/2; o facto de se fazer depender do juízo subjectivo do Comandante da Aeronave Comercial a adequação da medida ao comportamento do passageiro, para a segurança da aeronave ou dos seus ocupantes, em nada belisca o princípio da proporcionalidade, em primeiro lugar porque é a própria lei que confere o poder-dever ao comandante, em segundo lugar porque a vida dele próprio dos demais ocupantes e a segurança da aeronave justificam que seja o comandante da aeronave comercial a ajuizar da adequação da ordem de desembarque e no caso concreto o juízo do comandante nada tem de absurdo, discricionário, prepotente, não restringe de modo desproporcional o direito do apelante a realizar aquela viagem cujo preço pagou, porquanto sempre esteve nas mãos do apelante tranquilizar o comandante daquele voo, assegurando uma viagem tranquila de acordo com as regras comportamentais a bordo. Não se vê como possa estar em causa, no caso concreto a qualidade do serviço de transporte do art.º 60/1 da Constituição.
III.5.9. Faltando, no caso concreto, a verificação da ilicitude ou ilegitimidade da ordem de desembarque do apelante, causadoras dos alegados e presumidos danos morais (pode presumir-se que a ordem de desembarque de um passageiro cause humilhação e desgosto no circunstancialismo concreto).

IV- DECISÃO


Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida, muito embora com diferente fundamentação.

Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da Recorrente quer decai e porque decai (art.º 527)
Lxa.,

João Miguel Mourão Vaz Gomes

Jorge Manuel Leitão Leal

Ondina Carmo Alves


[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26/6, atentas as circunstância de o recurso da decisão do julgado de paz ter dado entrada com distribuição e autuação no dia 27/1/2015 no J7, secção cível, instância local, do Tribunal da Comarca de Lisboa, e a decisão recorrida ter sido proferida em 08/09/2015, o disposto no art.º 5/1 da Lei 41/2013 de 26/7 que estatui que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente a todas as acções pendentes; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/6, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs.