Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
771/14.7TVLSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
CASO JULGADO MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O princípio da eventualidade ou da preclusão, consagrado no nº 1 do artigo 489º do Código de Processo Civil, e que implica que toda a defesa deva ser deduzida na contestação, radica em razões de lealdade na condução da lide, de segurança e de certeza jurídica, impedem que os efeitos de uma sentença transitada em julgado sejam postergados, com base em novos argumentos que nessa acção poderiam ter sido invocados, e o não foram.
2. A autoridade de caso julgado de sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Enquanto esta tem em vista obstar à repetição de causas e se traduzem na tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - aquela implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo actuar independentemente da mencionada tríplice identidade.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. RELATÓRIO:

BELAR, LDA., com sede na Rua ….. em Lisboa, intentou contra MARIA EMA ….., residente na Av…….. em Lisboa, acção declarativa de simples apreciação, com processo ordinário, através da qual pede seja declarada inválida a denúncia do contrato de arrendamento de que a autora é arrendatária, nos termos do artigo 1101.º do Código Civil.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:

1. A Autora é uma sociedade que tem por objecto social a actividade de pastelaria [Doc. 1].

2. A Ré é proprietária do prédio urbano sito na Rua ……, Lisboa, inscrito sob o artigo 41.º da matriz predial urbana da freguesia …….

3. Em 09 de Julho de 1947, por escritura pública, a Autora tomou de arrendamento parte do prédio identificado no precedente artigo, para aí exercer a sua atividade [Doc. 2].

4. O capital social da Autora é de 12.459,95€ [Doc. 1].

5. Até 18 Setembro de 2007, o referido capital estava dividido em quatro quotas. A saber [Doc. 1]:
a) Uma, no valor nominal de 3.117,49€, da titularidade de António Silva …. casado no regime de comunhão de adquiridos com Maria …..;
b) Uma, no valor nominal de 3.740,98€, da titularidade de José ………;
c) Uma, no valor de 3.117,49€, da titularidade de António ……., casado no regime de comunhão de adquiridos com Maria ------;
d) Uma, no valor de 2.493,99€, da titularidade de Fernando …., casado no regime de comunhão de adquiridos com Angela …….;
6. Nessa data (18.09.2007), por escritura pública, a quota referida na alínea a) do artigo 5.º (3.117,49€ - Dias ……) foi dividida em duas [Doc. 3]: a) Uma no valor no valor nominal de 623,50€; b) Outra no valor nominal de 2.493,99€.

7. No mesmo acto, a primeira (no valor nominal de 623,50€) foi cedida ao sócio Dias …. [Doc. 3]:

8. E, a segunda (no valor nominal de 2.493,99€) foi cedida ao sócio Fernando …..[Doc. 3]:

9. Após a unificação das aludidas quotas com as primitivas, realizada no mesmo acto notarial, o referido capital ficou dividido em três quotas. A saber: a) Uma no valor nominal de 3.740,98€, da titularidade de José ……; b) Uma no valor de 3.740,99€, da titularidade de António …..; c) Uma no valor de 4.987,98€, da titularidade de Fernando …….

10. Em 11 Outubro de 2007, por escritura pública [Doc. 4], o sócio José ….. cedeu a sua quota ao sócio António ….. que no mesmo acto unificou essa com a sua primitiva quota, passando a ser titular de uma quota de 7.481,97€.

11. O capital social da Autora ficou dividido em duas quotas:
a) Uma no valor de 7.481,97€, da titularidade de António …..,
b) Outra no valor de 4.987,98€, da titularidade de Fernando …...

12. Em 8 de Fevereiro de 2010, a Autora tomou conhecimento, através de notificação judicial avulsa, da declaração de denúncia do contrato de arrendamento emitida pela Ré, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 26.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro conjugado com o artigo 1101.º do Código Civil [Doc. 5].

13. A Ré determinou os efeitos da referida denúncia a 31 de Março de 2015 [Doc. 5], ou seja, com uma antecedência de cinco anos da data de cessação do vínculo contratual.

14. Por carta datada de 22 de Fevereiro de 2010, sob registo e aviso de recepção, a Autora manifestou à Ré a sua oposição ao exercício do direito de denúncia por não ter ocorrido qualquer alteração na titularidade da sociedade mas apenas uma redução do número de sócios [Doc. 6].

15. Em 25 de Fevereiro de 2011, a Ré intentou contra a ora Autora uma acção de simples apreciação, na qual identificou uma situação de incerteza quanto à aplicabilidade alínea b) do n.º 6 do artigo 26.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro aos caso de transmissão entre vivos de mais de 50% do capital social entre sócios, e pediu a declaração daquela aplicabilidade com a consequente validade da denúncia do contrato de arrendamento comunicada nos termos da alínea c/. do artigo 1101.º do Código Civil.

16. A pretensão da Ré foi acolhida em sede de Recurso [Acórdão do TRL com o número de processo 399/11.3TVLSB.L1-2 e Acórdão do STJ com o número de processo 399/11.3TVLSB.L1-2 ambos in www.dgsi.pt], por decisão que transitou em julgado.

17. Em 06 de Janeiro de 2011, por sentença proferida no processo n.º 2139/10.5YLSB da 1.ª Secção do 8.º Juízo Cível de Lisboa, a escritura pública, celebrada em 18.09.2007, foi anulada.

18. A referida acção judicial foi intentada pelo sócio António ….. contra os demais consócios e na qual, em súmula, alegou a falta de poderes do sócio José …….. para a outorga da aludida escritura na qualidade de seu representante, uma vez que a procuração aí apresentada já havia sido revogada.

19. Em 23 de Maio de 2013, foi promovido o cancelamento no registo comercial das Menções de Depósito 4679 e 4680 relativas à transmissão de quotas efectuadas entre os sócios António Silva, António …. e Fernando ….. [Doc. 1 – Menção de Depósito 4589].

20. Como efeito da anulação da sobredita escritura pública e consequente cancelamento em sede de registo comercial foram efetuadas – ao qual a ora Autora é totalmente alheia – pela inscrição n.° 5 no registo comercial de 16.02.2014, as seguintes alterações ao contrato social [Doc. 1]: a) Uma quota no valor nominal de 3.740,98€, da titularidade de António .....; b) Uma quota no valor nominal de 3.117,49€, da titularidade de António …..; c) Uma quota no valor de 3.117,49€, da titularidade de António Silva ….; d) Uma quota no valor de 2.493,99€, da titularidade de Fernando …...

21. Em 29 de Janeiro de 2014, ou seja, já após a publicidade do aludido cancelamento no registo comercial das transmissões de quotas, a Ré comunicou à Autora por carta registada com aviso de recepção, a confirmação da denúncia que manifestara em 8 de Fevereiro de 2010, ao abrigo do artigo 1104.º do Código Civil [Doc. 7].

22. Com a anulação da escritura celebrada em 18.09.2007 e tendo os seus efeitos sido destruídos ab initio (regime jurídico da anulabilidade – artigo 289.º do C.C. entre outros), a única transmissão inter vivos de posição social cujos efeitos se mantêm corresponde à cedência da quota do sócio José …. ao sócio António …. formalizada por escritura pública de 11 Outubro de 2007.

23. A única quota cedida (3.740,98€) corresponde a 30% do capital social (12.459,95€).

24. Nestes termos, confirmando-se a intenção de denúncia do contrato, a Ré arroga-se da aplicabilidade do disposto na alínea b/ do n.º 6 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (entretanto alterada pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto), sendo certo que atenta a percentagem de capital social transmitido (30% - cfr. supra artigo 22) o requisito da sobredita alínea não se verifica, o que obsta à denúncia do contrato nos termos da al. c/ do artigo 1101.º do Código Civil (cfr. artigo 28.º da Lei 31/2012 de 14 de Agosto)

Finaliza a autora a petição inicial, requerendo a apreciação sobre a aplicação da alínea b) do n.º 6 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, que deverá culminar com a declaração da sua inaplicabilidade e, consequentemente, declarada inválida a denúncia do contrato de arrendamento dos autos nos termos do artigo 1101.º do Código Civil.
             
Citada, a ré apresentou contestação, na qual pediu a apensação de outras acções já decididas, invocou a excepção de caso julgado, o abuso de direito da autora, a violação do princípio da boa-fé, a litigância de má-fé e impugnou a factualidade alegada pela autora.

         Alegou, para tanto e em suma, o seguinte:

1.A autora, Ré num anterior processo de despejo em que ficou vencida, vem agora pretender contornar esse mesmo despejo apresentando a juízo motivos e factos que deveria ter levado à contestação, na causa que perdeu.

2.O julgamento da presente causa exige a apensação dos processos referentes às causas anteriores já julgadas com trânsito.

3. Assim, para melhor compreensão do verdadeiro objectivo da A. com a propositura desta acção que diz de simples apreciação contra a R., ora em contestação - e fundamentalmente para a descoberta da verdade material da causa - a R. contestante, requer a apensação aos presentes autos dos seguintes processos (onde, para além do mais, se encontram todos os documentos essenciais à justa decisão):
a) Processo n.° 399/11.3TVLSB que correu termos pela 3.2 Secção desta mesma 11.º Vara Cível de Lisboa, que diz respeito à Acção de Simples Apreciação, referida pela ora A., com Acórdão do STJ, transitado em Julgado em 01/10/2012.
b) Processo n.º 2139/10.5YXLSB que correu termos pela 1.ª Secção do 8.º Juízo Cível de Lisboa, que diz respeito à Acção declarativa de anulação da escritura pública celebrada a 18-09-2007 — causa referida pela A. nos artigos 17.º a 20.º da Petição Inicial. Trata-se este feito de uma acção não contestada, que deu origem à anulação do negócio vertido na referida escritura: contrato de cessão de quotas da R.(despejada), aqui A.

4.A cessão de quotas em crise foi o motivo antecedente do despejo, por ter autorizado, de acordo com o Acórdão do STJ, a prévia denúncia do contrato de arrendamento vigente até então entre a A. e a aqui R.

5.Entretanto a cessão anulada levou ao cancelamento do registo em 16-02-2014, pela Insc. 5, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, que só foi promovido a 23-05-2013, e publicado a 26-02-2014.

6.É por todo este itinerário, manifesto o interesse do bom julgamento nas apensações requeridas.

7.A A. designa a presente acção como acção de simples apreciação negativa quando na verdade corresponde a um feito de contencioso e, por isso mesmo, a uma acção declarativa de condenação.

8. O que na verdade a A. pretende é convencer a R. que tem por si uma acção de despejo vitoriosa contra a inquilina de que não tem razão e deve aceitar-se a si própria como vencida.

9. O que verdadeiramente move a A. é um interesse processual negativo, i.e., um não interesse juridicamente válido na obtenção da sentença vitoriosa.

10. A ora Ré é dona e legítima possuidora, proprietária, do prédio urbano sito na Rua …….., em Lisboa (doc. n.º1).

11.Por escritura pública outorgada em 09/07/1947, a ora A. tomou de arrendamento a loja com os n°s ….. e mencionado prédio, com destino ao exercício de pastelaria e confeitaria ou a qualquer ramo de comércio ou indústria (Doc. 1 da petição inicial do processo n.2 399/11.3TVLSB).

12.Por escrituras outorgadas em 18/09/07 e 11/10¡07, registadas na respectiva Conservatória do Registo Comercial de Lisboa pela inscrição 3_Ap. 50 de 24-09-2007 - Menções Dep. 4679 e 4680, ambas de 24-09-2007, foram cedidas quotas correspondentes a mais de 50% do capital social da R.

13.Motivo pelo qual, por Notificação Judicial Avulsa de 27/01/2010, notificada à ora A. a 08-02-2010, a ora R. denunciou o contrato de arrendamento supra referido, nos termos do disposto na alínea b) do nº 6 do artº 26º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro e artigo 1101º do Código Civil, com os devidos cinco anos de antecedência relativamente à data em que pretendia a cessação (31/03/2015): ocorrera transmissão inter vivos de posições sociais que determinou a alteração da titularidade de mais de 50% do capital social da ora A.( doc 5 da p.i.).

14. Notificação Judicial Avulsa essa que - apesar de não admitir resposta - obteve por parte da ora A., o envio à R. da carta de 22/02/2010, na qual lhe comunicou que se opunha à referida denúncia do contrato de arrendamento, por entender não se encontrarem reunidos os pressupostos legais: não tinha ocorrido nenhuma alteração da titularidade do capital da sociedade, mas uma simples redução do número de sócios (doc. n.º 6 da p.i.).

15.Face à produção de efeitos antecedente da notificação Judicial Avulsa, mas no horizonte de 31-03-2015 de boa fé e para que dúvidas não restassem, a aqui R. propôs contra a aqui A., sim, a competente acção de simples apreciação.

16.É que a ora A. suscitava uma incerteza sobre a aplicabilidade do disposto na alínea b) do n.º 6 do art.° 26º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, aos casos em que a transmissão entre vivos de mais de 50% do capital fosse feita para sócios da sociedade e não para terceiros.

17.Acção essa que culminou com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2012, transitado em julgado a 01-10-2012, que confirmou o também Acórdão da Relação de Lisboa de 01-03-2012 (fls. do processo n.º 399/11.3TVLSB - conforme doc. 2 e doc. 3).

