Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
972/2006-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1 – A Lei 23/96, de 26 de Julho, cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, sendo certo que, em 1966, o conceito de serviço público essencial na área das telecomunicações era apenas aplicável à utilização da rede fixa, não abrangendo, consequentemente, o serviço prestado pela TMN, expressamente qualificado de serviço de telecomunicações complementares – serviço móvel terrestre.
2 – O DL 381-A/97, de 30 de Dezembro, é indiscutivelmente aplicável à actividade da TMN, motivo por que, sendo aplicável às relações contratuais posteriores à sua entrada em vigor, o direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses, que se interrompe com a apresentação de cada factura ao devedor.
3 – Tendo a autora exercido tempestivamente o direito de exigir o crédito através da remessa das respectivas facturas, será aplicável o regime de prescrição previsto nos artigos 300º e seguintes do CC, designadamente o disposto no artigo 310º, al. g), pelo que o prazo de prescrição do crédito é de cinco anos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
TMN - Telecomunicações Móveis Nacionais, SA intentou, no 1º Juízo Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação , com processo sumário, contra o réu O…, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 3.295,75, acrescida de juros à taxa legal, os quais, atentas as datas de vencimento, se computam em € 913,12, perfazendo o total de € 4.204,87.

Alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade de exploração do serviço de telecomunicações móveis acordou com o Réu a prestação destes serviços, incluindo a realização e recebimento de chamadas telefónicas, mensagens escritas e correio voz, através de dois cartões de acesso à rede móvel terrestre, cartões esses que lhe foram entregues.

Para além dos serviços prestados, a Autora e o Réu acordaram que este pagaria uma mensalidade fixa de € 34,17, acrescida de IVA à taxa legal, quanto a cada um dos cartões submetidos ao tarifário, tendo-se o Réu obrigado a manter o vínculo contratual, durante um período de 24 meses, relativamente aos aludidos cartões de acesso à rede móvel, sendo emitida uma factura mensal quanto aos serviços prestados através daqueles.
Alega, ainda, que o réu não liquidou as facturas, referidas no artigo 6º da petição inicial, no valor total de € 1.816,64 que foram recebidas, tendo a autora desactivado os cartões de acesso atribuídos.

O Réu deve ainda a quantia total de € 1.479,11, com IVA, correspondente a 17 assinaturas mensais, pelo cartão de acesso número 966305545 e 20 assinaturas mensais pelo cartão de acesso número 966331646, no valor unitário de € 34,17, acrescido de IVA, á taxa legal.

Contestou o Réu, alegando que o prazo de prescrição do direito de crédito proveniente da prestação do serviço telefónico ocorre no prazo de seis meses contados sobre a sua prestação, que tal prescrição é extintiva do crédito, e que o devedor se considera interpelado para pagar mediante a apresentação da factura.

Assim, dado que sobre as mencionadas facturas já decorreram seis meses após a prestação dos serviços que fundamentam os créditos peticionados pela Autora e tendo os serviços sido prestados necessariamente em data anterior à sua facturação, encontra-se prescrito o crédito invocado.

A autora respondeu, sustentando que o serviço móvel de telefone prestado pela Autora encontra-se excluído do âmbito de aplicação da Lei 23/96, de 26 de Julho, por força do disposto no artigo 127º, n.º 2, da Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, pelo que o prazo prescricional de seis meses não é aqui aplicável.

Foi proferido saneador - sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido, por verificada a excepção de prescrição do direito na parte que não tange com a cláusula de incumprimento contratual e, em consequência condenou o Réu Orlando Carneiro Ferreira a pagar à Autora a quantia de € 1.479,11, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento à taxa legal prevista na Portaria n.º 262/99, de 12 de Abril e, a partir de 1/10/2004, na Portaria n.º 1105/2004, de 16 de Outubros, computados à data da instauração da acção em 355,58 €.

E absolveu o Réu do demais peticionado.

