Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ROQUE NOGUEIRA | ||
| Descritores: | FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA DESPEJO RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I-A resolução extrajudicial do contrato de arrendamento a que alude o artigo 1084. do Código Civil com a redacção que resulta da Lei n.º 6/2006, de 27 de Maio (Novo Regime do Arrendamento Urbano) constitui uma faculdade. II- Pode, assim, o senhorio intentar judicialmente acção de despejo com fundamento na falta de pagamento de renda independentemente da duração da mora. (SC) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório. […] Companhia de Seguros […] intentou, em 23/3/07, acção de despejo contra E. […], T. […] e Maria […] alegando que é proprietária de prédio urbano que deu de arrendamento aos dois primeiros réus, para sua habitação, tendo a terceira ré assumido a posição de fiadora e principal pagadora. Mais alega que os réus inquilinos deixaram de pagar as rendas correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2006 e de Janeiro a Março de 2007, o que perfaz o total de € 4.800,00. Conclui, assim, que deve ser decretada a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, e os réus inquilinos condenados a entregar o imóvel livre e devoluto, bem como, solidariamente com a ré fiadora, a pagarem-lhe as rendas vencidas no montante de € 4.800,00 e as vincendas até efectiva entrega do locado, e, ainda, a pagarem-lhe indemnização desde a data do trânsito em julgado da sentença que decretar o despejo até àquela entrega, calculada com base no dobro da última renda actualizada, por cada mês. Recebida a petição, foi proferido despacho, determinando a nulidade de todo o processo, nos termos do disposto nos arts.199º e 202º, do C.P.C., e, em conformidade, julgando procedente a excepção dilatória prevista no art.494º, al.b), do mesmo Código, e absolvendo os réus da instância. Inconformada, a autora interpôs recurso de agravo daquele despacho. Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 – Fundamentos. 2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida absolveu os três réus da instância, com fundamento em nulidade do processo, por erro na forma, insanável (art. 494° b) do C.P.C.). 2. Essa decisão desconsidera que o pedido formulado nos autos inclui, para além dos arrendatários, o fiador do contrato de arrendamento, M. […]. 3. A sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668°, n° l, d), do C.P.C.. 4. Não obstante ser formulado pedido para que a fiadora seja condenada, solidariamente com os dois primeiros Réus, no pagamento das rendas vencidas desde Abril de 2006 até Março de 2007, nas vincendas até entrega efectiva do locado livre e em indemnização calculada com base no dobro da última renda actualizada, desde a data do transito da sentença que decretar o despejo até entrega efectiva do locado, a sentença absolve os três réus, e é omissa quanto a obrigação de fiança, não fundamentando a absolvição da fiadora. 5. A presente acção é uma acção de despejo com processo comum sumário, contra arrendatários e contra o fiador, também principal pagador - vide cláusula 14a do Doc. 2 junto à P.I., porque a Agravante pretende a condenação solidária do fiador, no pagamento das rendas. 6. Porém, o Mm0 Juiz " A quo" considera que o meio idóneo para pôr fim ao arrendamento, com o fundamento de falta de pagamento de rendas, não é a acção de despejo, mas sim o meio previsto no art. 9°. n° 7 do NRAU, ou seja. a notificação judicial avulsa, contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução. 7. Ao remeter a situação dos autos para a notificação judicial avulsa interpretou erradamente a Lei N° 6/2006 de 27 de Fevereiro. 8. Pois, tal meio não é o adequado a obtenção de condenação da fiadora, 3a Ré. 9. Como o novo regime é omisso quanto a regras processuais especiais aplicáveis ao fiador, deve, salvo melhor opinião, recorrer-se às regras gerais de direito e de processo. 10. Assim, para o caso em que o senhorio pretenda obter a condenação não apenas do arrendatário, mas também o fiador do contrato, a acção adequada é a condenatória comum ou a injunção verificados os respectivos pressupostos, até porque se presume que o legislador adoptou as melhores soluções de Direito. 11. 0 Mmº Juiz "A Quo", ao decidir como decidiu, violou frontalmente as disposições sobre o contrato de fiança, nomeadamente os art°s 627°, 634° do C.C., 635° do C.C., 641° do C.C., entre outros, violou o direito de acção da Agravante, art. 2° do C.P.C., 4° n0 l b), do C.P.C., o direito de accionar em litisconsórcio, art0 29° do C.P.C., bem como o art. 405° do C.C.. 12. Só recorrendo a acção condenatória comum, fica assegurado e salvaguardado o direito creditício da Agravante, face à fiadora, e não só em relação ao arrendatário, como foi decidido. 13. 0 contrato de arrendamento, adicionado da comunicação ao arrendatário com o montante em dívida, não pode ser título executivo contra o fiador, como erradamente se considera na sentença recorrida. 14. Ao admitir que o título executivo derivado da notificação judicial avulsa ou contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, pode aplicar-se ao fiador, constitui criação de titulo executivo por analogia, o que desrespeita as exigências de forma quanto a pessoa que figura no título, violando, assim, o art. 55° do C.P.C.. Nestes termos e nos doutamente supridos por Vª.s Exªs. deve ser concedido provimento ao presente recurso de Agravo, revogando - se a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que acolha as conclusões expostas e ordene o prosseguimento do autos como foi proposto. 2.2. A questão fundamental que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, prevendo a lei que a resolução do contrato fundada em mora superior a três meses no pagamento da renda opere extrajudicialmente (arts.1083º, nº3 e 1084º, nº1, do C.Civil, repostos com nova redacção pelo art.3º, da Lei nº6/2006, de 27/2), continua ou não a ser possível o recurso à acção de despejo, prevista no art.14º, daquela Lei, para se obter a resolução judicial do contrato de arrendamento com esse fundamento, independentemente da duração da mora. No despacho recorrido entendeu-se que, no caso, a acção de despejo não constitui o meio idóneo a fazer cessar o contrato de arrendamento, uma vez que, do disposto no nº1 do citado art.14º, se extrai que fica excluído o uso de tal acção fora das situações aí previstas, existindo, portanto, um erro na forma do processo, o qual é do conhecimento oficioso e implica o não aproveitamento, sequer, da petição inicial. Daí que se tenha determinado a nulidade de todo o processo e se tenham absolvido os réus da instância. A aludida questão já foi colocada, nos termos atrás referidos, por Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª ed., págs.324 a 328, que defendem não lhes parecer adequado o entendimento de que o recurso à acção de despejo fique reservado para os casos que não integrem a previsão do art.1083º, nº3, do C.Civil, designadamente, de mora no pagamento da renda com duração igual ou inferior a 3 meses, antes tendendo a considerar que a via da acção de despejo constitui sempre uma opção do senhorio. No mesmo sentido, citam aqueles autores Gravato Morais, in Novo Regime do Arrendamento Comercial, Almedina, 2006, págs.104 e 105. E porque concordamos com os argumentos aí «produzidos», passaremos essencialmente a «reproduzi-los», pelo menos, os que consideramos mais relevantes, seguindo, assim, muito de perto o expendido por tais autores na referida obra. Nos termos do disposto no art.1083º, nº3, do C.Civil (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda. Por força do disposto no art.1084, nº1, a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista naquele nº3, opera por comunicação à contraparte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida. Tal resolução, no entanto, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses (nº3, do art.1084º). A referida comunicação é efectuada mediante notificação avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução (art.9º, nº7, da Lei nº6/2006, de 27/2 – Nova Lei do Arrendamento Urbano – NLAU). Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação, serve de base à execução para entrega de coisa certa, sendo igualmente título executivo para a acção de pagamento de renda (art.15º, nºs 1, al.e) e 2, da NLAU). De harmonia com o disposto no art.14º, nº1, desta lei, a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação. Apesar da definição, algo redutora, da acção de despejo constante do citado art.14º, nº1, parece-nos que o conceito tem um sentido amplo, abrangendo não só a figura da acção de despejo stricto sensu, a instaurar quando a via judicial é o único modo de obter a cessação – por resolução ou denúncia – da situação jurídica do arrendamento, mas também todas as acções declarativas intentadas pelo senhorio para promover a cessação do contrato quando esta não operou ipso iure, como acontece com a caducidade, nem extrajudicialmente (inexistindo título executivo extrajudicial). Na verdade, nomeadamente no caso de resolução fundada em mora no pagamento da renda, a acção de despejo será, provavelmente, a via mais vantajosa. Assim: - evita-se o tempo de espera de 3 meses de duração da mora para o senhorio poder efectuar a comunicação destinada à resolução extrajudicial do contrato; - evita-se um novo tempo de espera de mais 3 meses, subsequentes à comunicação do senhorio, para eventual purgação da mora (art.1084º, nº3) e para a exigibilidade da desocupação do locado (art.1087º); - evitam-se as dificuldades inerentes à notificação avulsa ou contacto pessoal exigidos pela lei para efectivar a resolução extrajudicial, especialmente nos casos em que o paradeiro do arrendatário é desconhecido; - evita-se que a execução para entrega de coisa certa fique suspensa se for recebida oposição à execução (art.930º-B, nº1, al.a), do C.P.C.); - obvia-se a uma eventual responsabilização nos termos do art.930º-E, do C.P.C.; - pode cumular-se o pedido de resolução com o de indemnização ou rendas, ou com o de denúncia, quando esta tenha de operar pela via judicial (art.1086º) ou podem cumular-se vários fundamentos de resolução, evitando-se que o litígio sobre a resolução do contrato seja tratado em dois processos distintos, quais sejam, a acção de despejo e a oposição à execução; - permite-se ao arrendatário que deduza logo pedido reconvencional, evitando-se que a discussão dessa matéria seja relegada para a oposição à execução; - força-se a uma purgação da mora mais célere, esgotando-se o recurso a essa faculdade, já que apenas pode ser usada uma única vez na fase judicial (art.1048º, nºs 1 e 2); - pode lançar-se mão do incidente de despejo imediato (art.14º, nºs 4 e 5, da NLAU). Assim sendo, não se vê que o legislador possa ter pretendido retirar direitos ao senhorio, afastando o direito de resolução judicial do contrato quando a mora tenha duração superior a 3 meses. É certo que a redacção dos arts.1083º, nº3 e 1084º, nº1 possibilita uma interpretação literal no sentido de que se pretendeu impor uma solução extrajudicial. Todavia, não é isso que decorre de outras normas, designadamente, do art.21º da NLAU, donde resulta que o senhorio terá de intentar obrigatoriamente acção de despejo, se quiser impugnar o depósito das rendas, mesmo que tenha feito a comunicação para resolução extrajudicial. E também do art.15º, nº1, al.e), da mesma lei, cuja redacção teria sido diferente, porquanto não faria sentido exigir-se o contrato de arrendamento para servir de título executivo (documento esse que não é exigido na al.f) do mesmo nº1), quando é sabido que muitos arrendamentos, sobretudo habitacionais, não estão reduzidos a escrito, sendo inviável a formação de título executivo. E, ainda, da conjugação dos nºs 3 e 4, do art.1084º, relativos a situações de resolução extrajudicial do contrato, já que, só no primeiro, referente à falta de pagamento de renda, é que se alude a «quando opere por comunicação à outra parte», o que revela que também pode operar judicialmente, pela via da acção de despejo. Acresce que, da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano nº34/X, decorre que a resolução extrajudicial do contrato é perspectivada como uma possibilidade e não como uma imposição. Aliás, não seria razoável que o legislador tivesse pretendido tornar mais difícil ao senhorio a resolução do contrato, limitando de forma tão gravosa o seu direito de acção, constitucionalmente consagrado (art.20º da CRP). O que o legislador visou, manifestamente, foi apenas facilitar e acelerar a entrega coerciva do locado, tornando dispensável, em determinadas situações, a acção de despejo. Dir-se-á, como os autores citados, ob.cit., pág.328, que « … tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das soluções consagradas, consideramos que assiste ao senhorio o direito a intentar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial, a tanto não obstando a letra dos arts.1083º e 1084º, do CC (art.9º do CC)». Refira-se, ainda, que, no caso, existe um fiador, em relação ao qual também é formulado o pedido de pagamento das rendas vencidas e vincendas. Assim, a seguir-se a tese contrária à que ora se defende, o litígio em questão teria que ser tratado em dois processos distintos, com todas as vicissitudes e dificuldades inerentes. Por outro lado, dizendo a mora respeito a diferentes rendas, como é o caso, se em relação às vencidas no ano de 2006 o atraso é superior a 3 meses, já quanto às vencidas no ano de 2007 ainda não tem essa duração, e como a autora fundou a resolução na falta de pagamento de todas as rendas em atraso, sempre teria de se socorrer da acção de despejo. Não pode, assim, manter-se o despacho recorrido, que, no entanto, não é nulo, por omissão de pronúncia, como pretende a recorrente (art.668º, nº1, al.d), 1ª parte, do C.P.C.), pois que, do que se trata é de erro de julgamento, que serve de fundamento à revogação do despacho, mas não justifica a arguição daquela nulidade. Por último, parece-nos que, de todo o modo, não seria defensável considerar que há erro na forma de processo, por se ter recorrido à acção declarativa de despejo em vez de se ter desencadeado a formação de título executivo extrajudicial, atento o disposto no art.199º, do C.P.C.. Assim como também entendemos que não estamos perante uma situação de falta de interesse em agir por parte do senhorio, porquanto, esta sempre teria como pressuposto a existência de um título executivo já formado, quando é certo que, em casos como o dos autos, a lei apenas prevê um título a constituir, por iniciativa do senhorio, não lhe vedando a via judicial alternativa. Haverá, deste modo, que concluir que, apesar de a lei prever que a resolução do contrato fundada em mora superior a três meses no pagamento da renda opere extrajudicialmente, continua a ser possível o recurso à acção de despejo, para se obter a resolução judicial do contrato de arrendamento com esse fundamento, independentemente da duração da mora. Procedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente. 3 – Decisão. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o despacho recorrido, devendo o processo prosseguir seus regulares termos. Sem custas (art.2º, nº1, al.g), do C.C.J.). Lisboa, 23 de Outubro de 2007 (Roque Nogueira) (Abrantes Geraldes) (Maria do Rosário Morgado) |