Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
511/21.4T9LNH-A.L1-5
Relator: CARLA FRANCISCO
Descritores: DEBATE INSTRUTÓRIO
ADIAMENTO
NÃO REALIZAÇÃO DO DEBATE INSTRUTÓRIO
NULIDADE SANÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I - Foi opção do legislador conferir carácter excepcional ao adiamento do debate instrutório, como decorre do art.º 300º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, onde se prevê que o mesmo só “pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente”.
II - O debate instrutório só pode ser adiado uma vez, independentemente do respectivo fundamento.
III - A lei contém mecanismos de salvaguarda dos direitos do arguido ao prever, no art.º 300º, nº 4 do Cód. Proc. Penal, que “ Se o arguido faltar na segunda data marcada, é representado pelo defensor constituído ou nomeado.”
IV - A falta do arguido ao debate instrutório, após dois adiamentos, não constitui nulidade, nem irregularidade.
V - O interrogatório do arguido, quando este o solicite, é uma diligência obrigatória da instrução.
VI - A não realização desta diligência constitui uma nulidade sanável e dependente de arguição até ao encerramento do debate instrutório.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório
No processo nº 511/21.4T9LNH do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Instrução Criminal de Loures - Juiz 2, foi proferido despacho, datado de 24/10/2023, que indeferiu o pedido de adiamento do debate instrutório formulado pelo arguido AA.
O arguido, não concordando com o referido despacho, intentou o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“ I. O arguido requereu Abertura de Instrução, a qual consta dos autos e onde pediu a sua tomada de Declarações.
II. Por despacho, o tribunal admitiu requerida a abertura de instrução
III. Foi designado o dia 20.09.2023 para realização da diligencia instrutória requerida seguida de debate.
IV. Porem, por motivos de doença da Mandatária a diligencia foi adiada, como consta de fls 102.
V. Foi designada nova data para o dia 04.10.2023, contudo, por requerimento da Mandatária a mesma comunicou que nesse dia e hora tinha previamente agendada audiência no âmbito de um processo colectivo, tendo requerido o agendamento de nova data, salvo o devido respeito por opinião contraria, em cumprimento do artigo 151º -do CPC.
VI. Tendo o Mmo Juiz de Instrução agendado para o dia 30.10.2023 a realização da diligencia de Instrução, fls.117.
VII. No dia 30.10.2023, por requerimento que deu entrada em Juízo antes do debate Instrutório, foi junto aos autos atestado medico do arguido, dando conta da sua impossibilidade de comparecer por motivos de doença e foi requerido adiamento.
VIII. Por outro lado a Mandatária havia dado conhecimento ao Tribunal que não poderia comparecer, devido a agendamento de diligencia urgente agendada para esse dia, no âmbito de um Processo de Promoção e Protecção, requerendo que a diligência fosse adiada em virtude do arguido não prescindir de por si ser representado.
IX. Ora, o Tribunal a quo, proferiu Despacho de Indeferimento do pedido de adiamento, do qual se recorre, no qual pode ler-se: “Como resulta do disposto no artigo 300º, números 1 e 4, do Código de Processo Penal, o debate instrutório apenas pode ser adiado em situações muito excepcionais, e apenas por uma vez.
Faltando o arguido na segunda data marcada, é representado pelo defensor constituído ou nomeado.
O debate instrutório nos presentes autos já foi adiado, e até por mais que uma vez – fls. 102, 117.
Assim, e sem embargo de se compreenderem as razões invocadas pelo arguido, a fls. 147-148, indefere-se o requerido adiamento, por impossibilidade legal.
Caso a ilustre mandatária não compareça nem se faça representar mediante substabelecimento dos poderes que lhe foram confiados, será a defesa do arguido assegurada com recurso a ilustre advogado que faça parte da escala de advogados disponível para o efeito”
X. Salvaguardado o devido respeito por opinião contraria, o nº 4 do artigo 300º do CPP, prevê que seja realizada a diligência caso o arguido falte uma primeira vez ao debate, e faltando uma segunda vez, então será representado pelo Defensor.
