Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ COSTA PINTO | ||
Descritores: | PROCESSO SUMÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/13/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Resulta da conjugação dos artigos 387.º, n.º 2, alínea b) e 390º., alínea b) do CPP que em processo sumário, toda a prova tem de ser produzida dentro de trinta dias contados desde a detenção, embora se admita que a prova seja concluída dentro do prazo dos trinta dias e a audiência seja adiada para alegações orais em dia posterior ao trigésimo dia contado desde a detenção. II - Se não tiver sido possível produzir a prova dentro desse limite por razões devidamente justificadas, o processo deve ser reenviado para outra forma de processo. III - O incumprimento do limite temporal fixado para a produção da prova em processo sumário gera a nulidade insanável prevista na alínea f), do artº 119º, do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: * 1. Relatório 1.1. Nos presentes autos de processo sumário que correram termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Seixal, e na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido A…, foi proferida em 26 de Junho de 2009 sentença que decidiu nos seguintes termos: «a) Condenar o arguido A… pela prática de um crime de exercício da condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão e pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 2 meses de prisão; b) Em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 9 meses de prisão, a qual será cumprida por dias livres, nos termos do artigo 45º, nºs 1, 2 e 3 em 54 períodos sucessivos correspondentes a outros tantos fins-de-semana entre as 21 horas de Sexta-feira e as 21 horas de Domingo, com início no primeiro fim-de-semana subsequente ao trânsito em julgado desta decisão; b) Condenar ainda o arguido no pagamento de 2 UC`s de taxa de justiça e nas restantes custas criminais.,).» 1.2. O arguido interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar a respectiva motivação, as seguintes conclusões: “1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 2 do Decreto-lei nº 2/ 98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão e pela prática do crime de condução em estado de embriaguez na pena de 2 meses de prisão. 2. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 9 meses de prisão, a ser cumprida por dias livres, correspondente a 54 períodos sucessivos. 3. O arguido não concorda com a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, pois ainda que a prova produzida em sede de audiência de julgamento tenha sido conduzida no sentido da acusação ser dada como provada, a sentença enferma de nulidade decorrente da tramitação do processo sob a forma sumária. 4. Vejamos, nos presentes autos o M.P. requereu o julgamento, em processo sumário do arguido, A.... 5. O processo sumário, enquanto forma especial do processo penal visa essencialmente proporcionar uma reacção célere ao aparelho da justiça perante a pequena e média criminalidade, permitindo julgar rapidamente os delitos menos relevantes do ponto de vista da censura ético-jurídica de que são passíveis e que não suscitam particulares preocupações no que concerne á recolha de prova, visando um procedimento simplificado, justificado pela imediata ou quase imediata apresentação do detido e da prova e a imposição de limites á admissibilidade da sua utilização. 6. Pelo que um dos pressupostos de utilização do processo sumário é que a audiência de julgamento se possa iniciar no prazo máximo de 48 horas, após a detenção ou até ao limite do trigésimo dia posterior á detenção. 7. Ainda neste sentido, dispõe o art.º 390º, al. b) do C.P.P. que “quando não tenham podido, por razões devidamente justificadas, realizar-se no prazo máximo previsto no art.º 387º as diligências de prova necessárias á descoberta da verdade, o tribunal remete os autos ao M.P. para tramitação sob outra forma processual”. 8. Este prazo máximo previsto no art.º 387º do C.P.P., claramente se refere ao prazo constante da al. b) do nº 2 da mencionada disposição legal, ou seja até 30 dias, uma vez que o previsto na mesma é aplicável ex vi ao art.º 390º, al. b) do C.P.P.. 9. Ora, no caso sub iudice verificamos que o arguido foi detido e presente a tribunal para realização de audiência de julgamento, em processo sumário, em 13 de Abril de 2009, tendo a mesma sido adiada para o dia 8 de Maio de 2009 por razões de cariz processual. 10. Iniciada nessa data a audiência de julgamento, pelo arguido foi afirmado ser o mesmo titular de licença de condução emitida pela Direcção Geral dos Transportes de Cabo Verde e que aguardava apenas a recepção da 2ª via do documento que havia solicitado ao referido órgão. 11. O arguido ao fazer prova da titularidade da licença referida no ponto anterior, esta implicaria a sua absolvição da prática do crime de condução sem habilitação legal, ao abrigo do acordo celebrado entre Cabo Verde e Portugal de reconhecimento mútuo de cartas de condução, que entrou em vigor a 6 de Junho de 2007. 12. Por se tratar de uma prova essencial á descoberta da verdade, cuja resolução era essencial para a boa decisão da causa e que pressupunha por parte do arguido a realização de uma série de diligências, foi a audiência suspensa e designado o dia 4 de Junho de 2009, pelas 9.30h para sua continuação. 13. No que diz respeito á realização de diligências de prova necessárias á descoberta da verdade, o art.º 390º, al. b) do C.P.P., não faz qualquer referência a que estas sejam apenas aquelas a realizar pelo próprio tribunal ou a solicitação deste, pelo que também encontram previsão neste normativo legal as diligências a serem efectuadas pela parte interessada nas mesmas, no caso presente pelo arguido. 14. Apesar do tribunal a quo ter designado a data referida no ponto 12 das conclusões para continuação da audiência de julgamento, até ao início desta, não se encontrava ainda junto aos autos, embora o tenha sido nessa data, documento comprovativo do alegado pelo arguido, tendo-se procedido às alegações orais na sua ausência e marcado o dia 9 de Junho para leitura de sentença. 15. Ao ter procedido desta forma e salvo melhor opinião, mal andou o tribunal a quo, que face às declarações do arguido não remeteu em 8 de Maio de 2009, os presentes autos ao M.P. para tramitação sob outra forma processual, cfr. Acordão da Relação do Porto de 26/ 09/ 2007. 16. Ao não o ter feito foram excedidos os prazos previstos na lei para manutenção da forma sumária, no caso sub iudice. 17. Afinal, a data da detenção do arguido ocorreu a 13 de Abril de 2009, o que significa que atendendo ao prazo previsto na al. b) do nº 2 do art.º 387º do C.P.P., a audiência teria de iniciar-se no limite até 14 de Maio de 2009. 18. Embora a realização desta tenha tido início a 8 de Maio, foram na mesma suscitadas questões que requeriam diligências de prova a efectuar pelo arguido, necessárias á descoberta da verdade, que indubitavelmente ultrapassavam o prazo de art.º 387º do C.P.P., pelo que nunca poderia a audiência ter sido suspensa e designada nova data para a sua continuação, mas sim deveriam ter sido reenviados os autos ao M.P. para tramitação sob outra forma processual. 19. Assim, na data designada para continuação do julgamento, decorridos se encontravam os 30 dias que a lei prevê, pelo que foi empregue pelo tribunal a quo uma forma de processo especial fora dos casos previstos na lei, o que constitui uma nulidade insanável de acordo com o art.º 119º, al. f) do C.P.P. 20. Ainda que se entenda, o que nem por mera hipótese se admite, que o prazo previsto na al. b) do nº 2 do art.º 387º aplicável ex vi ao art.º 390º al. b) do C.P.P., começa a contar a partir do início da audiência de julgamento, também no caso dos presentes autos, este entendimento não merece qualquer procedência. 21. Mesmo que assim fosse, implicaria no caso vertente que a audiência de julgamento realizada em 4 de Junho de 2009 fosse declarada suspensa, dado que ainda se encontrariam a decorrer os 30 dias do art.º 387º e que fosse marcada a sua continuação, no máximo até ao dia 8 de Junho para prova do alegado, ao contrário do que sucedeu, em que se procedeu a alegações orais e se designou nova data para leitura de sentença. 22. A ser possível esta interpretação, o que nem por mera hipótese académica se admite, o resultado no caso sub iudice seria sempre o mesmo, ou seja estaríamos sempre perante uma nulidade insanável, uma vez que também nesta situação já estaria ultrapassado o prazo do art.º 387º do C.P.P.. 23. Deste modo, ao serem excedidos os prazos legais para manutenção da forma sumária nos presentes autos, o tribunal a quo deveria ter remetido o processo ao M.P., ao coberto do art.º 390º do C.P.P., não o fazendo e optando pela utilização de forma sumária nas condições verificadas gerou nulidade, que a lei classifica como insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, implicando a invalidade de todos os actos (conforme dispõe o art.º 122º, nº 1 do C.P.P.) por ela afectados, impondo-se a consequente declaração de nulidade do julgamento e da sentença subsequentemente proferida. 24. Violadas foram assim as normas jurídicas previstas nos art.ºs 386º, 390º e 387º, nº 2, al. b) do C.P.P. 25. Por outro lado, o tribunal a quo ao ter condenado o arguido pela prática dos crimes identificados no ponto 1º das conclusões, na pena única de 9 meses de prisão, a ser cumprida por dias livres em 54 períodos sucessivos, considerou como factores relevantes para determinação da medida concreta da pena a aplicar, o modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências, a taxa de alcoolemia apresentada, o facto de da sua conduta não ter resultado perigo concreto, a intensidade do dolo, os efeitos do álcool na condução, a postura do arguido em audiência, os seus antecedentes criminais no âmbito dos crimes de natureza rodoviária e as necessidades de prevenção geral. 26. Efectivamente, depõem a favor do arguido, o facto de ter sido detido na sequência de operação de fiscalização de rotina, não se tendo apurado que com a sua conduta tenha lesado bens pessoais ou patrimoniais juridicamente protegidos e o facto de ter confessado o crime de condução em estado de embriaguez. 27. Por sua vez, militam a seu desfavor, a taxa de alcoolemia apresentada de 1,70 g/l, o dolo, a junção aos autos de documento que se presume emitido a favor de outrem, as necessidades elevadas de prevenção geral e o factor mais importante e decisivo; os antecedentes criminais. 28. São estes últimos que impossibilitam a aplicação ao caso concreto de uma pena não privativa da liberdade, tendo o arguido consciência deste facto, pelo que não pugna pela aplicação da mesma. 29. No entanto, na ponderação dos factores relevantes para determinação da medida da pena a aplicar, o tribunal a quo não teve em consideração as condições pessoais do agente e a sua situação económica, que constam da matéria de facto provada a flls 17 dos autos. 30. O arguido e o seu agregado familiar vivem com graves dificuldades económicas, dependendo unicamente do rendimento mensal auferido pela companheira do arguido, no valor de € 450, que exerce a profissão de cozinheira, uma vez que o arguido se encontra actualmente desempregado. 31. Deste parco orçamento é ainda dispendido o valor mensal de € 350, para pagamento da renda da casa onde residem. 32. Embora o tribunal a quo tenha justificado a aplicação da pena em que o arguido foi condenado como forma de evitar “que se projectem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas e ruptura com o meio profissional e social” não se poderá concordar com a duração da pena, visto que esta se mostra desadequada por excessiva, pecando a douta sentença por excesso. 33. Ao condenar o arguido na privação da liberdade por um período de 54 períodos sucessivos, cuja duração se encontra muito perto dos limites máximos previstos no nº 2 do art.º 45º do C.P. para cumprimento desta pena, o tribunal a quo está a condicionar a actividade profissional deste bem como a retirar a sua assistência á família. 34. Deveria a douta decisão recorrida ter tido em consideração para determinação da medida da pena, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, ao assim não entender a mesma atentou contra o disposto no art.º 71º do C.P. Pelo exposto, a) Deverá ser declarada nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. f) do C.P.P., com consequente declaração de nulidade do julgamento e da sentença proferida e, em consequência, ser remetido o processo ao tribunal recorrido para posterior remessa ao M.P., a fim de seguir a tramitação sob a forma de processo comum; Sem conceder, Deve a douta sentença ser revogada e, em consequência ser o arguido absolvido. Se assim V.Exªs não entenderem, b) Deve a decisão aplicada ao recorrente ser revogada e, em consequência ser substituída por outra que se coadune á pretensão formulada, devendo a pena ser especialmente atenuada.” 1.3. Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do acórdão recorrido. 1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 89. 1.5. Uma vez remetido o mesmo a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo a sentença ser revogada e os autos transitar para o Ministério Público nos termos do artigo 390.º, alínea b) do CPP. 1.6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta pelo arguido. 1.6. Foi proferido despacho preliminar. Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir. * 2. Objecto do recurso Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação - artigos 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal -, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber: 1.ª – se se verifica a nulidade insanável consistente no “emprego da de processo especial fora dos casos previstos na lei”, nos termos da alínea f) do art. 119.° e do artigo 390.º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal; 2.ª – em caso negativo, se a sentença recorrida atentou contra o disposto no artigo 71.º do Código Penal na determinação da medida da pena. Sem qualquer alusão à correspondente matéria na motivação apresentada, o recorrente pediu na parte final das conclusões, que a pena fosse “especialmente atenuada”. Como resulta com clareza do artigo 412.º, n.º1 do Código de Processo Penal, os fundamentos do recurso são enunciados na motivação, servindo as conclusões, tão só, para resumir as razões do pedido. Por isso a lei admite o aperfeiçoamento das conclusões (n.º 3 do artigo 417.º), mas já não o aperfeiçoamento da motivação, que fixa definitivamente o âmbito do recurso e é imodificável (n.º 4 do artigo 417.º). Assim, se o recorrente não especifica os fundamentos desta específica pretensão recursória, como lhe impõe o art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, fica-se, no fundo, sem saber porque é que discorda da decisão recorrida e entende que a pena aplicada deve ser especialmente atenuada, o que sempre impediria a sua análise. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.04.29 (Proc. n.º 607/09, da 3.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos), “o objecto dos recursos é definido pelas conclusões com que o recorrente encerra a motivação, desde que não extravasem as questões abordadas no corpo da mesma motivação. Isto é, se, nas conclusões, o recorrente pode restringir expressa ou tacitamente o objecto do recurso tal como delineado ao longo da motivação, já as questões suscitadas nas conclusões sem correspondência na motivação se têm de considerar fora do objecto do mesmo (nas conclusões, o recorrente não pode ampliar o objecto do recurso) – arts. 412.º do CPP, 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do CPC.” Não se considera, pois, integrar o objecto do recurso a questão da atenuação especial da pena a aplicar. * 3. Fundamentação * 3.1. Começa o recorrente por invocar que na data designada para continuação do julgamento, encontravam-se decorridos os 30 dias que a lei prevê para a manutenção da forma sumária, pelo que o tribunal a quo deveria ter remetido o processo ao M.P., a coberto do art.º 390º do C.P.P e, não o fazendo e optando pela utilização de forma sumária nas condições verificadas, empregou uma forma de processo especial fora dos casos previstos na lei, o que constitui uma nulidade insanável de acordo com o art.º 119º, al. f) do C.P.P, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, implicando a invalidade de todos os actos por ela afectados, impondo-se a consequente declaração de nulidade do julgamento e da sentença subsequentemente proferida. Vejamos. 3.1.1. Nos termos do preceituado no 390.º, alínea b) do Código de Processo Penal, o tribunal só remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual quando “[n]ão tenham podido, por razões devidamente justificadas, realizar-se, no prazo máximo previsto no artigo 387.º, as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade”. Estabelece, por seu turno, o artigo art. 387.º, n.º 2, alínea b) do mesmo diploma, que o início da audiência de julgamento em processo sumário pode ser adiado “[a]té ao limite de 30 dias, se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa ou se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade”. Resulta da conjugação dos preceitos em análise que, a legalidade da manutenção da forma sumária depende da observância do limite temporal de 30 dias fixado para a produção da prova. Solução que se mostra plenamente justificada atenta a razão de ser da prescrição do referido limite temporal. Com efeito, o processo sumário está vocacionado como meio formal de reacção contra certo tipo de criminalidade (pequena e média) conjugando a celeridade da decisão com as exigências de justiça. Como refere o Conselheiro Henriques Gaspar (no seu estudo Os Processos Especiais, in Jornadas de Direito Processual Penal, O novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, p. 371, que apesar de ter sido elaborado perante uma versão distinta do actual Código de Processo Penal, mantém absoluta pertinência no que a estas considerações diz respeito), “[e]sta ponderação de valores impõe que para além de determinados limites (de tempo e complexidade), aqueles valores tenham de ser sacrificados a estes” O figurino processual sumário justifica-se pela circunstância de determinados crimes “menores”, julgados após a imediata ou quase imediata apresentação do detido (art. 381.º) não suscitarem particulares preocupações no que concerne à recolha de prova: a constatação imediata da infracção penal dispensa uma investigação preliminar e denota que o problema da prova dos factos está, em princípio, suficientemente resolvido. Logra-se, assim, um alívio do funcionamento do aparelho judiciário (com um processo célere e rápido) e sem que daí resulte sacrifício das exigências de justiça, uma vez que a prova está “fresca” e rapidamente se alcança a verdade material. Este compromisso entre a celeridade e as exigências de justiça é obtido através da conjugação entre um procedimento simplificado e a imposição de limites à admissibilidade da sua utilização. Se a produção dos meios de prova essenciais à descoberta da verdade material não pode ser adequadamente feita no quadro de rapidez de averiguação e decisão próprias da forma sumária, sendo justificada uma maior e melhor averiguação, fica comprometida a possibilidade de uma decisão ponderada e segura, o que justifica a fixação de um prazo para a produção da prova tido pelo legislador como absolutamente inultrapassável. Retomando a palavra de Henriques Gaspar, “[e]struturado deste modo, com decisão quase-imediata, e reduzida a complexidade do campo de intervenção material, o processo sumário coloca-se à margem das críticas que, de alguns sectores, se dirigem ao tipo de processos expeditos («procedures accelerées»)”. São seus traços essenciais “[i]mediatismo, rapidez de decisão, pressuposição de eficácia, redução de complexidade”, é certo, mas também, “predominância das exigências da verdade material e da investigação necessária contra as injunções do tempo” (in estudo citado, p. 372). Perante a redacção actualmente em vigor da lei processual penal, resulta da conjugação dos artigos 387.º, n.º 2, alínea b) e 390.º, alínea b) que em processo sumário, toda a prova tem de ser produzida dentro de trinta dias contados desde a detenção, embora se admita que a prova seja concluída dentro do prazo dos trinta dias e a audiência seja “adiada para alegações orais em dia posterior ao trigésimo dia contado desde a detenção” (vide Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição actualizada, Lisboa 2009, p. 977-978). Se não tiver sido possível produzir a prova dentro desse limite por razões devidamente justificadas, o processo deve ser reenviado para outra forma de processo [artigo 390.º, alínea b) do CPP]. Como também se assinala no Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas, dos Magistrado do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, se na data do julgamento o juiz verificar que as provas requeridas não estão todas disponíveis e se faltarem algumas que continuam a ser indispensáveis à descoberta da verdade, profere despacho em que “expõe as concretas razões que impediram a produção das provas em causa e os motivos de ainda continuarem a ser essenciais para a descoberta da verdade e, assim devidamente fundamentada a decisão, remete os autos para serem tramitados sob outra forma processual”. E, pelas mesmas razões, o Acórdão da Relação do Porto de 2007.09.26 decidiu que se houve julgamento em processo sumário e, em recurso, foi determinado o reenvio do processo para novo julgamento, este já não pode ter lugar em processo sumário, por já não poder ser respeitado o prazo máximo de 30 dias, devendo o processo ser reenviado para a forma comum (Recurso nº 2521/07 da 4ª Secção, in www.dgsi.pt). Caso se não proceda ao reenvio a que alude o artigo 390.º do Código de Processo Penal, deverá constatar-se que os autos prosseguiram na forma de processo sumário quando deixou de estar presente um requisito essencial para a manutenção daquela forma processual, o que implica se considere verificada a nulidade insanável prevista na alínea f) do artº 119º do Código de Processo Penal, que a se consubstancia no “emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.” A remodelação a que foi sujeita a alínea b) do artigo 390.º do Código de Processo Penal com a Lei n.º 48/2007, de 28 de Agosto, conforta claramente a perspectiva de que a constatação da inobservância deste requisito temporal poderá ser feita mesmo depois de proferida a sentença, constituindo o mesmo um requisito essencial da manutenção da forma do processo sumário. Na verdade, a expressão prospectiva “não possam previsivelmente realizar-se” foi substituída pela retrospectiva “não tenham podido”, o que nos reconduz para a necessidade de uma análise ex post. * 3.1.2. Para aferir da observância destas prescrições legais no caso sub-judice, relembremos o iter cronológico dos actos processuais que tiveram lugar no âmbito dos presentes autos: · 13 de Abril de 2009 – o arguido foi presente a tribunal, na sequência de detenção, para realização de julgamento em processo sumário e a audiência de julgamento foi adiada para o dia 8 de Maio de 2009; · 8 de Maio de 2009 – iniciou-se o julgamento e no seu decurso o arguido afirmou ser possuidor de licença de condução emitida em Cabo Verde, país do qual é natural, encontrando-se à data a aguardar a recepção de 2.ª via que tinha solicitado (como consta do CD apenso aos autos), suspendendo-se a audiência para continuar no dia 4 de Junho, “face ao alegado pelo arguido” (acta de fls. 38-39); · 4 de Junho de 2009 – a audiência conclui-se com as alegações orais, é designada a data de 9 de Junho para a leitira da sentença e o arguido junta aos autos um documento; · 9 de Junho de 2009 – leitura da sentença. Resulta com clareza desta sequência temporal que foi nos presentes autos excedido o prazo de 30 dias previsto para a produção da prova em processo sumário. E foi-o por razões devidamente justificadas, pois, sendo fundamental averiguar da habilitação legal do arguido para exercer a condução, e se este se dizia habilitado para o efeito por um país estrangeiro, haveria que desenvolver as diligências probatórias necessárias à comprovação da referida habilitação. Entre as diligências probatórias possíveis, incluía-se a da junção pelo próprio arguido do documento habilitante, pelo que se justificava plenamente a concessão de um prazo para o efeito. Aliás, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto – que opina pela revogação da sentença e remessa dos autos ao Ministério Público – sugere ainda a averiguação perante as autoridades de Cabo-Verde quanto a saber se o arguido é, como alegou, titular de carta de condução emitida naquele país, uma vez que à data dos factos (12 de Abril de 2009) estava em vigor o Acordo entre Portugal e Cabo-Verde, transposto para a ordem jurídica interna pelo Decreto n.º 10/2007, de 5 de Junho. Ou seja, este é um caso paradigmático em que a celeridade inerente ao processo sumário não se adequa às exigências de investigação demandadas pela necessária reconstituição dos factos (no caso, relativos ao agente) essenciais à decisão. Justificando-se, assim, uma dilação no tempo da produção da prova, impunha-se o reenvio do processo para uma outra forma processual logo que fosse constatada a impossibilidade de se concluírem as diligências de prova dentro do prazo de 30 dias, implicando o seu não reenvio oportuno a verificação da nulidade insanável prevista na alínea f) do artº 119º do Código de Processo Penal. Não o tendo feito a Mma. Julgadora a quo, deverá agora constatar-se que os autos prosseguiram na forma de processo sumário quando deixou de estar presente um requisito essencial para a manutenção daquela forma processual. Como resulta do já exposto, o incumprimento do limite temporal fixado para a produção da prova em processo sumário gera a nulidade insanável prevista na alínea f) do artº 119º do Código de Processo Penal, nulidade esta que afecta a sentença proferida e a torna também inválida nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, constituindo fundamento do presente recurso nos termos do preceituado no artigo 410.º, n.º 3 do mesmo diploma. Deve pois julgar-se procedente a questão suscitada pelo recorrente, relativa à nulidade insanável prevista na al. f) do artº 119º do Código de Processo Penal, ela mesma determinativa, por si só, da procedência do recurso. * 3.2. Uma vez decidido que se verifica a identificada nulidade insanável e esta acarreta a anulação do julgamento realizado e da subsequente sentença nos termos do preceituado no artigo 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso (cfr o art. 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos art. 713.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e ambos ex vi do art. 4.º do Código de Processo Penal). * 4. Decisão Em face do exposto, decide-se julgar procedente o recurso e, em conformidade, declara-se nulo o julgamento efectuado, bem como e a subsequente sentença, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para que sejam os autos reenviados para outra forma processual. Sem custas. Honorários à Exma. Defensora Oficiosa: de acordo com a tabela em vigor (Portaria 1386/2004, de 10.11). * (Documento elaborado pela relatora e integralmente revisto por quem o subscreve – artigo 94.º, n.º 2 do CPP) Lisboa, 13 de Janeiro de 2010 Maria José Costa Pinto Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida |