Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1636/21.1YRLSB-9
Relator: CRISTINA SANTANA
Descritores: MDE
CAUSA DE RECUSA DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: DEFERIDO
Sumário: I-Sendo invocado pelo extraditando uma causa de recusa facultativa, esta tem que ser sustentada ou justificada, com a finalidade de a decisão dar prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente;

II-Não tendo sido alegada nem apurada qualquer circunstância da qual emerja a conclusão de que o cumprimento da pena em Portugal melhor contribuiria para a reintegração do Requerido na sociedade, pois o requerido pese embora estar a cumprir pena em Portugal à ordem de determinado processo, este, não tem qualquer ligação a Portugal, aqui nunca tendo residido e tendo nacionalidade de outro País, terá pois de improceder a oposição deduzida pelo Requerido, não merecendo provimento o pretendido cumprimento do remanescente do tempo de prisão de 365 dias constante do Mandado de Detenção Europeu num Estabelecimento Prisional em Portugal;

III-Nestes termos e preenchidos que estão os pressupostos legais de um mandado de detenção europeu, impõe-se deferir a sua execução, tendo de ficar suspensa a entrega do requerido às autoridades dos Países Baixos ao abrigo do disposto no art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23/8, entrega que apenas será efectuada após o termo do cumprimento da pena de prisão que o Requerido ora cumpre em Portugal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I Relatório


1.
Pela Autoridade Judiciária dos Países Baixos foi, em 7.9.2021, emitido um Mandado de Detenção Europeu contra o cidadão AA, filho de RR…………. e DD…………, nascido em ……………….., , de nacionalidade turca e holandesa, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº1 e 2, e 2º, nº 1 e 2, al.a) e e), da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.

Com o aludido pedido, pretende a Autoridade dos Países Baixos a entrega do cidadão para cumprimento de remanescente de 365 dias da pena de 15 anos de prisão em que foi condenado pela prática do crime do crime p. e p. pelos artigos 2º e 10, nº5, da Lei sobre Narcóticos ( Narcotic Act), ilícito pelo qual foi condenado em 5.10.2010.

O cidadão AA encontra-se, actualmente e desde 21.9.2019, no Estabelecimento Prisional Regional do Montijo em cumprimento de pena de 4 anos e seis meses que lhe foi aplicada por decisão proferida no processo nº 4238/19.9JAPRT e transitada em julgado em 26.11.202.

2.
O Digno Procurador Geral Adjunto, junto deste Tribunal promoveu a execução do mandado ao abrigo do disposto no artigo 16º, nº1, da Lei nº 65/2003 de 23,8.

O Requerido foi ouvido com observância do disposto no artigo 18º, nº3, 4 e 5, da Lei nº 65/2003 de 23/8.

O Requerido declarou não consentir na sua entrega ao Estado Emissor do Mandado de Detenção Europeu e não renunciar ao princípio da especialidade.

Pelo Ilustre Defensor oficioso do Requerido foi solicitada a concessão do prazo de oito dias para apresentar oposição por escrito, o que foi deferido nos termos do preceituado no artigo 21º da Lei nº 65/2003.

No prazo concedido, o Requerido apresentou oposição com os seguintes fundamentos:
- Não violou os termos estabelecidos para a sua liberdade condicional, pelo que não havia fundamento para a revogação da mesma e subsequente obrigação de comprimento do remanescente da pena.
- Constitui causa de recusa de Execução do MDE a circunstância de a pessoa procurada se encontrar em T.N. e a cumprir pena de prisão por factos aqui praticados, desde que haja o compromisso de fazer executar o cumprimento do remanescente da referida pena num Estabelecimento Prisional em Portugal.

Requer seja reconhecida a possibilidade de cumprir o remanescente da pena a que se refere o MDE num Estabelecimento prisional em Portugal.

Na resposta o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência da oposição, requerendo se determine a execução do MDE e a consequente entrega do requerido AA às autoridades Judiciárias emissoras do mandado mas que tal entrega fique suspensa até ao termo do cumprimento em Portugal da pena de 4 anos e seis meses que lhe foi imposta no processo nº 4238/19.9JAPRT, à ordem do qual se encontra em cumprimento de pena.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se conferência.

II.FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do artigo 1º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto:
1-O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.
2-O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho.

O crime pelo qual o Requerido foi condenado pelas Autoridades dos Países Baixos e cujo cumprimento ora vem peticionado foi praticado entre os dias 26 e 28 de Janeiro de 2008 e consta da al. e), do n.º 2, do art. 2.º da Lei n.º 65/2003 de 23/8.

Como supra consta, o Requerido deduziu oposição.


Como bem alega o Ministério Público, mostram-se irrelevantes os considerandos tecidos pelo Requerido quanto ao desacerto da decisão do Tribunal de Roterdão no que toca à revogação da suspensão.

Na verdade, dispõe o artigo 21º, nº1, da Lei 65/2003 que a oposição pode ter por fundamento o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.

A Lei nº 65/2003 elenca causas de recusa da execução dos mandados ( artigo 11º) e causas de recusa facultativa ( artigo 12º).

Não é invocada nem se verifica qualquer causa de recusa obrigatória.


O Requerido invoca causa de recusa facultativa elencada no artigo 12º, alínea g) da lei em análise, alegando que se encontra em Portugal a cumprir pena de prisão por factos aqui praticados.
O artigo 12º, nº1, alínea g) da Lei nº 65/2003 prevê a possibilidade de recusa facultativa quando:” A pessoa procura se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa;”.

O arguido não tem nacionalidade portuguesa nem residia em Portugal.


De facto, o arguido encontra-se em Portugal em cumprimento de pena de prisão que lhe foi imposta por factos praticados em Portugal.

Mas, não vem invocada nem se apura qualquer ligação do Requerido a Portugal que sustente uma decisão de recusa de execução.

Subscreve-se a seguinte análise:
“...XVII-A questão está, pois, não em qualquer quadro de referências e na natureza pura e simples ( e não reptícia) do exercício da faculdade, mas apenas na inexistência, no regime do mandado de detenção europeu, de critérios gerais ou específicos para predeterminar as condições de exercício da faculdade de recusa de execução.
XVIII- Mas porque a decisão de recusa da execução constitui faculdade do Estado, o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa facultativa de execução.
XIX-Não estando directamente fixados, tais critérios, internos, hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandam a aplicação das penas, e sobretudo as finalidades da execução da pena.
XX-Uma primeira projecção sistemática poderá encontrar-se no artigo 40º, nº1, do CP e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas.

Nesta perspectiva, pode haver maior eficácia das finalidades das penas se forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve ( e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais."1

Ora, a recusa tem que ser sustentada, a decisão de dar prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente tem que ser justificada.2

E, repete-se, não foi alegada nem apurada qualquer circunstância da qual emerja a conclusão de que o cumprimento da pena em Portugal melhor contribuiria para a reintegração do Requerido na sociedade.

O Requerido não tem qualquer ligação a Portugal.


Assim, improcede a oposição deduzida pelo Requerido, não merecendo provimento o pretendido cumprimento do remanescente do tempo de prisão de 365 dias constante do Mandado de Detenção Europeu num Estabelecimento Prisional em Portugal.

Em conformidade, mostrando-se preenchidos os pressupostos legais do presente mandado de detenção europeu, impõe-se deferir a sua execução, ficando, no entanto, suspensa a entrega do requerido ás autoridades dos Países Baixos ao abrigo do disposto no art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23/8, entrega que apenas será efectuada após o termo do cumprimento da pena de prisão que o Requerido ora cumpre em Portugal à ordem do processo nº 4238/19.9JAPRT.

III.Decisão

Com base no supra exposto, acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente a oposição deduzida, deferindo-se a execução do presente Mandado de Detenção Europeu para entrega do Requerido AA às autoridades judiciárias dos Países Baixos, ficando, no entanto, tal entrega suspensa, nos termos do preceituado no artigo 31ºnº1, da Lei nº 65/2003 de 23.8, até ao termo de cumprimento, em Portugal, da pena que o mesmo cumpre à ordem do Processo nº 4238/10.9JAPRT.

Consigna-se que o requerido não renunciou ao princípio da espacialidade – art. 7º da Lei nº 65/2003, de 23.8.

Sem custas.

Notifique-se e dê conhecimento.

Após trânsito, comunique-se a decisão ao Proc. n.º 4238/10.9JAPRT solicitando que informem, com a devida antecedência, de qualquer decisão tomada nesses autos com repercussão na decisão nestes tomada.

*

Lisboa, 30 de Setembro de 2021


(Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, nos termos do disposto no artigo 94º, nº2, do CPP.)

Cristina Luísa da Encarnação Santana
António Carneiro da Silva
Simone Abrantes de Almeida Pereira


1 Ac.STJ de 17.4.2006, Proc.06P1429, Relator Henriques Gaspar
2 Ac STJ de 22.6.2006, Proc. 06P2326, Relator Santos Carvalho.