XI. No caso dos presentes autos, o arguido faltou no dia 30.10.2023, por motivos excepcionais, ou seja, por doença.
XII. Não houve nenhum adiamento anterior que, fosse de que forma fosse, imputável ao arguido.
XIII. E mais a diligencia requerida era precisamente a sua inquirição.
XIV. Pelo que, a presença do arguido era imprescindível à realização dessa diligencia, seguida do debate instrutório, agravado pela ausência da sua Mandataria que estava impedida como havia sido comunicado atempadamente.
XV. Porem o Tribunal ordenou a nomeação de Defensor e realizou o Debate, sem a previa requerida inquirição do arguido
XVI. Salvo melhor opinião, mal andou o Exmo. Mmª Juiz, ao proferir o Despacho de Indeferimento do pedido de adiamento.
XVII. Pelo que, foi praticada uma irregularidade do despacho supratranscrito por violação no n.º 1 do art.º 297.º do Código de Processo Penal.
XVIII. Despacho do qual ora se recorre, arguindo-se desde já a Nulidade do mesmo.
XIX. Alem de que foram violados os direitos de defesa do arguido.
XX. O arguido nunca renunciou ao direito de estar presente, até porque o objectivo era a sua audição, alem de que não prescindia de ser representado pela sua Mandatária, sendo estes direitos do arguido, note-se que, estar presente no debate instrutório é um direito que assiste ao arguido e que não pode ser dispensado.
XXI. Estabelece a al. a) do n.º 1 do art.º 61.º do CPP, o seguinte: “O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito.”
XXII. Face ao preceito supracitado, não se vislumbra o motivo pelo qual o Exmo. MMº Juiz considerou que o arguido teria já faltado, desconsiderando a falta por motivos de doença do arguido e dispensado a presença deste e a sua audição, realizando a diligencia sem verificação da requerida audição do arguido, seguindo-se o debate.
XXIII. O arguido requereu a abertura da instrução e tinha todo o interesse em estar presente em tal diligência, como aliás, é o seu direito, até porque o mesmo tem o direito a pronunciar-se, ele próprio, sobre a prova, nos termos do n.º 2 do art.º 301.º do CPP.
XXIV. Assim, não renunciando ao direito de estar presente em tal diligência, encontrando-se ausente por motivo excepcional e justificado – doença- não podia o tribunal dispensar a sua presença, nem realizar o debate instrutório sendo representado por defensor nomeado.
XXV. Face a todo o exposto se dirá que, nos termos do art.º 297.º n.º3 do CPP deveria ter sido agendada nova data para a realização do debate instrutório e ser o arguido notificado com, pelo menos, 5 dias de antecedência, pelo que o despacho que indeferiu tal adiamento e que aqui se transcreveu são irregulares nos termos do 123.º n.º1 do CPP
XXVI. Pelo que se requer a V. Exas: Venerandos Desembargadores a revogação do despacho que indeferiu o adiamento do debate instrutório.
XXVII. Foram assim violados os artigos 61 n.º 1 a) e artigo 119 c) e 301 n.º 2 todos do CPP devendo produzir-se as respetivas cominações legais nos termos do artigo 122 n.º 1 e n.º 2 do CPP e consequentemente declarar-se a nulidade do debate instrutório e de todos os atos processuais que se seguiram o que implica a repetição do debate e dos atos subsequentes (conferir Paulo Pinto Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição atualizada, 6.ª anotação ao artigo 119 do CPP, página 303).
XXVIII. Se se considerar que a nulidade acima invocada não é insanável (o que não se concede) então sempre estaremos na presença de uma nulidade sanável nos termos do artigo 120 n.º 2 d) do CPP pelo que deve consequentemente produzir-se as respetivas cominações legais (identificadas na conclusão anterior) nos termos do artigo 122 n.º 1 e n.º 2 do CPP.
XXIX. Se se considerar que a ausência do arguido no debate instrutório não configura nenhuma nulidade (o que não se concede) então a dita ausência do arguido configura pelo menos uma irregularidade nos termos do artigo 123 n.º 1 do CPP devendo produzir-se as respetivas cominações legais nos termos do artigo 123 n.º 1 do CPP devendo assim declarar-se a irregularidade do debate instrutório e de todos os atos processuais que se seguiram com a subsequente repetição do debate e dos atos subsequentes.
XXX. Em qualquer das situações elencadas supra o artigo 301 n.º 2 do CPP viola o artigo 32 n.º 1 e n.º 5 da CRP por representar um inadmissível prejuízo e subsequente agravamento da situação processual do arguido por restrição do seu direito de defesa quando interpretado no sentido de que pode realizar-se o debate instrutório sem a presença pessoal do arguido.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
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O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
“ 1. Constituem despachos de mero expediente aqueles que apenas têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual e que não importam decisão ou julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.
2. O douto despacho recorrido, ao indeferir a pretensão do ora recorrente em adiar a realização do debate instrutório, não definiu, não negou nem reconheceu qualquer direito que constitua objecto do processo.
3. Ao invés, o douto despacho recorrido constitui um típico acto de gestão processual, na livre resolução do juiz, no pressuposto de que não viole norma legal expressa.
4. Aliás, decorre do artigo 300°, n.° 4 do Código de Processo Penal, que “O debate só pode ser adiado uma vez. Se o arguido faltar na segunda data marcada, é representado pelo defensor constituído ou nomeado.”
5. O despacho em crise, não é passível de recurso, nos termos do disposto no artigo 400°, n.° 1, als. a) e b), do Código de Processo Penal.
6. Face ao exposto, concorda-se na íntegra, com todo o teor do despacho proferido a 30 de Outubro de 2023, pelo tribunal a quo, que indeferiu o requerido adiamento do debate instrutório, pelo arguido.”
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
1. O Recurso
O arguido AA interpôs recurso do despacho de 30/10/2023, do Juiz 2 do Juízo de Instrução Criminal de Loures, que indeferiu o por si requerido adiamento do debate instrutório, por se encontrar impossibilitado de comparecer por motivo de doença, fundamento em que o art. 300.º, n.ºs 1 e 4, do CPP apenas permite o adiamento do debate por uma vez em circunstâncias excecionais e que tal já havia sucedido anteriormente por duas vezes. , tendo procedido à sua realização sem a sua presença.
O recorrente fundamenta o recurso na violação do disposto no art. 300.º, n.º 4, do CPP, uma vez que o debate não foi anteriormente adiado por motivo a si imputável e na violação do art. 61.º, n.º 1, al. a), do CPP, uma vez que requereu a sua audição, à qual não renunciou, e não foi ouvido mesmo tendo apresentado motivo justificado, circunstâncias que determinam a nulidade insanável do debate instrutório, de acordo com o disposto nos arts. 119.º, al. c) e 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, ou a sua nulidade sanável, nos termos do disposto no art. 120.º, n.º 2, al. d) e 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, ou a sua irregularidade, nos termos do disposto no art. 123.º, n.º 1, do CPP.
Pretende a revogação do despacho sindicado e a sua substituição por outro que declare a sua nulidade/irregularidade e determine a designação de data para a sua audição e para debate instrutório.
2. Posição do Ministério Público na 1.ª Instância
O Ministério Público, na 1.ª Instância, apresentou Resposta ao recurso pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
3. Posição do Ministério Público no TRL
O recorrente requereu a abertura de instrução e como diligências de prova requereu a sua audição.
O Tribunal a quo admitiu o RAI e designou dia para a audição do recorrente seguida de debate instrutório [20/09/2023].
A diligência foi objeto de adiamento justificado em motivos de saúde da mandatária do recorrente e designada nova data [04/10/2023].
A diligência foi igualmente objeto de adiamento justificado pela impossibilidade de comparência da mandatária do recorrente e designada nova data [30/10/2023].
Nesta data, horas antes da diligência, o recorrente apresentou requerimento, por e-mail, pedindo o adiamento da diligência por se encontrar doente e juntou declaração médica.
O Tribunal a quo, sem nada referir quanto à audição do recorrente, não procedeu ao adiamento da diligência com fundamento na sua impossibilidade legal, decorrente do art. 300.º, n.ºs 1 e 4, do CPP e procedeu à sua realização, pois que já havia sido adiado anteriormente.
O debate foi realizado sem a presença do arguido e da sua mandatária, tendo sido nomeado defensor para o ato ao primeiro.
O recorrente não prescindiu de ser ouvido na fase de instrução.
As únicas diligências obrigatórias nesta fase processual são o interrogatório do arguido e a audição da vítima quando estes o solicitem, como determina o n.º 2 do art. 292.º do CPP.
O Tribunal a quo, com o despacho em crise, preteriu o ato de instrução obrigatório de audição do arguido.
Ao atuar desta forma, afigura-se-nos que o Tribunal a quo proferiu uma decisão que violou o disposto nos arts. 286.º, n.º 1, 292.º, n.º 2, 296.º, 297.º, 307.º, n.º 1, e 308.º, n.ºs 1 e 3, todos do CPP.
O efeito desta violação é o da nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, a qual, sendo sanável, deve ser arguida até ao encerramento do debate instrutório, conforme n.º 3, al. c), daquele dispositivo, o que não sucedeu, pelo que se sanou.
No entanto, não podemos esquecer que o arguido, embora representado por defensor que para esse efeito foi nomeado, não esteve presente no ato, pelo que o ato praticado padece de irregularidade, conforme disposto no art. 123.º, n.º 1, do CPP.
Sucede que a irregularidade deveria ter sido arguida nos três dias seguintes a contar daquele em que o recorrente foi notificado para qualquer termo do processo, o que não sucedeu, pelo que também esta se sanou.
Pelo exposto,
Somos de parecer que o recurso não merece provimento.”
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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
À luz destes considerandos, não obstante as questões levantadas pelo Ministério Público, a única questão a decidir neste recurso consiste em saber se o despacho que indeferiu o pedido de adiamento do debate instrutório efectuado pelo arguido se deve manter ou ser substituído por outro que defira tal pedido, com novo agendamento para repetição do debate instrutório realizado.
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3- Fundamentação:
3.1. É a seguinte a decisão recorrida:
Req. que antecede (fls. 127 e segs):
Como resulta do disposto no artigo 300º, número 1, do Código de Processo Penal, o debate instrutório apenas pode ser adiado em situações muito excepcionais, sendo que a relatada no requerimento que antecede (impossibilidade de comparência da mandatária por ter serviço noutro tribunal) não configura nenhuma delas.
Ao que acresce, o debate instrutório nos presentes autos já foi adiado, e até por mais que uma vez – fls. 102, 117.
Assim, e sem embargo de se compreenderem as razões invocadas pela ilustre mandatária do arguido, a fls. 136, indefere-se o requerido adiamento, por impossibilidade legal.
Caso a ilustre mandatária não compareça nem se faça representar mediante substabelecimento dos poderes que lhe foram confiados, será a defesa do arguido assegurada com recurso a ilustre advogado que faça parte da escala de advogados disponível para o efeito.
Notifique.
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3.2.- Mérito do recurso
Nos presentes autos, veio o arguido requerer a abertura da instrução, pedindo a sua audição, como única diligência instrutória a ser realizada, a qual foi agendada para 20/09/23, devendo ser seguida de debate instrutório.
O arguido não compareceu na data agendada, pelo que foi dada sem efeito a diligência e se designou para a sua realização o dia 4/10/2023, com indicação de que seriam tomadas declarações ao arguido nesse mesmo dia, previamente ao debate.
A requerimento da mandatária do arguido, foi a diligência de tomada de declarações, seguida de debate instrutório, adiada para 30/10/2023.
Por requerimento datado de 23/10/23, veio a mandatária do arguido requerer que fosse dada sem efeito a diligência agendada para o dia 30/10/23 e designada outra data para a sua realização, por se encontrar impedida numa diligência no âmbito de um Processo de Promoção e Protecção.
A resposta do Tribunal a quo a este requerimento foi a decisão recorrida.
No dia 30/10/23 o arguido enviou requerimento ao processo a solicitar o adiamento da diligência agendada, por se encontrar impossibilitado de comparecer, por motivos de doença, juntando atestado médico e requerendo o agendamento de nova data.
No dia 30/10/23 realizou-se o debate instrutório na ausência do arguido e da sua mandatária, tendo o arguido sido representado por defensor oficioso nomeado.
A 8/11/23 foi proferida decisão instrutória a pronunciar o arguido pelos factos e qualificação jurídica constantes da acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público.
Vem agora o arguido recorrer da decisão de indeferimento do adiamento da diligência de debate instrutório, com fundamento no facto de que os adiamentos anteriores não lhe foram imputáveis e de terem sido violados os seus direitos a ser ouvido, a estar presente no debate e a ser representado pela sua mandatária, direitos a que não renunciou.
Pretende o arguido a revogação do despacho que indeferiu o adiamento do debate instrutório, por entender que foram violados os arts.º 61º, nº 1, alínea a), 119º, alínea c) e 301º, nº 2 todos do Cód. Proc. Penal, pelo que:
- deve declarar-se a nulidade do debate instrutório e de todos os atos processuais que se seguiram, com repetição do debate e dos atos subsequentes, nos termos do art.º 122º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal;
- se se considerar que a nulidade não é insanável, estaremos em presença de uma nulidade sanável, nos termos do art.º 120º, nº 2, alínea d) do Cód. Proc. Penal;
- se se considerar que a ausência do arguido no debate instrutório não configura nenhuma nulidade, então a mesma configura pelo menos uma irregularidade, nos termos do art.º 123º, nº 1 do Cód. Proc. Penal;
- em qualquer das situações elencadas o art.º 301º, nº 2 do Cód. Proc. Penal viola o art.º 32º, nºs 1 e 5 da CRP, por representar um inadmissível prejuízo e subsequente agravamento da situação processual do arguido por restrição do seu direito de defesa, quando interpretado no sentido de que se pode realizar o debate instrutório sem a presença física do arguido.
Vejamos se lhe assiste razão.
De acordo com o disposto no art.º 61º do Cód. Proc. Penal, são direitos processuais do arguido:
“1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;(…)
e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;
f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;
g) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias;(…)”(sublinhados nossos).
Relativamente ao adiamento do debate instrutório, dispõe o art.º 300º do mesmo diploma que:
«1 - O debate só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente.
2 - Em caso de adiamento, o juiz designa imediatamente nova data, a qual não pode exceder em 10 dias a anteriormente fixada. A nova data é comunicada aos presentes, mandando o juiz proceder à notificação dos ausentes cuja presença seja necessária.
3 - Se o arguido renunciar ao direito de estar presente, o debate não é adiado com fundamento na sua falta, sendo ele representado pelo defensor constituído ou nomeado.
4 - O debate só pode ser adiado uma vez. Se o arguido faltar na segunda data marcada, é representado pelo defensor constituído ou nomeado. » (sublinhado nosso)
Ora, não obstante ser direito do arguido requerer a abertura da instrução, ser ouvido, estar presente no debate judicial e ser representado por mandatário por si escolhido, estes não são direitos absolutos, sofrendo o seu exercício as restrições previstas na lei processual penal, o que, desde já se adianta, não colide com os direitos de defesa constitucionalmente garantidos ao arguido pelo art.º 32º, nºs 1 e 5 da CRP.
Por outro lado, as normas constantes dos nºs 1 e 4 do art.º 300º do Cód. Proc. Penal têm que ser harmonizadas entre si, pois se “ O debate só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente”, a verdade é que o nº 4 é peremptório ao estabelecer que o debate só pode ser adiado uma vez, contendo a norma mecanismos de salvaguarda dos direitos do arguido ao prever que “ Se o arguido faltar na segunda data marcada, é representado pelo defensor constituído ou nomeado.
Na verdade, o legislador estabelece a excepcionalidade do adiamento do debate instrutório ao prever que o mesmo só “pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente”.
A lei fixa em um o número admissível de adiamentos do debate instrutório, independentemente do respectivo fundamento, pelo que, sendo o debate adiado por falta de mandatário, não pode ser novamente adiado por falta do arguido (cf. neste sentido, Pedro Soares de Albergaria, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo III, 2ª edição, Almedina, pág. 1299).
Não obstante o direito do arguido em ser ouvido e estar presente e representado pelo seu mandatário no debate instrutório, o legislador decidiu que a sua representação por defensor assegura os seus direitos de defesa, não assumindo a ausência do arguido o mesmo cariz que assume na audiência de julgamento, e mesmo esta pode realizar-se sem a presença do arguido nos casos especiais previstos nos arts.º 333º e 334º do Cód. Proc. Penal.
Em face do exposto, verifica-se que a falta do arguido ao debate instrutório, após dois adiamentos, não constitui a nulidade insanável prevista no art.º 119º, alínea c) do Cód. Proc. Penal, conforme pelo mesmo alegado, nem nenhuma das nulidades dependentes de arguição elencadas no art.º 120º do mesmo diploma legal.
Segundo o disposto no art.º 118º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
De acordo com o nº 2 da mesma norma, “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”.
Consagra-se, assim, o princípio da taxatividade ou de “numerus clausus” das nulidades.
Todos os demais vícios que não sejam expressamente atingidos pela nulidade, são irregularidades, ficando sujeitas ao regime do art.º 123º, nº 1 do mesmo diploma, onde se prevê que:
Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.”
Em nosso entendimento nenhuma irregularidade foi cometida pelo Juiz a quo ao proceder à realização do debate instrutório nos termos em que o fez, mas, a ter havido alguma irregularidade, a mesma teria que ter sido arguida nos três dias seguintes à notificação ao arguido do despacho em apreço, conforme o previsto no art.º 123º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, tendo tal irregularidade que se considerar sanada por ausência de arguição.
Coisa diferente é a falta da audição do arguido requerida pelo mesmo como diligência instrutória.
Prevê-se no art.º 289º do Cód. Proc. Penal que:
1 - A instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado podem assistir aos actos de instrução por qualquer deles requeridos e suscitar pedidos de esclarecimento ou requerer que sejam formuladas as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade.”(sublinhados nossos)
Constitui também diligência obrigatória nesta fase processual o interrogatório do arguido e a audição da vítima quando estes o solicitem, nos termos do art.º 292º, nº 2 do Cód. Proc. Penal.
Sucede, porém, que a não realização desta diligência constitui apenas uma nulidade sanável e dependente de arguição até ao encerramento do debate instrutório, conforme previsto no art.º 120º, nºs 1, 2, alínea d) e 3, alínea c) do Cód. Proc. Penal.
Assim sendo, verificou-se nos autos em apreço uma nulidade por ausência da audição peticionada pelo arguido, mas a mesma tem que se considerar sanada, por não ter sido arguida no prazo legalmente previsto para o efeito ( cf., neste sentido, Maia Costa, in “Código de Processo Penal Comentado”, 4ª edição revista, 2022, Almedina, pág. 981, e Fernando Gama Lobo, in “Código de Processo Penal Anotado”, 4ª edição, 2022, Almedina, pág. 667 ).
Em face do exposto, não sendo obrigatório novo adiamento do debate instrutório por ausência do arguido e encontrando-se o arguido representado no debate por defensor oficioso, em obediência ao disposto no art.º 300º, nº 4 do Cód. Proc. Penal, constata-se que em nada foram ofendidos os seus direitos de defesa, não havendo qualquer violação do disposto no art.º 32º da CRP, nem qualquer inconstitucionalidade a apreciar, muito menos na interpretação que o arguido faz do disposto no art.º 301º, nº 2 do Cód. Proc. Penal.
Impõe-se, assim, julgar improcedente o presente recurso, sem necessidade de mais considerandos, não se considerando violadas nenhuma das normas legais e constitucionais invocadas pelo recorrente.
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4. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso apresentado por AA, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s.

Lisboa, 5 de Março de 2024
Carla Francisco
Paulo Barreto
Luísa Oliveira Alvoeiro