Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2586/2007-8
Relator: CAETANO DUARTE
Descritores: ARROLAMENTO
DESCRIÇÃO DE BENS
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: No arrolamento previsto no artigo 427.º do Código de Processo Civil o requerente satisfaz a designação concreta dos bens arrolados referindo que tem em vista os bens móveis existentes na casa de morada de família, não se justificando a concretização de cada um desses bens.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Francisco […] requereu contra Isabel […] providência cautelar especial de arrolamento por apenso à acção de divórcio que corre termos entre ambos. Alegou ser casado com a requerida e ter sido constrangido a sair de casa onde ficaram os bens móveis que eram próprios do requerente, tendo receio que os mesmos venham a ser extraviados.

Foi proferido despacho a determinar o arrolamento dos bens móveis existentes na […], arrolamento que se encontra devidamente efectuado. Deste despacho, vem o presente recurso, interposto pela requerida.
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Alega a agravante, em suma:
- A decisão não contém a matéria considerada como provada nem os factos não provados, não especificando os fundamentos de facto que a justificam;
- Não foi cumprido o dever de indicação obrigatória dos bens a arrolar em concreto;
- Não foi cumprido o princípio do contraditório não havendo qualquer decisão a dispensar a audição da ora recorrente.
O recorrido não contralegou.
O juiz a quo manteve o seu despacho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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O âmbito do recurso é definido pelas conclusões do recorrente – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil. No caso dos autos, há que apreciar:
- se a providência podia ser decretada sem audição prévia da recorrente;
- se falta a fundamentação de facto da decisão;
- se era necessário descrever, na decisão, os factos considerados provados;
- se era necessário designar, em concreto, os bens a arrolar.

Dispõe o artigo 427º do Código de Processo Civil:

“Arrolamentos especiais
1 - Como preliminar ou incidente da acção de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a adminis­tração do outro.  
2 - Se houver bens abandonados, por estar ausente o seu titular, por estar jacente a herança, ou por outro motivo, e tornando-se necessário acautelar a perda ou deteriora­ção, são arrecadados judicialmente, mediante arrolamento.  
3 - Não é aplicável aos arrolamentos previstos nos números anteriores o disposto no n.º 1 do artigo 421.º”

O artigo 421º n.º 1 citado dispõe:

“Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imó­veis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.”

A regra geral, quanto ao princípio do contraditório nas providências cautelares é a constante do n.º 1 do artigo 385º do Código de Processo Civil: o requerido será ouvido excepto quando a sua audição possa por em risco sério o seu fim ou a eficácia da providên­cia. A interpretação deste artigo é unanimemente feita no sentido de não se proceder à audiência do requerido sempre que haja o risco de se frustrar o efeito prático que se pre­tende atingir. Tal situação verifica-se quando o conhecimento da pretensão do requerente pela parte contrária ou a demora no deferimento da providência  aumentem o perigo de lesão grave  e de difícil reparação que se pretende evitar com a propositura da providência. O próprio legislador aponta para esta interpretação quando, no n.º 1 do artigo 408º do Código de processo Civil, dispõe que o arresto será “decretado sem audiência da parte contrária”. Consistindo o arresto numa apreensão de bens para preservar a garantia patri­monial do crédito do requerente, a audiência da parte contrária iria permitir que esta pudesse desviar os bens antes de ser possível decretar a providência requerida.

O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens cujo extravio, ocultação ou dissipação se receia. No caso especial do arrolamento como preliminar ou incidente da acção de divórcio, serão descritos, avaliados e entregues a um depositário os bens comuns ou os bens próprios que estejam sob administração da outra parte. Muito embora, o legislador não o diga expressamente, as razões que justificam que o arresto seja decretado sem audiência do requerido aplicam-se plenamente ao caso do arrolamento. A audição da requerida, neste caso, iria conceder-lhe a possibilidade de por a recato os (ou alguns dos) bens móveis que se pretendem ver arrolados. E frustrava-se a pretensão do requerente.

As duas questões seguintes – fundamentação de facto e descrição dos factos prova­dos – podem ser apreciadas em conjunto. No caso especial deste arrolamento, que factos há que provar? Estando afastada a necessidade de provar a sumariamente o direito relativo aos bens e os factos em que se fundamenta o receio do seu extravio, basta provar o casamento e a pendência do processo de divórcio ou a iminência da mesma ser proposta. No caso dos autos, já se encontra pendente uma acção de divórcio de que esta providência cautelar é incidental, pelo que nada haverá que provar. Até porque, tratando-se de bens móveis exis­tentes na casa de morada de família, terá de se presumir que ou são comuns ou são próprios do requerente. No caso de se tratar de bens próprios da requerida, bastará que esta faça prova desse facto para que os mesmos não sejam objecto de arrolamento.

Tratando-se dum património, necessariamente constituído por uma universalidade de bens, não nos parece necessário a designação concreta de todos os bens que se pretendem ver arrolados. Ao pedir o arrolamento dos bens móveis existentes em determinada casa, está-se a designar concretamente uma universalidade de bens o que dispensa a indicação pormenorizada de todos os bens móveis a arrolar.

Uma última palavra para referir que, dum ponto de vista estritamente formal, a deci­são recorrida é muito parca: podia (devia?) referir porque defere a providência sem ouvir a parte contrária, podia (devia?) consignar os factos provados. No entanto, a omissão destes pontos não altera em nada a decisão que, apesar deles, é perfeitamente compreensível e está correcta. Entendemos que, apesar de importante, a forma não pode prevalecer sobre a substância pelo que aceitamos a decisão sem lhe fazer reparos formais.

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Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

Lisboa, 20 de Setembro de 2007

José Albino Caetano Duarte
António Pedro Ferreira de Almeida
José Fernando Salazar Casanova