18.O Acórdão do STJ declarou válida a denúncia do contrato de arrendamento de 09/07/1947, efectuada pela ora R. através da notificação judicial avulsa de 8/2/2010.

19.Tendo transitado em julgado, em 01-10-2012, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde se decidiu pela aplicação ao caso da alínea b) do nº 6 do artigo 26º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU); e que em consequência declarou válida a denúncia do contrato de arrendamento efectuada pela ora R. nos termos do artigo 1101º do Código Civil, com efeitos a partir de 31.03.2015;
20.Com a propositura da presente acção, a ora A. pretende precisamente o mesmo - a (re)apreciação do caso, mas negativa do bom fundamento para a denúncia do contrato (notificada à ora A. a 08-02-2010), nos termos da alínea b) do n° 6 do artigo 26º da Lei nº 6/2006,de 27 de Fevereiro.

21.Pelo que se verifica na presente causa a excepção dilatória do caso julgado prevista no artigo 577º, al. i) do NCPC, devendo a ora R. ser absolvida do pedido, com as legais consequências.

22.Em argumento último verifica-se, no limite, a tríplice identidade porque entre a presente causa e a acção de despejo em que a R. foi vencedora as partes são as mesmas (Maria Ema ……/ Belar, … Lda. e esta contra a primeira) a causa de pedir, idem (cessão eficaz ou ineficaz da maioria do capital da inquilina) e idem quanto ao pedido (revogação de pleno direito ou não do arrendamento).

23.Tríplice identidade dialéctica e a que corresponde uma unidade racional da lide,  porque as  posições  contrapostas  dizem respeito a uma e uma só de cada um dos contentores, regidas pelo
interesse contrário, ponto por ponto e frente a frente.

24.Vale aqui ter em consideração que a A. não pode ser considerada estranha às vicissitudes da recomposição do capital social que é um elemento identitário incontornável dela mesmo como pessoa moral.

25.Se um dos sócios não autorizou a cedência da quota de que era titular esta circunstância não pôde deixar, nem podia deixar de ser supervisionada pela sociedade qual tale.

26.Deveria, deste modo, ter levado o facto à contestação no pleito em que traduziu o processo n.º 399/11.3TVLSB, de imediato, por articulado superveniente ou comunicação probatória aos tribunais superiores, o que não aconteceu.

27.O pedido nesta acção formulado pela ora A. improcede de facto e de direito e resume-se numa tentativa da ora A. protelar a entrega do locado à ora R., deturpa a autora e oculta factos.

28.Não obstante tem pleno conhecimento de que a denúncia do contrato de arrendamento efectuada pela ora R. em 2010, com efeitos em 31/03/2015 é válida e foi confirmada por decisão transitada em julgado.

29.Decisão do S.T.J. transitada em julgado ainda antes de ter sido dada publicidade à anulação da cessão das quotas de mais de 50% do capital da A. que apenas ocorreu em 26.02.2014, tal como já foi alegado (Insc. 5 doc. 1 p.i.)

30.A autora ocultou ao processo sob o n.º 399/11.3TVLSB a pendência do processo n.º 2139/10.SYXLSB, no qual foi proferida sentença de anulação da cessão de quotas e escritura pública correspondente, celebrada a 18.09.2007, por virtude da acção não ter sido contestada, dando lugar a sentença transitada.

31.Todavia, o cancelamento do Registo da anulação da cessão na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, apenas foi promovido a 16-02-2014 e publicado a 26-02-2014 (Insc. 5 do doc. 1 da p.i.).

32.O que aconteceu já após a confirmação da denúncia, bem como a seguir ao trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tirado no proc.º n.º 399/11.3TVLSB, sendo o respectivo:
"I.A cessão de quotas por actos inter vivos representativa de mais de 50% do capital social da sociedade arrendatária, ocorrida depois da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 de 27/02 (NRAU) confere ao senhorio o direito de denúncia do mesmo contrato de arrendamento, nos termos do art. 1.101º, al. c) do  Cód. Civil, por aplicação do disposto no nº 6, al. b) do art. 26º da aludida Lei n.º 6/2006.
II. A circunstância de a cessão de quotas não implicar a entrada de novos sócios por a cessão haver ocorrido através da cedência da maioria do capital por parte de sócios que assim saem da sociedade cedendo aquelas quotas aos sócios anteriormente minoritários, não é impeditiva da aludida faculdade de denúncia.

33.De qualquer modo, não obstante a data de celebração deste Contrato de Arrendamento (09 de Julho de 1947), e uma vez que houve, após a entrada em vigor do NRAU uma transmissão intervivos das participações sociais que determinou a alteração da titularidade do capital da sociedade A. em mais de 50%, a senhoria, ora R, pôde, perante este facto consolidado no registo comercial, denunciar o Contrato de Arrendamento, beneficiando do levantamento da limitação ao direito de denúncia imposto na al. e) do n° 4 do art. 26, cit..

34.Foi o que justificou e tornou válida, segundo o Acórdão do STJ, acima referido a declaração de denúncia de arrendamento emitida pela R e recebida pela A. a 08.02.2010, através de Notificação Judicial Avulsa.

35.Ora, os efeitos desta denúncia serão produzidos a 31 de Março de 2015, pretensão da ora R. que foi acolhida, insiste, pelo STJ, com trânsito em julgado.

36.Pelo que só ex abundante é que deve ser tida em consideração a confirmação da denúncia do arrendamento, feita pela R. em 29.01.2014, ainda assim antes de ter sido dada publicidade ao cancelamento no registo comercial das transmissões de quotas do capital da A., segundo a escritura de 18.09.2007 (Insc. 5 do doc. 1 da p.i.).

37.Teve apenas o mérito de recordar à A. que no dia 31-03-2015 lhe deveria restituir a loja locada completamente livre e devoluta de pessoas e bens.

38.A comunicação constante do doc. 7 da p.i.,"confirmação da denúncia", não configura nenhum acto de direito constituído: o preceito que exigia a confirmação  da  denúncia,  notificada  à ora A. em 08/02/2010 (art. 1104º do CPC) foi revogado pela Lei n.º 31/2012, de 14-08-2012, que entrou em vigor a 15/11/2012.

39.Mesmo assim, de acordo com a boa-fé, com que sempre se pautou a conduta da R. para com a ora A. - entendeu remeter-lhe esta "confirmação" excedentária, mas sem outra relevância jurídica.

40.Entretanto, a ora A. criou um litígio fictício, accionado sob uma versão completamente dissimulada, que conscientemente não correspondia à realidade, e dirigido a violar os direitos da ora R. logo que eclodiu e chegou ao fim rapidamente a causa que correu sob o proc. n.º 2139/10.5YXLSB.