Inconformada, recorreu a Autora, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª – A tese que subjaz ao recurso é a de que os créditos da apelante prescrevem no prazo de seis meses, após a prestação do serviço de telecomunicações móveis, invocando-se, para tanto, o art. 10º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho e do DL. n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro.
2ª – O pedido deduzido pela apelante nos presentes autos, traduz-se na soma de um valor resultante do serviço móvel de telecomunicações prestado ao apelado, acrescido de um montante devido a título de indemnização contratual.
3ª – Ora, a excepção de prescrição deduzida pelo apelado, apenas poderá respeitar ao montante devido a título de prestação de serviço móvel de telecomunicações, uma vez que os preceitos legais invocados nunca se poderão aplicar à parte do pedido respeitante ao incumprimento contratual, porquanto não cabem no âmbito dos mesmos.
4ª - Ao serviço móvel de telecomunicações prestado pela apelante ao apelado, não é aplicável o disposto no art. 10º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, a qual “cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais” – vide n.º 1 do art. 1º.
5ª - Ora, não restam quaisquer dúvidas que em 1996 o conceito de serviço público essencial na área das telecomunicações, era apenas aplicável à utilização da rede fixa e o serviço prestado pela apelante era expressamente qualificado de serviço de telecomunicações complementares – serviço móvel terrestre (Portaria n.º 240/91, de 23 de Março e Portaria n.º 443-A/97, de 4 de Julho).
6ª - Aliás, a denominação do serviço não é uma mera questão semântica, existindo diferenças de grau e de exigência entre o regime aplicável ao serviço fixo de telefone e o aplicável ao serviço de telecomunicações complementar.
7ª - Sempre foi este o entendimento perfilhado jurisprudencialmente, de forma pacífica e uniforme, não se conhecendo qualquer decisão em contrário.
8ª - A apelante e as suas congéneres prestam serviços de telecomunicações avançadas, sendo que o diploma em análise especifica que, no caso das telecomunicações avançadas, a extensão deste diploma fica protelada por 120 dias contados sobre o dia da sua publicação e condicionada à publicação futura de um Decreto – Lei, o qual nunca foi publicado, cfr. arts. 13º, n.º 2 e 14º.
9ª – O DL. n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro, é indiscutivelmente aplicável à actividade da apelante.
10ª - Segundo o preceituado no art. 9.º, n. os 4 e 5, do DL. n.º 381-A/97, “o direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses mas “tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura” - art. 9º, n. os 4 e 5 do DL n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro.
11ª – In casu, o apelante admitiu, por acordo, haver recebido as facturas cujo valor se peticiona nos três dias subsequentes à emissão das mesmas, alegando mesmo o pagamento das mesmas, o que pressupõe o seu efectivo recebimento, pelo que também de acordo com estes preceitos a prescrição invocada deveria ter sido julgada improcedente.
12ª – A apelante não ignora a existência de um apontamento doutrinário, a anotação de Calvão da Silva na Revista da Legislação e Jurisprudência, ano 132º, 133 e ss., que perfilha o entendimento de que a prescrição previsto no art. 10º da Lei 23/96 é aplicável aos serviços móveis de telecomunicações e de que art. 9.º n. os 4 e 5 do DL n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro, estabelece uma prescrição dos créditos desses serviços, com prazo de 6 meses, que apenas poderá ser interrompida pela citação judicial do devedor.
13ª – O âmbito da aludida lei está claramente delimitado no art. 1º, n.º 1, onde se diz expressamente que “a presente lei consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais”.
14ª - Não é despiciendo atentar no facto do debate parlamentar, na generalidade, quanto a este diploma estar pejado de intervenções que atestam que a mens legislatoris corresponde ao entendimento de que apenas o serviço telefónico fixo é regulado pela Lei em causa.
15ª – Sem prejuízo do exposto, às relações contratuais posteriores à entrada em vigor do DL. 381-A/97, de 30 de Dezembro, como é o caso vertente, sempre se aplicará a prescrição prevista nos n. os 4 e 5 do art. 9º e nos n. os 2 e 3 do art. 16º deste diploma que regula inequivocamente todos os serviços de telecomunicações.
16ª – O citado diploma repetiu, ipsis verbis, a redacção do art. 10º, n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação”.
17ª - Quer isto dizer que estendeu o regime até então apenas aplicável aos serviços de telecomunicações públicos essenciais a todos os operadores de telecomunicações de uso público, incluindo, portanto, a ora apelante.
18ª - Ademais, introduziu uma norma interpretativa daquela disposição: “para os efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura” - vide n.º 5 do art. 9º e n.º 3 do art. 16º do DL. 381-A/97, de 30 de Dezembro, afastando claramente a necessidade de interpelação judicial para interrupção do efeito da prescrição do direito de exigir o pagamento - art. 323º, n.º 1. do CC.
19ª - Em conclusão, no que tange ao caso sub judice, o legislador estabeleceu dois regimes de prescrição de natureza e objecto diferenciados:
a) – o regime geral, respeitante à prescrição de prestações (em geral de natureza pecuniária), previsto nos arts. 300º e ss. do CC, cuja interrupção apenas se pode produzir com a interpelação judicial do devedor;
b) - um regime especial, apenas aplicável aos serviços prestados por operadores de telecomunicações de uso público, respeitante à prescrição do direito de exigir o pagamento, que se interrompe com a apresentação de cada factura ao devedor.
20ª - Se o legislador quisesse regular a prescrição nos termos gerais teria simplesmente dito “prescrevem no prazo de 6 meses os créditos resultantes de serviços de telecomunicações”.
21ª - Ora, se se prevê, em dois artigos do mesmo diploma, que é “o direito de exigir o pagamento do preço” que prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação e que a prestação se tem “por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”, é evidente que não se quis seguir o regime geral.
22ª – A interpretação dos preceitos em causa no sentido supra expresso foi, alias, recentemente sufragado por um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11/03/2002.
23ª - Ao caso vertente não e aplicável o disposto no art. 10º da Lei n.º 23/96, e a prescrição estabelecida nos n. os 4 e 5 do art. 9º, nos n. os 2 e 3 do art. 16º do DL. 381-A/97, de 30 de Dezembro, não pode operar uma vez que o apelado confessa haver recebido as facturas cujo valor se reclama nos presentes autos.
24ª - No que respeita à prescrição dos créditos, será aplicável o regime da prescrição previsto nos arts. 300º e ss. do CC, designadamente o disposto no art. 310º, alínea g), devendo-se concluir no sentido de que estes créditos não prescreveram.
25ª - A invocação do disposto no art. 326º do CC para se considerar que após a apresentação das facturas se inicia um outro prazo de 6 meses é absolutamente incorrecta.
26ª – Com efeito, a Lei 23/96, de 26 de Julho e os n. os 4 e 5 do DL 381-A/97. de 30 de Dezembro apenas regulam o direito de exigência do crédito.
27ª - Quanto ao prazo de prescrição do crédito, o mesmo é de 5 anos e não de 6 meses.
28ª – Atentas as razões de facto e de direito supra expostas, deveria a excepção de prescrição invocada pelo ora apelado ter sido julgada totalmente improcedente pelo tribunal a quo, o qual deveria ter condenado aquele no pagamento integral do pedido formulado pela ora apelante.

O apelado não contra – alegou.

2.
Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - No exercício da sua actividade de exploração do serviço de telecomunicações móveis, acordou a Autora com o Réu, em 13 de Julho de 2000 e 15 de Outubro de 2000, a prestação deste serviço, incluindo a realização e recebimento de chamadas telefónicas, mensagens escritas e correio voz através de dois cartões de acesso à rede móvel terrestre.
2º - Na sequência destes acordos, foram atribuídos ao Réu os cartões de acesso números 966331646, 966305545, activados no tarifário TMN 120.
3º - Mais acordaram que o Réu pagaria uma mensalidade fixa de € 34,17, acrescida de IVA à taxa legal, quanto a cada um dos cartões submetidos ao tarifário TMN 120.
4º - O Réu obrigou-se a manter o vínculo contratual durante um período de 24 meses relativamente aos cartões referidos em 2º, sob condição de pagar à Autora o valor correspondente ao produto das mensalidades fixas contratadas pelo número de meses que faltassem para completar o período de duração contratual.
5º - A Autora entregou ao Réu dos aparelhos terminais da rede GSM – vulgo telemóveis.
6º - O Réu omitiu o pagamento dos serviços prestados e respectivas taxas mensais a que respeitam as facturas números:
a) – 102190010 no valor de € 444,02, emitido em 5/10/2000 e com data limite de pagamento até 23/10/2000.
b) – 102443650 no valor de € 210,71, emitida em 5/11/2000 e com data limite de pagamento até 24/11/2000.
c) – 102717661 no valor de € 74,03, emitida em 5/12/2000 e com data limite de pagamento até 28/02/2001.
d) – 110510505 no valor de € 39,98, emitida em 5/02/2001 e com data limite de pagamento até 28/02/2001.
7º - O Réu recebeu as facturas referidas em 6º nos três dias subsequentes às datas de emissão nelas identificadas, bem como as que se seguem:
a) – 110991558 no valor de € 39,98, emitida em 5/03/2001 e com data limite de pagamento até 6/04/2001.
b) – 110510504 no valor de € 298,25, emitida em 5/02/2001 e com data limite de pagamento até 28/02/2004.
c) – 110991551 no valor de € 388,82, emitida em 5/03/2001 e com data limite de pagamento até 6/04/2001.
d) – 111350792 no valor de € 280,59, emitida em 5/04/2001 e com data limite de pagamento até 26/04/2001.
e) – 111639359 no valor de € 679,59, emitida em 14/09/2001 e com data limite de pagamento até 29/09/2001.
8º - Depois de vencidas as facturas supra referidas, a Autora comunicou ao Réu que desactivaria os cartões de acesso, caso os serviços prestados não fossem pagos.
9º - Para pagamento das mensalidades fixas contratadas, a Autora liquidou a quantia em dívida e emitiu em 14/09/2001 e 9/07/2001 as facturas com os n. os 119614615 e 119608938, respectivamente, no montante de € 679,59 e € 799,52 e com data limite de 29/09/2001 e 24/07/2001.
10º - A acção foi proposta em 25 de Agosto de 2003 e o Réu foi citado em 14 de Maio de 2004.
3.
A sentença considerou que a regulamentação estabelecida na Lei 23/96, de 26 de Julho e DL 381-A/97, de 30 de Dezembro, é aplicável à prestação de serviço de telefone quer este seja fixo quer seja móvel, pelo que o direito de exigir o pagamento do preço de serviço prestado pela Autora ao Réu prescreve no prazo de seis messes após a sua prestação, tendo-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.

Como as facturas foram emitidas e recebidas pelo Réu no mês subsequente ao dos serviços prestados, sendo os consumos respeitantes aos meses de Setembro de 2000 a Maio de 2001, isso significa que, tendo a acção sido proposta em 25 de Agosto de 2003, resulta à saciedade que, nessa ocasião, o direito de crédito encontrava-se prescrito.

E tendo a prescrição sido devidamente invocado pelo Réu (artigo 303º CC), deve ser conhecida e aplicada pelo tribunal relativamente à relação jurídica entre o Réu e a Autora (artigo 13º, n.º 1 da Lei 23/96).
Quanto ao incumprimento do período de vinculação contratual considerou inaplicável a aludida prescrição de seis meses previsto nos referidos diplomas.

Temos assim que a sentença recorrida, partindo do pressuposto que a regulamentação, estabelecida na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, e DL 381-A/97, de 30 de Dezembro, é aplicável à prestação de serviços de telefone, quer este seja fixo quer seja móvel, concluiu que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado pela Autora ao Réu havia prescrito quando foi intentada a presente acção.

Deste segmento da sentença que julgou os créditos da Apelante parcialmente prescritos nos termos do artigo 10º da Lei 23/96 e do artigo 9º do DL 381-A/97, recorre a Autora, pois que, em seu entender, ao serviço móvel de telecomunicações prestado pela Apelante ao Apelado não é aplicável o disposto no artigo 10º da Lei 23/96, pelo que se não encontrariam prescritos os seus créditos.

A Recorrente circunscreve, portanto, o âmbito do recurso ao segmento da sentença que considerou prescrito o direito da Autora, tendo, por isso, transitado o segundo segmento da sentença, ou seja, aquele que se reporta à cláusula de incumprimento contratual.

Sendo assim, a questão que se coloca no recurso, como de resto na acção, reconduz-se à de saber qual o regime de prescrição que se aplica aos créditos em apreço nos autos.

A Lei 23/96, de 26 de Julho, criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente dos serviços públicos essenciais.

Ora, o conceito de serviço público essencial, na área das telecomunicações, era apenas aplicável, em 1996, à utilização da rede fixa, explorada pela Portugal Telecom e agora também pelas novas operadoras da rede fixa.
O serviço prestado pela Apelante era expressamente qualificado de serviço de telecomunicações complementares – serviço móvel terrestre (Portaria 240/91, de 23 de Setembro).

