Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
600/12.6TVLSB.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: FACTOS INSTRUMENTAIS
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.Os factos instrumentais subdividem-se em factos instrumentais puramente probatórios e em factos instrumentais desprovidos de função puramente probatória.
II.Por sua vez, os factos instrumentais desprovidos da função meramente probatória subdividem-se em: (i) Factos que constituem por si a base de uma presunção legal; (ii) factos que integram causas de pedir complexas servindo para preencher, de uma forma tão ampla quanto possível, conceitos jurídicos ou juízos de valor diretamente relevantes para a procedência da ação ou da defesa; (iii) factos que integram exceções probatórias.
III.Um facto instrumental puramente probatório tem uma função transitória, servindo apenas para ser um elemento infirmador ou confirmador de um facto principal, provado ou não provado, não se justificando a autonomização de tal facto instrumental puramente probatório no elenco dos factos provados ou não provados.
IV.Em sede de valoração do depoimento testemunhal e das declarações de parte, constituem parâmetros aferidores da atendibilidade dos mesmos designadamente os seguintes: inserção espontânea de pormenores/detalhes inusuais mas que não são claramente irreais; contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; quantidade de detalhes; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade do testemunho.
V.Nos termos do Artigo 12º,nº1, 1ª parte, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro o que significa que a lei nova se aplica a quaisquer factos para o futuro e não apenas a factos futuros.
VI.A lei nova pode utilizar factos anteriores à sua entrada em vigor para preencher a sua previsão de modo que uma situação que não produzia anteriormente nenhuns efeitos jurídicos passa preencher a previsão de uma regra e, em conformidade, a produzir efeitos jurídicos ex lege. Estra retroconexão é uma modalidade da aplicação imediata da lei nova traduzindo-se, precisamente, na circunstância da lei nova se servir de um facto passado para constituir para o futuro uma situação jurídica.
VII.É o que sucede com o Decreto-lei nº 189/2004, de 17.8, que veio instituir uma compensação especial no caso de morte de militar da GNR em acidente de serviço, de modo que tal lei se aplica no caso dos autos em que o óbito do militar precedeu em cerca de seis meses a entrada em vigor de tal Decreto-lei.
VIII.Não tendo ainda prescrito o direito dos autores exigirem a compensação especial por óbito de militar da GNR em acidente de serviço, está afastada a pertinência da discussão da perda de chance por não interposição de ação por advogado.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


CARLA JESUS .... .... ...., por si e em representação dos seus filhos menores Bruno e Bruna .... do .... (como no despacho saneador se considerou, cf. fls. 468) intentou contra JOAQUIM .... DE C... e MANUEL ...., ambos advogados, ação declarativa com processo ordinário pedindo a condenação dos Réus, na proporção das respetivas culpas, a pagar-lhes a quantia global de € 300.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados decorrente da violação dos respetivos deveres profissionais no âmbito da relação de mandato forense que com eles manteve.

Alegou, para tanto e no essencial, ter o seu marido, agente da GNR, sido atingido mortalmente por um projétil disparado por um seu colega aquando de uma perseguição que efetuavam e que deu origem a um processo criminal no âmbito do qual o então mandatário da Autora, Joaquim .... deduziu, em representação da Autora, o competente pedido cível mas que subsequentemente não propôs a ação no Tribunal Cível na sequência do despacho do juiz que remeteu os interessados para os meios comuns não obstante lhe garantir que a estava a preparar.

O Réu Dr. Manuel .... deduziu incidente de intervenção acessória provocada da .... Insurance Company, Ltd o qual foi admitido e da Império Bonança (fls. 70, 209-210).

O Réu Dr. Joaquim .... deduziu incidente de intervenção provocada da Companhia de Seguros ...., SA, o qual foi admitido (fls. 153, 209-210).

Após julgamento, foi proferido sentença que absolveu os Réus do pedido.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

«CONCLUSÕES.

A) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

i-Resulta da prova produzida em audiência de julgamento um facto instrumental que não foi considerado pelo tribunal e que deveria ter sido, qual seja: «Antes de se estabelecer o mandato, a A. informou o réu .... de que não tinha, naquele momento, meios económicos para pagar honorários», facto esse que é instrumental e que foi confirmado tanto pelas declarações de parte da a. e suas testemunhas e ainda pelo próprio réu Joaquim ....».
ii-O tribunal deu como provado que o réu .... terá pedido uma provisão de 1.000,00 à autora para meter a ação de indemnização.
iii- E fê-lo sustentado unicamente no depoimento da testemunha Sónia .....
iv-Porém, o depoimento desta testemunha não pode ser atendível, em primeiro lugar, por não ter assistido às negociações fundamentais para a determinação de um acordo de quota litis e de ausência de exigência de provisão, e em segundo lugar por haver uma crassa incongruência relativa ao montante habitual da provisão que era pedido a todos os clientes.
v-Acresce ainda, que para a formulação da convicção sob a fase inicial do mandato ainda concorreu o depoimento da testemunha Paulo ...., que confirmou que foi ele próprio que teria estabelecido com o Réu o acordo da quota litis, sendo que, neste caso concreto, a credibilidade desta testemunha não foi abalado, de todo.
vi-E ao contrário até foi valorada pelo tribunal.
vii-Ora as regras de experiência comum não podem traduzir um tratamento discricionário ou arbitrário do julgador, na medida em que a decisão judicial deve consistir um sistema lógico pautado pela seleção de elementos probatórios que convergem para evidenciar os factos integradores do Direito.
viii-Verifica-se que o fundamento probatório em que o Tribunal se sustentou não diz respeito ao facto concretamente apreciado, ou seja, não diz respeito às negociações que conduziram à determinação de uma quota litis e da ausência de cobrança de provisão.
ix-Não subsiste, portanto, elemento probatório para a formação da convicção do Tribunal no sentido em que a decisão foi tomada.
x-Salvo o devido respeito, a conclusão a que se chega é que a convicção do Tribunal terá antes partido de uma convicção puramente pessoal.
xi-Foram ainda arrolados nestes autos diversos meios probatórios que confirmam a versão dos factos dos AA., nomeadamente que o Réu .... não cobrou, à data do estabelecimento do mandato, qualquer provisão, e que ainda aceitou receber honorários sobre 15% da indemnização que os AA. pretendiam receber a final.
xii-Desde logo, pelo depoimento da testemunha Paulo ...., e depois, pelo depoimento da Autora nunca chegou a ser colocado em causa.
xiii-Os procedimentos disciplinares juntos aos autos, de igual forma mostram que a conduta do Réu .... já era habitual votar os processo ao abandono a cobrar percentagens só a final do processo.
xiv-Por tudo isso deve ser dado como provado que:
A) “O réu .... ajustou com a autora na sequência da notificação do despacho a que alude em H) que esta só lhe pagaria honorários quando recebesse a final a indemnização e que aqueles se cifrariam em 15% da mesma”;
B) “Que após a dedução do pedido de indemnização cível e antes de constituir mandato com o 2º réu Manuel .... a autora tentou contactar com o réu ...., tendo este referido que esta não se devia preocupar porque estaria a tratar do assunto.”;
C) “O réu .... ajustou com a autora na sequência da notificação do despacho a que alude em H) que esta só lhe pagaria honorários quando recebesse a final a indemnização e que aqueles se cifrariam em 15% da mesma”;
D) “Que após a dedução do pedido de indemnização cível e antes de constituir mandato com o 2º réu Manuel .... a autora tentou contactar com o réu ...., tendo este referido que esta não se devia preocupar porque estaria a tratar do assunto.”;
xv-E deve dar-se como não provado que;
A)“O réu Joaquim .... solicitou provisão para despesas e honorários no montante de €1.000,00 para a propositura da ação de responsabilidade civil contra a GNR, montante esse sem o qual não a intentaria como lhe frisou num telefonema ocorrido em 6 de março de
2008”.
xvi-Resulta da sentença que não teria ficado claro qual o tipo de ação que a A. pretendia propor, referindo até que «ninguém esclareceu com exatidão qual seria»
xvii-Todavia, não se compreende por que motivo terá tal dúvida subsistido na convicção do julgador.
xviii-Em primeiro lugar, atente-se que é até antagónico que o Tribunal revele não conhecer o concreto contexto da ação, quando como resulta do ponto T. dos factos provados, que se pretendia propor uma ação de responsabilidade civil contra a GNR.
xix-Por outro lado, o próprio Tribunal questionou inúmeras vezes em audiência, e reconheceu, inclusive, que tal uma hipotética ação nos meios comuns seria tão somente uma reprodução do PIC para ser apresentada para nos meios comuns.
xx-Porém, resulta claro da prova arrolada que a ação que se pretendia intentar seria uma ação de indemnização cível a propor contra a Guarda Nacional Republicana.
xxi-o facto de haver uma absolvição no âmbito do processo-crime não implica que não possa haver responsabilidade cível, uma vez que os pressupostos legais estabelecidos para a demonstração de um são distintos para a demonstração de outro.
xxii-Assim é manifesto o erro no julgamento da matéria de facto.
xxiii- Pelo que, deve dar-se como PROVADO que “Por força do acidente sofrido pelo seu marido/pai, os autores tencionavam propor uma ação de responsabilidade civil contra a Guarda Nacional Republicana”.
xxiv-E que “O réu .... estaria incumbido de intentar a mesma”.

B) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO.

i-Não poderia o tribunal considerar como considerou que a procuração passada ao réu .... se destinava exclusivamente a ser utilizada no âmbito do processo criminal instaurado.
ii-Não se concebe lógica ao raciocínio segundo o qual, ao fazer-se a remessa das partes para os meios comuns, pudesse um Mandatário “lavar as mãos” das suas obrigações e considerar o seu mandato cumprido sem obter a finalidade derradeira para a qual foi contratado.
iii-Pelo que não seria necessária nova procuração para intentar a ação de indemnização.
iv-Ainda que se não considerasse a existência de um mandato forense teria o Tribunal que se ater quanto à existência de um mandato civil especial, nos termos do art.º 1157.º e ss. do CC.
v-Pelo que com isso ficaria incumbido o autor de praticar os atos conducentes à concretização da apresentação desse pedido,
vi-Quanto mais não seja de concretizar o petição inicial e entregá-la à A.
vii-Pelo que, deve a decisão de 1ª instância ser revogada e substituída por outra que determine a natureza da relação jurídica estabelecida entre AA e o réu .... como sendo um contrato de mandato forense formalizado através de procuração.
viii-Resulta da prova produzida que o tipo de ação a que o R. se tinha incumbido de propor seria uma ação de responsabilidade civil extracontratual do estado.
ix-O prazo prescricional para esse tipo de ação é de 3 anos, de acordo com o disposto no art.º 498.º do CC.
x-Com a apresentação do PIC, houve uma interrupção do prazo de prescrição previsto para as ações de responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art.º 323.º, n.º 2 do CC, tendo havido citação judicial expressando a vontade de exercer esse direito contra a Guarda Nacional Republicana.
xi-Assim, o prazo de prescrição para a ação cível mencionada, que teria lugar dentro de 3 anos após a data da morte (art.º 306.º e art.º 498.º do CC) reiniciou-se a 15-05-2005,
xii-Pelo que o mesmo ver-se-ia prescrito 15-05-2008.
xiii-E mesmo que se considerasse que só podia voltar a exercer esse direito após a remessa das partes para os meios comuns (art.º 306.º do CC), o prazo de prescrição findaria assim em 13-06-2008,
xiv-Seis meses antes de findar o mandato.
xv-E em 2008 estaria ainda em vigor o mandato estabelecido entre o R. .... e a A.,
xvi-Pois o mandato apenas pode ser revogado expressamente (o que não resultou dos factos provados) ou tacitamente, nos termos do art.º 1171.º.
xvii-Ora, só em Dezembro de 2008 é que a A. contactou com novo Advogado,
xviii-E mesmo assim, sem ter revogado o mandato anterior.
xix-Houve assim responsabilidade civil pela falta de prática dos atos para o qual foi mandatado, e que se tornaram impossíveis, pelo menos quanto à A.
xx-Pelo que violou o Tribunal o disposto no art.º 1161.º, n.º 1, al. a) do CPC.
xxi-A mera existência de incumprimento contratual é assim indemnizável à luz dos basilares princípios atinentes à produção dos danos na esfera jurídica da contraparte.
xxii-Por tudo isso, deve essa Relação revogar a decisão em crise e substituí-la por outra que considere a manutenção do mandato com o réu .... pelo menos até à data do terminus do prazo prescricional em consonância com a relação contratual estabelecida entre eles e de acordo com o prazo de prescrição de 3 anos.
xxiii-O decurso do prazo de prescrição traduz-se numa verdadeira desvantagem para a A., ou uma perda de uma vantagem que detinha a priori, porquanto o seu direito de ação sobre a questão suscitada ficou manchado pela hipótese de o mesmo lhe ser negado logo à partida, sem qualquer discussão da matéria de fundo.
xxiv-Pode dizer-se, na verdade, que os AA. perderam um “trunfo” quanto à discussão do mérito da causa, perdendo por isso uma vantagem jurídica que existia e que é autónoma do seu direito de indemnização.
xxv-Sem o decurso desse mesmo prazo de prescrição os AA. tinham a faculdade incólume de, com toda a probabilidade, ver o seu direito discutido em juízo,
xxvi-Por isso, o decurso desse prazo constitui uma crassa desvantagem ao exercício do seu direito substantivo.
xxvii- Não é a perda da expectativa jurídica do resultado dessa ação, mas sim o exercício dessa mesma ação em virtude de se alcançar esse resultado.
xxviii-Com toda a probabilidade, a pretensão jurídica dos AA. seria admitida em pleito em virtude do falecimento do marido/pai, pretensão essa que é legítima, interessada e fundamentada.
xxix-Trata-se de um dano autónomo ao incumprimento contratual, um dano que é provocado pela má execução desse contrato e que atinge os direitos alheios do mandante que deveria ter acautelado, direitos esses que não se inserem no leque de direitos derivados desse mesmo contrato.
xxx-Na verdade, os direitos que os AA. detinham pela execução do mandato seriam os direitos previstos no art.º 1161.º do CC:
a. O direito de ver praticado os atos compreendidos no mandato;
b. O direito a obter informações relativas ao estado da gestão;
c. O direito de receber informações quanto ao estado da execução do mandato e estratégia do mandatário;
d. O direito a serem-lhe prestadas contas;
e. O direito a receber aquilo que advier da execução ou exercício do mandato.
xxxi-Considerado o direito de ação como um direito juridicamente tutelado pela lei processual, o óbice sobre o seu exercício, através do qual se concretiza o exercício do direito substantivo, representa um claro prejuízo ou dano, em si mesmo considerado, isto é, um dano autónomo.
xxxii-Para que se possa reclamar o ressarcimento de certo dano, é necessário, mas não suficiente, que o acto seja condição dele, porquanto se exige, igualmente, que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável.
xxxiii-Sem o incumprimento contratual do R. ...., nunca teria o direito dos AA prescrito, e tal efeito jurídico nunca se teria verificado sobre os mesmos.
xxxiv-Assim, contempla-se a verificação dos elementos atinentes à responsabilidade civil pela perda de chance, que são:
a. A existência de mandato forense para a propositura da ação de indemnização;
b. Um incumprimento desse mesmo contrato, em virtude da omissão dos deveres que pendiam sobre o R. ....;
c. Um dano atinente que atinge um direito terceiro à execução desse mesmo contrato,
d. Dano esse que se traduz numa desvantagem para o exercício desse mesmo direito.
e. Que esse dano não se produziria nem se verificaria caso o Mandatário tivesse tido o devido zelo pela execução do mandato no tempo exigido
xxxv-Por tudo isso, deve esse tribunal da relação revogar a decisão em crise substituindo-a por outra que, declare a existência de responsabilidade do réu ...., pelo dano de perda de chance do direito à indemnização dos autores e consequentemente, o condene, aplicando os critérios do artº 566º nº 3 do CC, no quantum indemnizatório entre €30.000,00 e €60.000,00.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso considerando-se os vícios, apontadas e em consequência, revogada a sentença em crise, substituindo-se a mesma, por outra nos termos supra preconizados, Como é de inteira e limiar Justiça!»

Contra-alegou o Réu Joaquim .... de C... propugnando pela improcedência da apelação (fls. 1016-1027).

Contra-alegou a Companhia de Seguros ...., SA., requerendo também a ampliação do objeto do recurso no sentido de ser declara uma causa de exclusão da cobertura da apólice, qual seja a da falta da comunicação à seguradora da existência desta ação ( fls. 1006-1011).

