Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2039/19.3T8ALM.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
ACOMPANHANTE
ESCOLHA
CRITÉRIOS LEGAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes;
II - Em consonância com o Referido, não existe no referido processo audiência de discussão e julgamento e nele não está o juiz obrigado a produzir provas destinadas à escolha da pessoa do acompanhante ;
III - Em conformidade com o art.° 145.°, do CC, o acompanhamento pode envolver uma representação legal, assim como pode implicar o recurso à assistência, mediante a autorização do acompanhante para a prática de certos actos, ou consistir num mero apoio deste à actuação do acompanhado, como sucede nas situações contempladas na alínea e) do n.° 2 do referido art.° 145.°.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:
O Ministério Público vem requerer medidas de acompanhamento do maior, previstas no art.° 138.° e ss. do Código Civil relativamente a A [ Aurélia …..] , viúva, nascida em 28/07/1935, filha de B [ Manuel …..] e de C [ Margarida ……] , natural da freguesia de Ferreirim, concelho de Lamego, residente em sita em rua dos [ ... ], n.°    , Monte de Caparica, 0000-000, Caparica.
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- Requerido o acompanhamento foi judicialmente ordenado se citasse a requerida A, aqui recorrente, através de oficial de justiça (fls. 8, a 21-032019), o que não foi possível cfr. “Certidão Negativa”: “...tendo aí constatado que a Requerida revelou pouca lucidez no diálogo, não se conseguir situar no espaço e no tempo, revelando também dificuldades motoras e da utilização dos membros superiores, manifestando carencear de terceiros para se deslocar e nas funções de higiene, bem como não entendeu o teor da citação” (fls. 19, a 27-03-2019).
-Foi judicialmente determinado se solicitasse patrono oficioso à requerida beneficiária (fls. 18, a 02-04-2019), tendo-lhe sido nomeada a Ilustre Advogada LV.
- Não obstante o constatado pelo Oficial de Justiça, foi junta procuração assinada pela mesma requerida beneficiária, constituindo mandatário o Ilustre Advogado RD (fls. 20, a 0304-2019), na sequência do que a patrona oficiosa não chegou a ser citada, sendo que, a 07-052019, despacho judicial deu-se por finda a sua intervenção e determinou-se a realização de exame pericial à requerida beneficiária (fls. 29).
-O Ilustre Advogado constituído, em 18-04-2019, deu entrada a “OPOSIÇÃO” que se enquadra na figura da RESPOSTA prevista no art. 896° do CC, mesmo sem que a beneficiária se tenha considerado citada e mesmo tendo decorrido mais de 10 dias desde aquela tentativa de notificação.
Junto exame pericial aos autos, do mesmo resulta que: “Em fotos, a examinanda consegue identificar-se a ela, mas não identifica os restantes elementos da família”, logo não consegue escolher acompanhante;
- Mais que “A capacidade da examinanda fornecer informação é praticamente nula.”; “A examinanda não consegue dizer o seu nome completo, a idade que tem nem a data de nascimento.”; “ Não sabe para que é esta avaliação, ....”; “... referiu desconhecer o motivo desta avaliação.”; “... predomina uma postura apática, que denota falta de iniciativa.”; “... o discurso é provocado, pouco fluente, de baixo débito e hipofónico.”; “ Compreende com dificuldade o que lhe é dito e perguntado, respondendo frequentemente comparar respostas”; “Não tem capacidade de juízo crítico para avaliar as situações e determinar-se perante as mesmas.
- Ouvida a beneficiária pelo Tribunal em 22-01-2020, a mesma não foi capaz, entre outras respostas a solicitações feitas, de escolher o seu acompanhante, nos termos e para os efeitos do art. 143° n° 1 do CC.
-Não existe ainda testamento vital, nem procuração para cuidados de saúde, nem mandato com vista a acompanhamento.
-Também não ocorreu tal escolha em termos tais que se possa considerar feita essa escolha pelo seu “representante legal”, pois a necessidade de apoio documentada nos autos remonta a 2016 e a procuração forense, apenas confere poderes forenses, junta aos autos é datada de 2019, ou seja, em data em que a requerida beneficiária não conseguia já entender o alcance do processo como resulta claro da impossibilidade da citação por oficial de justiça, da perícia à mesma feita, e da audição da mesma.
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Considerou o tribunal A Quo que “ Nestes autos há que entrar em linha de conta com o princípio da adequação formal do processo nos termos do art. 26.°, n.° 2 da Lei n.° 49/2018, de 14 de Agosto, entendendo nós que não se justifica a realização de mais diligência probatórias. O processo contém todos os elementos necessários para a decisão ”.
Proferiu sentença na qual decidiu:
Julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, consequentemente, decreto que  A , viúva, nascida em 28/07/1935, filha de B e C ,, natural da freguesia de Ferreirim, concelho de Lamego, residente em sita em rua dos Trabalhadores Rurais, n.° , Monte de Caparica, 2825-102, Caparica, carece de acompanhamento e de beneficiar das seguintes medidas de acompanhamento atribuindo-se, consequentemente, ao acompanhante:
1) Poderes gerais de representação da beneficiária;
2) Poderes gerais de administração do património da beneficiária, desde já se autorizando o acompanhante a receber e a gerir rendimentos da requerida, a ter acesso a contas bancárias de que a beneficiária seja titular ou co-titular e a movimentá-las no interesse da mesma;
3) A responsabilidade em aceitar ou recusar tratamentos que medicamente sejam indicados e propostos;
4) Mais determino que a maior acompanhada não possa exercer livremente os seguintes direitos pessoais: casar, constituir uniões de facto, perfilhar, viajar sozinha, adoptar e de testar.
A publicidade a dar a acção será através do averbamento no registo civil.
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Fixa-se o início da doença no ano de 2016.