41. Esta circunstância cai, segundo a opinião da Ré no campo de censura do art. 612.º NCPC: ocorre a simulação processual quando as partes, de comum acordo criam a aparência de uma lide para obter uma sentença cujos efeitos intentam lesar o direito de terceiro, neste caso, a ora R.

42.É que a ora A. - os seus anteriores e actuais sócios - utilizou o processo destinado à anulação da escritura pública celebrada a 18/09/2007, através de acção intentada pelo sócio António ……, contra os demais consócios dela, A., - logo após o conhecimento da denúncia pela R. do contrato de arrendamento – argumentando alegadamente que a procuração que atribuía poderes ao sócio José …….., para celebrar a escritura pública de cessão de quotas em representação dele António ….., havia sido revogada previamente, por carta datada de 21 de Junho de 2007 (petição inicial e documentos que a acompanharam do Processo n.9 2139/10.SYXLSB).

43.Face ao supra exposto, mais não se poderá concluir que a conduta das partes no caso da anulação da cessão de quotas representativas do capital da A. se reconduz a uma simulação para enviesar o sentido de uma eventual sentença desfavorável que a atingisse no caso que corria termos sob o Proc. n.º 399/11.3TVLSB, dependo neste sentido a cópia dos documentos depositados na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, bem como a cópia dos documentos instrutórios (doc. 4).

44.Na lide a que diz respeito o proc.º n.º 2139/10.5YXLSB as partes demonstraram, com a   conduta   processual   que   tiveram, estarem concluidos para obter determinado efeito jurídico,veja-se
falta de contestação dos ali Réus que impôs a condenação dos mesmos, demonstrando um prévio acordo ordenado a um fim desleal e contra o direito.

45.Certo é, que A. e R. litigam desde Janeiro de 2010 – data em que ora R. requereu a notificação judicial avulsa da ora A, litigio continuado na acção com o Proc.° n.° 399/11.3TVLSB, com encerramento a 01-10-2012, mas durante todo este longo período de lide, esta sempre lhe ocultou a falta de legitimidade de um dos seus sócios para representar o cedente na celebração da escritura de cessão de quotas.

46.Por outro lado, sem conceder, sempre se dirá que a ora R., para efeitos de Registo Comercial, é um "terceiro" de boa fé.

47.Repete-se que a Insc. 5 do doc. 1 da p.i., apenas foi solicitada a 16/02/2014 e publicada a 26/02/2014, após o trânsito em julgado do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça tirado na acção que correu sob o n.º 399/11.3TBLSB.

48.E mesmo a confirmação da denúncia do arrendamento, efectuada pela ora R. por carta de 29-01-2014, (não configurando nenhum acto de direito constituído - contrariamente ao alegado pela A. - foi até efectuada também antes da publicidade registral da anulação da sessão de quotas efectuadas por escritura de 18/07/2007, publicidade essa que só ocorreu a 26/02/2014.

49.Em suma, não poderá a A. fazer vencimento nesta acção: manter-se-á a aplicação da alínea b) do n.º 6 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) à denúncia do contrato de arrendamento levada a efeito pela R. em Fevereiro de 2010, nos termos do artigo 1101.º do Código Civil, com efeitos para 31 de Março de 2015, resultando da certidão de registo comercial da ora A. vigente à data da denúncia, pelas inscrições n.º 3 de 24/09/2007 e inscrição n.º 4 de 23/10/2007, que se encontravam inscritas as alterações do contrato de sociedade pelas quais foram cedidas quotas correspondentes a mais de 50% do capital social da ora A. (processo n.º 399/11.3TVLSB).

50.A autora, com a propositura da presente acção, bem como com a omissão no processo n.º 399/11.3TVLSB de notícia sobre a pendencia do Processo n.º 2139/10.5YXLSB, infringiu não só as boas práticas processuais, como agiu conscientemente em ordem em obter um fim proibido pelo direito.

51.O ora R,. pelo contrário, sempre agiu de boa fé, cingindo-se à lei na denúncia do contrato de arrendamento nos termos do disposto na alínea b) do nº 6 do art.º 26º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro e artigo 1.101º do Código Civil, respeitando os devidos cinco anos de antecedência relativamente à data em que pretendia a cessação dos efeitos contratuais (31/03/2015).

52.Do mesmo modo agiu de plena boa fé quando, perante a anterioridade de cinco anos da produção de efeitos da notificação judicial avulsa, em face da incerteza suscitada pela ora A. relativamente à aplicação ao caso do disposto na alínea b) do n.º 6 do art.º 26º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, por se não tratar, na opinião da inquilina da transmissão entre vivos de mais de 50% do capital quando tivesse ocorrido em benefício dos sócios da sociedade e não de terceiros, propôs a acção de simples apreciação, em que fez vencimento quanto ao tema.

53.Entretanto, a ora A. assim que foi notificada da denúncia do contrato de arrendamento, "tratou" imediatamente de "anular" a transmissão de quotas de 18/09/2007, tendo a transmissão de quotas de 18-09-2007 sido registada a 23/09/2007 e publicada em DR a 07-11-2007, e (... não se pode aceitar ou compreender) que só em Setembro de 2010 (data da propositura da acção que correu sob o processo n.º 2139/10.SYXLSB, os "sócios" António …… e Maria ….. se aperceberam que já não eram titulares de qualquer quota da ora A...desde finais de 2007.

54.Assim, perante uma tão clara manifestação de má fé por parte da ora A. ao não assumir a verdade dos factos, ocultando outros e repetindo, agora, um mesmo pedido quando já doutamente tinha sido decidido o contrário, contra ela R. pelo Supremo Tribunal de Justiça, aduzindo circunstâncias completamente distorcidas da realidade e simuladas, como não podia deixar de ignorar, agiu com dolo.

55. Deve a A. nos termos conjugados do n.º 1, das als. a), b), c) e d) do nº 2 do artigo  542º  e  do  nº 1  do  artigo 543º,  ambos do CPC, ser condenada em litigância de má-fé, em multa e no pagamento de indemnização que cubra as despesas forenses e com o processo (extraordinárias) a que tamanha má-fé obrigou a R., sobretudo, se constitua, numa compensação pelo desgaste psicológico e de ânimo que lhe induziu com a p.i e a posição nela vertida, estimando o montante desta indemnização em, pelo menos, € 6.000,00 (seis mil euros) .

56.Para além do mais, a pretensão da autora se por acaso poder conferir-lhe viabilidade do pedido está ferida de abuso de direito, na modalidade de fraude à lei.