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são:

i.Reapreciação da matéria de facto, designadamente passando o facto provado T) a não provado e o facto não provado referido a fls. 925 a facto provado e aditamento de factos provados;
ii.Aquilatar se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade por perda de chance;
iii.Verificar se ocorre alguma causa de exclusão da apólice da .....
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:

«1. FACTOS PROVADOS POR DOCUMENTO, ACORDO OU CONFISSÃO (e que correspondem na essencialidade aos já consignados na audiência prévia) :

A.No dia 24 de Fevereiro de 2004, cerca das 16h46, aquando de uma operação stop, seguida de perseguição policial, pela patrulha da BT da GNR a um motociclista, aconteceu um acidente que resultou na morte do soldado da GNR Paulo B...F... L... do .... ...., na altura em serviço;
B.O falecido era marido da autora;
C.O acidente ficou a dever-se ao facto, do outro agente da GNR de nome Miguel A...G...A..., aquando da imobilização do motociclista que perseguia, empunhando a sua arma na mão direita, pronta a disparar com o cão armado, face à resistência do mesmo, inesperadamente desequilibrou-se e o dedo que mantinha no guarda mato da pistola, resvalou para o gatilho, premindo-o provocando o disparo da arma;
D.O disparo atingiu o soldado .... na região labial esquerda, num movimento de dentro para fora, de frente para trás, e de baixo para cima, numa altura em que a vitima se encontrava a uma distância inferior a 2 metros, provocando a morte do mesmo;
E.Feita a participação, foi aberto processo nos Serviços do Ministério Publico do Cartaxo com o NUIPC 105/04.9GTALQ, tendo sido deduzida acusação contra o arguido Miguel A... em 22 de Março de 2005, por homicídio por negligência;
F.A Autora, constituiu seu bastante procurador o aqui 1º Réu - Dr. Joaquim M... .... de C..., a quem conferiu os mais amplos poderes em lei permitidos para tratar do processo de indemnização, tendo este aceite o mandato;
G.Este, deu entrada do pedido de indemnização cível em 10-5-2005, onde reclamou o montante global de € 787.200,00 (setecentos e oitenta e sete mil e duzentos euros), pedido que foi admitido ( cf. documento de fls. 40 dos autos);
H.Por despacho proferido em 13.6.2005, o Exmo. Sr. Doutor Juiz do Tribunal Judicial do Cartaxo, decidiu, quanto ao pedido cível, remeter as partes para os meios comuns, decisão essa que não foi objeto de recurso e que transitou em julgado (cf. doc. de fls. 50 dos autos);
I.Na ação criminal, foi marcada data para audiência de julgamento, que foi realizada em 23 de Fevereiro, 30 de Novembro e 20 de Dezembro de 2005 e 11 de Janeiro de 2006, sem que contudo, o ilustre causídico se apresentasse;
J.Foi proferida sentença em 11 de Janeiro de 2006 ( cuja cópia consta de fls. 523 a 532 dos autos) vindo o arguido Miguel A... a ser absolvido do crime de que vinha acusado, decisão que, igualmente, não foi objeto de recurso;
K.O 1º Réu solicitou em 19 de Abril de 2007, a passagem de certidão, onde constassem cópias do pedido de indemnização cível e bem assim, do despacho que ordenou o envio das partes para os meios comuns, mas onde solicitou, caso o pedido fosse deferido, que a entrega se fizesse na pessoa da ora Autora ( cf. documento de fls. 47 dos autos);
L.A certidão foi passada em 24 de Abril de 2007 e notificada à autora e ao réu em 24 de Abril de 2007;
M. A Autora contactou com um novo advogado (aqui 2º réu - Dr. Manuel ....) em Dezembro de 2008, para ir ver o processo, e entrar em contacto com o réu de forma a esclarecer toda a situação, e saber o andamento do processo, o qual apurou, em 15 de Janeiro de 2009, que nenhuma ação tinha sido proposta;
N.Em Dezembro de 2008, o 1º R. ( Dr. J.M.Carvalho) rececionou um e-mail do 2.º R.( Dr. Manuel ....) onde o mesmo informou que se encontrava a patrocinar a A. e lhe solicitava que remetesse todo o processo que tinha em seu poder;
O.Solicitação a que o 1º Réu ( Dr. J.M.Carvalho) deu cumprimento no início do mês de Janeiro de 2009;
P.O Dr. Manuel .... informou a Autora em 27-02-2009 do facto vertido em M), acrescentando, que “estão decorridos mais de 3 anos, após a sentença, pelo que, admito que nada se possa exigir pela via judicial, uma vez que a responsabilidade extra contratual, prescreve ao fim de 3 anos”- cf. documento de fls.26 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido ;
Q.Posteriormente, em e-mail enviado à autora em 23 de Março de 2009, referia entre outros: “Já são passados mais do que 3 anos não só após o despacho referido, como até da data do trânsito da sentença. Significa isto que agora não é possível intentar qualquer ação, porque o direito está prescrito. A D. Carla tem de saber, junto do Dr. .... de Carvalho, o que pretende dele. Ele tem um seguro por responsabilidade civil que dá cobertura, neste caso, pelo menos até 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros). Contacte-o a exigir-lhe a responsabilidade por não ter avançado com a ação cível, apesar de lhe dizer que tinha tudo pronto e que dentro de 2 ou 3 dias dava entrada em Tribunal …”- cfr. documento de fls. 48 dos autos cujo teor se dá por reproduzido;
R. A Companhia de Seguros .... S.A., Interveniente, segura nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º 0002866129, o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, cf. doc. de fls. 260 e ss., cujo teor aqui se dá por reproduzido;
S.Entre o 2º Réu, Dr. Manuel P...Vieira ...., como segurado e a Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., como seguradora, foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de advogado, titulado pela apólice RC22953963, com o capital de € 250.000,00 e franquia de 10% do sinistro no mínimo de € 1.750,00, regido pelas condições 20100 e gerais de responsabilidade civil geral, conforme doc. junto a fls. 316 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

2.FACTOS SOBRE OS QUAIS INCIDIU A PROVA.

T.A Autora não liquidou ao Réu Joaquim .... qualquer quantia a título de provisão para despesas e honorários, designadamente a tendente a propor uma ação de responsabilidade civil, na sequência do despacho a que se alude em H), que o mesmo lhe solicitou para esse efeito no valor de € 1000,00, e sem a qual não a intentaria como lhe frisou num telefonema ocorrido em 6 de Março de 2008;
U.Na sequência do contacto vertido em M), o Réu Manuel .... pediu à Autora uma provisão para despesas no montante de € 400,00 que esta nunca pagou, como nunca lhe pagou uma provisão para despesas e honorários no valor de € 1000,00 que aquele lhe pediu em meados de 2010 quando a Autora pretendeu que ele interpusesse uma ação contra o Réu Joaquim ....;
V.A Autora enviou ao Réu Dr. .... um mail datado de 27 de Julho de 2010 no qual lhe solicitava o número da conta para onde a mesma pudesse fazer a transferência da provisão de € 1000 euros e este respondeu-lhe no dia imediato dando-lhe tal informação (cf. documento de fls. 74 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);
W.Em 6 de Setembro de 2010, o Réu Dr. Manuel .... solicitou à Autora que o informasse se havia feito a transferência bancária de 1000 euros conforme prometido e esta respondeu-lhe o seguinte: “ Tinha combinado fazer o depósito de 1000 euros no passado mês. Mas estive o mês todo sem trabalho e foi–me impossível enviar esse dinheiro. Neste momento já me encontro a trabalhar e no próximo dia 16 quando receber a minha pensão farei a transferência para a sua conta.
Desculpe não ter dito nada mais cedo mas estava a tentar juntar esse valor para lhe enviar o mais rápido possível.
Como recebo a pensão no dia 16, fica mais certo e fácil porque a transferência e direta da minha conta de Portugal. Muitas desculpas pelo atraso e assim que tiver alguma novidade sobre o processo me informe;
X.No dia 23 de Setembro de 2010 o Dr. Manuel .... enviou à Autora o mail de fls. 77 dos autos cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, designadamente o seguinte:
 “ Verifico que apesar de promessas sucessivas, não tem possibilidades económicas para me pagar a provisão para Honorários e Despesas que lhe pedi. Sugiro que peça patrocínio oficioso porquanto não terá despesas.”;
Y.Nenhum dos Réus, na sequência do despacho a que se alude em H), propôs qualquer ação judicial para obter o ressarcimento dos danos sofridos pela Autora e seu filhos por virtude do acidente ocorrido em 24 de Fevereiro de 2004 que vitimou mortalmente o, respetivamente, marido e pai dos mesmos.
Z.Nenhum dos RR deu conhecimento às seguradoras da existência da presente acção;1

AA.A Autora teve grande sofrimento com a morte do seu marido e como não trabalhava, para sobreviver e sustentar os seus filhos menores, teve de recorrer à ajuda de familiares e amigos, vindo, posteriormente, em Dezembro de 2008, a emigrar para a Bélgica;
BB.Em virtude do acidente que vitimou o marido da Autora ter sido considerado acidente em serviço, a Autora recebeu, em Abril de 2004, um subsídio por morte no valor de € 5464,56, e a mesma e os seus filhos menores auferem da CGA uma pensão preço de sangue no valor, respetivamente de € 389,52 e €194,77 (cada um dos menores) - (cf. documentos de fls. 611 a 618 , fls. 723 -724 e fls.576 a 578 dos autos).
CC.A Autora não outorgou qualquer procuração forense ao Dr. Manuel ....

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Da prova do facto instrumental
Em primeiro lugar, pretende a apelante que seja dado como provado o seguinte factos instrumental: «Antes de se estabelecer o mandato, a Autora informou o Réu .... de que não tinha, naquele momento, meios económicos para pagar honorários”.
Este facto instrumental, de per si, é infirmador do facto principal não provado a fls. 925 com o seguinte teor: «Que o Réu .... tivesse ajustado com a Autora na sequência do despacho a que se alude em H) que esta só pagaria honorários quando recebesse a final uma indemnização e que aqueles se cifrariam em 15% da mesma.»
Nos termos do Artigo 5º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil, são considerados pelo juiz na sentença os factos instrumentais que resultem da instrução da causa. Os factos podem ser principais (e, entre estes, essenciais e complementares) ou instrumentais, cabendo ainda diferenciar nestes entre:
- os factos instrumentais puramente probatórios, cuja função é a de permitir atingir a prova dos factos principais, os quais não devem integrar os temas da prova, não necessitando de alegação, e
- os factos instrumentais desprovidos dessa função puramente probatória, os quais integram a causa de pedir ou a matéria da exceção e que, como tal, devem ser alegados para subsequentemente integrarem os temas da prova.

Os factos instrumentais puramente probatórios são aqueles que podem ser utilizados para a prova indiciária dos factos principais (e, entre estes, essenciais e complementares). Integram-se nesta categoria os factos que constituem a base de presunções judiciais (factos-indiciários). São aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.

Há que atentar no objeto do litígio perscrutando se o mesmo contém factos principais de difícil ou inacessível prova direta. Nessa eventualidade, os factos instrumentais assumem particular relevo enquanto manifestação indireta dos factos principais, enquanto factos-base de presunção judicial conducente à prova dos factos principais. Pensemos, exemplificativamente, nos factos psíquicos ou do foro interno, no acordo simulatório, em alguns dos factos que servem de base à impugnação pauliana.

Os factos instrumentais puramente probatórios não têm que ser (nem devem ser) objeto de articulação específica pelas partes, sendo a instrução e julgamento o momento próprio para os mesmos emergirem, cabendo ao juiz atendê-los e valorá-los em sede da fundamentação da convicção quanto fixa os factos provados e não provados (Artigo 607º,nº4, do Código de Processo Civil).

Por sua vez, os factos instrumentais desprovidos da função meramente probatória subdividem-se em:

i.Factos que constituem por si a base de uma presunção legal, v.g., paternidade (Artigo 1871º, nº1, alíneas a) a e) do Código Civil), atividade perigosa (Artigo 493º, nº2, do Código Civil), etc. Estes factos integram a causa de pedir e, como tais, têm de seguir o regime dos factos essenciais com a sua integração nos temas da prova.
ii.Factos que integram causas de pedir complexas servindo para preencher, de uma forma tão ampla quanto possível, conceitos jurídicos ou juízos de valor diretamente relevantes para a procedência da ação ou da defesa, v.g., boa fé, culpa, dolo (Artigo 253º do Código Civil), ocultação dolosa de bens (Artigo 2096º do Código Civil), etc. Também estes factos integram a causa de pedir e, como tais, têm de seguir o regime dos factos essenciais com a sua inserção nos temas da prova.
iii.Factos que integram exceções probatórias, entendendo-se por exceção probatória “a arguição dirigida contra a admissibilidade ou a força de um meio de prova, mediante a alegação de factos impeditivos da produção do efeito probatório pretendido”. Veja-se o caso do Artigo 449º, nº2, do Código de Processo Civil, em sede de arguição de falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico ou de falsidade de documento (Artigo 446º, nº1, do Código de Processo Civil). Também estes factos excetivos devem integrar os temas da prova.

Na lógica do Código de Processo Civil de 2013, os factos instrumentais puramente probatórios não têm de ser alegados pelas partes, cabendo a estas apenas alegar os factos essenciais (Artigos 552º, nº1, alínea d), “Expor os factos essenciais que constituam a causa de pedir” e 572º, alínea c), “Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas”), bem como alegar os factos complementares, os instrumentais nos casos em que estes integram a causa de pedir ou a exceção e os atinentes a exceções probatórias.

Ora, o facto instrumental em causa é puramente probatório, sendo a sua função transitória e servindo apenas para ser um elemento infirmador do facto não provado principal acima referido (consoante decidido na sentença de 1ª instância) ou, pelo contrário, sendo um elemento estribador da prova do facto cuja prova é reclamada pela Apelante, qual seja, «O réu .... ajustou com a Autora na sequência da notificação do despacho a que alude em H) que esta só lhe pagaria honorários quando recebesse a final a indemnização e que aqueles se cifrariam em 15% da mesma

Nesta precisa medida, falece razão de ser ao peticionado pela apelante no sentido de ser autonomizada a prova deste facto instrumental. A pertinência da prova do mesmo dilui-se e é absorvida na apreciação da prova, ou não prova, de outros factos principais.

Da prova dos factos A) a D) e da não prova do facto provado na sentença sob T)

Preambularmente, há que notar que, na conclusão xiv das alegações, os factos cuja prova é reclamada pela apelante sob C) e D) constituem pura repetição dos factos cuja prova é reclamada sob A) e B), respetivamente. Ou seja, apreciar-se-á apenas o pedido formulado no sentido de serem dados como provados os factos C) e D), cujo teor é o seguinte:
C) “O réu .... ajustou com a autora na sequência da notificação do despacho a que alude em H) que esta só lhe pagaria honorários quando recebesse a final a indemnização e que aqueles se cifrariam em 15% da mesma”;
D) “Que após a dedução do pedido de indemnização cível e antes de constituir mandato com o 2º réu Manuel .... a autora tentou contactar com o réu ...., tendo este referido que esta não se devia preocupar porque estaria a tratar do assunto.”.
O facto C), nos termos propostos, é contrário ao facto dado como provado sob T) ( «O réu Joaquim .... solicitou provisão para despesas e honorários no montante de €1.000,00 para a propositura da ação de responsabilidade civil contra a GNR, montante esse sem o qual não a intentaria como lhe frisou num telefonema ocorrido em 6 de março de
2008»), cuja não prova é também peticionada pela apelante.

É aqui que reside o cerne do litígio.

Ouvida a gravação pertinente da audiência, verificamos o seguinte.

Em sede de depoimento de parte, a Autora relatou que o Paulo .... é que lhe recomendou os serviços do Réu Dr. ..... Após a morte do marido, a Autora atravessava dificuldades financeiras, tendo um filho com 4 anos e outro com meses. Esse contexto foi explicado ao Réu Dr. .... que, afirma a Autora, aceitou patrociná-la e “no fim, a D. Carla dá-me uma percentagem do que receber.” Em sucessivos contactos com o Réu Dr. ...., este tranquilizava-a afirmando “temos vinte anos”, “estou a tratar do seu caso.”. Insistiu na asserção de que o Réu Dr. .... nunca lhe pediu dinheiro. Afirma que, em dezembro de 2009, foi para a Bélgica viver, onde também residia a mãe do falecido marido. Depois, nas declarações de parte, corrigiu a data da ida para dezembro de 2008. A Autora evidenciou comoção em excertos do seu depoimento, nomeadamente nos atinentes aos segmentos em que negou o pedido de pagamento de honorários pelo Réu Dr. ..... As dificuldades financeiras da Autora estão evidenciadas no relato que fez do episódio atinente ao pagamento da multa pela entrega com atraso do pedido de indemnização cível, tendo a Autora de pedir a um familiar que fosse ao tribunal para pagar a multa porque a Autora não tinha meios para tal.

Mais afirmou a Autora que começou a receber a pensão cerca de treses meses após o óbito do marido, num total de cerca de mil euros (para si e para os filhos). Relatou dois episódios particulares relevantes: que na última vez que foi ao escritório do Réu Dr. .... havia lá uma secretária, à qual a Autora se queixou do atraso do processo, tendo a secretária dito à Autora para ameaçar o Dr. .... com a Ordem dos Advogados por causa do atraso; que veio de propósito da Bélgica a Portugal para tratar do IRS e pedir o apoio judiciário para a ação a intentar.

Estes episódios relatados consubstanciam o enlace entre factos essenciais (acordo ou não acordo no sentido de serem pagos honorários à cabeça) e circunstâncias contextuais bem como representa a inserção de pormenores/detalhes inusuais mas que não são claramente irreais, o que empresta especial credibilidade ao depoimento/declaração. Como afirmámos em Prova Testemunhal, Almedina, p. 301, «a testemunha descreve detalhes que não são estritamente necessários à descrição do incidente em questão. Normalmente, ao mentir não se inventam detalhes irrelevantes que não contribuem para a demonstração do evento principal , quer pela sua irrelevância quer pelo grau de dificuldade que implica este exercício de memória.”. Ou seja, estão preenchidos os revelantes parâmetros do enquadramento contextual e dos detalhes inusuais que inculcam a veracidade do testemunho/declaração – cf. Op. Cit., pp. 120-121, 365.