Não só o serviço móvel terrestre era denominado de complementar (aquele que completa, que acresce ao que é essencial) ao tempo da Lei 23/96, como um ano após a publicação deste diploma, a Portaria 240/91, que regia este serviço, foi alterada pela Portaria 443-A/97, de 4 de Julho, sem que a denominação de serviço fosse alterada.

Como salienta a Apelante, a denominação do serviço não é uma questão semântica: existiam, e existem, diferenças de grau e de exigência entre o regime aplicável ao serviço fixo de telefone e o aplicável ao serviço de telecomunicações complementar – serviço móvel terrestre – que justificam esta denominação.

Desde logo, o DL 199/87, de 30 de Abril, estabelece que o serviço fixo é prestado a assinantes e ao público em geral em todo o território nacional, sendo assegurada no âmbito internacional a interligação a outros países (artigo 3º).

A essencialidade deste serviço justifica a necessidade de “salvaguarda dos interesses públicos especialmente protegidos por lei, das actividades sócio – económicas de carácter relevante, bem como a prioridade absoluta das comunicações destinadas à protecção da vida humana e à segurança pública interna e externa” (artigo 12º, n.º 1).

A essencialidade do serviço telefónico fixo foi ainda enfatizado pelo DL 240/97, de 18 de Setembro, o qual revogou o DL 199/87, de 30 de Abril, onde se confessa pretender assegurar “uma melhor e mais eficaz protecção dos direitos dos utilizadores de um serviço fundamental, com características de serviço universal” (cfr. preâmbulo do diploma citado).

E que, “neste contexto, assume especial relevância a adaptação dos princípios constantes da Lei 23/96, de 26 de Julho, que cria no ordenamento jurídico mecanismos destinados a proteger o utilizador de serviços públicos “ – idem.

Em decorrência destes princípios, estabeleceu-se que os assinantes têm direito a aceder ao serviço fixo de telefone independentemente da localização geográfica, em condições de igualdade, transparência e não discriminação, de acordo com níveis mínimos de qualidade pré – determinados e aceder às facilidades de serviço disponibilizadas pelo operador (artigos 3º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. b) do DL 240/97).

Consagrou-se, ainda, a existência de preços específicos relativos à prestação de serviços de utilidade social, designadamente serviços destinados a utilizadores com baixos consumos e grupos sociais específicos, incluindo populações com necessidades especiais (artigo 33º, al. a).

A essencialidade dos direitos dos assinantes e as obrigações dos operadores do «Serviço Fixo de Telefone» mereceram tutela contra – ordenacional, conforme resulta do disposto no artigo 47º do DL 240/97, de 18 de Setembro.

Em contrapartida ao regime aplicável aos operadores do SFT, o regime do serviço móvel terrestre conformava-se claramente com a sua natureza complementar.

Os operadores deste serviço apenas estavam obrigados a informar as zonas de cobertura existentes e a garantir o uso do serviço dentro dessas zonas (artigo 5º, n.º 1, alíneas h) e i) da Portaria 240/91, de 23 de Fevereiro).

Inexistiam prioridades na prestação deste serviço, faltam alusões quanto à importância do serviço, nenhum grupo social especialmente desfavorecido merece tratamento discriminatório positivo, nada se prevê em termos contra – ordenacionais..

Tudo converge no sentido de se considerar que o serviço de telecomunicações complementar – serviço móvel terrestre – prestado pela Apelante, ao contrário do que acontece com o SFT, não era um serviço público essencial e, por isso, não lhe poderia ser aplicado o disposto na Lei 23/96, de 26 de Julho.

A entrada em vigor do DL 381-A/97 introduziu uma alteração de concepção do serviço móvel, estabelecendo, também, um regime específico quanto à prescrição. Sucede, porém, que este diploma não existia á data da Lei 23/96 e não pode ser utilizado para reconstituir a mens legislatoris que presidiu à criação deste diploma.

A Apelante e as suas congéneres prestam serviços de telecomunicações avançadas.

Ora, é do conhecimento público que este serviço apenas é prestado em Portugal, há pouco mais de dez anos, já havendo evoluído da tecnologia analógica para a digital, preparando-se o advento da terceira geração, já conhecida como UMTS.

