Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4569/21.8T8OER.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: ACÇÃO COMUM
ACÇÃO DE DESPEJO
COLIGAÇÃO PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE/PROCEDENTE
Sumário: 1. Integra a figura processual da coligação passiva, que permite ao A demandar conjuntamente vários os RR, nos termos do disposto nos n.ºs1 e 2, do art.º 36.º, do C. P. Civil, a ação em que A formulou um pedido em face do 1.º R, de declaração de resolução do contrato de arrendamento e formulou também um pedido dirigido a ambos os RR, de declaração de invalidade e ineficácia em relação a si próprio de qualquer acordo entre os RR referente a uma fração de imóvel urbano, com a consequente obrigação de ambos os RR de entrega do imóvel e de indemnização pela sua ocupação ilegal, invocando uma causa de pedir complexa, constituída, grosso modo, em relação ao 1º R pela resolução de um contrato de arrendamento e relativamente à 2ª R pela inexistência de título juridicamente válido para exercer quaisquer poderes, de natureza real ou de gozo em relação à mesma fração arrendada ao 1º R.
2. Improcede a invocação em alegações de apelação no sentido de que Tribunal recorrido foi omisso e não se pronunciou quanto aos requerimentos probatórios da Recorrente, designadamente o depoimento de parte que não se realizou e a junção aos autos do procedimento administrativo adjacente ao contrato de arrendamento que também não foi feito, porque, tratando-se de invocada nulidade, nos termos do disposto na parte final do n.º 1, do art.º195.º, do C. P. Civil, a mesma só operaria se fosse suscetível de influir no exame ou decisão da causa, o que não acontece, se a apelante não impugna a matéria de fato que a sentença declarou provada nem atribui às invocadas omissões quaisquer consequências jurídicas ao nível de decisão da causa, e também porque não foi oportunamente interposto recurso, nos termos do disposto na al. d), do n.º 2 e no n.º 3, este, a contrario, do art.º 644.º do C. P. Civil, encontrando-se tais matérias definitivamente decididas no processo, por força do instituto do caso julgado formal, consagrado no art.º 620.º, do C. P. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
O Município de … propôs contra A … e B … esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento que celebrado em 7 de Março de 2013 com o 1.° R respeitante à fração autónoma identificada pela letra A, sita na Rua ..., n.º 6, mais declarando extinto o contrato celebrado entre os RR em 1 de Abril de 2019, designado de arrendamento, e que os RR sejam condenados a restituir o imóvel e a pagarem as rendas vincendas até à entrega efetiva.
Citada, contestou a R por exceção dizendo ser o TAF de Sintra o tribunal competente e por impugnação dizendo que a resolução lhe não foi comunicada, sendo inválida, pedindo a absolvição do pedido.
O tribunal julgou improcedente a exceção da incompetência em razão da matéria, fixou os temas da prova e realizada audiência de discussão e julgamento proferiu sentença, julgando a ação parcialmente procedente, declarando resolvido o contrato de arrendamento celebrado em 7 de Março de 2013, declarando extinto o contrato designado de arrendamento, celebrado entre os RR em 1 de Abril de 2019 e condenando estes a restituírem o imóvel e a pagarem as rendas vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, à razão de € 258.80, no mais, julgando a ação improcedente.
Inconformada com essa decisão, a R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1. No âmbito dos presentes autos foi proferida Sentença, segundo a qual se declarou o contrato de arrendamento como resolvido e condenou os Réus, solidariamente, no pagamento das rendas, o que, com o devido respeito não se concede in totum;
Isto porque,
2. A presente ação tem como génese uma ação de despejo contra o (1.º) Réu e contra a Recorrente, com o fundamento da não admissibilidade de um suposto sub arrendamento entre o segundo e a terceira, conforme thesis defendida sem sede de alegações para a qual se repristina in totum;
Ora,
3. O Autor não reconhece qualquer legitimidade à Recorrente na relação jurídica celebrada entre este e o (1.º) Réu, pelo que o alegado contrato entre o segundo e a Recorrente carece de validade e, como tal, é nulo ou/inexistente, conforme thesis defendida sem sede de alegações para a qual se repristina in totum;
Sendo assim,
4. Ao arrepio do non venire contra factum proprium e sob pena de abuso de Direito, não pode o Autor socorrer-se de uma ação que tem por base a necessidade e existência de um contrato de arrendamento fazer valer os seus diretos contra alguém, a ora Recorrente, a quem não reconhece qualquer legitimidade ou título jurídico – contrato – que habilitasse a tal, conforme thesis defendida sem sede de alegações para a qual se repristina in totum;
Acresce que,
5. Em momento algum foi produzida qualquer prova da existência de qualquer contrato entre o (1.º) Réu e a Recorrente, não obstante ter sido elencado como tema da prova, conforme thesis defendida sem sede de alegações para a qual se repristina in totum;
Sendo certo que,
6. Por efeito do desentranhamento da contestação do (1.º) Réu, o Tribunal “a quo” deveria, imperativamente, também ter procedido à alteração dos temas da prova por efeito de um novo despacho saneador, o que não fez, circunstância essa que importa, com efeito a nulidade do processado por violação dos princípios do dispositivo e do inquisitório, conforme thesis defendida sem sede de alegações para a qual se repristina in totum;
Nessa conformidade,
7. A ação adequada a fazer valer os Direitos do Autor era a ação de reivindicação e não a despejo, conforme ocorreu in casu, situação essa que, expoleta um erro na forma de processo entendida não como vício formal e exceção dilatória, mas sim, saliente-se, como vicissitude substantiva e material e, com tal, exceção inominada, para efeitos e decisão e mérito da causa, conforme thesis defendida sem sede de alegações para a qual se repristina in totum;
Por outro lado,
8. Observamos também que o Tribunal “a quo” foi omisso e não se pronunciou quantos aos requerimentos probatório da Recorrente, designadamente o depoimento de parte que não se realizou e, ainda, foi requerido a junção aos autos do ‘procedimento administrativo adjacente ao contrato de arrendamento com o n.º 502’;
Ora,
9. O Tribunal “a quo” não se pronunciou acerca desse requerimento, levando, com efeito, a uma omissão na decisão, bem como, acresce que, tal inércia, traduziu, ainda, um quartejar do Direito ao contraditório e do dispositivo a favor da Recorrente, conforme thesis defendida sem sede de alegações para a qual se repristina in totum;
Por último,
10. No que concerne, à condenação solidária da Recorrente no pagamento das rendas, esta, em face de tudo o quanto foi supra exposto e que se repristina, de modo a não massificar o presente recurso, não pode colher, uma vez que, grosso modo, as rendas são os pressupostos do sinalagma resultante de um contrato de arrendamento validamente celebrado por quem, ao abrigo na iniciativa privada e liberdade contratual, estipulou os termos e clausulas desse mesmo negócio jurídico e se constitui adstrito a essa obrigação de pagar.
Sendo assim,
11. A Recorrente não tem qualquer relação locatária com o Autor, pelo que a dever - em sede de ação própria que é a de revindicação - seria a ‘indemnização’ pela ocupação alegadamente e supostamente ilegal.
Destarte,
12. Em face do supra exposto, salvo e por melhor douta opinião contrária e com o devido respeito pelo Tribunal “a quo”, verificamos no âmbito dos presentes autos e da decisão ora sindicada, que, andou mal Este no presente caso sub Judicio.
Assim, a Sentença ora sindicada e proferida nos presentes autos violou, entre outras, as seguintes estatuições legais:
- Do Código Civil
- Art.s 9.°, 220.°, 334.°, 342.°, 397.°, 398.° 1022.°, 1047.°, 1061.°, 1069.° e 1305.°
- Do Código do Processo Civil
- Art.s 3.°, 4.°, 96.°, 193.°, 410.°, 411.°, 432.°, 452.°, 591.°, 592.° e 615.° n.° 1 alínea d) e e)
- Da Constituição da República Portuguesa
- Art.s 18.° n.os 1 e 2, 205.° n.° 1 2.ª parte, 219.°
Assim, nestes termos e nos melhores em Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, com as legais consequências.
*
Inconformado com a sentença o A também dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1.  O presente recurso vem interposto pelo Recorrente da douta sentença proferida em 8 de Março de 2023, que julgou apenas procedente o pedido de condenação ao pagamento de todas as rendas vincendas apenas até ao trânsito em julgado da decisão proferida, que declarou a resolução do contrato sub judice e não até à efetiva entrega do locado como havia sido requerido. É manifesto, porém, que mal andou a sentença recorrida ao decidir como decidiu.
2.  Ora, o que pretendeu o Recorrente quando peticionou a condenação ao pagamento das rendas até à entrega efetiva do locado foi a indemnização prevista no art.º 1045. º, n.º 1 do CC, tendo usado o vocábulo rendas porquanto é esse o termo que a própria lei usa (nesse sentido veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães no processo 629/21.3T8CHV.G1 de 24-11-2022, disponível de www.dgdsi.pt ), tendo a sentença recorrida tendo efetuado uma incorreta interpretação do termo “renda”, não o tendo interpretado nos termos do 1045.º CC, embora isso decorresse do teor dos articulados.
3.  Por outro lado, como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no processo 1707/06-2, de 09-11-2006 “Uma das obrigações que se impõe aos juízes é que façam justiça e, sempre que possível, que seja uma justiça material em detrimento da justiça formal.” sendo que “não obsta à condenação em tal indemnização o facto de os AA. terem usado na formulação do pedido uma terminologia incorrecta referindo-se a «rendas vincendas até efectiva entrega», quando deveria referir-se ao valor correspondente a tais rendas”.
4.  Pelo que, mal andou a sentença recorrida ao condenar apenas no pagamento das rendas até ao transito em julgado, porquanto interpretou erradamente o termo “rendas”, devendo tê-lo integrado no conceito lato indemnizatório, previsto no 1045.º do CC.
5.  Deve assim a sentença ser substituída por outra que condene ao pagamento de todas as rendas vincendas devidas, a título de indemnização, nos termos do art.º 1045 CC, até à entrega do locado, conforme havia sido requerido.
Termos em que, deve a presente Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra nos termos supra referenciados, assim se fazendo a devida JUSTIÇA!!
*
A apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença na parte em que julgou a ação procedente.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1.O A. é dono e legitimo proprietário da fração autónoma, destinada a serviços, identificada pela letra A, sita na Rua ..., n.º 6, União das Freguesias de …, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º Ficha 1556 da Freguesia de … e inscrita sob o n.º 14502.
2. O Autor e o Réu A … celebraram um contrato de arrendamento comercial em 7 de Março de 2013.
3. O qual foi celebrado pelo prazo de 5 anos, renovável por igual prazo.
4. À data da celebração do contrato, a renda acordada foi de 274 €, conforme cláusula quarta do contrato junto como documento 1.
5.Nos termos da cláusula sexta, o Primeiro Réu não podia ceder a sua posição no contrato, sublocar, ou por qualquer forma de negócio ceder o uso do local arrendado, total, ou parcialmente, onerosa, ou gratuitamente, sem o prévio consentimento expresso do A.
6. Em 21/12/2021, o A. teve conhecimento através de carta que lhe dirigiu a 2.ª R., que havia sido celebrado um denominado contrato de arrendamento entre os dois RR., em 1 de Abril de 2019.
7.Celebrado como contrato de arrendamento e não subarrendamento, declarando o primeiro R. que era legítimo possuidor da fração em causa nos autos.
8.O contrato foi celebrado pelo prazo de 1 ano, com início a 1 de abril de 2019, renovando-se a 1 de Abril de cada ano.
9.A renda acordada entre os RR. foi exatamente a mesma que havia sido acordada entre o A. e primeiro R.: 274 €.
10.Em tal carta, a 2.ª R., datada de dia 21 de dezembro 2020, solicitava ao A. que alterasse o contrato relativo ao “Café Lopes”, estabelecimento a funcionar no imóvel suprarreferido, para o seu nome sendo que era a mesma quem estava a gerir o café desde 2016, por acordo com o 1.º R.
11.Face a isto, a Divisão de Património do A. entrou em contacto com a 2.ª R, de modo a apurar a situação, no início do mês de marco de 2021, recebendo a confirmação de que a munícipe, de facto explora o estabelecimento comercial desde 2016, pagando uma renda de 450 € ao 1.º R e não de 274 € como figura no contrato.
12.De igual forma, a 2.ª R assume todos os pagamentos de serviços associados ao funcionamento do café (comunicações, luz, água etc).
13.Ainda, em Março de 2021, a 2.ª R. deslocou-se às instalações do A. e entregou em mão o contrato de arrendamento junto como documento 2, juntamento com as faturas em seu nome de serviços de energia, comunicações e abastecimento de água.
14.Perante toda esta situação, a 26 de Abril de 2021, o A. notificou o 1.ª R., para efeitos de audiência prévia de interessados sob a sua intenção de resolver o contrato de arrendamento, para que este se pronunciasse, no prazo de 10 dias, quanto à decisão em causa, conforme o disposto nos artº 12º e 122º do Código do Procedimento Administrativo.
15.Na mesma data, foi também notificada a 2.ª R. do ofício que ora se junta, para efeitos de audiência prévia de interessados, para que esta se pronunciasse em igual prazo de 10 dias, quanto à decisão em causa, conforme o disposto nos artº 12º e 122º do Código do Procedimento Administrativo, donde se pode ler:
“Nos termos e no cumprimento do Despacho Presidencial de 22 de abril de 2021 vem por este meio informar-se V. Exa. do seguinte:
Considerando que o Sr. A … celebrou o contrato de arrendamento não habitacional nº 249/2013 com o Município de … no dia 7 de março de 2013, referente ao imóvel sito na Rua ... nº 6 A, e celebrou posteriormente um outro contrato de arrendamento com V. Exa, sobre o mesmo imóvel, datado de dia 1 de abril de 2019, comunica-se-lhe pela presente que não tendo o Sr. A … a legitimidade ou autorização para tal, como é exigido tanto pela lei, (Código Civil, no seu artigo 1038º), como pela cláusula sexta do contrato que celebrou com o Município, é intenção deste resolver o contrato em epígrafe.
Fica, deste modo V.exa. notificada, na qualidade de interessada, para os efeitos do disposto nos artigos 12º e 121º do Código de Procedimento Administrativo, para no prazo de 10 dias a contar da receção da presente comunicação, esclarecer o Município sobre o que entenda ser relevante para a decisão em causa.”
16.Em resposta ao ofício que lhe foi remetido, o 1.º R informou sumariamente que não havia celebrado qualquer contrato com a 2.ª R., que esta era amiga da sua família e que, de facto, havia estado a colaborar consigo no café. Mais informou que não estaria em Portugal de 2 de Maio a 4 de Junho, mas que estaria disponível para audiência prévia.
17.De igual forma, a 2.ª R entregou no dia 5 de maio de 2021, em mão própria, a carta ora junta, na qual exprime que se encontra “disponível e interessada em assinar um novo contrato” com o A., “no sentido de manter em funcionamento” o estabelecimento em causa.
18.Refere igualmente que gere o dito café desde 2016, sendo a única fonte de rendimento, e que desde essa altura assumiu todas as despesas relativas ao mesmo.
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto dos recursos, é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pelos apelantes consistem em saber se:
- Da apelação da R, a) a ação adequada a fazer valer os direitos do A era a ação de reivindicação e não esta ação, b) a Recorrente não podia ser condenada solidariamente no pagamento das rendas por não ter qualquer relação locatária com o A, a dever-lhe seria a indemnização pela ocupação alegadamente e supostamente ilegal, c) o Tribunal “a quo” foi omisso e não se pronunciou quanto aos requerimentos probatórios da Recorrente, designadamente o depoimento de parte que não se realizou e a junção aos autos do ‘procedimento administrativo adjacente ao contrato de arrendamento que também não foi feito;
- Da apelação do A, d) a sentença devia ter condenado no pagamento de todas as rendas vincendas devidas, a título de indemnização, nos termos do art.º 1045 CC, até à entrega do locado, conforme havia sido requerido.
Conhecendo.
1) Quanto à primeira questão, a saber, se a ação adequada a fazer valer os direitos do A era a ação de reivindicação e não esta ação.
Não obstante se encontrar expressamente prevista no art.º 1311.º, do C. Civil, a ação de reivindicação não é um processo especial nem tem uma tramitação específica e diversa da tramitação da presente que deu entrada e tem sido tramitada como ação declarativa com processo comum. 
Esta ação, tal como proposta pelo A/apelado, apresenta uma causa de pedir complexa, constituída, grosso modo, em relação ao 1º R pela resolução de um contrato de arrendamento e relativamente à 2ª R pela inexistência de título juridicamente válido para exercer quaisquer poderes, de natureza real ou de gozo em relação à mesma fração arrendada ao 1º R.   
Atenta uma tal causa de pedir, o A formulou um pedido em face do 1.º R, qual seja, a declaração de resolução do contrato de arrendamento e formulou também um pedido dirigido a ambos os RR, a saber, a invalidade e ineficácia em relação a si próprio de qualquer acordo entre os RR referente à fração, com a consequente obrigação de ambos os RR na entrega do imóvel e na indemnização pela sua ocupação ilegal.
Estamos, pois, perante a figura processual da coligação, a qual, nos termos dos n.ºs 1 e 2 , do art.º 36.º, do C. P. Civil, permitia ao A demandar conjuntamente ambos os RR, como fez, sendo certo que, tendo ele lançado mão de ação declarativa comum e não do procedimento especial de despejo, que no caso não cabia, nem sequer lhe era oponível a diversidade da forma de processo a que se reporta o n.º 1, do art.º 37.º, do C. P. Civil, aliás com as exceções logo previstas nos n.ºs 2 e 3, do mesmo preceito processual.
Na sua contestação, a R não deduziu a exceção dilatória da impossibilidade legal da coligação, prevista na al. f), do art.º 577.º, do C. P. Civil, mas apenas a exceção da incompetência da incompetência do tribunal em razão da matéria, sendo certo que, como dispõe o n.º 1, do art.º 573.º, do C. P. Civil, “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação,..”.
Posteriormente a essa fase processual ainda a R deduziu a exceção de erro na forma do processo, a qual foi indeferida pelo facto de a arguição ter sido intempestiva, como aduz a sentença e o tribunal também não conheceu da questão da coligação no despacho saneador, nos termos do disposto na al. a), do n.º 1, do art.º 595.º, do C. P. Civil porque a impossibilidade legal da coligação verosimilhantemente se não colocava, como não coloca.
Improcede, pois, esta primeira questão, uma vez que o A, ao utilizar a forma processual da ação declarativa comum em cumprimento do disposto no art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006 - a ação de despejo segue a forma de processo comum declarativo - utilizou a forma processual adequada à coligação de RR ante os pedidos que contra eles formulou, inexistindo o invocado erro na forma de processo.
2) Quanto à segunda questão, a saber, se a Recorrente não podia ser condenada solidariamente no pagamento das rendas por não ter qualquer relação locatária com o A, a dever-lhe seria a indemnização pela ocupação alegadamente e supostamente ilegal.
A resposta a esta questão encontra-se em parte contida na apreciação da questão anterior e também em parte contida na própria formulação da questão.
Com efeito, tendo em atenção a natureza compósita da causa de pedir – resolução do contrato de arrendamento no respeitante ao 1º R e ausência de título para a detenção da fração por parte da R – o A limitou-se a pedir a condenação da R em indemnização no valor a que se reporta o n.º 1, do art.º 1045.º, do C. Civil, como podia fazer uma vez que não se trata de um direito indisponível, não obstante ter podido formular pedido de valor presumidamente superior, como decorrerá do respetivo instituto civilista, consagrado nos art.ºs 349.ºa 351.º, do C. Civil e do instituto da responsabilidade por ato ilícito consagrado no art.º 483.º, n.º 1, do mesmo Código, aplicável, entre outros, em face do facto provado sob o n.º 11 dos factos provados da sentença.
Improcede, pois, também esta segunda questão.
3) Quanto à terceira questão, a saber, se o Tribunal “a quo” foi omisso e não se pronunciou quanto aos requerimentos probatórios da Recorrente, designadamente o depoimento de parte que não se realizou e a junção aos autos do procedimento administrativo adjacente ao contrato de arrendamento que também não foi feito.
Esta questão, com o vício inquinatório da sentença que a apelante lhe atribui, a saber, omissão de decisão e violação contraditório e do dispositivo a favor da Recorrente, não pode deixar de improceder por duas ordens de razões. 
A primeira porque tratando-se de invocada nulidade, nos termos do disposto na parte final do n.º 1, do art.º195.º, do C. P. Civil, a mesma só operaria se fosse suscetível de influir no exame ou decisão da causa, o que não acontece, uma vez que a apelante não impugna a matéria de fato que a sentença declarou provada nem atribui às invocadas omissões quaisquer consequências jurídicas ao nível de decisão da causa.
A segunda porque, não foi oportunamente interposto o competente recurso, nos termos do disposto na al. d), do n.º 2 e no n.º 3, este, a contrario, do art.º 644.º do C. P. Civil, e assim, atento o instituto do caso julgado formal, consagrado no art.º 620.º, do C. P. Civil, tais matérias encontram-se definitivamente encerradas no processo, não podendo voltar a ser apreciadas nesta apelação.
Improcede, pois, também esta terceira questão.  
4) Quanto à quarta questão, a saber, se a sentença devia ter condenado no pagamento de todas as rendas vincendas devidas, a título de indemnização, nos termos do art.º 1045 CC, até à entrega do locado, conforme havia sido requerido.
Sobre a matéria de que trata esta questão aduz a sentença que “Já o pedido de condenação ao pagamento de todas as rendas vincendas até à sua efetiva entrega, à razão de 258.80 €, apenas procede até ao trânsito em julgado da decisão a proferir que declara a resolução do contrato, pois que a partir daí inexiste contrato, logo, inexiste renda”, mas, apesar da aparente correção do silogismo, não lhe assiste razão, desde logo em face do disposto no n.º1, do art.º 1045.º, do C. Civil, o qual explicita que se trata, não da subsistência da obrigação contratual de pagamento da renda, própria do contrato de arrendamento, mas de uma indemnização pela não restituição da coisa.  
E assim sendo a indemnização em causa é devida até à entrega efetiva da coisa e não apenas até ao trânsito em julgado da sentença.
Isto relativamente ao 1º R porque em relação à R/apelante/apelada se trata de um pedido de indemnização a forfait, tabelada pelo A em sintonia com a indemnização pedida em face do 1º R. 
Outro podia ter sido o pedido do A/apelado, quer em face do disposto no n.º 2, do art.º 1045.º, do C. Civil, quer em face do instituto da responsabilidade civil por ato ilícito a que já nos reportámos na apreciação da segunda questão supra, mas esta foi a opção do apelante e sendo legal não pode deixar de proceder.
Procede, pois a apelação do A, devendo os RR ser condenados solidariamente no pagamento de todas as rendas vincendas, a título de indemnização, nos termos do n.º 1, do art.º 1045 C. Civil, até à entrega efetiva da fração.  
C) SUMÁRIO
1. Integra a figura processual da coligação passiva, que permite ao A demandar conjuntamente vários os RR, nos termos do disposto nos n.ºs1 e 2 , do art.º 36.º, do C. P. Civil, a ação em que A formulou um pedido em face do 1.º R, de declaração de resolução do contrato de arrendamento e formulou também um pedido dirigido a ambos os RR, de declaração de invalidade e ineficácia em relação a si próprio de qualquer acordo entre os RR referente a uma fração de imóvel urbano, com a consequente obrigação de ambos os RR de entrega do imóvel e de indemnização pela sua ocupação ilegal, invocando uma causa de pedir complexa, constituída, grosso modo, em relação ao 1º R pela resolução de um contrato de arrendamento e relativamente à 2ª R pela inexistência de título juridicamente válido para exercer quaisquer poderes, de natureza real ou de gozo em relação à mesma fração arrendada ao 1º R.
2. Improcede a invocação em alegações de apelação no sentido de que Tribunal recorrido foi omisso e não se pronunciou quanto aos requerimentos probatórios da Recorrente, designadamente o depoimento de parte que não se realizou e a junção aos autos do procedimento administrativo adjacente ao contrato de arrendamento que também não foi feito, porque, tratando-se de invocada nulidade, nos termos do disposto na parte final do n.º 1, do art.º195.º, do C. P. Civil, a mesma só operaria se fosse suscetível de influir no exame ou decisão da causa, o que não acontece, se a apelante não impugna a matéria de fato que a sentença declarou provada nem atribui às invocadas omissões quaisquer consequências jurídicas ao nível de decisão da causa, e também porque não foi oportunamente interposto recurso, nos termos do disposto na al. d), do n.º 2 e no n.º 3, este, a contrario, do art.º 644.º do C. P. Civil, encontrando-se tais matérias definitivamente decididas no processo, por força do instituto do caso julgado formal, consagrado no art.º 620.º, do C. P. Civil.
 
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação da R e procedente a apelação do A, condenando os RR solidariamente no pagamento de todas as rendas vincendas, a título de indemnização, nos termos do n.º 1, do art.º 1045 C. Civil, até à entrega efetiva da fração, no mais confirmando a sentença.  
Custas pela R/apelante/apelada.

Lisboa, 09-11-2023,
Orlando Santos Nascimento
Vaz Gomes
Laurinda Gemas