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Como acompanhante da requerida nomeio D  [ Durval ….] , filho da requerida, residente em [ … ], n.° ,  6.° Esq., 0000-000, Seixal.
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Por ora dispensa-se a designação de conselho de família.
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A , através de advogado constituído nos autos, veio interpor recurso da sentença, concluindo da forma seguinte:
1a A sentença proferida nos presentes autos, encontra-se ferida de nulidade, nos termos da previsão contida no Art.° 615° n.° 1 alínea d) do CPC, porquanto o Senhor Juiz a quo, deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado.
2a O Senhor Juiz a quo, no Relatório da Sentença recorrida, demonstra que partiu do pressuposto errado que “A presente acção não foi contestada.”, quando, na verdade, consta dos autos uma Contestação com a Ref.a 22606778, datada de 18/04/2019.
3a Deixando assim o Senhor Juiz a quo, de analisar provas da factualidade alegada pela Requerida, nomeadamente testemunhas arroladas, que determinaria a ponderação da pessoa que assumiria o cargo de Acompanhante.
4a Tal vício conduziu, necessariamente, a uma errada e insuficiente fundamentação de facto da Sentença, no que à determinação do Acompanhante diz respeito, determinando a aplicação das regras contidas no n.° 2 do Art.° 143° Cod. Civil, quando, na verdade, a aqui Recorrente fez uso da faculdade contida no Art.° 143° n,° 1 CC, indicando Acompanhante, o que deveria, pelo menos, ser objecto de ponderação com base na prova indicada, a produzir em audiência de julgamento (que não existiu).
Conclui no sentido de que deve ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se a baixa do processo para realização de julgamento, respeitando-se, assim, a existência do contraditório contido na Contestação apresentada.
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O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas por A , concluindo da forma seguinte:
i. A recorrente Beneficiária A, através do Ilustre Advogado constituído nos autos, pretende seja nomeado acompanhante da mesma, beneficiária, outra pessoa que não a nomeada pelo Mm° Juiz na douta sentença.
ii. Remeto para a douta sentença proferida, sua fundamentação de facto e de Direito com a qual concordo na íntegra, e que aqui dou por reproduzida para todos os efeitos legais, pois considero que se encontra devidamente fundamentada, nela sendo enumerados os factos provados e não provados, feita uma exposição suficiente e concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, indicadas e examinadas criticamente as provas com base nas quais o Tribunal formou a sua convicção.
iii. Requerido o acompanhamento foi judicialmente ordenado se citasse a requerida beneficiária A, aqui recorrente, através de oficial de justiça (fls. 8, a 21032019), o que não foi possível cfr. “Certidão Negativa”: “...tendo aí constatado que a Requerida revelou pouca lucidez no diálogo, não se conseguir situar no espaço e no tempo, revelando também dificuldades motoras e da utilização dos membros superiores, manifestando carenciar de terceiros para se deslocar e nas funções de higiene, bem como não entendeu o teor da citação” (fls. 19, a 27-03-2019).
iv. Foi judicialmente determinado se solicitasse patrono oficioso à requerida beneficiária (fls. 18, a 02-04-2019), tendo-lhe sido nomeada a Ilustre Advogada LV .
v. Não obstante o constatado pelo Oficial de Justiça, foi junta procuração assinada pela mesma requerida beneficiária, constituindo mandatário o Ilustre Advogado RD (fls. 20, a 03-04-2019), na sequência do que a patrona oficiosa não chegou a ser citada, sendo que, a 07-05-2019, despacho judicial deu-se por finda a sua intervenção e determinou-se a realização de exame pericial à requerida beneficiária (fls. 29).
vi. Ainda assim, o Ilustre Advogado constituído, em 18-04-2019, deu entrada a “OPOSIÇÃO” que, melhor dizendo, ao que entendo, pretende enquadrar na figura da RESPOSTA prevista no art. 896° do CC, mesmo sem que a beneficiária se tenha considerado citada e mesmo tendo decorrido mais de 10 dias desde aquela tentativa de notificação.
vii. Junto exame pericial aos autos, do mesmo resulta que: “Em fotos, a examinanda consegue identificar-se a ela, mas não identifica os restantes elementos da família”, logo não consegue escolher acompanhante;
viii. Mais que “A capacidade da examinanda fornecer informação é praticamente nula.”; “A examinanda não consegue dizer o seu nome completo, a idade que tem nem a data de nascimento.”; “Não sabe para que é esta avaliação, ....”; “... referiu desconhecer o motivo desta avaliação.”; “... predomina uma postura apática, que denota falta de iniciativa.”; “... o discurso é provocado, pouco fluente, de baixo débito e hipofónico.”; “Compreende com dificuldade o que lhe é dito e perguntado, respondendo frequentemente com pararrespostas.”; “Não tem capacidade de juízo crítico para avaliar as situações e determinar-se perante as mesmas.”
ix. Ouvida a beneficiária pelo Tribunal em 22-01-2020, a mesma não foi capaz, entre outras respostas a solicitações feitas, de escolher o seu acompanhante, nos termos e para os efeitos do art. 143° n° 1 do CC.
x. Assim, a beneficiária não nem tem capacidade para escolher o seu acompanhante ou expressar essa vontade, não existe ainda testamento vital, nem procuração para cuidados de saúde, nem mandato com vista a acompanhamento.
xi. Também não ocorreu tal escolha em termos tais que se possa considerar feita essa escolha pelo seu “representante legal”, pois a necessidade de apoio documentada nos autos remonta a 2016 e a procuração forense, frise-se apenas confere poderes forenses, junta aos autos é datada de 2019, ou seja, em data em que a requerida beneficiária não conseguia já entender o alcance do processo como resulta claro da impossibilidade da citação por oficial de justiça, da perícia à mesma feita, e da audição da mesma.
xii. Parece-me ainda que a lei exige a audição do beneficiário pelo tribunal configurando-se como obrigatória, sendo o acto de escolha do acompanhante pessoal e indelegável.
xiii. Na verdade, a requerida beneficiária não conseguiu perceber o motivo da avaliação nem o alcance do exame pericial, consequentemente, e por maioria de razão, deste processo e diligências inerentes.
xiv. Também resulta claro que o Ilustre Advogado constante da procuração defende não só os interesses da beneficiária requerida mas também o ponto de vista da acompanhante preferencial que indica, o que não deixa de ser perfeitamente legítimo, pois do ponto de vista destes, estão em causa os melhores interesses e mesmo superiores interesses da beneficiária.
xv. Contudo, estes não se confundem com os seus “best wishes”, desejos e vontades, que nem sequer pericialmente foi possível apurar através da conclusão da existência de discernimento para os manifestar por parte da requerida beneficiária.
xvi. Desta forma, bem decidiu a douta sentença recorrida na parte em que deu como provado que a requerida beneficiária “4 - Consegue ler, escrever e assinar com muita dificuldade e... manifesta incapacidade de manifestar juízo crítico e de valor,” e “5 - Não consegue manter um discurso lógico e coerente, tem escassos momentos de lucidez”.
xvii. Isto equivale a dizer que é capaz de assinar nem sempre sabendo para que fins.
xviii. Mais decidiu a douta sentença quanto ao acompanhante: “Em relação ao acompanhante, prevê o art. 143.° do Código Civil que é designado judicialmente, preferencialmente a pessoa escolhida pelo acompanhado ou seu representante legal.” e “Uma vez que no caso vertente o beneficiário não procedeu a qualquer escolha [não existe testamento vital nem procuração para cuidados de saúde ou mandato com vista a acompanhamento] nem tem capacidade para escolher ou expressar essa vontade, há que lançar mão do previsto no art. 143.°, n.° 2 do Código Civil, o Tribunal designa como acompanhante D , filho da requerida”.
xix. D é um dos filhos da requerida beneficiária, tal como a pessoa que para tal se indica preferencialmente em sede de recurso, E [Alda ….] , é filha da mesma.
xx. Em face de algumas preocupações manifestadas pela mesma, esta poderá sempre suscitar ou alertar para a necessidade de ser, atento o alegado em “resposta” e recuso, desde já feito apenso de relação de bens.
xxi. O Novo Regime do maior Acompanhado traz ainda para o beneficiário um conjunto de garantias, a obrigatória audição pessoal e directa do beneficiário, bem como conferindo ao Juiz um papel mais activo e crítico em face dos elementos trazidos pela PI, e demais intervenções processuais, atenta a aplicação do disposto nos processos de jurisdição voluntária (artigo 891.°) com as necessárias adaptações, nomeadamente no que se refere aos poderes instrutórios do juiz para investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar a elaboração de relatório pericial e recolher as informações convenientes, não estando sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo alterar as decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes - art. 897° n° 1 e 2, 898°, 899° do CPC.
xxii. A perícia realizada demonstra à saciedade a impossibilidade, por razões de doença mental da requerida beneficiária, de comunicar de forma completa, clara e esclarecida, e consequentemente, escolher o seu acompanhante.
xxiii. Consequentemente, o Tribunal a quo não violou qualquer das normas ou princípios indicados pelo recorrente arguido à luz do regime então aplicável, pelo que sustento na íntegra a sentença recorrida.
xxiv. A decisão do tribunal é também a mais adequada ao abrigo do Novo Regime do Maior Acompanhado.
Conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
-Se ocorreu nulidade da sentença decorrente da decisão sem produção de prova relativa à escolha da pessoa do acompanhante
-Se as medidas escolhidos pelo tribunal são as adequadas à condição da maior acompanhada.
-Da escolha do acompanhante.
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Foi proferido despacho incidindo sobre a invocada nulidade, com o teor seguinte:
Da nulidade arguida pela recorrente:
Entende que o “Relatório da douta Sentença deixa antever que a mesma se encontra viciada, pois dele consta “A presente acção não foi contestada.”, mais ainda, Tal vicio conduziu, necessariamente, a uma errada e insuficiente fundamentação de facto da Sentença, no que à determinação do Acompanhante diz respeito, determinando a aplicação das regras contidas no n. ° 2 do Art .° 143° Cod. Civil , quando, na verdade, a aqui Recorrente fez uso da faculdade contida no Art .° 143° n,° 1 CC, indicando Acompanhante, o que deveria, pelo menos, ser objecto de ponderação com base na prova indicada, a produzir em audiência de julgamento (que não existiu). A referência que consta da sentença à ausência de contestação por parte da requerida, constitui um lapso material, pelo qual nos penitenciamos e que não pretendeu de forma alguma minimizar a posição que a requerida trouxe a Juízo através do seu ilustre mandatário, impondo-se a rectificação daquele em conformidade com o disposto no art. 614° do CPC.
Por outro lado, a discordância da recorrente atém-se coma opção do Tribunal em nomear como acompanhante D em detrimento de E, a discordância da recorrente é legítima, contudo a sentença fundamenta a escolha pelo que inexiste, do nosso ponto de vista, uma omissão de pronúncia na sentença quando a tal aspecto.
Pelo exposto decide-se:
a) Indeferir a nulidade arguida;
b) Rectificar a sentença de forma a que no relatório da mesma onde consta: “ A presente acção não foi contestada”, passe a constar “A presente acção foi contestada”.
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Fundamentação de Facto
Além do constante do Relatório, resultaram provados os seguintes factos:
1 - A requerida,  A , é viúva, nasceu em 28/07/1935.
2 - A sofre de demência de Alzheimer, em estado moderado grave, doença incapacitante de carácter irreversível, patologias que afectam o foro neurológico e que a tornam incapaz de gerir a sua pessoa, a sua vida diária e o seu património, encontrando-se dependente do apoio de terceiros para a sua subsistência básica.
3 - Devido à doença de que padece, e apesar da medicação, a requerida encontra-se impossibilitada de realizar a maior parte das actividades básicas do dia-a-dia.
4 - Consegue ler, escrever, e assinar com muita dificuldade, não consegue efectuar simples cálculos aritméticos e manifesta incapacidade de processar juízo crítico e de valor.
5 - Não consegue manter um discurso lógico e coerente, tem escassos momentos de lucidez.
6 - Não consegue adquirir quaisquer bens sozinha.
7 - Não tem a noção do valor económico dos bens, nem do dinheiro.
8 - Não é capaz de se alimentar pela própria mão, de confeccionar alimentos nem de tomar a medicação diária de que necessita para as patologias de que padece.
9 -Não faz a sua higiene sozinho nem consegue se vestir sem o auxílio de terceiros.
10 -Tem a noção do espaço em que reside, no entanto não consegue percepcionar a hora, o período do dia, o dia da semana, mês ou estação do ano.
11 - Consegue deslocar-se no entanto necessita do apoio de terceiros para qualquer tipo de deslocação.
12 - O estado clínico da requerida tem carácter permanente e irreversível.
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Motivação: a factualidade dada como assente estribou-se no teor dos documentos clínicos e relatório pericial que constam do processo, os quais permitem atestar a condição de saúde da requerida dada como provada, e nas percepções do julgador aquando da realização da diligência de audição da requerida.
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DE DIREITO:
Nesta sede recursiva, a questão de fundo a decidir, prende-se com a tomada de decisão sobre o bem fundado, ou não, da decisão do tribunal de 1a instância em decidir pela nomeação do acompanhante D, em detrimento de E, sem produzir a prova indicada quer pelo M°P°, quer na resposta apresentada.
Na verdade, a sentença limita-se a remeter para o disposto no art.143°,  n° 2, do Código Civil, o qual determina que, “ 2. Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente: e) Aos filhos maiores”.
Apesar de não estarem juntas as respectivas certidões de nascimento, percebe-se do processo que são três os filhos maiores, cabendo ao tribunal determinar, aquele que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
Para o efeito, cabe tecer algumas considerações sobre as razões que estiveram subjacentes ao surgimento do regime jurídico do maior acompanhado.
As razões de fundo, razões que estiveram presentes na tomada de posição de várias instâncias internacionais, no sentido de valorizar os direitos das pessoas deficientes, da sua dignidade e autonomia. Para lá dos avanços da ciência médica, também de um ponto de vista social foram vários os apelos - entre nós e por esse mundo fora - a uma nova compreensão dos problemas das pessoas com deficiências físicas ou mentais, ou com quaisquer outras limitações que afectem a sua capacidade jurídica. Essa tomada de consciência deu corpo a um movimento internacional de peso. A este respeito, impõe-se mencionar a Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada pelas Nações Unidas em 30 de Março de 2007 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 56/2009, de 7 de Maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 71/2009, de 30 de Julho), bem como o respectivo Protocolo Adicional, adoptado pelas Nações Unidas na mesma data de 30 de Março de 2007 (e aprovado pela Resolução da AR n.° 57/2009, tendo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.° 72/2009, de 30 de Julho). Neste contexto, já antes se destacara a Recomendação (99) 4, do Conselho da Europa, adoptada em 23 de Fevereiro de 1999, com a proclamação de alguns princípios aplicáveis à protecção de adultos incapazes, entre os quais os da flexibilidade, da proporcionalidade, da subsidiariedade e da necessidade, princípios esses que mais tarde a Convenção de Nova Iorque veio também acolher e sublinhar. Efectivamente, logo no art.°1.° a Convenção estabelece como seu objectivo o de “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”. Estabelece depois, no art.° 3.°, os princípios que norteiam a Convenção, à cabeça dos quais, precisamente, “o respeito pela dignidade inerente, e autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas” (al. a)). É claro que a protecção da pessoa deficiente - adiante-se, desde já -, de acordo com a própria Convenção das Nações Unidas, vai muito para além das medidas a tomar no plano do regime das incapacidades instituído no Código Civil, impondo-se a adopção de medidas também no tocante à reabilitação, educação, saúde, acesso à informação, serviços públicos, etc., etc.
Porém, aqui e agora, importam apenas as alterações operadas no Código Civil no regime das incapacidades. Ainda no tocante à Convenção de Nova Iorque, o seu art.° 12.°, com a epígrafe “Reconhecimento igual perante a lei”, tem a seguinte redacção: “ 1 - Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito ao reconhecimento perante a lei da sua personalidade jurídica em qualquer lugar. 2 - Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os aspectos da vida.  3 - Os Estados Partes tomam medidas apropriadas para providenciar acesso às pessoas com deficiência ao apoio que possam necessitar no exercício da sua capacidade jurídica. 4 -  Os Estados Partes asseguram que todas as medidas que se relacionem com o exercício da capacidade jurídica fornecem as garantias apropriadas e efectivas para prevenir o abuso de acordo com o direito internacional dos direitos humanos. Tais garantias asseguram que as medidas relacionadas com o exercício da capacidade jurídica em relação aos direitos, vontade e preferências da pessoa estão isentas de conflitos de interesse e influências indevidas, são proporcionais e adaptadas às circunstâncias da pessoa, aplicam-se no período de tempo mais curto possível e estão sujeitas a um controlo periódico por uma autoridade ou órgão judicial competente, independente e imparcial. As garantias são proporcionais ao grau em que tais medidas afectam os direitos e interesses da pessoa. 5 - Sem prejuízo das disposições do presente artigo, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas e efectivas para assegurar a igualdade de direitos das pessoas com deficiência em serem proprietárias e herdarem património, a controlarem os seus próprios assuntos financeiros e a terem igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e asseguram que as pessoas com deficiência não são, arbitrariamente, privadas do seu património”.
Este é o preceito que mais directamente tinha que ver com as alterações ao Código Civil, no respeitante aos institutos da interdição e da inabilitação. É claro que se poderia ter alterado apenas o regime instituído na lei, mantendo esses institutos; mas o legislador achou que seria melhor eliminar esses institutos, substituindo-os pela figura do “maior acompanhado”, tendo em conta o estigma negativo dos institutos da interdição e da inabilitação.
Perante as incapacidades de exercício que existiam em Portugal, a saber menoridade, interdição e inabilitação, consagradas no Código Civil, a protecção de uma pessoa maior que dela carecesse só podia conseguir-se declarando-a incapaz, por via da sua interdição ou inabilitação.
Daí precisamente o apelo a que era urgente consagrar medidas que pudessem auxiliar as pessoas com deficiência, mantendo estas a sua capacidade de exercício de direitos. Neste sentido se manifestou, um forte movimento em todo o mundo, com destaque para a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e para as alterações legislativas em vários sistemas jurídicos, como a Alemanha, França, Itália, Espanha e Brasil, entre outros [ António Pinto Monteiro, no Congresso Comemorativo do Cinquentenário do Código Civil, que decorreu no Auditório da Faculdade de Direito de Coimbra, em 24 e 25 de Novembro de 2016, cujo texto foi publicado na RLJ, ano 146.°, n.° 4002, defendeu princípios e ideias que foram acolhidos na reforma operada pela Lei n.° 49/2018 ] .
Recordar o que então disse serve de apresentação das grandes linhas de orientação do regime jurídico do maior acompanhado.
Refere o autor citado “transcrevendo expressamente o que então defendi, disse ser favorável a um sistema de maior flexibilidade, que promovesse, na medida do possível, a vontade das pessoas com deficiência e a sua autodeterminação, que respeitasse, sempre, a sua dignidade e facilitasse a revisão periódica das medidas restritivas decretadas por sentença judicial. Concretizando, disse concordar, em primeiro lugar, que, sempre que possível, devesse ser tomada em conta a vontade de quem vai ser sujeito a qualquer medida restritiva ou de apoio. Por maioria de razão, acrescentei concordar com o mandato em previsão do acompanhamento ou da incapacidade, isto é, com a possibilidade de qualquer pessoa prevenir uma eventual necessidade futura, indicando, desde logo, quem a acompanhará ou a representará, caso isso venha a verificar-se, e que poderes lhe atribui. Evidentemente, este mandato terá de ser devidamente disciplinado.
Houve também a consagração de uma medida semelhante àquela que o Brasil adoptou, relativa à “tomada de decisão apoiada”, permitindo à pessoa com deficiência, física ou mental, escolher alguém que pudesse apoiá-la nas decisões a tomar, fornecendo-lhe os elementos e informações necessários para esse efeito. É claro que também esta medida dependerá da aprovação do juiz competente.
Estas medidas pressupõem a manutenção da capacidade de exercício de direitos por parte da pessoa que a elas recorre. Trata-se de medidas de apoio a pessoa com deficiência assentes na sua autodeterminação.
Proteger sem incapacitar” constitui, hoje, a palavra de ordem, de acordo com os princípios perfilhados pela referida Convenção da ONU e em conformidade com a transição do modelo de substituição para o modelo de acompanhamento ou de apoio na tomada de decisão. Há, assim, uma mudança de paradigma, deixando a pessoa deficiente de ser vista como mero alvo de políticas assistencialistas e paternalistas, para se reforçar a sua qualidade de sujeito de direitos. Em vez da pergunta: “ aquela pessoa possui capacidade mental para exercer a sua capacidade jurídica? ”, deve perguntar-se: “quais os tipos de apoio necessários àquela pessoa para que exerça a sua capacidade jurídica?”.
Em face do exposto, impunha-se uma reforma do Código Civil no campo das incapacidades de exercício de direitos, pois os institutos da interdição e da inabilitação não davam resposta satisfatória nem adequada a estas novas exigências e a este novo paradigma. Havia que acolher aquelas novas figuras - continuo a seguir o meu texto de 2016 - que permitem apoiar pessoas com deficiência, mantendo elas a sua capacidade de exercício de direitos.
Quid iuris, todavia, naquelas situações em que falte, de todo, a vontade ou a capacidade para entender e querer, ou ela está profundamente afectada, em termos tais que a deficiência de que a pessoa sofre a impossibilita de governar a sua pessoa e bens, sem que esta situação haja sido prevenida em momento anterior (se isso tivesse sido possível) através do mandato em previsão da incapacidade?
Em situações destas, ainda que a título excepcional, deve continuar a recorrer-se ao instituto da representação, substituindo-se o incapaz, no interesse deste, pela actuação do tutor. Mas isso implica abandonar o regime da interdição, medida radical e rígida, substituindo-o por um regime flexível, que permita ao juiz, qual alfaiate, fazer um “fato à medida” do necessitado, adequando as medidas à situação concreta de cada pessoa.
Em suma e para concluir este ponto, de um modelo, do passado, rígido e dualista, de tudo ou nada, em que prepondera a substituição, deve partir-se para um modelo flexível e humanista, baseado em medidas adoptadas casuisticamente e periodicamente revistas, prioritariamente destinadas a apoiar quem delas necessite, mas sem prejuízo de elas poderem vir a suprir a incapacidade em situações excepcionais, sempre com respeito pelos princípios da adequação, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
A Lei n.° 49/2018, de 14 de Agosto é provavelmente a maior reforma operada no Código Civil após a revisão pelo Decreto-Lei n.° 496/77, que adaptou o Código Civil à Constituição de 1976, e certamente a maior reforma na Parte Geral do Código Civil após a sua publicação em 25 de Novembro de 1966.
O novo regime do maior acompanhado ocupa precisamente os mesmos artigos 138.° a 156.° do Código Civil, que disciplinavam os institutos da interdição e da inabilitação, institutos estes eliminados pela Lei em apreço.
Dito isto, a primeira pergunta é relativa à questão de saber quem pode beneficiar das medidas de acompanhamento. Responde o (novo) art.° 138.°, atribuindo esse benefício ao “ maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres”.  São, assim, de dois tipos, esses requisitos: por um lado, quanto à causa: razões de saúde, deficiência ou ligadas ao seu comportamento;  e , por outro lado, quanto à consequência: a impossibilidade de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
Optou o legislador, como se vê, por uma formulação ampla, afastando-se claramente da posição fechada relativa aos fundamentos da interdição e da inabilitação. Um ponto muito importante que neste contexto importa sublinhar é o de que na actual formulação ampla que permite o recurso às medidas de acompanhamento cabem as pessoas idosas e/ou doentes. [  Neste sentido, cfr. O NOVO REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO 1. Das incapacidades ao maior acompanhado— Breve apresentação da Lei n.° 49/2018, António Pinto Monteiro, E-Book CEJ, O novo Regime do Maior Acompanhado, Fevereiro 2019 ].
Ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes ( art.° 891.°, n.° 1). Esta regulamentação contém uma remissão para o regime dos processos de jurisdição voluntária nos seguintes aspectos: — Poderes do juiz: o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; além disso, só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias para a boa decisão da causa (art.° 986.°, n.° 2); — Critério de decisão: nas providências a tomar, o tribunal deve adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art.° 987.°); isto significa que, nos processos de acompanhamento de maiores, o critério de decretamento da respectiva medida é a discricionariedade;
Alteração das decisões: as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; a superveniência pode ser objectiva ou resultar de ignorância da parte ou de outro motivo ponderoso que tenha conduzido à omissão da alegação (art.° 988.°, n.° 1). Assim, das características gerais dos processos de jurisdição voluntária só não é aplicável aquela que determina que, nas resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade, não é admissível recurso para o STJ (art.° 988.°, n.° 2).
Em suma: o processo especial de acompanhamento de maiores é, em termos substanciais, um processo de jurisdição voluntária. b) Formalmente, todavia, o processo de acompanhamento de maiores não pode ser considerado um processo de jurisdição voluntária, não só porque não se encontra inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil, mas também porque não há nenhuma disposição legal que o qualifique como tal. Este aspecto, embora formal, é muito relevante, porque implica, por exemplo, que a desnecessidade da constituição de advogado que consta do art.° 986.°, n.° 4, não é aplicável aos processos de acompanhamento de maiores. Dito pela positiva: a obrigatoriedade do patrocínio judiciário determina-se nos termos gerais estabelecidos no art.° 40.°, n.° 1. 2. Além de algumas características dos processos de jurisdição voluntária, o processo especial de acompanhamento de maiores caracteriza-se ainda pela circunstância de o juiz não estar vinculado à medida de acompanhamento requerida pelo requerente que instaurou o processo (art.° 145.°, n.° 2, CC). Esta solução justifica-se porque, além do mais, só durante o processo é possível determinar, com rigor, a medida de acompanhamento adequada para o beneficiário. Recorde-se que a medida de acompanhamento se deve restringir ao estritamente necessário (art.° 145.°, n.° 1, CC), pelo que o juiz não deve decretar nem uma medida que seja excessiva atendendo às necessidades do beneficiário, nem uma medida que seja insuficiente considerando essas mesmas necessidades. Não estando o juiz vinculado à medida de acompanhamento requerida pelo requerente (art.° 145.°, n.° 2, CC), não há nenhum obstáculo a que esse requerente altere essa medida fora dos condicionalismos estabelecidos no art.° 265.°, n.° 2, para a alteração do pedido. A justificação é esta: a medida de acompanhamento, porque tem de ser adequada à situação real e efectiva do beneficiário, deve poder ser adaptada à situação desse beneficiário apurada no próprio processo de acompanhamento. 3. O processo de acompanhamento de maiores tem carácter urgente (art.° 891.°, n.° 1). Isto significa que, nesse processo, os prazos não se suspendem durante as férias judiciais (art.° 138.°, n.° 1), que, mesmo durante a suspensão da instância, é possível praticar actos urgentes destinados a evitar danos irreparáveis (art.° 275.°, n.° 1) - como é o caso do decretamento de uma medida provisória e urgente (art.° 139.°, n.° 2, CC) - e ainda que o prazo para a interposição dos recursos é de 15 dias (art.° 638.°, n.° 1, e 677.°)
Dada a remissão constante do art.° 891.°, n.° 1, para o regime dos processos de jurisdição voluntária, o juiz pode coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (art.° 986.°, n.° 2 1.a parte).
Segundo o disposto no art.° 897.°, n.° 1, o juiz pode ordenar as diligências probatórias que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos. Estes poderes inquisitórios sobre matéria de facto e sobre provas valem tanto para o processo de acompanhamento de maiores, como para qualquer dos seus incidentes. 2. a) Os meios de prova admissíveis são todos os meios de prova típicos (segundo o que se encontra regulado no Código Civil no art.° 352.° (prova por confissão), 362.° (prova documental), 388.° (prova pericial), 390.° (prova por inspecção) e 392.° (prova testemunhal)). Em particular, atendendo ao que cabe ao tribunal apreciar no processo de acompanhamento de maiores, compreende-se que a prova pericial tenha uma especial relevância, como, aliás, decorre do disposto no art.° 139.°, n.° 1, CC e nos art.° 897.°, n.° 1, e 899.°, n.° 1.
 O juiz pode mesmo autorizar uma prova pericial especial: o exame em clínica especializada, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do director respectivo (art.° 899.°, n.° 2). b) O regime do processo de acompanhamento de maiores comporta igualmente uma prova atípica: a audição pessoal e directa do beneficiário (art.° 897.°, n.° 1, e 898.°).
Trata-se de um meio de prova que é obrigatório em qualquer processo de acompanhamento de maiores (art.° 139.°, n.° 1, CC; art.° 897.°, n.° 2), dado que, por razões facilmente compreensíveis, se pretende assegurar que o juiz tem conhecimento efectivo da real situação em que se encontra o beneficiário. Isto não impede, no entanto, que, se estiver comprovado no processo que essa audição pessoal e directa não é possível (porque, por exemplo, o beneficiário se encontra em coma), o juiz, fazendo uso dos seus poderes de gestão processual (art.° 6.°, n.° 1) e de adequação formal (art.° 547.°), não deva dispensar, por manifesta impossibilidade, a realização dessa mesma audição.
 Na sua decisão, o juiz deve designar o acompanhante e definir a medida ou medidas de acompanhamento adequadas (art.° 900.°, n.° 1): — Segundo o estabelecido no art.° 143.°, n.° 2, CC, o acompanhante é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal (como pode suceder, por exemplo, no caso do acompanhamento que é requerido quando o beneficiário ainda é menor: art.° 142.° CC), mas isso não impede que o juiz possa designar um acompanhante substituto ou mesmo vários acompanhantes (art.° 900.°, n.° 2) [  Neste sentido, cfr. O REGIME DO ACOMPANHAMENTO DE MAIORES: ALGUNS ASPECTOS PROCESSUAIS1 Miguel Teixeira de Sousa, ob.cit. ]
Daqui decorre que, contrariamente ao referido no recurso, não existe neste processo audiência de discussão e julgamento e o juiz não está obrigado a produzir provas destinadas à escolha da pessoa do acompanhante.
Posto isto, não restam dúvidas no caso em apreço no presente recurso quanto à integração da beneficiária A no contexto do regime da Lei n.° 49/2018, de 14 de Agosto, nem quanto às medidas de acompanhamento escolhidas, que estão devidamente fundamentadas em face do resultado da audição da mesma e do relatório pericial.
“O deficiente profundo, o doente de Alzheimer em estado avançado ou o paciente em coma dépassé não têm nem manifestam qualquer vontade: terão, mesmo, de ser representados; no limite, pelo Ministério Público. Noutros casos, com variações até ao infinito, o acompanhamento é passível.
Com a limitação apontada, há que eleger, como preferível, o modelo do acompanhamento. É o que melhor corresponde à profunda intenção normativa e cultural e tratar o visado como ser humano em parte inteira, com direito à solidariedade e ao apoio que se mostrem necessários. O acompanhamento é o ponto de partida e é a base do sistema a estabelecer. No limite, haverá representação. Erigir o modelo de acompanhamento como regra e restringir a representação aos casos de ausência de discernimento e capacidade de estipulação livre e consciente, mostra-se como melhor adaptado àquelas orientações internacionais, emergentes dos princípios que agora orientam esta matéria  [ Neste sentido, O MAIOR ACOMPANHADO - LEI N° 49/2018, DE 14 DE AGOSTO Nuno Luís Lopes Ribeiro, ob cit, ].
A dúvida subsiste na escolha da pessoa do acompanhante.
De acordo com o art.° 141.°, a própria pessoa que necessita de ser acompanhada pode requerer o acompanhamento, tal como o cônjuge, o unido de facto ou qualquer parente sucessível, desde que autorizados pelo requerente - salvo se o tribunal suprir a autorização do beneficiário -, bem como, independentemente de autorização, o Ministério Público. Atente- se, logo aqui, para o respeito pela vontade do deficiente, o qual, diferentemente do que sucedia com interditos e inabilitados, não só pode requerer o acompanhamento como lhe compete, em princípio, autorizar outras pessoas a fazê-lo. O acompanhamento destina-se a maiores - pois os menores estão protegidos pela sua incapacidade - mas, tal como já sucedia anteriormente, pode ser requerido e instaurado dentro do ano anterior à maioridade, para produzir efeitos a partir desta (artigos 142.° e 131.°). Tal como também já sucedia anteriormente, com a interdição e a inabilitação, é o tribunal que decide se há lugar ou não ao regime do acompanhamento; mas agora manda a lei que o tribunal deva ouvir primeiro, pessoal e directamente, o beneficiário, competindo ao tribunal, por outro lado, definir as medidas adequadas a cada situação concreta, o que bem o distancia da situação de incapacidade geral em que ficavam os interditos, que a lei equiparava aos menores (cfr. o art.° 139.°, na anterior e actual redacção). Note-se, de novo, a preocupação pela vontade do deficiente e pela sua autodeterminação.
Não é possível atender à sua vontade no caso dos autos, em razão da deficiência da A e da inexistência de qualquer manifestação de vontade da sua parte, antes da ocorrência da doença de Alzheimer.
Quanto à questão de saber quem pode ser o/a acompanhante, o n.° 1 do art.° 143.° determina que o acompanhante é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal. Duas observações, a este respeito: a primeira é, mais uma vez, para a preocupação de respeito pela vontade do acompanhado; a segunda é para comprovar que, excepcionalmente, nos chamados hard cases, como é o caso dos autos, pode vigorar o instituto da representação em situações de verdadeira incapacidade de exercício.
A escolha deste instituto, afigura-se-nos em absoluto necessária atenta a factualidade provada e acima descrita.
Em qualquer caso, o acompanhante é designado pelo tribunal, a quem compete, nomeadamente, essa responsabilidade. Na falta de escolha, o n.° 2 do mesmo preceito apresenta uma lista de pessoas que podem ser designadas como acompanhantes, segundo o critério de quem “melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário”.
Efectivamente, este é o objectivo do acompanhamento do maior, destinado a assegurar o bem- estar deste, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres. Mas há situações em que isso, infelizmente, não será possível; daí as excepções para que a lei remete, assim como há situações que afastam o acompanhamento quando o objectivo deste já se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (como os dos cônjuges, por exemplo), tratando-se, pois, de uma medida supletiva (art.° 140.°). Essa preocupação pelo bem-estar e recuperação do acompanhado está também presente nos deveres de cuidado e diligência que, na “concreta situação”, o acompanhante deve respeitar (art.° 146.°). Atente-se na referência permanente à situação concreta de cada deficiente, adequando as medidas a adoptar a cada caso concreto, bem longe da incapacidade geral do regime dos interditos.
Mas em que consiste ou se traduz o acompanhamento? É fundamental, a este respeito, atender ao disposto no art.° 145.°, norma que evidencia bem as vantagens deste novo regime, em confronto com o regime anterior.
Respeita, sempre que possível, a vontade do beneficiário e a sua autodeterminação, limita-se ao necessário e permite ao tribunal escolher e adequar, em cada situação concreta, as medidas que melhor possam contribuir para alcançar o seu objectivo, que é, repete-se, o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da sua capacidade de agir.
Mas tudo isto sem cair na posição irrealista de ignorar os hard cases, ou seja, aquelas situações de absoluta incapacidade do necessitado, pelo que, sem deixar o acompanhamento de ser hoje um modelo de apoio e de assistência, não pode deixar de transigir - em casos- limite e excepcionalmente - com medidas de substituição: daí o recurso, entre as medidas que o tribunal pode escolher para melhor talhar o “fato à medida”, ao instituto da representação legal (art.° 145.°).
Decorre, pois, do exposto, em conformidade com o art.° 145.°, que o acompanhamento pode envolver uma representação legal, assim como pode implicar o recurso à assistência, mediante a autorização do acompanhante para a prática de certos actos, ou consistir num mero apoio deste à actuação do acompanhado, como sucede nas situações contempladas na alínea e) do n.° 2 deste art.° 145.°.
Sendo no caso dos autos escolhida e bem a medida de representação legal, afigura-se-nos que bem andou o tribunal ao escolher para acompanhante o filho D indicado pelo M°P°.
A mera descrição feita pela filha E, extremamente preocupada com dinheiro, não se afigura o quadro ideal de quem quer o maior bem da mãe.
Aliás, o próprio recurso, interposto com o nome da mãe, que sofre de Alzeihmer e não tem capacidade de entendimento, tem por detrás o interesse da filha E em ver satisfeita a sua pretensão. Está demonstrado que a mãe consegue assinar, sem saber com que fim o faz.
As questões económicas serão resolvidas com a relação de bens a realizar por anexo a estes autos, pelo representante legal.
O acompanhante pode, assim, ter de assistir ou representar o acompanhado. E o novo regime acaba por estabelecer limites para a atuação do próprio acompanhante.
E o novo regime acaba por estabelecer limites para a atuação do próprio acompanhante. No que diz aos atos de disposição de bens imóveis, determina o artigo 145.°/3 CC que eles carecem sempre de autorização judicial específica. Tratando-se de um ato do acompanhante em nome do acompanhado, tal já resultava das regras do artigo 1938.° CC, conjugado com o artigo 1889.° CC. Estes preceitos são, aliás, mais amplos. De facto, enquanto a norma do artigo 145.°/3 CC fala da disposição de bens imóveis, o artigo 1938.°/1 a) CC refere-se à alienação e oneração de bens não suscetíveis de deterioração. E, embora o conceito de disposição pareça ser, em certa medida, mais amplo do que o de alienação, as restantes alíneas dos artigos citados contemplam hipóteses que se integrariam no conceito de disposição. A verdade é que os preceitos em questão se continuam a aplicar ao maior acompanhado, não pela equiparação ao menor - que inexiste - mas por expressa determinação do artigo 145.°/4 CC.
Quanto ao internamento do maior acompanhado, prevê a lei que o mesmo depende de “autorização expressa do tribunal”, podendo embora, em caso de urgência, ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se, neste caso, à ratificação do juiz (art.° 148.°). Embora a letra da lei não o diga, parece-nos que deve entender-se que a norma abrange tanto o internamento por razões de saúde, num hospital ou clínica particular, como o internamento num lar.
Dai que a lei salvaguarde as preocupações demonstradas pela filha E.
Prevê a lei que o acompanhamento cesse ou se modifique mediante decisão judicial que reconheça a cessação ou a modificação das causas que o justificaram (art.° 149.°, n.° 1), sendo certo que, enquanto estiver instaurado, o tribunal deve rever as medidas decretadas, periodicamente, em conformidade com o que constar da sentença, mas, no mínimo, de cinco em cinco anos (art.° 155.°).
A revisão periódica é justificada pela necessidade de verificar não só se a medida de acompanhamento se mantém adequada, mas também se o acompanhante desempenhou correctamente as suas funções.
Pelo que, sempre o tribunal pode modificar a situação ora tomada, se tal se justificar.
Sendo assim, entendemos que não ocorre o vicio apontado à sentença objecto de recurso, a qual se deve manter, nos seus precisos termos.
*
DECISÃO
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8a Secção em julgar improcedente a Apelação, mantendo na íntegra a sentença objecto de recurso.
Sem custas

Lisboa, 28 de Maio de 2020
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Eleonora Viegas