Sucede que o aludido diploma especifica que, no caso de telecomunicações avançadas, a extensão deste diploma fica protelada por 120 dias contados sobre o dia da sua publicação e condicionada à publicação futura de um Decreto – Lei, o qual nunca foi publicado (artigos 13º, n.º 2 e 14º).

Resta, assim, concluir que a referida Lei nunca poderia ter aplicação directa aos serviços de telecomunicações complementares, Serviço Móvel Terrestre, e, ainda que se considere prestadora de telecomunicações avançadas aquele regime nunca lhe foi estendido.

Por outro lado, sempre se dirá que, ao invés da Lei 23/96, o DL n.º 381-A/97, de 30-12, que desenvolveu a Lei de bases das Telecomunicações (Lei n.º 91/97, de 1-08), regulando o regime de acesso à actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e de prestador de serviço de telecomunicações de uso público, é indiscutivelmente aplicável a todos os serviços de telecomunicações, incluindo, portanto, a actividade da Apelante.

Este diploma, no seu artigo 16º, n.º 2, contém norma idêntica ao citado n.º 1 do artigo 10º da Lei 23/96, dispondo que “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”. Esclarecendo no n.º 3 do mesmo artigo que, “para efeitos do número anterior, considera-se exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”. No mesmo sentido, dispõe o artigo 9º do mesmo diploma , em cujo n.º 4 estabelece que “o direito de exigir o pagamento do preço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”. E no n.º 5 que, “para os efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”.

Quer isto dizer que o legislador estendeu o regime até então aplicável aos serviços de telecomunicações públicos essenciais a todos os operadores de telecomunicações de uso público, incluindo, portanto, a Apelante.

Em segundo lugar, introduziu uma norma interpretativa daquela disposição: “para os efeitos do n.º anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura (artigo 9º, n.º 5).

Afastando claramente a necessidade de interpelação judicial para interrupção do efeito da prescrição do direito de exigir o pagamento (artigo 323º, n.º 1 CC).

Poder-se-á, portanto, considerar que o legislador estabeleceu dois regimes de prescrição de natureza e objecto diferenciados:

a) – O regime geral, respeitante á prescrição de prestações (em geral de natureza pecuniária), previsto no artigo 300º e seguintes do CC, cuja interrupção apenas se pode produzir com a interpelação judicial do devedor;
b) – Um regime especial, apenas aplicável aos serviços prestados por operadores de telecomunicações de uso público, respeitando à prescrição do direito de exigir o pagamento, que se interrompe com a apresentação de cada factura ao devedor.

O Prof. Calvão da Silva, cujo entendimento foi perfilhado na sentença, sustenta (1) que o prazo de seis meses estabelecido no artigo 10º, n.º 1, da Lei 23/96, se aplica a todas as formas de exigência do preço, designadamente a judicial, não tendo aplicação o disposto no artigo 310º, al. g) do prazo civil, cujo prazo é de cinco anos.

Mas, salvo o devido respeito, não parece ser a melhor teoria a que defende o Ilustre Professor, mas antes aquela que defende que o referido prazo de seis meses diz apenas respeito, como se esclarece nos já citados artigos 9º, n.º 5 e 16º, n.º 3, do DL 381-A/97, ao direito de exigir o pagamento com a apresentação da respectiva factura. E que o prazo de cinco anos, fixado no artigo 310º, al. g) do CC, respeita à prescrição propriamente dita, como extinção do direito por efeito do seu não exercício.

Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 11-03-2002 (2), “o legislador não podia deixar de conhecer os princípios da prescrição nem os prazos do artigo 310º do CC nem se admite que ignorasse os ensinamentos de Professores tão ilustres como Pires de Lima e Antunes Varela, que, em anotação ao citado artigo 10º, e a propósito da sua al. g), ensinavam que tal prazo tinha aplicação precisamente às dívidas de telefones (3).

E foi perante esse conhecimento e natureza e conceito de prescrição que o legislador se sentiu na obrigação de esclarecer a disciplina jurídica introduzida nos citados artigos 9º, n. os 4 e 5 e 16º, n. os 2 e 3 do DL 381-A/97 (prazo de prescrição de 6 meses para exigir o pagamento do preço após a sua prestação).