57.Com efeito, a estratégia forense de ser intercalada entre a acção de simples apreciação proposta pela R e a presente acção, mascarada no pedido de simples apreciação contrário, numa outra acção em que nenhum dos actores das duas de simples apreciação intervieram nos debates da causa, configura uma manipulação do sistema judicial em ordem em fazê-lo funcionar contra si próprio, ou melhor, contra a coerência e consistência das sentenças dos tribunais.

58.Em suma, a A. tem consciência e quis usar formalmente as aparentes faculdades legais que o ordenamento lhe predispõe para obter um resultado enviesado e contra o direito, tratando de abuso de direito nos termos e com as consequências previstas no art.º 334.° do CC.

59. Deste modo, sendo ilegítimo o exercício das faculdades legais a que se arroga a A, não pode proceder o pedido, que deve levar à absolvição plena da Ré.


Termina a ré, a sua contestação, formulando as seguintes pretensões:

a)Ser deferida a solicitada apensação aos presentes autos dos processos n.° 399/11.3TVLSB que correu termos pela 3.ª Secção desta mesma 11ª Vara Cível de Lisboa e processo n.º 2339/10.SYXLSB que correu termos pela 1.ª Secção do 8.°Juízo Cível de Lisboa;
b)A excepção de interesse processual negativo ser julgada procedente por provada e em consequência ser julgada improcedente o pedido;
c)A excepção de caso julgado ser julgada procedente, por verificada e em consequência, ser a R. absolvida do pedido.
Ou, a assim não se entender,
d)Atender e julgar o tribunal em conformidade, segundo o art.º 612.º do NCPC;
e)Atender e julgar o tribunal em conformidade, segundo o art.º 334.º do CC.
Ou
f)Ser declarada a aplicação ao caso da alínea b), do n.º 6, do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, e, consequentemente, declarada válida a denúncia do contrato de arrendamento nos termos do artigo 1012º do Código Civil, com efeitos em 31/03/2015, (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça já transitado em Julgado);
g)Ser a autora condenada em litigância de má-fé, designadamente em multa e em indemnização no montante não inferior a € 6.000,00 (seis mil euros) a favor da R., bem como em todas custas do processo, segundo a lei, incluindo os honorários da advogada subscritora, a liquidar.

Notificada, a autora apresentou articulado de réplica, no qual respondeu às excepções invocadas, nomeadamente no que concerne à excepção de caso julgado, defendendo que a tríplice identidade desejada pela Ré não se verifica, nomeadamente no que concerne à causa de pedir, posto que:

i. Aqui o cancelamento de 23.05.2013 das Menções de Depósito 4679 e 4680 relativas à transmissão de quotas entre sócios da Autora determinou que apenas exista válida uma transmissão de 30% do capital social;
ii. No processo n.º 399/11.3TVLSB a transmissão de quotas em apreciação correspondia a cessão superior a 50% do capital social;
iii. No processo n.º 399/11.3TVLSB existiu uma incerteza sobre a aplicabilidade da alínea b/ do n.º6 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro uma vez que a Autora, nesse processo Ré, restringia a aplicabilidade  do estatuído  na norma à  transmissão entre vivos de mais de 50% do capital para terceiros, ao invés da Ré, aí Autora, que defendia a aplicabilidade da disposição legal mesmo nas transmissões entre sócios;
iv. Nos presentes autos, tendo em conta a anulação da transmissão de quotas que implicou a validade da cessão de apenas 30% do capital social da Autora, ou seja abaixo dos 50% previstos na norma descrita em (iii), e mantendo a Ré, como a própria contestação assim o revela, a sua declaração de denúncia, invocando contra a Autora um direito, resulta clara a incerteza sobre a verificação do previsto da alínea b/ do n.º6 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 com base em factos manifestamente diferentes.

Mais defende a autora que a imutabilidade exigida pela Ré, no que diz respeito à decisão tomada no processo n.º 399/11.3TVLSB, em nada será afectada por qualquer decisão que venha a ser tomada nos presentes autos, pois se naquele processo os Tribunais superiores resolveram a situação de incerteza - constituindo caso julgado, apenas e tão só nos seus limites e termos – sobre a aplicabilidade da alínea b/ do n.º6 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 às situações de cessão de quotas, em mais de 50% do capital social, entre sócios; nos presentes autos a dúvida reside em saber se, face à anulação de transmissões de quotas, está ou não preenchido o previsto na referida norma conforme a Ré se arroga para exercer o direito de denúncia. As questões são diferentes.

Em 12.01.2015, foi proferido despacho, indeferindo a apensação de acções, determinando que, atento o disposto no artigo 592º, nº 1, alínea b) do CPC, não haveria lugar a audiência prévia, e procedeu-se ao saneamento do processo, pronunciando-se o Tribunal a quo sobre a excepção de caso julgado, constando do Dispositivo da Decisão, o seguinte:

Por todo o exposto, julgo procedente a excepção do caso julgado e, consequentemente, absolvo a R. da instância (arts. 278º nº 1 al. e) e 577º al a) do C.P.C.).
Custas pela A.
Não condeno a A. como litigante de má fé por não se verificar nenhuma das hipóteses previstas no art. 542º nº 2 do C.P.C.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i. No caso dos autos não se encontram reunidos os requisitos legalmente fixados para que possa ser declarada a existência de caso julgado;
ii. Para que estivéssemos perante uma situação de caso julgado seria necessário que a presente ação fosse idêntica à ação anteriormente proposta pela Autora e ora Recorrente, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir;
iii. No caso dos presentes autos, não existe identidade da causa de pedir;
iv. Na primeira ação (o Processo nº 399/11.3TVLSB), a então Autora e ora Recorrida, fez assentar a sua pretensão de denúncia do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos no facto de, por escrituras públicas de 18/09/2007 e de 11/10/2007, terem sido cedidas quotas da ora Recorrente em mais de 50% do seu capital social;
v. Enquanto que, na presente ação, a sua Autora e ora Recorrente faz assentar a sua pretensão de invalidade da denúncia do contrato de arrendamento objecto dos presentes autos, no facto de a cedência de quotas da ora Recorrente em mais de 50% do seu capital social ter sido anulada por sentença de 06/01/2011 proferida no Proc. nº 2139/10.5YLSB da 1ª secção do 8º Juízo Cível de Lisboa e de ter ocorrido, entretanto, o respetivo cancelamento do registo a 23/05/2013, tudo em consequência da destruição ab initio dos efeitos da escriturada transmissão de participações sociais de 18.09.2007;
vi. Comparados os dois processos, constata-se que, no âmbito do processo n.º399/11.3TVLSB não foi tomado em consideração pelos Tribunais de recurso que a cedência de quotas em mais de 50% que fundamentou a denúncia da ora Recorrida ― na data da elaboração das respetivas sentenças (01/03/2012 pelo Tribunal da Relação de Lisboa e 11/04/2012 pelo Supremo Tribunal de Justiça) ― já havia sido anulada por sentença datada de 06/01/2011 proferida no âmbito do Proc. n.º 2139/10.5YLSB da 1ª secção do 8º Juízo Cível de Lisboa com transito em julgado;
vii. Sublinhe-se nesta sede que, a ora Recorrente só veio a tomar conhecimento da referida sentença de anulação da cedência de quotas muitos meses depois da mesma ter sido proferida e numa altura em que o processo n.º399/11.3TVLSB já havia sido objeto de contestação e recurso, estando a ora Recorrente à época, por força das normas processuais em vigor, legalmente impedida de juntar processo n.º399/11.3TVLSB documentos supervenientes;
viii. Conforme disposto no nº 2 do artigo 580º do CPC, a exceção do caso julgado têm como objetivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior;
ix. Ora, tal risco, no presente caso não se verifica, uma vez que o presente tribunal está na posse de elementos de que os anteriores tribunais não dispunham;
x. Ao considerar procedente a excepção de caso julgado o Mmo. Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 580º e 581º e segts do CPC;
xi. Não se verificando no presente caso a exceção de caso julgado do artigo 580º do CPC;
xii. Não subsistindo quaisquer dúvidas de que a Mma Juíza a quo errou na aplicação do direito, pelo urge revogar a Douta Sentença recorrida;
xiii. Devendo ser proferido Acórdão a julgar a acção procedente por provada e a condenar a Recorrida do pedido, por força do disposto nos referidos normativos.