Posteriormente, quando prestou declarações de parte, a Autora precisou que pagou € 50 pela certidão que entregou ao Réu, pessoalmente, duma vez que se encontrarem perto de Alenquer, sendo que a Autora vive no Carregado. Mais afirmou que, a meio de 2008, entregou ao Réu Dr. .... “o pedido de apoio judiciário” que se destinava à nova ação a intentar contra o Estado (insistiu desde o início neste ponto) e não propriamente em ação a intentar contra o autor do disparo que vitimou o marido.

A testemunha Paulo M... era colega do falecido marido da Autora e tinha sido defendido pelo Réu Dr. ...., com sucesso, razão pela qual o recomendou à Autora. Acompanhou a Autora na primeira consulta no escritório do referido Réu. Declarou o que se encontra parcialmente extratado a fls. 23-25 da apelação, donde resulta que – em síntese- a testemunha procurou sensibilizar o Réu Dr. .... para a situação financeira da Autora no sentido deste a patrocinar sem receber inicialmente qualquer quantia, “no final ele pedia-lhe uma valor ou uma percentagem”. É convicção da testemunha que o Réu Dr. .... aceitou patrocinar a Autora nesses termos, face ao que disse e presenciou nessa reunião.

O Réu Dr. ...., no que mais releva, afirmou o seguinte. Aceitou patrocinar a Autora em “atenção para com o Sr. Paulo ....”, confiando que a Autora lhe pagaria quando começasse a receber a pensão. Foram-se explicadas as dificuldades da Autora. Concomitantemente, verbaliza que pediu € 500 de provisão inicial, o que constitui uma contradição com o demais afirmado e com a circunstância de ter redigido e apresentado pedido cível sem receber qualquer quantia da Autora. Nega o acordo de pagamento de honorários em percentagem porque “isso é ilegal “e “é um risco”. Posteriormente, na altura em que se pediu a certidão (em 19.4.2007 – facto K), soube que a Autora já estava a receber a pensão e pediu-lhe mil euros de provisão para a ação cível. Afirma que houve inatividade da Autora a partir do pedido da certidão em abril de 2007,não tendo a Autora entregue ao Réu nem dinheiro para pagar a taxa de justiça inicial, nem o pedido de apoio judiciário nem a certidão, razões pelas quais não deu seguimento ao processo. No que tange ao preenchimento do pedido de apoio judiciário, evidenciou hesitações ora afirmando que o preencheu ora não tendo a certeza sobre tal facto. Também verbalizou que “não tenho recordação de qualquer certidão”.

Finalmente, a testemunha Sónia .... secretariou o Réu Dr. .... entre o início de 2007 e o verão de 2008. Afirma que falou telefonicamente com a Autora, pedindo documentos da Segurança Social e do apoio judiciário, não se recordando se os recebeu. O Réu pedia à Autora uma provisão de mil euros, como era seu hábito fazer com todos os clientes. A Autora queixava-se e “estava desesperada” porque o processo nunca mais andava e telefonava para saber do estado das coisas. Nunca viu a Autora no escritório. Não era fácil o contacto com o Réu Dr. ..... Afirma que combinou duas vezes com a Autor para esta ir ao escritório levar os documentos e os honorários para a Autora não compareceu.

São patentes as contradições entre segmentos dos depoimentos/declarações prestados, que haverá que dirimir.

Há, pois, que atentar nos parâmetros que devem ser atendidos no sentido de valorar o testemunho, bem como as declarações de parte e o depoimento de parte, sendo que este é livremente valorável nos segmentos em que não constitua confissão.[3]

Antes do julgamento, a parte relatou por múltiplas vezes a sua versão dos factos ao respetivo mandatário tendo em vista a articulação dos factos pelo mandatário no processo. Em conformidade, é expectável que as declarações da parte primem pela coerência, tanto mais que a parte pode mesmo ter-se preparado para prestar declarações. Assim, o funcionamento da coerência como parâmetro de credibilização das declarações de parte deve ser secundarizado.

Também é expectável que a parte, durante as suas declarações, incorra na afirmação de detalhes oportunistas em seu favor. A parte, à semelhança da testemunha, tem uma estratégia de autoapresentação, pretendendo dar a melhor imagem de si própria, pelo que não deixará passar o ensejo de enxertar no relato detalhes que favoreçam a posição que sustenta, com maior ou menor convicção e verdade, no processo. Daí que este parâmetro deva ser também relativizado na avaliação das declarações da parte.

Em sentido oposto, assumem especial acutilância outros parâmetros, a começar pela contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais. Note-se que o atual Código de Processo Civil preconiza que os articulados sejam minimalistas, centrando-se nos factos essenciais. Desta circunstância deriva que os factos instrumentais, cerne da contextualização do relato, não foram necessariamente trabalhados entre a parte e o mandatário para efeitos processuais. Um relato autêntico/espontâneo que faça uma contextualização pormenorizada e plausível colhe credibilidade acrescida por contraposição a um relato seco, estereotipado/cristalizado ou com recurso a generalizações.

Um segundo parâmetro particularmente relevante é o da existência de corroborações periféricas que confirmem o teor das declarações da parte/testemunho. As corroborações periféricas consistem no facto das declarações da parte serem confirmadas por outros dados que, indiretamente, demonstram a veracidade da declaração. Esses dados podem provir de outros depoimentos realizados sobre a mesma factualidade e que sejam confluentes com a declaração em causa. Podem também emergir de factos que ocorreram ao mesmo tempo (ou mesmo com antecedência) que o facto principal, nomeadamente de circunstâncias que acompanham ou são inerentes à ocorrência do facto principal. Abarcam-se aqui sobretudo os factos-bases ou indícios de presunções judiciais.

Existem outros parâmetros, comuns à prova testemunhal e às declarações de parte que podem desempenhar um papel essencial na valoração das declarações/testemunhos. Reportamo-nos designadamente à produção inestruturada, à quantidade de detalhes, à descrição de cadeias de interações, à reprodução de conversações, às correções espontâneas, à segurança/assertividade e fundamentação, à vividez e espontaneidade das declarações, à reação da parte perante perguntas inesperadas, à autenticidade do testemunho – cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, pp. 89-115, 136-138, 300-302, 308-309.

Ora, do que já ficou dito evidencia-se que as declarações da Autora primaram por uma contextualização do relato, temporal, espacial e até emocional, muito mais circunstanciada e firme do que a que foi feita pelo Réu ..... Relembramos o que já foi dito a propósito dos dois episódios, relatados de forma espontânea pela Autora, sobre cuja relevância e interpretação já nos pronunciámos. O Réu .... mostrou-se bem mais pressuroso na defesa das suas teses, cristalizando o seu relato demasiado cedo. Incorreu em notória contradição entre a asserção da exigência inicial de honorários e a sua conduta, nos termos da qual trabalhou sem receber honorários. Note-se que constituem realidades distintas (i) a autodeclarada confiança do próprio no sentido de que a Autora lhe pagaria quando começasse a receber a pensão versus (ii) um acordo expresso nesse sentido, algo que o mesmo não expressou sequer. O acordo liminar no sentido de o Réu não cobraria provisão/honorários à Autora na fase inicial do processo é corroborado pelo depoimento da testemunha Paulo .... e, sobretudo, pela facto objetivo de o Réu .... ter redigido e apresentado o pedido cível sem que tenha recebido qualquer quantia para tal efeito. Note-se também que o caso proposto pela Autora afigurava-se potencialmente apelativo para o Réu ...., o que fica evidenciado pelo elevado valor do pedido cível formulado de € 787.200. Esta circunstância objetiva também inculca a predisposição do réu para iniciar o seu trabalho sem receber provisão/honorários.

As cópias dos processos disciplinares que foram movidos contra o Réu (fls. 769-892), e em que o réu foi sancionado, reportam-se a condutas do Réu traduzidas em omissão da prática de atos inerentes ao exercício do mandato (cf. fls. 776, 779, 781, etc.), tratando-se de factos ocorridos nos anos de 2003, 2005, 2006, 2010, designadamente (fls. 788).

Estes processos disciplinares e a factualidade que lhes subjaz integram o indício habitus, sendo que o carateriza este indício «é a regularidade das repetições, reveladora da disposição de uma pessoa para reproduzir os mesmos atos ou receber as mesmas influências ou, mais genericamente, a qualidade ontológica de todas as coisas caraterizada pela sua estabilidade e difícil remoção que faz com que as coisas tendam a repetir-se» - Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, p. 200. Em suma, o indício habitus também inculca no sentido de que o Réu .... não deu ao caso o impulso e a tramitação tempestiva que se impunham.

No que tange ao depoimento da secretária Sónia ...., há que frisar que o mesmo não infirma a versão da Autora no que tange ao modo e tempo da entrega da certidão e do apoio judiciário ao Réu. No que tange à exigência dos mil euros de honorários, o que a testemunha afirma consiste na reprodução da metodologia mais frequente do Réu, sendo que o caso em apreço se aparta de tal metodologia. Também não colhe sentido o depoimento desta testemunha, por contraditório, quando – por um lado – afirma que a Autora estava desesperada e insistia em contactos e, por outro, não colaborou com a entrega da documentação, o que – no mínimo – é antinómico e revelaria insensatez total por parte da Autora, o que não se concede porquanto, ab initio, a mesma tentou receber uma indemnização.

Ponderando tudo quanto fica dito e analisado, cremos que a pretensão da Autora deverá proceder parcialmente nos termos que se passam a explicitar. Deve ser dado como provado o seguinte facto: «O Réu .... ajustou com a Autora, na sequência da notificação do despacho a que se alude em H), que a Autora só lhe pagaria honorários quando recebesse a final a indemnização». Não deve ser dado como provado o aditamento «e que aqueles se cifariam em 15% da mesma» atento o depoimento da testemunha Paulo ...., interveniente na reunião, do qual resulta que o montante concreto dos honorários foi aludido mas não decidido.

Em conformidade, por totalmente antinómico, deve ser dado como não provado que: « («O réu Joaquim .... solicitou provisão para despesas e honorários no montante de €1.000,00 para a propositura da ação de responsabilidade civil contra a GNR, montante esse sem o qual não a intentaria como lhe frisou num telefonema ocorrido em 6 de março de 2008»), suprimindo-se o facto T dos Factos Provados.

No que tange ao facto D) que a apelante pretende que seja aditado, trata-se de um facto instrumental puramente probatório pelo que – aplicando-se mutatis mutandis o que já acima foi explicitado – não se justifica a autonomização de um juízo probatório explícito sobre o mesmo atento o facto principal atinente, que agora se dá como provado.

Da prova do propósito de demandar a Guarda Nacional Republicana.

Pretende a apelante que sejam dados como provados os seguintes factos:
«Por força do acidente sofrido pelo seu marido/pai, os Autores tencionavam propor uma ação de responsabilidade civil contra a Guarda Nacional Republicana» e «O Réu .... estaria incumbido de intentar a mesma.»

Na audiência prévia, os temas da prova foram enunciados de forma genérica (fls. 471), sem remissão para concretizada para toda a factualidade adrede alegada pelas partes. Contudo, atenta a fundamentação de direito da pretensão deduzida em juízo (teoria da perda de chance) constitui facto complementar e relevante apurar contra quem pretendia a Autora/ Autores (cf. despacho a fls. 468) interpor a ação. Na petição inicial foram feitas referências expressas a tal propósito nos artigos 136, 139, 155 (“pelos danos causados por um agente da GNR em serviço”), 156 e 159 (“julgar como provados os factos determinantes da responsabilidade extracontratual do agente da GNR e consequentemente do estado”). Nesta medida, está este Tribunal da Relação habilitado a pronunciar-se sobre a prova dos factos em causa – cf. Artigo 5º, nº2, alínea b) e 662º, nº1, do Código de Processo Civil.

Durante o seu depoimento de parte, a Autora referiu – repetidamente – que o seu propósito era propor uma ação contra o Estado, contra a GNR, não querendo nada do tenente que disparou, acidentalmente, sobre o marido. O Réu .... também confirmou que esse era o propósito da Autora. Acresce que o pedido cível foi deduzido formalmente contra Miguel A...G... A... e contra a Guarda Nacional Republicana (fls. 40).

Assim sendo, deve ser dado como provado o seguinte facto: «Por força do acidente sofrido pelo seu marido/pai, os Autores tencionavam propor uma ação de responsabilidade civil contra a Guarda Nacional Republicana/Estado Português

Já no que tange ao (pretenso) facto de que «O Réu .... estaria incumbido de intentar a mesma», não se trata em rigor de um facto mas de uma conclusão a extrair de outros factos, designadamente do agora aditado bem como dos factos provados sob F), G), K), M), AA).

Da subsunção jurídica da factualidade provada sob o enquadramento da teoria da perda de chance.

Na petição e nas alegações de recurso, a Autora configura a ação nestes termos: firmei com o Réu .... um contrato de mandato forense, subsidiariamente, de mandato civil, no âmbito do qual o Réu estava obrigado a interpor uma ação de responsabilidade civil contra a GNR/Estado Português. Todavia, o Réu .... não intentou tal ação, deixando decorrer o prazo de prescrição que ocorreu em 15.5.2008. O decurso do prazo de prescrição integra um dano na esfera da Autora que se traduz numa desvantagem para o exercício do direito da Autora, estando reunidos os requisitos constitutivos da responsabilidade civil pela perda de chance.

Ora, na petição e mesmo em alegações a Autora não enunciou a norma de direito substantivo na qual assentaria o seu direito a uma indemnização perante o Estado Português na ação que deveria ter sido intentada pela Réu Dr. .....

Indaguemos sobre o regime aplicável.

O óbito acidental do marido da Autora ( factos A a D) ocorreu no dia 24 de fevereiro de 2004.

Nessa data, estava em vigor o Estatuto do Militar da GNR aprovado pelo Decreto-lei nº 265/93, de 31.7, cujo artigo 22º, nº1, alínea f) dispunha que constitui direito do militar da GNR «Ser indemnizado, nos termos da lei, por danos materiais ou pessoais decorrentes de atos criminosos de que seja vítima no exercício das suas funções ou em consequência das mesmas

Vigorava então o Decreto-lei nº 466/99, de 6.11.,que regia sobre o regime das pensões de preço sangue e por serviços excecionais ao país, cujo artigo 2º, nº1, alínea a) dispunha: «Origina o direito à pensão de preço de sangue o falecimento:
a) De militar ao serviço da Nação, por acidente ocorrido em ocasião de serviço e em consequência do mesmo ou resultante de doença adquirida ou agravada igualmente em ocasião de serviço e em consequência do mesmo.
» Nos termos do Artigo 5º do mesmo diploma, « A pensão de preço de sangue é estabelecida em benefício de quem se encontre, relativamente ao falecido, sucessivamente e por ordem de preferência, em alguma das situações referidas nas alíneas seguintes:
a)Cônjuges sobrevivos, divorciados, separados judicialmente de pessoas e bens, pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código Civil e descendentes

Estava também em vigor o Decreto-lei nº 503/99, de 20.11., que regia sobre os acidentes de serviço e doenças profissionais da administração pública. Nos termos do artigo 18º de tal diploma,

«1-Se do acidente resultar a morte do trabalhador, as despesas com o funeral são encargo do serviço ou organismo até ao limite de quatro vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, que será aumentado para o dobro se houver trasladação.
2-O pagamento referido no número anterior é feito a quem provar ter efetuado as despesas de funeral e não é acumulável com outro benefício de idêntica finalidade, com exceção do previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 223/95, de 8 de Setembro, na parte em que este exceda o montante daquele, com o limite da quantia efetivamente despendida.
3-O subsídio por morte destina-se a compensar o acréscimo de encargos resultante do falecimento de um membro do agregado familiar, em consequência de acidente em serviço, sendo de montante igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada e é atribuído nos termos seguintes:
a) Ao cônjuge ou à pessoa que vivia em união de facto com o falecido, nas condições referidas no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil;
b) Aos filhos, incluindo os nascituros, os adotados plena ou restritamente e os enteados com direito à prestação de alimentos que tiverem direito à pensão prevista no artigo 34.º
4-Os beneficiários a que se refere cada uma das alíneas do número anterior recebem metade ou a totalidade do subsídio por morte, consoante concorram ou não com beneficiários previstos na outra alínea.
5-O subsídio por morte referido no n.º 3 é acumulável com o previsto no Decreto-Lei n.º 223/95, de 8 de Setembro, na parte em que este exceda aquele

E, nos termos do Artigo 34º:

«1-Se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral.
(…)
6-A pensão por morte referida no n.º 1 não é acumulável com a pensão de preço de sangue ou com qualquer outra destinada a reparar os mesmos danos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 41.º

Consoante foi explicitado no Parecer da PGR de 26.9.2003, PGRP0002284,
«1.ª-O regime dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, estatuído no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, não revogou o regime jurídico das pensões de preço de sangue previsto no Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro;
2.ª-O novo regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99 aplica-se, nos termos do seu artigo 55.º, ao pessoal militar e militarizado, apenas na parte respeitante às responsabilidades da Caixa Geral de Aposentações, ou seja, à reparação nas situações de incapacidade permanente, matéria versada no capítulo IV daquele diploma legal;
3.ª-Aos acidentes em serviço de que resulte a morte sofridos pelos militares a partir de 1 de Maio de 2000 e às doenças adquiridas ou agravadas em serviço de que resulte também a morte cujo diagnóstico final seja posterior àquela data aplica-se o regime jurídico das pensões de preço de sangue previsto no Decreto-Lei n.º 466/99.»

Conjugando este conjunto de diplomas, infere-se que, em caso de morte de militar da GNF como foi o caso, o cônjuge e os descendentes tinham direito a um subsídio por morte e a uma pensão de preço de sangue, o que os Autores receberam efetivamente – cf. facto BB).

Em 17 de agosto de 2004, foi publicado o Decreto-lei nº 189/2004, em cujo preâmbulo se afirmou:

«Assiste-se atualmente a um aumento de situações em que, designadamente, os militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) e os elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) com funções policiais são, no exercício das suas funções, vítimas de acidentes em serviço ou de atos criminosos de que resulta a morte ou a incapacidade permanente.

Neste sentido, e atendendo ao risco inerente ao desempenho da respetiva missão, entende o Governo atribuir àqueles elementos e aos seus familiares o direito a uma compensação em caso de morte ou invalidez permanente.

Razões de interesse público e de justiça justificam a aprovação de um regime que consagre a atribuição de uma compensação destinada aos próprios ou aos respetivos familiares, sempre que no exercício das suas funções ou por causa delas venha a ocorrer uma situação de invalidez permanente ou de morte.
(…)
O regime consagrado no presente diploma não prejudica a aplicação dos regimes gerais atualmente vigentes em matéria de acidentes em serviço e de proteção das vítimas e crimes violentos, constituindo, por isso, um mecanismo suplementar destinado a reforçar a proteção dos elementos das referidas forças e dos familiares que deles dependem, justamente porque aqueles estão sujeitos a um especial grau de risco no exercício normal das suas funções.»

Assim, no artigo 1º desse diploma afirma-se que: «Os militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), os elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) com funções policiais e o pessoal militarizado da Polícia Marítima (PM) têm direito a uma compensação especial pelos danos decorrentes diretamente de acidentes em serviço que não resultem de funções eminentemente burocráticas ou administrativas.» Nos termos do Artigo 2º, nº2, «No caso de morte, a compensação a que se refere o artigo anterior é atribuída, em partes iguais, ao cônjuge sobrevivo ou, mediante ação judicial, à pessoa que vivia em união de facto com o falecido e preencha os requisitos do n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil e aos filhos a cargo, se existirem.» E nos termos do Artigo 3º, «O valor da compensação por invalidez permanente ou morte tem como limite máximo o correspondente a 250 vezes a retribuição mínima mensal garantida e como limite mínimo 150 vezes a mesma retribuição.» Finalmente, no artigo 4º dispõe-se que: «A aplicação do regime previsto no presente diploma não prejudica ou diminui o direito resultante da aplicação das normas legais em vigor relativas a pensões, subsídios ou quaisquer outras prestações que com o mesmo sejam compatíveis

No que tange à sua vigência temporal, o artigo 8º dispôs que «O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação

Este decreto-lei nº 189/2004 veio a ser revogado pelo Decreto-lei nº 113/2005, de 13., sendo que este manteve a compensação em causa com alterações. No respetivo preâmbulo afirma-se que «Clarifica-se ainda a conexão entre o risco próprio da atividade e os danos elegíveis, adequando-a a um regime que, na prática, substitui um seguro, e a conexão desta compensação com outros benefícios

Ora, tendo a morte do marido da autora ocorrido em 24.2.2004 e ocorrendo a entrada em vigor do Decreto-lei nº 189/2004 em 18.8.2004, coloca-se a seguinte questão: os Autores beneficiam do direito à compensação atribuído inovadoramente por este Decreto-lei?

Coloca-se, assim, uma questão da aplicação da lei no tempo a dirimir nos termos do Artigo 12º do Código Civil porquanto o Decreto-lei nº 189/2004 não contém norma de direito transitório.

No nº1 do Artigo 12º do Código Civil, consagra-se o princípio tradicional da não retroatividade das leis no sentido de que elas só se aplicam para o futuro e dispõe-se que, mesmo que lhes seja atribuída eficácia retroativa, se presume que há intenção de respeitas os efeitos jurídicos já produzidos (doutrina do facto passado).

O nº2 do Artigo 12º obedece a um esquema disjuntivo, reportando-se a primeira parte a normas reguladoras de factos e seus efeitos (consequências diretas dos factos) e a segunda parte a normas reguladoras de direitos (consequências indiretas dos factos). Este nº2 deve entender-se como uma explicitação do nº1, devendo ler-se como se nele se pretendesse definir o que são e o que não são factos passados e efeitos de factos passados – cf. BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação no tempo do no Código Civil, p. 350. Nesta perspetiva, a segunda parte do nº2 significará que o conteúdo legal das situações jurídicas constituídas anteriormente não deve entender-se como um efeito de factos passados, pelo que a lei nova deve aplicar-se-lhe desde a sua vigência. Ainda quanto a esta segunda parte do nº2, atente-se que a expressão “abstraindo dos factos que lhe deram origem” tem por função primacial definir o que deve entender-se por “normas sobre o conteúdo das relações jurídicas” e não restringir a regra da aplicação imediata a parte dessas regras. Neste âmbito, dir-se-á que a lei nova não abstrai dos factos constitutivos de certa situação jurídica sempre que o modo como define o conteúdo ou os efeitos desta é um produto da valoração legal daqueles mesmos factos.

Recentemente, colocou-se nos tribunais uma concreta questão de aplicação da lei no tempo, em sede do regime da união de facto, que assume manifesta similitude com a questão de que ora cuidamos. A doutrina e jurisprudência firmadas a tal propósito têm inteira pertinência e aplicabilidade ao caso em apreço nestes autos.

Vejamos.

No âmbito da Lei nº 7/2001, de 11.5., o membro sobrevivo da união de facto tinha direito a uma pensão da segurança social desde que demonstrasse que não podia obter alimentos das pessoas enunciadas no Artigo 2009º do Código Civil. A Lei nº 23/2010, de 30.8., veio introduzir uma nova redação do Artigo 6º da Lei nº 7/2001, nos termos da qual o membro sobrevivo da união de facto passou a ter direito à referida pensão, independentemente da necessidade de alimentos. A questão que daqui emergiu foi, precisamente, a de saber se tal alteração legislativa era aplicável às situações em que o óbito do beneficiário (unido de facto) ocorreu antes da entrada em vigor da nova redação da Lei nº 23/2010.

A controvérsia jurisprudencial veio a ser solucionada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2012, de 15.3.2012, nos termos do qual: «A alteração que a Lei nº 23/2010, de 30 de agosto, introduziu na Lei nº 7/2001, de 11 de maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Segurança social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime.»

Esta solução mereceu a concordância do Professor Teixeira de Sousa, o qual elaborou duas anotações nos Cadernos de Direito Privado a propósito da questão da aplicação da lei no tempo da Lei nº 23/2010. Em tais anotações, tal Professor densifica o regime da aplicação da lei no tempo em termos que são totalmente pertinentes ao nosso caso.

Assim, afirma Teixeira de Sousa, “Anotação”, Cadernos de Direito Privado, nº 36, pp. 58-59:

«Uma vez que se afastou o emprego de qualquer das hipóteses previstas no art. 12º, nº2, do CC, a solução para o problema em discussão só pode resultar da aplicação do disposto no art. 12º, nº1, 1ª parte, do CC. Deste preceito decorre que a nova redação do art. 6º da Lei nº 7/2001 se aplica para o futuro, ou seja, se aplica a todos os direitos dos membros sobrevivos que se constituam no domínio da vigência da Lei nº 23/2010. Para se concluir que assim não pode deixar de ser considere-se a seguinte situação hipotética suponha-se que antes da vigência da Lei nº 23/2010 não era reconhecido, no que se refere a prestações sociais decorrentes da morte de um dos membros da união de facto, nenhum direito ao membro sobrevivo; nesta circunstância, seria indiscutíveis que, com a entrada em vigor da nova redação do art. 6º a Lei nº 7/2001, o membro sobrevivo passaria a ter direito a essas prestações sociais nas condições definidas neste preceito, mesmo que o falecimento do outro membro tivesse ocorrido no domínio do regime antigo.

Este exemplo demonstra que é irrelevante o momento em que ocorreu a morte do membro da união de facto; o que conta é que uma situação que não produzia nenhuns efeitos jurídicos passa a preencher, no momento em que entra em vigor um novo regime jurídico, a previsão de uma regra jurídica e, portanto, a produzir ex lege ou a poder produzir ex voluntate efeitos jurídicos.
(…)

Poder-se-ia objetar que a aplicação da nova redação do art. 6º da Lei nº 7/2001 aos casos em que o falecimento do membro da união de facto tenha ocorrido antes da vigência da Lei nº 23/2010 só seria possível com a atribuição de caráter retroativo a este último ato legislativo. Mas não é assim: não se verifica nenhuma situação de retroatividade quando a lei nova utiliza na sua previsão factos passados para definir efeitos futuros, pelo que também não existe nenhuma retroatividade quando factos passados são subsumidos à previsão de uma lei nova. Desde que os efeitos valham para o futuro e mesmo que esses efeitos se produzam com base em factos passados, a lei nova não é retroativa. É por isso que, por exemplo, não pode ser qualificada como retroativa a lei que altera certos prazos e que é aplicável (como, aliás, é a regra: cf. Art 297º do CC) aos prazos em curso no momento da sua entrada em vigor; é também por isso que uma lei que baixa a idade da maioridade não é retroativa, mesmo que, como não pode deixar de acontecer, ela seja aplicável a quem ainda seria menor segundo a lei antiga.

(…) o que há que considerar não é o momento da morte do membro da união de facto, mas se, no momento em que o membro sobrevivo pretende constituir o direito às prestações sociais, se encontra preenchido o pressuposto do qual a lei faz depender a constituição desse direito. Sendo indiscutível que o falecimento de um dos membros da união de facto origina, pela natureza das coisas, uma situação duradoura e perene, há que entender que esse direito de pode constituir em qualquer momento em que essa situação venha a preencher a previsão de uma regra jurídica.» (sublinhados nossos).

Após a prolação do Acórdão Uniformizador, o mesmo Professor em nova anotação denominada “De novo sobre o regime da união de facto e a aplicação da lei no tempo”, Cadernos de Direito Privado, nº 42, p. 34, vem afirmar:

«Uma primeira observação que importa fazer é a de que a aplicação do regime resultante da Lei nº 23/2010 a prestações sociais decorrentes de um óbito ocorrido antes da sua entrada em vigor não pressupõe nenhuma retroatividade na sua aplicação. Uma lei é retroativa quando modifica uma situação jurídica para o passado, ou seja, quando a altera, não a partir do momento da entrega em vigor da lei nova, mas do momento da constituição dessa situação ou de qualquer outro posterior a essa constituição, mas anterior à entrada em vigor da lei nova.

Desta definição decorre que não pode ser considerada retroativa a lei nova que permite a constituição para o futuro de uma situação jurídica com base em factos passados. Se a situação ainda não se constituiu, não há nada que possa ser afetado pela lei nova e, por isso, esta não pode ser qualificada como retroativa. O que pode acontecer é que a lei nova se sirva de um facto passado para constituir, para o futuro, uma situação jurídica: fala-se, então, de retroconexão da lei nova. Esta retroconexão, que é uma das modalidades da aplicação imediata da lei nova, pode ser expressa, se a lei nova utiliza como elemento da sua previsão um facto passado, ou implícita, se da lei nova não resultar a exclusão da sua aplicação imediata a um facto anterior à data da sua entrada em vigor se ela não respeita a matérias (como a penal ou fiscal) em que a retroconexão não é admissível. É precisamente esse o caso da Lei nº 23/2010,dado que nesta não se encontra nenhuma exclusão da sua aplicação a facto passados, nem ela se refere a matérias que obstem à sua aplicação imediata a esses factos.

A este propósito convém acrescentar que o princípio da aplicação imediata da lei nova, que se encontra consagrado no art. 12º, nº1, 1ª parte, do CC, não implica que não possam ser utilizados factos anteriores à entrada em vigor da lei nova para preencherem a sua previsão. Aplicação imediata da lei nova quer dizer aplicação dessa lei a quaisquer factos para o futuro, não quer dizer aplicação da lei nova apenas a factos futuros. É, aliás, esta circunstância que permite enquadrar a retroconexão como uma modalidade de aplicação imediata da lei nova: a circunstância de esta lei admitir que a sua previsão seja preenchida por factos passados não a torna retroativa, se a situação jurídica que resulta da sua estatuição for constituída apenas para o futuro.» (sublinhado nosso)

A propósito da retroconexão, vejam-se ainda Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, pp. 294-296 e Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1993, pp. 236-237.

Sintetizando: nos termos do Artigo 12º,nº1, 1ª parte, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro o que significa que a lei nova se aplica a quaisquer factos para o futuro e não apenas a factos futuros. A lei nova pode utilizar factos anteriores à sua entrada em vigor para preencher a sua previsão de modo que uma situação que não produzia anteriormente nenhuns efeitos jurídicos passa preencher a previsão de uma regra e, em conformidade, a produzir efeitos jurídicos ex lege. Estra retroconexão é uma modalidade da aplicação imediata da lei nova traduzindo-se, precisamente, na circunstância da lei nova se servir de um facto passado para constituir para o futuro uma situação jurídica. É o que sucede com o Decreto-lei nº 189/2004, de 17.8, que veio instituir uma compensação especial no caso de morte de militar da GNR em acidente de serviço, de modo que tal lei se aplica no caso dos autos em que o óbito do militar precedeu em cerca de seis meses a entrada em vigor de tal Decreto-lei.  É irrelevante que o óbito tenha ocorrido numa altura em que ainda não estava publicado este diploma; o que releva é que uma situação que não produzia nenhuns efeitos jurídicos, neste enfoque de direito a uma compensação específica pela morte, passa a produzi-los a partir do momento em que entra em vigor um regime jurídico que integra tal situação fáctica na previsão da nova norma.

Aqui chegados, há que perguntar: e qual é o prazo que assiste aos Autores para reclamar o pagamento da compensação em causa pelo óbito do marido/pai?

Quer o Decreto-lei nº 189/2004, de 17.8. quer o Decreto-lei nº 113/2005, de 13.7. não fixam qualquer prazo de prescrição do direito à compensação especial pela morte do militar da GNR em acidente de serviço. Todavia, conforme vimos, no preâmbulo do Decreto-lei nº 113/2005, de 13.7., afirmou-se «Clarifica-se ainda a conexão entre o risco própria da atividade e os danos elegíveis, adequando-a a um regime que, na prática, substitui um seguro, e a conexão desta compensação com outros benefícios.»

Daqui decorre que, admitindo a aplicação por analogia de alguma norma específica de prescrição, haverá que recorrer à norma sobre a prescrição de direito à indemnização emergente de contrato de seguro. Antes da entrada em vigor da atual Lei do Contrato de Seguro, o prazo de prescrição do pagamento de indemnização decorrente de seguro era o geral de vinte anos – Artigo 309º do Código Civil; cf. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, p. 367. A atual Lei do Contrato de Seguro estabelece no seu Artigo 121º, nº1, que «Os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa.» Ou seja, mantém-se o prazo geral de prescrição de vinte anos e, dentro deste, um prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito. Subsidiariamente, sempre haveria que aplicar a norma geral do Artigo 309º do Código Civil.

Tendo o óbito de Paulo .... ocorrido em 24.2.2004 daí segue-se que o prazo ordinário de prescrição da compensação especial só ocorrerá, quanto à Autora, em 24.2.2024, sem prejuízo de a partir da notificação desta sentença a Autora ficar ciente do direito que lhe assiste a exercer em cinco anos.

No que tange aos Autores menores, como bem se referiu na sentença de primeira instância, «(…) de acordo com o disposto no artigo 320.º, n.º 1 do Código Civil, a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre os seus bens, salvas as exceções ali previstas (aqui não aplicáveis) e, ainda que o menor tenha representante legal, a prescrição contra eles não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade, ou seja, a partir da data em que atingem a maioridade

Em suma, estando ainda os Autores em tempo de reclamar do Estado Português a compensação especial criada pelo Decreto-lei nº 189/2004, de 17.8., não existe qualquer perda de chance por inércia profissional do Réu Dr. ....

Fica prejudicada a apreciação da invoca causa de exclusão da apólice da ....
           

DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença da primeira instância embora com fundamentos diversos.
Custas pela apelante sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.



Lisboa, 25.10.2016

                                  
(Luís Filipe Pires de Sousa)                                  
(Carla Câmara)                                  
(Maria do Rosário Morgado)


[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
[3]O depoimento de parte, no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte, constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal – Artigo 361º do Código Civil; cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.5.2006, João Camilo, de 14.12.2006, João Camilo, de 5.5.2015, Gabriel Catarino, 607/06, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31.5.2007, Jorge Leal, 2123/2007, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj; cfr. ainda o estudo desenvolvido de REMÉDIO MARQUES,  “A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte”, in Julgar, Nº 16, Jan-Abr 2012, pp. 137-172.