Perante tais conhecimentos, esclareceu que aquela prescrição não contendia com a do artigo 310º do CC, pois para ele a exigência de pagamento de que nos fala o apontado artigo 16º é a que se esclareceu nas disposições legais atrás citadas – “...tem-se por exigido o pagamento com a apresentação da factura”.

O que o legislador pretendeu foi que, para além do prazo de cinco anos, como prazo de prescrição stricto sensu, existisse um outro para que os serviços de telefone apresentassem as facturas correspondentes aos serviços prestados. Isto por não se justificar que, estando aqueles serviços munidos de toda a tecnologia e só eles dispondo dos elementos concretos, estivessem largos meses sem enviar a factura dos serviços prestados.

Mas já não parece que tenha estado na mente do legislador pretender reduzir um prazo de prescrição, que era de cinco anos, para um exíguo prazo de seis meses, fazendo, na prática, coincidir o prazo para a remessa da factura com o prazo para exigir judicialmente o pagamento do crédito por ela titulado. Mesmo a defender-se que com a entrega da factura se verificava a interrupção da prescrição para correr novo prazo de seis meses, sempre o prazo para a propositura da acção era encurtado para um prazo máximo de 12 meses – seis para o envio da factura + seis para a acção ser proposta – o que não podia deixar de se traduzir numa radical alteração do prazo de prescrição que antes vigorava e sem que se vislumbre uma razão plausível para o efeito.

Assim, salvo o devido respeito, não parece o melhor entendimento o que foi seguido na decisão recorrida.

Ora, no caso dos autos, a Autora emitiu as facturas referidas n. os 6 e 7 dos factos provados, com as datas aí mencionadas, relativas a serviços de telecomunicações móveis, que tinham como prazo limite de pagamento, respectivamente, os dias aí assinalados. E remeteu ao Réu, que as recebeu nos três dias subsequentes às respectivas datas de emissão, as facturas supra referidas, as quais não foram pagas pelo Réu.

Igualmente, para pagamento das mensalidades fixas contratadas, a Autora liquidou a quantia em dívida e emitiu em 14/09/2001 e 9/07/2001 as facturas com os n. os 119614615 e 119608938, respectivamente, no montante de € 679,59 e € 799,52 e com data limite de 29/09/2001 e 24/07/2001.

Acresce que a presente acção foi proposta em 25 de Agosto de 2003, tendo o Réu sido citado em 14 de Maio de 2004.

O que o Apelado defendeu, ao invocar a prescrição, não foi que o direito de exigir o pagamento não tenha sido exercido tempestivamente através da remessa das respectivas facturas, mas sim que não foi judicialmente exercido o direito de exigir o pagamento do respectivo crédito dentro do referido prazo de seis meses.

Acontece que, ao contrário do que se defende na sentença, para exigir o pagamento por via judicial, entendemos ser aplicável o prazo prescricional de cinco anos, fixado na alínea g) do artigo 310º do CC e não o prazo de seis meses previsto no artigo 10º, n.º 1 da Lei 23/96, que ao caso não é aplicável, e a prescrição estabelecida nos n. os 4 e 5 do artigo 9º e n. os 2 e 3 do artigo 16º do DL 381-A/97 não pode operar, uma vez que o Apelado confessa haver recebido as facturas cujo valor se reclama nos presentes autos.

À data em que o Réu foi citado para a acção, tal prazo, de cinco anos, ainda não tinha decorrido, pelo que não se verifica a invocada prescrição do crédito da Autora.

Assim sendo, o recurso merece provimento, pelo que há que revogar a decisão recorrida, julgando-se improcedente a invocada excepção de prescrição e condenando-se o Apelado também no pedido de pagamento da quantia de € 1.816, 64 relativa a serviços prestados e juros vencidos e vincendos, a partir das datas limites de pagamento de cada uma dessas facturas, atrás referidas.
4.
Pelo exposto, na procedência da apelação, altera-se a decisão recorrida, condenando-se o Apelado também no pagamento da quantia de € 1.816,64, relativa a serviços prestados e juros vencidos e vincendos.

Custas nas instâncias pelo Apelado.

Lisboa, 23de Fevereiro de 2006
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(1).-RLJ132º/133 e seguintes.

(2).-Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj

(3).-Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, 280.