Pede, por isso, a apelante, que o recurso seja julgado procedente por provado e em consequência revogada a decisão da 1ª instância e substituída por outra que julgue improcedente a excepção de caso julgado.

A ré apresentou contra-alegações, propugnado a manutenção do decidido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO:

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente  que se define  o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a única questão a analisar reporta-se:

À EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO E Á AUTORIDADE DE CASO JULGADO.

***

III . FUNDAMENTAÇÃO:

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido, mas que aqui se sintetiza, já que a mesma se mostra omissa na sentença recorrida:


1.A Autora Belar …., Lda. tem por objecto social a actividade de pastelaria e confeitaria [Fls. 17-21].

2.A Ré é proprietária do prédio urbano sito na Rua …….., em Lisboa.

3.Por escritura pública de 09 de Julho de 1947, a Autora tomou de arrendamento parte do prédio identificado em 2., para aí exercer a sua actividade [Fls. 22-29].

4.O capital social da Autora é de 12.459,95€ [Fls. 17-21].

5.Até 18 Setembro de 2007, o referido capital estava dividido em quatro quotas:

a) Uma no valor nominal de 3.117,49€, da titularidade de António Silva …;
b) Uma no valor nominal de 3.740,98€, da titularidade de José ……;
c) Uma no valor de 3.117,49€, da titularidade de António ……;
d) Uma no valor de 2.493,99€, da titularidade de Fernando ……...

6.Nessa data (18.09.2007), por escritura pública, a quota 3.117,49€ - António Silva …. - foi dividida em duas:

a) Uma no valor no valor nominal de 623,50€, foi cedida ao sócio António ……;
b) Outra no valor nominal de 2.493,99€ ,foi cedida ao sócio ………..

7.Após a unificação das aludidas quotas com as primitivas, realizada no mesmo acto notarial, o referido capital ficou dividido em três quotas:
a) Uma no valor nominal de 3.740,98€, da titularidade de José ……;
b) Uma no valor de 3.740,99€, da titularidade de António ……;
c) Uma no valor de 4.987,98€, da titularidade de Fernando …... [Fls. 17-21].

8.Em 11 Outubro de 2007, por escritura pública, o sócio José ….. cedeu a sua quota ao sócio António ……, que no mesmo acto unificou essa, com a sua primitiva quota, passando a ser titular de uma quota de 7.481,97€, tendo ficado o capital social da Autora dividido em duas quotas:
a) Uma no valor de 7.481,97€, da titularidade de António ……:
b) Outra no valor de 4.987,98€, da titularidade de Fernando ……. [Fls. 30-36].

9.Em 8 de Fevereiro de 2010, a Autora tomou conhecimento, através de notificação judicial avulsa, da declaração de denúncia do contrato de arrendamento emitida pela Ré, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 26.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro conjugado com o artigo 1101.º do Código Civil, determinando os efeitos da referida denúncia a 31 de Março de 2015, ou seja, com uma antecedência de cinco anos da data de cessação do vínculo contratual. [Fls. 37-40].

10.Por carta datada de 22 de Fevereiro de 2010, sob registo e aviso de recepção, a Autora manifestou à Ré a sua oposição ao exercício do direito de denúncia por não ter ocorrido qualquer alteração na titularidade da sociedade mas apenas uma redução do número de sócios [Fls. 41].

11.Em 08.09.2010, sócio da autora, António Silva …. intentou acção contra José ...., António …… e mulher, Fernando …. e contra a aqui autora, “Belar …., Lda.”, que correu termos pela 1.ª Secção do 8.º Juízo Cível de Lisboa – Pº 2139/10.5YLSB - e na qual o autor alegou a falta de poderes do sócio José …. para a outorga da escritura pública de 18.09.2007 e pediu que fosse declarada nula ou anulada a aludida escritura, em virtude de ter sido celebrada com inexistência de poderes para o efeito, ao abrigo de uma procuração já revogada, sendo tal revogação do conhecimento, quer do mandatário, quer dos cessionários [Fls. 94-103].

12.Na acção referida em 11., foi proferida sentença, em 06.01.2011, constando da parte decisória, o seguinte: Atenta a falta de contestação, e ao abrigo do disposto nos artigos 484º e 784º, ambos do Cód. Proc. Civil, julgo reconhecida e assente a factualidade vertida na petição inicial pelo que, aderindo aos fundamentos alegados nesta peça processual, condeno os réus do pedido.

13.Em 25 de Fevereiro de 2011 a aqui Ré intentou contra a ora Autora uma acção de simples apreciação, através da qual pediu que fosse declarada válida a denúncia do contrato de arrendamento vigente entre as partes, efectuada ao abrigo do artigo 26.º, n.º 6, alínea b) da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, tendo sido julgada improcedente na 1ª instância, que foi alvo de recurso, tendo tal decisão sido revogada pelo Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa – Pº 399/11.3TVLSB.L1 - datado de 01.03.2012, que declarou válida a denúncia do contrato de arrendamento efectuado pela ali autora/aqui ré, através da notificação judicial avulsa de 08.02.2010, e que foi confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11.09.2012, negando-se provimento ao recurso de revista interposto pela ali ré/aqui autora, decisão que transitou em julgado [Fls. 73-86].

14.Em 23 de Maio de 2013, foi promovido o cancelamento no registo comercial das Menções de Depósito 4679-4680 relativas à transmissão de quotas efectuadas entre os sócios António Silva …., António …… e Fernando ….., em resultado da decisão proferida, em 06.01.2011, no Pº 2139/10.5YLSB, referida em 11.

15.Foram registadas no Registo Comercial, através da Inscrição n.° 5, de 16.02.2014, as seguintes alterações ao contrato social da autora:
a) Uma quota no valor nominal de 3.740,98€, da titularidade de António …….;
b) Uma quota no valor nominal de 3.117,49€, da titularidade de António …….
c) Uma quota no valor de 3.117,49€, da titularidade de António Silva ….;
d) Uma quota no valor de 2.493,99€, da titularidade de Fernando ….. [Fls. 17-21]:

16.Em 29 de Janeiro de 2014, a Ré comunicou à Autora por carta registada com aviso de recepção, a confirmação da denúncia que manifestara em 8 de Fevereiro de 2010, ao abrigo do artigo 1104.º do Código Civil [Fls. 42 ].

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

A EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO E A AUTORIDADE DE CASO JULGADO.

O caso julgado visa dar concretização aos valores de certeza e segurança jurídica, assegurando o prestígio dos tribunais, que ficaria comprometido se a mesma situação concreta, uma vez definida num certo sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente.

Como refere MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 305-306, “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença”.

A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa idêntica a outra anterior já decidida, por sentença com trânsito em julgado, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior - v. artigo 497º do C.P.C.
 
O artigo 498º do C.P.C. não se limita a fazer coincidir o conceito de repetição da causa com o de identidade das acções. Acrescenta que a identidade há-de dizer respeito aos sujeitos, ao objecto e à causa de pedir, que são os requisitos da identificação das acções. 

Na verdade, as acções caracterizam-se e individualizam-se pelos seus elementos essenciais, que são as pessoas, os bens ou coisas que se pretendem e o fundamento ou a causa por que se pretendem: duas acções só serão idênticas quando numa e noutra as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.  

A identidade jurídica dos litigantes nada tem a ver com a posição processual que elas ocupam. As partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta para o efeito da identidade jurídica é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, e não a sua posição quanto à relação jurídica processual. 

A exigência de identidade de sujeitos fixa os limites subjectivos do caso julgado. Mas, à identidade subjectiva acresce a identidade objectiva.
                  
O artigo 581º do C.P.C. considera em separado identidade do objecto, ou seja, a identidade do pedido, a chamada identidade objectiva em sentido restrito e a identidade de causa de pedir. 

Há identidade do objecto, diz o artigo 581º, nº 3 do C.P.C., quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, o qual se terá de determinar pelo pedido formulado pelo autor. Daí que, a identidade de objecto vem a traduzir-se na identidade de pedido.

Há, finalmente, identidade de causa de pedir, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, consistindo a causa de pedir, no acto ou facto jurídico donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer. 
 
Por outro lado, e como dispõe o artigo 628º do C.P.C., a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de invocação de nulidade ou pedido de reforma, nos termos dos artigos 615º e 616º do mesmo diploma.

Tanto o caso julgado material, como o caso julgado formal pressupõem o trânsito em julgado da decisão.

O caso julgado material cobre a decisão proferida sobre o fundo ou mérito da causa, tem força obrigatória, não só dentro do processo em que a decisão é proferida, mas principalmente fora dele - artigo 619º, nº 1 do C.P.C.
       
O caso julgado formal aproveita às decisões de carácter processual e é gerado, em regra, por qualquer decisão judicial - cfr. artigos 619º e 620º do C.P.C. 

O caso julgado material estabelece como indiscutível uma solução concreta, sendo a extensão daquilo que se torna indiscutível determinada por limites objectivos e subjectivos. Os primeiros têm a ver com o pedido e a causa de pedir e os segundos dizem respeito às partes - cfr. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 279 e ss. 

Assim, do ponto de vista do objecto do processo, o conteúdo do caso julgado é só a decisão final referente ao pedido e não também os fundamentos ou outras questões resolvidas pelo juiz na fundamentação. 

Embora em regra excluídos do caso julgado, é ponto assente na doutrina e na jurisprudência que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença coberta pelo caso julgado - v. ANTUNES VARELA, Ac. S.T.J. de 17.01.80, anotado na R.L.J. 113º, 296 e ss.

O caso julgado material é, na expressão de M. TEIXEIRA DE SOUSA, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325º, 179 e ss., uma proibição de contradição de uma decisão de mérito num processo posterior que, em conjugação com uma permissão de repetição, gera a autoridade de caso julgado e que em ligação com uma proibição de repetição, origina a excepção de caso julgado.
       
Ora, no caso em análise, a aqui ré instaurou uma acção declarativa com processo ordinário, contra a aqui autora, na qual pediu e logrou obter, mediante Acórdão do STJ de 11.09.2012, transitado em julgado (Pº 399/11.3TVLSB.L.S1), que fosse declarada válida a denúncia do contrato de arrendamento vigente entre as partes, efectuada ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº 6, alínea b) da Lei nº 6/2006, de 27/6 – v. nº 13 da Fundamentação de Facto – atenta a transmissão inter vivos, na sociedade arrendatária (ali ré), de posições sociais determinantes da alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da aludida Lei.

Na presente acção, a autora (ré no anterior Pº399/11.3TVLSB.L.S1), pede que seja declarada inválida a denúncia do contrato de arrendamento de que a autora é arrendatária, nos termos do artigo 1101º do Código Civil, invocando a anulação da cessão de quotas efectuada por escritura pública de 18.09.2007, em resultado da sentença proferida em 06.01.2011 (Pº 2139/10.5YLSB) – v. nºs 11 e 12 da Fundamentação de Facto – o que, defende a autora (ré no anterior Pº399/11.3TVLSB.L.S1), acarretou a alteração da titularidade das suas posições sociais, passando da ser de 30% e não mais de 50%.

Assim, embora exista na presente acção e no Pº 399/11.3TVLSB.L.S1, identidade de partes (elemento subjectivo), há diversidade de pedidos e de causas de pedir (elemento objectivo).

Não é, pois, a excepção de caso julgado que constitui impedimento à apreciação do mérito da presente acção.

Mas, diferentemente da excepção de caso julgado que tem em vista obstar à repetição de causas e implica a supra referida tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - a autoridade de caso julgado de sentença transitada constitui efeito distinto da mesma realidade jurídica, mas não se confunde com aquela, podendo actuar independentemente da tríplice identidade a que se aludiu, e implicar a proibição de novamente ser apreciada certa questão.

Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., 176, “Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.

A autoridade do caso julgado abrange, pois, para além da componente decisória da sentença, as questões preliminares que constituam pressupostos lógicos e necessários indispensáveis à emissão da parte dispositiva do julgado – v. neste sentido, Ac. STJ de 29.06.76, anotado na R.L.J. 110º, 232. 

É que, o trânsito em julgado de uma qualquer sentença de mérito é susceptível de produzir outros efeitos, mais difusos, mas não menos importantes quando se trata de relevar os valores da certeza e da segurança jurídica que qualquer sistema deve buscar e proteger.

Trata-se da eficácia preclusiva dos fundamentos de defesa que, em regra, se esgotam com o decurso do prazo para a dedução da contestação.

Por isso, em princípio, todos os fundamentos de defesa que não sejam apresentados na primeira acção ficam cobertos pela autoridade do caso julgado formado pela sentença - cfr. neste sentido e a título meramente exemplificativo, Acs. do STJ, de 13.12.07 (Pº 07A3739), de 23.11.11 (Pº 644/08.2TBVFR.P1.S1) e de 10.10.2012 (Pº 1999/11.7TBGMR.G1.S1).

Como é sabido, e resulta do preceituado no artigo 573º, nº 1, do CPC, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão. E, decorre do nº 2 do mencionado preceito que: Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

Ao aduzir as consequências mais importantes do aludido princípio, esclarece MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 382: “devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha”.

E, a razão de ser deste ónus deriva de razões de lealdade no combate judiciário, a que subjazem também razões de segurança e de certeza jurídica que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos sejam postergados com base em novos argumentos que em tal acção não foram - mas poderiam ter sido – invocados.

Como bem elucida MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., 324 “se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que poderia ter deduzido com base num direito seu.

Também para MIGUEL MESQUITA, Reconvenção e Excepção em Processo Civil, 439, “o réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário ou uma decisão que desfira um golpe fatal no direito reconhecido pela precedente sentença”.

E, colocando em questão se o direito de reconvir constitui uma mera faculdade ou um autêntico ónus, defende que o réu “necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor. O réu reconvirá para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito”, ficando, inibido de propor uma contra-acção independente, baseando-se em factos anteriores deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram, já que proferida uma sentença favorável ao autor, a formação de caso julgado material, impede o réu de, através de uma nova acção, com base em factos anteriores, vir a afectar o teor da sentença antes proferida.

No caso em apreciação, a actual pretensão da autora, ré na anterior acção, interposta em 25.02.2011, e na qual foi proferida decisão, em 11.09.2012, transitada em julgado, reconhecendo a validade da denúncia do contrato de arrendamento, assenta na alegação e prova de uma cessão de quotas realizada por escritura de 18.09.2007.

É certo que tal escritura foi anulada por sentença de 06.01.2011, logo, antes da propositura da anterior acção, visando agora a autora, na presente acção, obter precisamente o efeito inverso, com base na aludida sentença de 06.01.2011 proferida no Pº 2130/10.5YLSB, em que um dos sócios demandou os demais, bem como a própria sociedade (a ora autora), não se vislumbrando – porque nem sequer foram rigorosamente enunciadas – as razões pelas quais esta factualidade não foi oportunamente deduzida na anterior acção – como cumpriria – de nada valendo vir agora, em sede de recurso, invocar, conclusivamente, que só veio a tomar conhecimento da sentença de anulação da cessão de quotas muitos meses depois de a mesma ter sido proferida, sendo certo que, como acima ficou dito, todos os sócios intervieram na acção. Os sócios demandados, bem como a própria sociedade (a ora autora), foram citados, não contestaram e não consta que haja sido omitida pelo Tribunal, ao demandante e aos demandados, a devida notificação da aludida sentença.

A invocação da sentença que declarou a anulação da referida escritura de cessão de quotas realizada em 18.09.2007, detinha, como é indubitável, natureza impeditiva do reconhecimento do direito invocado pela ali autora, aqui ré, na antecedente acção, o que a aqui autora não fez, sendo irrelevante para os efeitos pretendidos a tardia inscrição dos actos sujeitos a registo – v. nºs 14 e 15 da Fundamentação de Facto.

Em princípio, o efeito preclusivo dos meios de defesa abarca o que constitui matéria de excepção, que integra factos modificativos ou extintivos opostos à pretensão do autor, excluindo as pretensões autónomas.

Mas, a verdade é que, a aqui autora, ré na acção anterior, se absteve de nela opor à ali autora, aqui ré, os factos materiais que, como se viu, já pré-existiam à data da apresentação da contestação.

Ora, a presente acção assente em factualidade já existente à data da anterior acção e, a ser admitida, constituiria uma grave violação da estabilidade da relação jurídica definida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, confirmada pelo mencionado Acórdão do STJ, de 11.09.2012, transitado em julgado.

Com efeito, a admitir-se a nova pretensão da autora consubstanciada na presente acção, implicaria que o Acórdão do STJ de 11.09.2012, transitado em julgado, poderia ser negativamente atingido pelos efeitos de nova sentença, assente na factualidade agora invocada, o que representaria, como se refere no supra referido Ac. STJ de 10.10.2012, a admissão pelo sistema, sem limites, da discussão eterna de questões jurídicas e que nem sequer as sentenças transitadas em julgado conferissem aos seus beneficiários direitos efectivos, ficando eternamente submetidas aos efeitos da litigiosidade (ou da chicana processual) promovida pela parte vencida.

Daí que, quer para contrariar o reconhecimento do direito invocado pela aqui ré, autora na primitiva acção, tinha a aqui autora/apelante o ónus de ter levado para o objecto da primitiva acção tudo quanto pudesse colidir com a pretensão ali formulada, o que não foi efectuado.

Por conseguinte, mostra-se impedido o prosseguimento da acção, por via da autoridade de caso julgado projectada pelo Acórdão do STJ de 10.10.2012, proferido na primeira acção (Pº 399/11.3TVLSB.L1.S1), pois se assim se não entendesse, equivaleria, na prática, a ser admissível, a própria anulação do efeito do caso julgado material, resultado que a lei não permite.

Assim sendo, e estando em causa uma excepção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, implica, em consequência, a absolvição da ré da instância, como decidiu o Tribunal a quo.

Soçobra, por conseguinte, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida que absolveu a ré da instância.

A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida que absolveu a ré da instância.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 2 de Julho de 2015

                                                                                           Ondina Carmo Alves - Relatora  
Eduardo José Oliveira Azevedo
Olindo dos Santos Geraldes
Decisão Texto Integral: