Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1959/15.9TXLSB-A.L1-5
Relator: CARLOS ESPÍRITO SANTO
Descritores: REGISTO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - Quer a Lei da Identificação Criminal, quer o CEPMPL consagram normas genéricas, dirigidas não só a aspectos profissionais, como também a “qualquer fim legalmente permitido”. Contudo, entendemos que a manutenção da exigência constante da al. d) da Lei da Nacionalidade, embora não revista propriamente a natureza de lei especial, encerra, porém, um conteúdo excepcional relativamente ao regime normal (refira-se adrede que a pretensão do requerente não está em definitivo prejudicada, uma vez que sempre poderá suster a sua pretensão até ao cancelamento definitivo do registo criminal – art. 11º da Lei nº 37/2015, de 5 -5).

- O cancelamento provisório do registo criminal bule com direitos fundamentais não abarcados pela previsão do CEPMPL e pela Lei de Identificação Criminal, decorrentemente da possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa.

- A excepção consagrada no art. 6º, 1, d) da Lei da Nacionalidade, pretendeu que, durante um período alargado de tempo, um cidadão estrangeiro não possa adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização e lograr, por via de tal a obtenção de direitos fundamentais – direito de sufrágio, exercício de determinadas funções políticas e públicas, etc., sendo que a razão de ser da exigência em apreço prende-se com motivos de garantia de idoneidade do candidato em como respeitará os deveres impostos pelo Estado de Direito Democrático, não apenas numa perspectiva de capacidade mas também de mérito para exercer os direitos que lhe passam a ser conferidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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No âmbito do Processo de Cancelamento Provisório do Registo Criminal supra id., que corre termos no Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 4, foi proferida decisão a determinar o cancelamento provisório do registo criminal do requerente N., com os demais sinais dos autos.
Inconformado com o teor de tal decisão interpôs o MP o presente recurso pedindo a revogação daquela e a sua substituição por outra que indefira o cancelamento provisório do registo criminal do requerente, para fins d obtenção da nacionalidade portuguesa.
Apresentou para tal as seguintes conclusões:
a) Os pontos 5 a 13 e 15 da matéria de facto dada como assente na douta decisão ora recorrida, não têm correspondência com os elementos probatórios carreados para os autos, e mormente os que resultam do relatório social solicitado à DGRSP, e constante de fls. 152 e 153.
b) Com efeito, o requerente não é nacional da Guiné Conakry, mas sim de Angola, não é titular de título de residência temporária em Portugal válido até 12.2.2017, mas sim de título de residência temporária em Portugal válido até 1.11.2018, não reside atualmente na Rua de B., Lisboa, mas sim na R. da P., Rio de Mouro, não trabalha como servente da construção civil na empresa AU, Lda, auferindo o valor médio líquido mensal de € 600, mas sim como operador de máquinas de injecção de plástico na empresa A., onde se encontra há cerca de um ano, também não se infere dos autos os demais pontos 10 a 13 e 15 da matéria de facto provada, nomeadamente, que seja casado e tem dois filhos, residindo a família na Guiné, já que é solteiro e vive com uma companheira, e com o filho do casal de 3 anos de idade.
c) Tais desconformidades, cuja correção se impõe e requer, de acordo com o disposto 380°, n°2 do C.P.P., por via do disposto no art°154° do CEPMPL, não constituem, porém, obstáculo à questão de facto e de direito que se pretende impugnar no âmbito da douta decisão recorrida.
d) O requerente N. vem solicitar a reabilitação judicial/cancelamento provisório do registo criminal para efeitos de obtenção pelo mesmo de nacionalidade portuguesa.
e) Do seu registo criminal, junto a fls. 3 a 16 dos autos constam averbadas as seguintes
condenações:
- condenação por decisão transitada em julgado na data de 20.2.2004, no âmbito do processo n.° 365/04.5SILSB, por factos cometidos a 5.2.2004, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, declarada extinta na data de 15.9.2006;
- condenação por decisão transitada em julgado na data de 15.2.2007, no âmbito do processo n.° 188/04.1PTLRS, por factos cometidos a 16.7.2002, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, declarada extinta na data de 11.2.2011;
- condenação, por decisão transitada em julgado na data de 27.3.2009, no âmbito do processo n.° 515/06.7TATNV, por factos cometidos a 30.3.2006, pela prática de crime de falsificação de documento, burla simples, na pena de 400 dias de multa, substituída por 400 horas de trabalho a favor da comunidade. Esta pena foi declarada extinta por despacho de 13.9.2012, conforme fls. 33 dos autos;
- condenação, por decisão transitada em julgado na data de 21.12.2009, no âmbito do processo n.° 4/05.7GESNT, por factos cometidos a 2.3.2005, pela prática de crime de condução sem legal habilitação, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, declarada extinta na data de 13.6.2011;
- condenação, por decisão transitada em julgado na data de 19.5.2010, no âmbito do processo n.° 355/06.3TASTB, por factos cometidos a 29.3.2006, pela prática de crime de falsificação de documento, burla simples, na pena de 300 dias de multa, substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta em 15.3.2013;
- condenação, por decisão transitada em julgado na data de 8.6.2012, no âmbito do processo n.° 55/1O.OTATNV, por factos cometidos a 30.3.2006, pela prática de crime de falsificação de documento, na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução, por 20 meses, declarada extinta em 8.2.2014.
f) A Lei da Nacionalidade - Lei n°37/81, de 3.10., com as alterações da Lei n°25/94, de 19.08, DL n°322-A/2004, de 14.12., Lei n°172004, de 15.01 e Lei n°2/2006, de 17.04 - no seu art°6°, n°1, faz referência a um certo número de requisitos que, devem estar cumulativamente preenchidos para que um cidadão estrangeiro possa obter a nacionalidade portuguesa, mormente, o requisito previsto na sua al.d) que determina Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa".
g) Ora, tal como resulta do CRC do requerente, e como acima referimos, o mesmo sofreu condenações em 3 processos distintos - P. 515/06.7TATNV, P.355/06.3TASTB e P. 55/10.0TATNV - pela prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art°256°,n°s 1, al. a) e 3 do C.P., ao qual corresponde pena de prisão de 6 meses e 5 anos de prisão ou pena de multa de 60 a 600 dias, e pela prática do crime de burla, p. e p. pelo art°217° do C.P., ao qual corresponde pena de prisão até 3 anos ou pena de multa (entre 10 a 360 dias - art°47° do C.P). (conferir ainda as certidões extraídas desses processos e juntas a fls. 34 a 106).
h) Tais crimes não são puníveis com pena inferior a 3 anos de prisão, pelo que não se verifica o requisito legal que permite a um cidadão estrangeiro obter a nacionalidade portuguesa, previsto na al.d) do n°l do art°6° da Lei da Nacionalidade e, como tal emitimos parecer desfavorável ao pedido formulado pelo requerente.
i) No entanto, os autos prosseguiram com a solicitação de informação à DGRSP com vista a aferir da verificação ou não do requisito previsto na al. b) do art°12° da Lei 37/2015, de 5.5, com a consequente prolação da decisão ora recorrida que deferiu o pedido de cancelamento provisório do registo criminal do requerente, fundando-se no entendimento de que, para se aferir dos requisitos para a obtenção da nacionalidade temos apenas que considerar o disposto no art°12° da Lei n° 37/2015, de 5.5, ou seja: a)já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) que o interessado haja assumido bom comportamento social; c) que se mostre cumprida a obrigação de indemnizar o ofendido, conjugado com os n°s 5 e 6 do art°10° da mesma Lei, e o disposto no art°229° do CEPMPL, uma vez que a lei da nacionalidade não impõe qualquer restrição ou impedimento ao cancelamento provisório do registo criminal, como faz a Lei 113/2009, de 17/9 (relativamente à proteção de menores).
j) Discordamos desta interpretação, desde logo, porque a jurisprudência administrativa aponta no sentido de que o legislador, para efeitos de concessão da nacionalidade, por naturalização, definiu como pressuposto a não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, independentemente da pena concretamente aplicada.
l) Repare-se que o direito à nacionalidade a conferir a cidadãos estrangeiros, face ao ordenamento jurídico vigente, só pode ser concedido se estes, entre outros requisitos legais, revelarem ausência de antecedentes criminais, no quadro do patamar já referido, o que se justifica em face das necessidades de segurança interna do Estado.
m) Tais necessidades foram consideradas à data da publicação da Lei da Nacionalidade e alterações posteriores, sendo hoje em dia particularmente prementes, em face dos graves eventos históricos vividos, quer na Europa, que a nível mundial.
n) E registe-se ainda que, apesar de a Lei da Nacionalidade já ter sofrido alterações, de numa delas resultou uma alteração (permitindo, por exemplo, a naturalização de condenados com pena igual ou superior a 3 anos) ou eliminação do requisito previsto na al.d) do n°l do seu art°6°., o que demostra o seu relevo e necessidade de ser atendido aquando da apreciação do pedido de cancelamento provisório do registo criminal.
o) Outra interpretação levaria a que o julgador pudesse pôr em causa, por via do cancelamento provisório do registo criminal de um cidadão, a salvaguarda da segurança interna, extravasando a sua função, que é a de salvaguarda dos direitos, liberdades e garantia de todos os cidadãos.
p) O cancelamento provisório do registo criminal, de condenações como as do requerente nos processos acima referidos, para efeitos de trabalho, face ao quadro vigente atual, e uma vez observados os requisitos previstos no art°12° da Lei 37/2015, de 5.5., é legalmente possível, tal como resulta ainda dos n°s 5 e 6 do art°10° do mesmo diploma legal, podendo o mesmo levar uma vida normal integrado na sociedade portuguesa, como tudo indica que leva.
q) Situação diferente é pretender alcançar o direito à nacionalidade, por via da naturalização, mediante o cancelamento provisório do registo criminal, o qual lhe está vedado, pelo menos até ao cancelamento definitivo do registo criminal, nos termos do art°l 10 da Lei n°37/2015, de 5.5.
r) As normas jurídicas devem ser interpretadas de forma articulada, de modo a respeitar a unidade do sistema jurídico, sob pena de quebra dessa unidade.
s) Como tal, as disposições legais - art°10° e 12° - Lei n°37/2015, de 5.5., o art°229° do CEPMPL e o art°6° da Lei da Nacionalidade - devem ser interpretados de forma harmoniosa, não se podendo fazer prevalecer as duas primeiras sobre a última quando todas têm o mesmo valor e até se pode considerar, como o fez a decisão recorrida, sob pena de violação dos n°s 1 e 3 do art°9° do C.C.
t) Como interpretar a remissão que o art°12° da Lei n°37/2015, de 5.5. faz para os n°s 5 e 6 do seu art°10°, deve ser interpretada no sentido de que a expressão referida no n°6 "para qualquer outra finalidade" ?
u) A interpretação do sentido e abrangência da expressão "qualquer outra finalidade" tem de ser contextualizada, face à sua inserção normativa. E essa inserção normativa situa-se no âmbito da obtenção de certificados de registo criminal para exercício de atividades - e não para aquisição de direitos - sejam elas de que natureza forem.
v) O n°5 do art°10° refere "para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal", sendo certo que o n°6 retoma a tónica da actividade laboral, aparecendo a expressão "qualquer outra finalidade" no segmento da "avaliação da idoneidade".
x) Assim, a expressão "qualquer outra finalidade" surge, na economia do texto, como qualquer outro desiderato que se mostre correlacionado (embora não expressamente mencionado, mas englobável nas definições imediatamente anteriores) com os fins de emprego ou de exercício de qualquer outra actividade de natureza similar.
z) Num contexto em que se faz expressa referência a "exercício" e "actividade", não se pode entender que "qualquer outra finalidade" saia desta conjuntura, abrangendo a noção de "aquisição de um direito", pois a inserção normativa não permite tal alargamento interpretativo.
 aa) A decisão ora recorrida incorreu em violação do disposto nos arfs 9°,n°s 1 e 3 do C.C., 229°, n° 1 e 230° do CEPMPL, 6°,n° 1, al.d) e 9º, al. b) da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3.10, com as alterações da Lei n°25/94, de 19.08, DL n°322-A/2004, de 14.12., Lei n°17/2004, de 15.01 e Lei n°2/2006, de 17.04 - 10°, n°s 5 e 6 e 12° da Lei 37/15, de 5.5.
bb) Nesta conformidade, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e determinando-se a sua substituição por outra que indefira o cancelamento do registo provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa das decisões judiciais condenatórias proferidas nos processos P. 515/06.7TATNV, P.355/06.3TASTB e P. 55/10.0TATNV.

É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte que ora releva:
Fundamentação
De facto:
1. O requerente foi condenado, por decisão transitada em julgado na data de 20.2.2004, no âmbito do processo n.° 365/04.5, por factos cometidos a 5.2.2004, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, declarada extinta na data de 15.9.2006.
2. O requerente foi condenado, por decisão transitada em julgado na data de 15.2.2007, no âmbito do processo n.° 188/04.1, por factos cometidos a 16.7.2002, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, declarada extinta na data de 11.2.2011.
3. O requerente foi condenado, por decisão transitada em julgado na data de 27.3.2009, no âmbito do processo n.° 515/06.7, por factos cometidos a 30.3.2006, pela prática de crime de falsificação de documento, burla simples, na pena de 400 dias de multa, substituída por 400 horas de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta na data de . 4.
5. O requerente é nacional da Guiné Conakry;
6. Á data em que foi condenado não tinha antecedentes criminais;
7. É titular de título de residência temporária em Portugal válido até 12.2.2017 e que lhe permite exercer actividade profissional independente.
8. Reside actualmente na Rua de B., Lisboa.
9. Trabalha como servente da construção civil na empresa AU, Lda, auferindo o valor médio líquido mensal de € 600.
10. Trabalha desde 2007 de forma regular realizando descontos para a Segurança Social.
11. É casado e tem dois filhos, residindo a família na Guiné.
12. O requerente envia regularmente dinheiro para a família.
13. Encontra-se em Portugal há cerca de 14 anos.
14. Não tem processos-crime pendentes.
15. Divide uma casa com uns amigos, dividindo também o pagamento das despesas.

De direito
Dispõe o art°229°,n°1 do CEPMPL que "Para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins."
Nos termos do disposto no art. 10º,nº 5 e 6 da lei 37/2015, de 5.5: 5. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, devem conter apenas: a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício; b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo; c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respectivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.° ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13°, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
Nos termos do disposto no artigo 12° da Lei n° 37/2015, de 5.05, o Tribunal de execução de penas poderá determinar o cancelamento das decisões constantes do registo criminal, quando:
■ já tenham sido extintas as penas aplicadas
■ o interessado haja assumido bom comportamento social;
■ se mostre cumprida a obrigação de indemnizar o ofendido;
Do teor da certidão junta aos autos e do CRC, resulta que a pena se mostra extinta.
Sobre o requerente não recaiu a obrigação de indemnizar.
O requerente não praticou novos factos com relevo criminal, sendo os últimos factos ilícitos conhecidos datados de 2011 e mostra-se devidamente inserido na sociedade, trabalhando regularmente há vários anos.
Ao contrário do que já decidimos e que constitui a posição do M°P°, entendemos actualmente que nada obsta ao cancelamento provisório do registo criminal para efeitos da obtenção da nacionalidade portuguesa.
Com efeito, para aferirmos dos requisitos para a obtenção da nacionalidade temos apenas que considerar o disposto nos arts. 12° da Lei 37/2015, de 5/5 e o disposto no art. 229° do CEPMPL, isto porque a lei da nacionalidade, Lei 37/81, de 3/10, não impõe qualquer restrição ou impedimento ao cancelamento provisório do registo criminal como faz a Lei 113/2009, de 17/9 (relativamente a protecção de menores).
A concessão da liberdade condicional e a verificação do preenchimento das condições coloca-se em momento posterior e não é da competência do TEP. Ao TEP cumpre aferir se o pedido de cancelamento foi feito de acordo com os requisitos legais, sendo admissível o cancelamento para qualquer outra finalidade para além das previstas nas alíneas a) a c) do art. 10° n.° 6 da lei 37/2015, de 5.5. desde que tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se adaptado e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido. Neste sentido Ac. TRL de 27.9.2016 in www. dgsi.pt.
Conclui-se, pois, que a pena aplicada produziu a sua função, uma vez que não é conhecido actualmente qualquer facto em desabono do requerente.
Da ficha policial do requerente, solicitada à PJ, e da informação policial solicitada à PSP da área da sua residência, e não consta registo de outros processos contra o requerente.
 Da análise dos processos registados no DIAP de Lisboa não resulta a referência a outros processos de inquérito que tenham sido alvo de despacho de acusação.
Verifica-se, assim, que se o requerente tem condições para beneficiar da reabilitação judicial, embora tenha sido condenado pela prática de um crime abstractamente punível com pena de 6 meses a 5 anos de prisão. Entendemos, tal como expusemos supra que esse facto não afasta a possibilidade do cancelamento provisório do registo criminal.
Por isso, mostram-se reunidos os requisitos legais necessários ao deferimento do requerido.

Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, concedo ao requerente N. a reabilitação judicial e, em consequência, determino o cancelamento provisório do registo criminal da decisão supra referida.

A Digna PGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é: a reapreciação da matéria de facto assente e impugnada; saber se deve ser concedido ao requerente o cancelamento provisório do registo criminal para efeitos de obtenção da nacionalidade portuguesa.
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Inicia o recorrente o presente recurso pedindo a rectificação dos factos insertos na decisão recorrida sob os nºs 5 a 13 e 15, em sede de factualidade provada. Sucede que não está em causa qualquer lapso, erro, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial, passível de correcção nos termos do art. 380º do C. P. Pen., mas antes uma verdadeira impugnação da matéria de factos assente pelo tribunal a quo, nos termos do art. 412º, 3, C. P. Pen., na medida em que implica a invocação de um verdadeiro erro de julgamento, com indicação expressa da prova que impõe decisão diversa da recorrida.
Neste particular, atenta a única prova produzida a tal respeito, de teor documental, qual seja, o CRC (que constitui documentação autêntica, d apreciação vinculada – art. 169º, C. P. Pen.) e o relatório social elaborado pela DGRSP, que não se mostra de modo algum contrariada ou posta em causa por qualquer outra, entendemos que, mesmo tendo em conta o princípio da livre apreciação expresso no art. 127º, C. P. Pen., as asserções ali vertidas impõem decisão diversa da recorrida relativamente aos pontos d facto impugnados, que importa alterar, em conformidade.
Destarte, altera-se s matéria de facto tida como provada, constante da decisão em crise, nos seguintes termos:
5 – O requerente tem nacionalidade angolana.
6 –  Teor do CRC junto aos autos.
7 – Tem título de residência temporária em Portugal válido até 1-11-2018.
8- Reside actualmente na Rua da P., em Sintra.
9 – Trabalha como operador de máquinas de injecção de plástico na empresa A., onde se encontra há cerca de um ano.
11 – É solteiro, vivendo com uma companheira e o filho do casal, de 3 anos de idade.
15 – Provado apenas o constante do nº 11.
           
No tocante à restante matéria de facto impugnada (nºs 10, 11 e 13) não existe prova que contrarie o constante da decisão recorrida, pelo que se mantem aquela nos seus precisos termos.
Passemos, então, ao que está verdadeiramente em causa nestes autos:
Dispõe o art. 10º, nºs 5 e 6 da Lei nº 37/2015, de 5-5 (Lei da Identificação Criminal):
5. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, devem conter apenas: a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício; b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo; c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respectivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.° ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13°, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
Nos termos do art. 12º da cit. Lei: o Tribunal de execução de penas poderá determinar o cancelamento das decisões constantes do registo criminal, quando:
- já tenham sido extintas as penas aplicadas
- o interessado haja assumido bom comportamento social;
- se mostre cumprida a obrigação de indemnizar o ofendido.
Por outro lado, o art. 229º, 1 do CEPMPL estipula que “para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins.".
Sucede que a Lei da Nacionalidade – art. 6º, 1, d), da Lei nº 37/81, de 3-10, (bem como o seu Regulamento – art. 19º, 1, c)) estipulam que, para que um cidadão estrangeiro possa obter a nacionalidade portuguesa, por naturalização, não pode ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Ora, como se observa do teor do CRC do requerente, este sofreu condenações, transitadas em julgado, pela prática de crimes de falsificação de documento e de burla – arts. 256º, 1, a) e 3 e 217º, C. Pen., puníveis com pena de prisão não inferior a 3 anos.
Assim, importa decidir se in casu prevalecem os normativos da Lei de Identificação Criminal e do CEPMPL, que de forma mais lata que aqueloutra refere que o cancelamento provisório do registo criminal pode ser requerido para “outros fins legalmente permitidos” – art. 229º, 1 – prevalece sobre o estipulado na Lei da Nacionalidade.
Desde já, queremos deixar manifesto de que não propugnamos a tese radical do MP de que, no caso em apreço, está em causa a necessidade de segurança interna do Estado e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pois tal desiderato é prosseguido por outros normativos (cfr., p. ex., o art. 6º, 1, e) da Lei da Nacionalidade).
O que está em causa é efectivamente uma questão de interpretação dos supra aludidos preceitos. E, neste particular, devemos chamar à colação o art. 9º, C. Civ., da análise do qual podemos retirar o seguinte:
Segundo uma interpretação sistemática, ou seja, tendo em conta o espírito do sistema, não podemos olvidar a consideração conjunta e global das normas em apreço.
No aspecto teleológico, temos de considerar o propósito do legislador na redacção de cada uma dos dispositivos convocados;
Temos de atender ao elemento histórico sendo certo que todos os normativos em causa são recentes ou há pouco convalidados, aquando de revisão legal:
Por último, há que considerar que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, tendo em conta o supra mencionado, podemos concluir que, quer a Lei da Identificação Criminal, quer o CEPMPL consagram normas genéricas, dirigidas não só a aspectos profissionais, como também a “qualquer fim legalmente permitido”. Contudo, entendemos que a manutenção da exigência constante da al. d) da Lei da Nacionalidade, embora não revista propriamente a natureza de lei especial, encerra, porém, um conteúdo excepcional relativamente ao regime normal (refira-se adrede que a pretensão do requerente não está em definitivo prejudicada, uma vez que sempre poderá suster a sua pretensão até ao cancelamento definitivo do registo criminal – art. 11º da Lei nº 37/2015, de 5 -5).
Contudo, o cancelamento provisório do registo criminal bule com direitos fundamentais não abarcados pela previsão do CEPMPL e pela Lei de Identificação Criminal, decorrentemente da possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa.
A cidadania portuguesa constitui um princípio constitucional fundamental – art. 4º da CRP – “da qual depende o exercício de certos direitos fundamentais (art. 15º). A cidadania é um direito e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed., pgs. 222-223.
Por outro lado, para Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pgs. 70-71, “cidadania é a qualidade de membro da comunidade política. Através dela define-se o povo em que essa comunidade se transforma ao erigir-se em Estado….O povo, enquanto conjunto ou universalidade dos cidadãos, é o titular do poder (arts. 1º, 2º e 3º) e exerce-o basicamente por via do sufrágio (art. 10º). Este conceito diverge substancialmente do de sociedade civil”.
Em nosso entender, são preocupações de acesso aos direitos fundamentais, mormente os expressos no art. 15º da CRP, que a Lei da Nacionalidade procurou precaver e que não encontram eco nos restantes normativos invocados, porque tal não constitui o seu desiderato.
Decorrentemente, pode-se concluir que a excepção consagrada no art. 6º, 1, d) da Lei da Nacionalidade, pretendeu que, durante um período alargado de tempo, um cidadão estrangeiro não possa adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização e lograr, por via de tal a obtenção de direitos fundamentais – direito de sufrágio, exercício de determinadas funções políticas e públicas, etc. -. A razão de ser da exigência em apreço prende-se com motivos de garantia de idoneidade do candidato em como respeitará os deveres impostos pelo Estado de Direito Democrático, não apenas numa perspectiva de capacidade mas também de mérito para exercer os direitos que lhe passam a ser conferidos.
Assim sendo, embora o requerente satisfaça os requisitos exigidos para o cancelamento provisório do registo criminal para outros fins, que não o de aquisição da nacionalidade portuguesa, não logra a superação do requisito expresso no art. 6º, 1, d), da Lei da Nacionalidade, que constitui normativo próprio e excepcional, tendo em conta aquele desidrato, o qual se sobrepõe às restantes normas que preveem o cancelamento provisório do registo criminal.
Consequentemente, uma vez que o requerente praticou crimes puníveis com pena de prisão igual ou superior a três anos de prisão, não pode o mesmo beneficiar do cancelamento provisório do registo criminal para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa, independentemente da verificação dos restantes requisitos.
           
Pelo exposto:

Acordam os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em conceder provimento ao recurso nos seguintes termos:
Altera-se a matéria de facto dada como provada, da forma que segue:
5 – O requerente tem nacionalidade angolana.
6 –  Teor do CRC junto aos autos.
7 – Tem título de residência temporária em Portugal válido até 1-11-2018.
8- Reside actualmente na Rua da P. em Sintra.
9 – Trabalha como operador de máquinas de injecção de plástico na empresa A., onde se encontra há cerca de um ano.
11 – É solteiro, vivendo com uma companheira e o filho do casal, de 3 anos de idade.
15 – Provado apenas o constante do nº 11.
Revoga-se a decisão recorrida no sentido de indeferir o pedido do requerente por falta de verificação do requisito imposto pelo art. 6º, 1, d), da Lei nº 37/81, de 3-10.
                       
Não é devida taxa de justiça.

L., 22-5-18
                                              
Carlos Espírito Santo
                                                   
Anabela Simões Cardoso