Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
756/20.4PBCSC.L1-9
Relator: MARIA DA LUZ BATISTA
Descritores: POLÍCIAS MUNICIPAIS
COMPETÊNCIA
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES
RECOLHA DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-A POLMUN consubstancia corpo de polícia administrativa especial, limitada geograficamente à área do município e materialmente à cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, cuja actuação dos respectivos agentes está subordinada à constituição e pela lei, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. (cfr. art. 237.º, n.º 3 e 266.º da CRP), sendo que o art. 272.º n.º 2 da CRP, estabelece que as medidas de polícia estão sujeitas ao princípio da tipicidade e da proibição do excesso, remetendo-nos para o conceito de proporcionalidade estrita ou da justa medida da actuação;
II-De acordo com o disposto na Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, com as devidas actualizações legais, a POLMUN não integra as forças nem os serviços de segurança (vide art. 25.º do diploma) não sendo, por isso, passível de considerar-se que as medidas gerais e especiais de polícia (art. 28.º e seg.) integradas nesta Lei de Segurança Interna constituam, no que à POLMUN diz respeito, normas atributivas de competências. A  polícia administrativa só pode exercer as funções que lhe estão cometidas por lei (art. 3.°, n.° 1 al. a) e n.° 3 e artº 4º);
III-Pese embora se admitir que a POLMUN possa regular e fiscalizar o trânsito rodoviário, não lhe compete que esta possa empreender os exames de pesquisa de álcool no sangue, por tal acção não ter a mais pequena ancoragem constitucional, pois importa uma aplicação analógica  para um serviço municipalizado de um poder funcional manifestamente concorrente com o das forças de segurança e inerente à execução de acções de  fiscalização dos condutores, (e não estritamente do trânsito rodoviário, de que não é sinonímia, e neste âmbito é primordial de direito sancionatório, que sejamos rigorosos na interpretação literal dos preceitos legais)  cujo conteúdo e finalidades vai muito para além das acções administrativas (funções de fiscalização e elaboração de autos) para que são competentes, enquadrando-se claramente no  quadro de funções de repressão policial, as quais, devidamente analisado o  diploma atributivo de competências às POLMUN, apenas podem exercer em cooperação com as forças de segurança nacionais;
IV-A POLMUN não tem autoridade para estes efeitos (veja-se que, na citada Lei de Segurança Interna, as POLMUN não são tidas como autoridades de polícia – art. 25.º e 26.º da Lei 53/2008, de 29 de Agosto para exercício de funções e adopção de medidas de polícia ali precritas).Esta não detem “poder de retenção e deslocação contra vontade do suspeito”, seja para recolha de prova pericial, ou para elaboração de expediente ou para qualquer outra finalidade, que não está tutelada legalmente,  por colidir com a liberdade do cidadão, no sentido do constitucionalmente tutelado, tendo de orientar-se e cingir-se ao legalmente prescrito no âmbito das suas competências que é, para condução ao OPC ou à autoridade judicial, e só. Tudo o que seja efectuado a coberto desta finalidade imediata será ilegítimo e contra-legem, por extravasar as suas funções legalmente conferidas;
V-Tanto mais que os exames de pesquisa de álcool no sangue, realizados no mesmo analisador quantitativo, ordenados constituem prova pericial pré-constituída, por ser irrepetível em julgamento, , de acordo com o disposto nos 153.º e 156.º do Código da Estrada com a Lei nº 18/2007, resulta que a taxa de alcoolemia se pode demonstrar por teste ao ar expirado (em equipamento qualitativo, a despistagem, e em equipamento quantitativo, a prova ou a contraprova), por análise ao sangue (a prova ou contraprova) e por exame médico (a prova ou contraprova), e que existe uma obrigatoriedade de notificação do condutor após teste de alcoolemia, por escrito ou verbalmente, do resultado, das sanções legalmente decorrentes daquele resultado, de que pode, de imediato, requerer contraprova e que, caso positivo, deve suportar todas as despesas originadas por essa contraprova;
VI- Assim tal iter de procedimentos que envolve a recolha de prova (pericial) bastante para submissão de arguido a julgamento pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e que implica a advertência da possibilidade de se sujeitar a contraprova e a explicação das finalidades e consequências inerentes aos resultados apurados importa o exercício de funções de polícia criminal, pelo que não sendo a POLMUN um OPC e nem sequer uma força de segurança, aquela não detem qualquer legitimidade tem para os realizar, e fazendo-o, a recolha de prova obtida pela POLMUN é ilícita, por motivos de ordem e aplicação do regime constitucional do Estado de Direito e das proibições de prova em processo penal, tendo de ser desconsiderada e não podendo ser utilizada (art. 161.°, n.° 1 e 2 al. d) do CPA e art. 126.°, n.° 1 e 2 do CPP).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal (9ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

No processo Sumário nº 756/20.4PBCSC.L1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Cascais o Ministério Público acusou AA, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de condução de veículo em estado de embriguez, previsto e punido pelo artigo 292.°,n.° 1 conjugado com o art. 69.°, n.° 1 al. a) ambos do Código Penal.
Realizada audiência de julgamento o Tribunal decidiu julgar a acusação improcedente por não provada e, em consequência, absolver a arguida AA da prática do sobredito crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Inconformada com tal decisão veio a Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido dela interpor recurso, extraindo da motivação respectiva as seguintes conclusões:
1.
A arguida AA foi acusada e julgada, em processo sumário, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º e 69.º do Código Penal, vindo a ser absolvida da prática desse ilícito, com prolação de sentença escrita de que ora se recorre.
2.
A absolvição da arguida assentou, no entendimento do Tribunal a quo, na verificação de uma dúvida (insanável, julga-se!) quanto à autoria material de tal crime e bem assim, por ter considerado que a prova obtida através da realização do teste quantitativo de verificação de álcool no sangue é nula, porquanto efectuada através de uma autoridade policial sem competência para realização de tal acto.
Contudo, a sentença em causa padece do vício da nulidade previsto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação e exame crítico da prova produzida e inserta nos autos, com violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal; verificando-se, igualmente, erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, quando interpreta o artigo 126.º do Código de Processo Penal sem atender às normas previstas no Código da Estrada e no Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas.
3.
No acervo fáctico dado por provado foram insertos os factos afirmados nos pontos 2. a 13. (aditados pelo Tribunal na sequência da produção de prova) que se entende não terem qualquer relevância e por isso, acessórios e desnecessários ao objecto do processo, por desprovidos de qualquer conteúdo útil à descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
4.
Para além do referido no ponto que antecede, a sentença proferida, nos termos em que o foi, violou o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, na medida em que, inexiste qualquer exame crítico da prova testemunhal que foi produzida em audiência de julgamento, tendo a M.ma Juiz a quo optado por fazer uma mera transcrição, em súmula, do que foi dito por cada um dos intervenientes, sem que daí decorresse a confrontação desses depoimentos transcritos com outros ou com a prova documental junta aos autos.
5.
A mera menção genérica e tabular realizada a respeito da prova que o Tribunal a quo entendeu levar em conta na decisão que proferiu não se basta para se dar como verificada aquilo que se entende ser a análise crítica da prova conjugada com os meios de prova.
7.
A falta de exame crítico da prova conduz à impossibilidade de se discernir o raciocínio lógico que levou o Tribunal a quo a decidir num determinado sentido e não outro também possível e obsta a que se proceda a uma correcta apreciação por parte do Tribunal superior.
8.
O depoimento do agente BB foi tão-só transcrito sem que daí decorresse qualquer consideração a respeito da confrontação de tal depoimento com outros, mormente com o da arguida, ou até com as declarações prestadas pelo colega daquele.
9.
Daqui resulta que não existe qualquer sustentação probatória, como não existe qualquer raciocínio lógico enunciado para se terem dado como provados os pontos 2. a 13..
10.
Como inexiste igualmente qualquer razão ou consideração conforme para não se terem dado como provados os factos que directamente se relacionam com as circunstâncias que antecederam a abordagem da arguida pela Polícia Municipal e que são causa-efeito da actuação desta – relativos à condução do veículo; à invasão pelo mesmo da faixa de rodagem de sentido contrário; à sua subida do passeio; à realização de manobra de marcha-atrás sobre o passeio e a sua subsequente imobilização.
11.
A sentença proferida contende, igualmente, com o princípio constitucional previsto no artigo 205.º, n.º 1 da Lei Fundamental, que impõe que as decisões dos Tribunais, que não sejam de mero expediente, sejam fundamentadas na forma prevista na lei.
12.
Não contendo a sentença qualquer fundamentação relativamente à conclusão sobre os factos dados como provados, e por nela não se vislumbrar qualquer exame crítico da prova, a mesma é nula, nos termos do disposto no artigo 374.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, bem como, do princípio fundamental consagrado no artigo 205.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
13.
Atenta a factualidade dada por provada e não provada, por se ignorar o processo lógico que levou à enunciação do acervo fáctico provado, mostra-se dificultada a tarefa de impugnação de tal matéria, ademais quando grande parte dela (pontos 2. a 13.) não assumem relevância para o objecto do processo e contendem com o disposto no artigo 283.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, na medida em que apenas se devem narrar factos directamente correlacionados com o ilícito em causa e, quanto muito, determinadas circunstâncias que se mostrem relevantes para a determinação da sanção que deva ser aplicada a um arguido.
14.
Ora, os pontos 2. a 13. da matéria de facto como provada, todas as circunstâncias mencionadas nesses concretos pontos não são relevantes para a verificação da prática do crime e nem para a determinação da sanção que devesse ser aplicada à arguida, porquanto esta foi absolvida.
15.
Assim sucedeu com o facto provado no ponto 4. que descreve o estado de espírito da arguida, sem que tal se afira de relevância para a verificação do crime, nem para efeitos indemnizatórios, já que nenhum pedido de indemnização foi deduzido nestes autos.
16.
Idêntica argumentação se pode retirar da inserção dos factos referidos nos pontos 5. a 7. na matéria provada, os quais dizem respeito a telefonemas realizados e não realizados pela arguida aquando da abordagem por parte dos agentes da Polícia Municipal e que são, no mínimo, inusitados e despropositados, vislumbrando-se que o propósito único da sua inserção nesse elenco foi tão-só para sustentar a que veio a ser a posição do Tribunal a quo, no sentido de ter existido uma actuação excessiva por parte da Polícia Municipal (que nem sequer teria permitido que a arguida efectuasse um telefonema).
17.
Tais factos (2. a 13.) foram aditados pelo Tribunal após a produção da prova, já que não constam de qualquer peça processual – acusação, contestação, pedido de indemnização civil... - e é precisamente porque o foram desta específica forma, que o Tribunal a quo não podia ignorar a necessidade premente de demonstrar a relevância dos mesmos para a descoberta da verdade material, enunciando a prova em que se baseou para os dar como ocorridos e credíveis, o que não sucedeu, suscitando-nos uma legítima interrogação a respeito da tendenciosidade na posição assumida nesta instância ora recorrida.
18.
Consequentemente, todos os factos constantes dos pontos 2. a 13., por falta de relevância – quer para a prova do facto ilícito, quer para a conclusão que a sentença extrai, relativamente à proibição de valoração da prova e à ulidade do exame quantitativo – devem ser excluídos da prova dada como provada.
19.
A falta de credibilidade atribuída aos depoimentos dos agentes da Polícia Municipal por parte da M.ma Juiz a quo não encontra acolhimento em nenhum elemento probatório que não seja a versão, obviamente contrária, prestada pela arguida, e no juízo previamente concebido pelo Tribunal a quo, quanto à (ilegal) actuação por parte dos agentes da Polícia Municipal (veja-se, a título de exemplo, a afirmação da M.ma Juiz a quo, em 2 de Setembro de 2020 – 3.º Ficheiro, 15:05, aos 15:04 a 15:25 e nos moldes em que se procedeu à inquirição da testemunha, agente da Polícia Municipal, BB, aos 2 de Setembro de 2020 – 5.° Ficheiro, 15:04, aos 00:24 a00:42 e ainda da consideração proferida a respeito das imagens fornecidas ao Tribunal, a 18 de Setembro de 2020 – 4.° Ficheiro, 10:51, aos 11:04 a 11:14).
20.
Sem embargo, a existir uma dúvida sobre a dinâmica da ocorrência dos factos, concretamente quanto à autoria material do crime, impunha-se ao Tribunal a quo fazer uso da prerrogativa a que alude o artigo 340.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, por forma a lançar mão de todos os meios de prova disponíveis que lhe permitissem ultrapassar a dúvida que mantinha, tratando-se, efectivamente, de um poder-dever na realização de tais diligências tendentes à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
21.
E podendo fazê-lo, não o fez, não obstante dispor de informação atinente à cabal identificação de outras duas testemunhas presenciais e, portanto, cuja razão de ciência advinha do conhecimento directo dos factos, a que não é seguramente alheio a circunstância de tais testemunhas, também elas, fazerem parte do corpo da Polícia Municipal.
22.
Tal dúvida (que apenas existia na mente do julgador) não se mostrava inultrapassável, pelo que, não tendo o Tribunal lançado mão do disposto no artigo 340.°, n.° 1 do Código de Processo Penal para proceder à inquirição de duas outras testemunhas presenciais, quando podia e devia tê-lo feito, violou o disposto no referido artigo que impõe a realização de todas as diligências essenciais que se possam reputar indispensáveis à descoberta da verdade, daí decorrendo que a actuação da M.ma Juiz a quo deu clara preponderância aos direitos e garantias da arguida, em detrimento dos primordiais interesses da prossecução da justiça, como finalidade última do processo penal.
23.
Não tendo agido em conformidade com o afirmado no ponto antecedente, verifica-se a existência da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal, por omissão de posteriores diligências que se reputam de essenciais para a descoberta da verdade, nulidade essa invocada, neste acto, porque em tempo, para todos os devidos e legais efeitos.
24.
A oportunidade da invocação desta nulidade advém do facto de que, só no momento em que se teve conhecimento do sentido da sentença proferida, que absolveu a arguida com base, além do mais, no princípio in dubio pro reo, consubstanciado na existência de uma dúvida que, no ver do Tribunal, considerou insanável.
25.
A prova produzida em audiência de discussão e julgamento conjugada com todos os restantes elementos probatórios, designadamente documentais e constantes de suportes digitais, impunham decisão diversa caso a apreciação da prova fosse levada a cabo tendo em conta as regras da experiência comum em consonância com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
26.
Quanto ao facto descrito no artigo 1.º da acusação (e que constitui o artigo 1.º dos factos dados como provados e a alínea a) dos factos dados como não provados) – No dia 16 de Agosto de 2020, pelas 08h30m, a arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ……….., na Rua ………………….., em Cascais, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,75g/l, correspondente à taxa de 1,90g/l, deduzido o valor de erro máximo admissívelº – devia o mesmo ter sido integrado no elenco dos factos dados como provados, porquanto a versão apresentada pela arguida não se mostrou verosímil, nem coerente quando confrontada com a restante prova, concretamente com os depoimentos coincidentes prestados pelos dois agentes da Polícia Municipal quanto à autoria material dos factos e a dinâmica dos mesmos (declarações da arguida prestadas em 2 de Setembro de 2020 2.º Ficheiro, 14:41 aos 02:28 a 03:50 e 06:25 a 07:02).
27.
Os depoimentos destas duas testemunhas apresentam-se credíveis quando conjugados com a interpretação decorrente da visualização das imagens de vídeo-vigilância captadas na ocorrência dos factos e que permitem concluir, sem margem para dúvidas, no sentido de que era a arguida a condutora do veículo e bem assim todos os acontecimentos que ocorreram a montante e a jusante, tendo por referência o momento da abordagem da arguida por parte dos agentes da Polícia Municipal (agente BB a 2 de Setembro de 2020 – 3.º Ficheiro, 15:06 das 01:25 a 04:00 e agente CC a 2 de Setembro de 2020 – 8.º Ficheiro, 15:31, das 03:18 a 06:00 e 10.º Ficheiro, 16:12, das 04:22 a 04:50 – conforme gravação entregue).
28.
Dúvidas não surgem, pois, perante estes três elementos de prova – declarações de duas testemunhas e imagens captadas – que deveria ter sido dado como provado o facto de que era a arguida que empreendia a condução da viatura nas circunstâncias descritas, mostrando-se, sim, o depoimento prestado pela mesma, não sujeita a qualquer dever de verdade, desconexo com a lógica dos factos e com as imagens visualizadas, desafiando até a realidade das regras da experiência comum.
29.
As observações identificadas na sentença proferida, tendo por fito fundamentar a descredibilização dos depoimentos dos agentes da Polícia Municipal, são discrepantes com toda a prova produzida em audiência de julgamento (excepto, obviamente, com as declarações da arguida) e contendem com o que verdadeiramente foi afirmado pelos agentes policiais referindo-se concretamente às circunstâncias relativas à existência de claridade ou não; ao número de pessoas que se encontravam dentro da viatura; aos acontecimentos ocorridos após a imobilização do veículo; à existência da viatura se encontrar ou não imobilizada em cima do passeio; das luzes da viatura aquando da sua imobilização; da detecção de odor a álcool emanado pela arguida e a inexistência da gravação de imagens após o momento da abordagem à arguida.
30.
Entendemos, pois, que as referidas observações, pelas razões expostas nesta motivação, e da conclusão extraída no ponto anterior, não se mostram de mote a afastar a credibilidade do depoimento do agente da Polícia Municipal CC, e muito menos do agente BB, os quais responderam claramente a todas as perguntas, esclareceram todos os pormenores que lhe foram solicitados e, consequentemente, deve ser dado como provado o facto de ser a arguida a condutora da viatura nas circunstâncias identificadas.
31.
Os factos vertidos nos pontos 2. a 7. da matéria de facto dada como  provada, aditados pelo Tribunal, são acessórios e não assumem relevância para a decisão que veio a ser proferida, nem para o objecto do processo ou para o apuramento de factos com o mesmo relacionado, sendo tal consagração contraditória com o próprio espírito da norma ínsita no artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, pelo que se entende deverem ser os mesmos ser excluídos da factualidade dada como provada.
32.
A actuação concreta da Polícia Municipal, nas circunstâncias referidas nos pontos 2. a 7. revela-se perfeitamente consentânea com o cabal desempenho das funções por parte destes agentes não tendo sido violado qualquer direito, liberdade ou garantia constitucionais.
33.
A actuação descrita no no ponto 8. do acervo fáctico provado (também aditado pelo Tribunal) que diz respeito à advertência que o agente policial CC dirigiu à arguida caso a mesma se mantivesse firme na recusa em acompanhar os referidos agentes para realização de teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, não contende com qualquer direito constitucional, porquanto a detenção da arguida seria sempre possível e legal, caso a mesma se recusasse a identificar-se ou a realizar teste de pesquisa de alcoolemia, qualitativo ou quantitativo.
34.
Tal actuação é conforme ao Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 28/2008, de 12 de Agosto, o qual reveste natureza vinculativa para todos aqueles que desempenhem funções adstritas, no caso concreto, à Polícia Municipal de Cascais.
35.
Os factos vertidos nos pontos 9.2 e 10.2 da matéria de facto dada  como provada  (também eles aditados pelo Tribunal), não se aferem relevantes para o preenchimento do tipo objectivo do ilícito, porque circunstanciais e irrelevantes ao objecto do processo, delimitado pela acusação pública deduzida nos autos e cuja narração serviu como único propósito, alheio à finalidade última do processo penal, de servirem de fundamento à conclusão que o Tribunal a quo chegou a respeito da ilegal actuação dos agentes da Polícia Municipal.
36.
Não só tais agentes têm a competência para solicitar os documentos de identificação da arguida, da forma como o fizeram e perante a verificação de uma infracção estradal por esta praticada, bem como, para determinar a submissão daquela à realização de exames pesquisa de ar expirado para detecção de taxa de alcoolemia.
37.
Não sendo relevante, para efeitos de verificação da consumação do crime em causa, a taxa de álcool efectiva apresentada no teste qualitativo, não existe razão de ser da inserção do valor dessa taxa no ponto 10. dos factos dados como provados porque da menção desse concreto valor não se extrai qualquer consequência, razão pela qual se basta com a menção de ‘positivo’ ou ‘negativo’.
38.
Basta que tal valor se afira como positivo para uma taxa de álcool no sangue para que se possa determinar a sujeição da arguida a realização do exame quantitativo, não sendo obrigatório que o agente fiscalizador informe um condutor sobre qual o valor concreto apurado após realização de teste qualitativo, e por conseguinte, não existe a obrigatoriedade de fazer constar esse valor no respectivo auto de notícia por detenção.
39.
Verificado valor positivo no teste qualitativo, podem as autoridades policiais, na qual se inclui a Polícia Municipal, determinar que o condutor os acompanhe ao Departamento respectivo, a fim de realizar o subsequente teste quantitativo, sob pena de, recusando-se a essa submissão, possa vir a ser detido pela prática do crime de desobediência, pelo que, a actuação, em concreto, dos agentes da Polícia Municipal, referida no ponto 11. do acervo fáctico, se revela legítima e legal.
40.
Os pontos 12. e 13. da factualidade provada reportam-se única e exclusivamente à transcrição de excertos de documentos juntos aos autos e, portanto, consubstanciam prova documental cuja análise não carece de ser incluída neste elenco que teve como único propósito fundamentar as posteriores considerações teoréticas exaradas na sentença a respeito da (falta) competência da Polícia Municipal.
41.
Regem a actuação da Polícia Municipal de Cascais as normas previstas na respectiva Lei e no Parecer vinculativo do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 28/2008, de 12 de Agosto, as quais, podem e devem, elaborar autos de notícia por detenção quando presenciem a prática de crime de natureza pública ou semi-pública.
42.
Foi na estrita obediência a essas normas legais que os agentes da Polícia Municipal identificados como testemunhas nestes autos elaboraram o auto de detenção que deu origem ao presente processo e que fizerem consignar no mesmo, além de todos os outros elementos que dele devem constar, a detenção efectiva da arguida pelas 06h46m, fazendo corresponder essa hora àquela que consta do talão do resultado do teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, já que, entenderam, e bem, que só nessa concreta ocasião é que se verificou a prática do crime de condução sob o efeito do álcool.
43.
Até ao momento referido em 42., ou seja, até ao momento da realização do teste quantitativo, a arguida nunca esteve sob detenção.
44.
O Tribunal a quo confundiu a ordem de obrigatoriedade na submissão da arguida ao teste quantitativo com uma concreta ordem de detenção, o que não foi o caso, razão pela qual a mesma não foi detida em momento anterior à realização deste teste, como se afirma na sentença, mas só no momento em que se obteve o resultado do teste quantitativo com taxa criminosa.
45.
É certo que a ordem legítima, porque emanada por quem detém autoridade para o efeito, na qual se inclui a Polícia Municipal, para submissão a teste de pesquisa de álcool no sangue, é cominada, em caso de recusa, com a responsabilização criminal pela prática de crime de desobediência, que verificado o flagrante delito, legitima a subsequente detenção, pela verificação deste ilícito.
46.
Pelo que não existe qualquer conduta anómala quando pelas 07h40m se estabelece contacto com a PSP a fim de proceder à entrega da arguida detida às 06h46m, sendo que, o hiato temporal que medeia entre esta hora e aquela outra se afere consentâneo com a elaboração do respectivo auto de notícia por detenção, que só naquele momento foi possível redigir.
47.
A Polícia Municipal agiu no estrito cumprimento das competências que lhe são conferidas por lei, e ainda, segundo o protocolo estabelecido com o OPC em causa, que prevê que o detido seja inquirido a respeito das circunstâncias a que se procedeu à sua detenção, não tendo a arguida reportado qualquer incidente, apondo de forma esclarecida a sua assinatura no expediente que lhe foi apresentado.
48.
A validade da prova produzida e recolhida pela Polícia Municipal, no caso em apreço, mostra-se dependente da resposta afirmativa no que toca à sua competência para submeter os condutores a teste quantitativo de pesquisa de álcool.
49.
O Tribunal a quo, ao entender que se encontram excluídas das competências da Polícia Municipal a ordem dada para submeter a um teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, fá-lo em clara violação com o que se encontra estatuído no Parecer vinculativo referido em 39.; no artigo 3.°, n.° 2, alínea e) da Lei da Polícia Municipal; nos artigos 152.°, 153.° e 158.° do Código da Estrada, no Regulamento de fiscalização da condução sob a influência e substâncias psicotrópicas (Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio) e, por último, no artigo 237.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa que dispõe a respeito das funções de cooperação da Polícia Municipal na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
50.
Concluiu o Tribunal a quo, ao arrepio das normas legais constantes no ponto antecedente, que a Polícia Municipal, depois de sujeitar o condutor a teste qualitativo de álcool no sangue, e sempre que o mesmo acuse uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2g/l, não pode assumir outra conduta que não a de obrigatória e necessariamente, transportar o condutor até às instalações da PSP e/ou da GNR mais próximas (e não ao seu Departamento de Polícia), altura em que será realizado o teste quantitativo pelo agente da PSP ou pelo militar da GNR.
51.
Daqui se extrai que para o Tribunal a quo a detenção deverá operar-se logo após a obtenção do resultado do teste qualitativo, porquanto, neste momento se está perante a existência de indícios da prática de crime público, devendo por essa razão, e num momento imediatamente subsequente, entregar o detido ao órgão de polícia criminal que tomará conta da ocorrência e elaborará o expediente necessário.
52.
Logo, no entendimento do Tribunal a quo, não só o crime em causa se consuma no momento da realização de teste qualitativo, como, por essa razão, se exclui das competências da Polícia Municipal a realização do teste quantitativo que lhe segue, razão pela qual considerou que o teste quantitativo realizado nos autos constituiu método proibido de prova, nos termos do disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal, não valorando esse elemento probatório.
53.
Diversamente se entende, salvo melhor opinião, atento o disposto no artigo 153.º do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no sangue é realizado por autoridade ou por agente de autoridade, mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, não distinguindo a lei, a concreta natureza, quer da autoridade policial em causa, quer dos tipos de exames a que devem ser submetidos os condutores.
54.
Em todas as normas legais mencionadas não se faz distinção sobre a natureza dos testes de pesquisas de álcool no sangue, nem sobre as entidades que podem determinar e realizar esses testes, nem que os mesmos tenham de ser feitos, única e exclusivamente, por um órgão de polícia criminal.
55.
A Polícia Municipal, enquanto polícia administrativa, coadjuvante em diversas funções acometidas, por regra, aos órgãos de polícia criminal, é considerada um agente da autoridade ou um agente fiscalizador, como definido no artigo 2.º do Regulamento de Fiscalização de Condução sob a influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, designadamente nas funções que respeitam à fiscalização da circulação rodoviária, na qual se inclui a fiscalização de condutores que possam encontrar-se sob influência do álcool.
56.
Nesta vertente, esta força policial, poderá e deverá utilizar todas as formas legais de realização de pesquisa de álcool no sangue, nas quais se incluem o teste quantitativo e até, diremos, a colheita de sangue.
57.
Também define o artigo 152.º do Código da Estrada que o transporte do condutor, que após submetido ao teste qualitativo apresente um resultado positivo, tem de ser efectuado pela entidade que procede a essa fiscalização, o que se compreende, para se acautelar a verificação do nexo de causalidade entre a condução e a subsequente realização do teste quantitativo.
58.
Daqui resulta que, da conjugação dessas normas legais atrás citadas, outra conclusão não pode ser extraída que não seja a de que a Polícia Municipal possui competência para realizar testes quantitativos de pesquisa de álcool no sangue e, no caso de verificar taxa criminosa, proceder à detenção do condutor e elaborar o competente auto de notícia, tendo sido este, precisamente, o caso que nos ocupa os presentes autos.
No atinente à taxa de álcool no sangue identificada no teste qualitativo de álcool serve, apenas e tão-só, de despiste para a necessidade de ser realizado o subsequente teste quantitativo e não tem a virtualidade de constituir elemento de prova bastante para se dar por verificada a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
59.
Essa taxa obtida através da realização de teste qualitativo pode dar a conhecer da existência de indícios ou suspeitas da prática de um crime, mas dela não se pode concluir que o crime efectivamente se consumou.
60.
Só o resultado obtido através de exame quantitativo de pesquisa de álcool  no sangue, enquanto exame pericial, apresentando uma taxa criminosa, tem a virtualidade de consolidar a consumação, em flagrante delito, do crime de condução sob o efeito de álcool.
61.
O artigo 255.º do Código de Processo Penal que dispõe sobre o flagrante delito define tal conceito como ºtodo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometerº, e tal dispositivo não é consentâneo quando se está perante a ocorrência de meros indícios ou suspeitas da prática de um crime, que é o que sucede quando se realiza um teste qualitativo de pesquisa de álcool.
62.
Logo, para que se verifique o flagrante delito, é necessário, como condição prévia, a verificação da ocorrência de um crime que se acabou de cometer, e essa verificação só é possível com a consolidação da taxa de álcool no sangue obtida através da realização do teste quantitativo.
64.
No caso dos autos, a detenção, por parte da Polícia Municipal, só se efectivou, e bem, no momento da consolidação da prova, que ocorre, unicamente, com a realização do teste quantitativo, que determina a verificação da consumação do crime, repete-se.
65.
Ocorrendo a prática do crime, tendo a arguida sido submetida à realização de teste qualitativo de pesquisa de álcool, acusando taxa positiva criminosa, a ordem emanada pelos agentes de Polícia Municipal dirigida à arguida para os acompanhar ao Departamento Policial, a fim de realizar teste quantitativo, é legítima, como legítima seria, a sua detenção caso a mesma se recusasse a fazê‑lo, por fazê-la incorrer na prática do crime de desobediência, que acabara de cometer.
66.
O teste quantitativo realizado pela arguida é, por todas estas razões, válido enquanto elemento probatório bastante para aferir da consumação do crime em apreço, porquanto obtido por quem tinha competência e legitimidade para o levar a efeito.
67.
Nenhuma razão existe, quer por razões de ordem relativas às competências atribuídas à Polícia Municipal, quer por razões adstritas ao concreto momento em que se verifica a consumação do crime, para se considerar nula a prova obtida através do teste quantitativo realizado nos autos.
68.
Daqui decorre que, tendo por base os fundamentos já exarados a respeito da apreciação da matéria de facto, concretamente relacionados com a autoria material do crime, e a validação do elemento probatório que consolidou a ocorrência do ilícito criminal, o facto vertido no ponto 1.º da acusação referente à realização do teste quantitativo e à identificação da concreta taxa de álcool no sangue detectada na arguida que conduzia o veículo identificado nos autos, no dia, hora e local aí referidos devia ter integrado o acervo fáctico dado como provado, por se verificarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do ilícito.
69.
Concluindo-se pela validade da prova pericial, e tendo por assente que a arguida era a condutora do veículo automóvel identificado nos autos, nas circunstâncias descritas na acusação e que se entende resultarem provadas da prova produzida, como supra se expôs, sempre se afirmará que os factos constantes das alíneas a) a c) enunciados no acervo fáctico dado como não provado, devem também integrar a factualidade provada, mostrando-se, em consequência, preenchido o elemento subjectivo do ilícito, porquanto a arguida tinha conhecimento de que havia ingerido bebidas alcoólicas, o que poderia importar uma taxa de álcool, com o que se conformou.
70.
Consequentemente, dando-se como provados apenas e tão-só os factos constantes da acusação e os relativos aos antecedentes criminais da arguida e às suas condições pessoais, tal importava a condenação da mesma, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º e 69.º, ambos do Código Penal.
71.
Preenchidos que se mostram os pressupostos do crime imputado, em face da factualidade que se entende resultar como provada, deve a arguida ser condenada numa pena que, atentas as suas condições pessoais, os antecedentes criminais e as circunstâncias factuais descritas, deverá ser de multa, a fixar entre 70 e 90 dias, a uma taxa diária entre €6 e €7, e numa pena acessória por período não inferior a 5 meses, que se aferem em conformidade com as exigências de prevenção geral e especial e em consonância com os critérios estabelecidos nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
72.
Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser declarada nula, por falta de fundamentação e exame crítico da prova, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, não resultando do seu teor qualquer descrição do raciocínio lógico que determinou a enunciação da factualidade dada como provada nos pontos 2. a 12., nem se procedendo aí a qualquer análise dos elementos probatórios recolhidos, quer singularmente, quer por correlação e contraposição entre eles, limitando-se a uma simples enumeração da prova com súmula de cada depoimento.
73.
No mais, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que: considere provados todos os factos constantes da acusação e os referentes às condições pessoais da arguida e aos seus antecedentes criminais, expurgando-a de todos os outros por acessórios e dispensáveis ao objecto do processo;
declare válida a prova obtida pela Polícia Municipal, por não se mostrar ferida de qualquer nulidade e, em face de tal, condene a arguida numa pena de multa e numa pena acessória, pelo ilícito em cuja prática incorreu.
74.
Ao decidir como o fez, a sentença que ora se põe em crise violou o disposto nos artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 126.º, 127.º, 163.º e 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, incorrendo no vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma legal.
Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, declarando-se nula a sentença nos termos expostos, revogando-se a mesma e substituindo-se por outra que vá de encontro à posição vertida na presente motivação, só assim se fazendo a esperada e costumada
JUSTIÇA!
Respondeu a arguida pugnando pela improcedência do recurso nos termos constantes de fs. 124 e ss que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, conforme fs. 139.
Colhidos os Vistos vêm os autos à conferência para decisão.
***
Da decisão recorrida verificamos que, quanto a factos provados, é consignado o seguinte:
Da produção de prova e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 16 de Agosto de 2020, pelas 06h15, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …………, foi imobilizado na Rua ………………, em Cascais;
2. Em momento subsequente dois agentes da POLMUN (Polícia Municipal de Cascais), cujo Departamento Municipal se situa na referida artéria, acorreram ao local e interceptaram a arguida, que se encontrava a falar ao telemóvel na viatura.
3. Determinaram-lhe que desligasse o telefonema e que lhes entregasse os documentos pessoais e os da viatura.
4. A arguida revelou-se muito nervosa e apavorada com a situação e mostrava-se marcadamente alterada do ponto de vista emocional.
5. O Agente da POLMUN CC autorizou-a a que procedesse à realização de um telefonema para a sua mãe.
6. Como a arguida, ao estabelecer a comunicação, descrevesse à mãe que se encontrava a ser agarrada por um braço e que os Agentes da POLMUN estavam a gritar consigo de forma agressiva, pedindo ajuda, o referido agente determinou que desligasse o telemóvel esgrimindo e “que a tinha autorizado a telefonar para a mãe para se acalmar e não com aquele intuito”.
7. Não permitiram que a arguida tornasse a atender os repetidos telefonemas que a mãe lhe fazia.
8. Vista a falta de colaboração da arguida, o Agente da POLMUN CC expressou que se mantivesse aquela atitude, iria algemar a arguida.
9. Após, a mesma acabou por fornecer os documentos referenciados em 3., e determinaram à arguida que realizasse o teste qualitativo do ar expirado com vista a apurar a existência de álcool no sangue.
10. A arguida no mesmo teste (qualitativo de despiste de álcool) apresentou uma taxa de álcool de 1,6 g/l de sangue.
11. Determinaram-lhe então que os acompanhasse ao Departamento Municipal de Polícia e fiscalização com vista à realização do teste (quantitativo) de determinação de álcool no sangue.
12. Consta junto aos autos, Auto denominado “de notícia por detenção”, exarado no Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos e de onde consta, para o que releva: No local e hora acima mencionados (06h46) a pessoa ora detida conduzia a viatura em referência (...).
A pessoa detida tinha consciência de que a condução de veículo (...) com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l constitui crime de condução de veículo em estado de embriaguez (...)
A pessoa detida foi notificada do direito de requerer a contraprova nos termos do art. 153.º do C.E., tendo a mesma prescindido desse direito.
Atendendo à hora da detenção, vai o detido (...).
13. Consta também, e igualmente da lavra do Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização, “auto de entrega de cidadão detido” no qual surge evidenciado o seguinte: hora de contacto para o OPC: 07h40 e hora de recebimento do detido pelo OPC 08h05.
14. Nada consta averbado no certificado de registo criminal da arguida.
15. É estudante, em Londres, vive com a mãe e o padrasto (quando está em Portugal) e não aufere qualquer rendimento mensal.
Quanto a factos não provados consta da decisão:.
Factos Não Provados
a) No circunstancialismo descrito em 1., a arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ………., na Rua …………….., em Cascais, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,75 g/l, correspondente à taxa de 1,90 g/l registada, deduzido o valor de erro máximo admissível.
b) Agiu a arguida de forma livre, deliberada econscientemente, com o intuito de conduzir o referido veículo automóvel, não obstante saber que se encontrava sob a influência do álcool, em limites superiores aos legalmente admitidos.
c) Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
***
É pacífica a jurisprudência no sentido de que «o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação» (Acórdão do S.T.J. de 13-03-1991, Proc. 41.694/3ª, citado em anotação ao artº 412º no Código de Processo Penal Anotado de Maia Gonçalves).
São as conclusões formuladas na motivação do recurso que em definitivo e em exclusivo definem e delimitam o respectivo objecto, sendo que, conforme vem sendo também entendimento do STJ, não retomando o recorrente nas conclusões as questões que suscitou na motivação o tribunal superior só conhecerá das questões resumidas nas conclusões uma vez que, nos termos do disposto no artº 684º nº 3 do C.P.C. (ex vi artº 4º do CPP), nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
Analisadas as conclusões exraídas pelo recorrente da motivação vemos que impugna a decisão de facto:
1. pretendendo que a sentença
- é nula por falta de fundamentação e exame crítico da prova nos termos do disposto nos artºs 374.º, n.º 2 379.º, n.º 1 do CPP
- que padece do vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal,
2. defendendo que se perfila a nulidade prevista no artº 120º nº 2 d) do CPP por omissão de diligências que se reputam de essenciais para a descoberta da verdade que, ao abrigo do disposto no artº 340º nº 1 do CPP, poderia e deveria ter feito para ultrapassar a dúvida invocada,
3. pretendendo que factos 2. a 13. da matéria de facto como provada, não são relevantes para a verificação da prática do crime e nem para a determinação da sanção, devendo dela ser excluídos.
4.contestando a decisão de facto, pugnando
- pela reversão da matéria de facto não provada em que assentava a imputação e bem assim
- o entendimento assumido quanto à actuação da Polícia Municipal, circunstâncias da abordagem da arguida e da realização do teste quantitativo e sua validade e de toda a prova, opndo-lhe o seu diferente entendimento sobre o momento de consumação do crime e a sua repercussão para efeitos de flagrante delito e sobre ompetências da Polícia Municipal) por tudo pugnando por que a sentença seja declarada nula, ou, pela reversão da decidão por forma a levar à condenação da arguida em pena de multa “ fixar entre 70 e 90 dias, a uma taxa diária entre €6 e €7, e numa pena acessória por período não inferior a 5 meses," a aferir em conformidade com as exigências de prevenção geral e especial e em consonância com os critérios estabelecidos nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
Estas as questões objecto do recurso a cuja ponderação passaremos.
Começando pelo que concerne às nulidades invocadas temos que, desde logo, é manifesta a improcedência da invocação de nulidade prevista no artº 120º nº 1 d) do CPP a que o recorrente entende poder imputar-se uma pretensa omissão de diligências necessárias para a descoberta da verdade .
Refere-se esse preceito a insuficiência de inquérito ou instrução por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios (o que manifestamente não é o cado dos autos) e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Desde logo há que referir que a nulidade aí prevista tem como objecto directo e principal a insuficiência de inquérito ou instrução, sendo que no primeiro caso caberia ao Mº Pº (que como detentor da acção penal tem a condução do inquérito), promover e realizar as diligências necessárias à obtenção da prova dos factos ilícitos que estiverem em causa (da mesma forma que, cabendo, em audiência, ao Mº Pº o ónus da prova dos factos imputados, poderia ter requerido o tido por conveniente para o efeito, designadamente os depoimentos das duas outras testemunhas presenciais, a que se refere - o que não ocorreu).
A invocação da verificação desta nulidade é manifestamente improcedente.
Assim,
- se fosse reportada ao inquérito/instrução, a sua invocação seria inquestionavelmente extemporânea,
- sendo reportada à sentença a sua invocação não pode ter acolhimento, certo que é que, defendendo que, nos termos do disposto no artº 340º nº 1 do CPP, o Tribunal deveria, oficiosamente, ter efectuado diligências para a descoberta da verdade por forma a ultrapassar a dúvida invocada, o que o recorrente pretende, no fundo, é que, perante o entendimento (de que discorda1)
de que a prova produzida não foi conclusiva e não permitiu ultrapassar dúvida e dar como provados os factos imputados à arguida, o Tribunal2 deveria ter ido procurar outra via probatória por forma a decidir da procedência da acusação - o que de modo algum se contém na averiguação oficiosa que o tribunal deve assumir nos termos do disposto no artº 340º (e 323º nº 1 a) do CPP, subvertendo mesmo de alguma forma princípios estruturais do processo penal como o princípio do acusatório.
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1 e que é o que afinal também por esta via contesta
2 que aliás promoveu não poucas diligências em prol da descoberta da verdade, como se vê das actas das sessões de julgamento
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De qualquer forma, tendo o princípio da investigação oficiosa, intimamente ligado ao princípio da descoberta da verdade material, com expressão nos citados artºs 323° al. a) e 340° n° 1 do C.P. Penal, limites estabelecidos na lei e estando condicionado pelo princípio da necessidade (só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a decidir devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase de julgamento) o juízo de necessidade de diligências de prova não vinculada, dada a imediação e a vivência do julgamento, sede do contraditório, constitui pura questão de facto não  sindicável directamente pelo Tribunal de recurso que só poderá conhecer dos eventuais reflexos ou consequências que as decisões assumidas em sua concretização possam ter na sentença, na medida em que, ou do seu texto - e apenas - se verifique algum dos vícios do artº 410º do CPP, ou da decisão assumida quanto aos factos resulte, em vista da prova, que a mesma teve na base um juízo arbitrário (o que então será de considerar no âmbito de recurso à matéria de facto que haja sido interposto).
Em tal contexto e sob este enfoque havendo que considerar a argumentação em causa, o que se impõe é aferir da verificação de algum dos vícios referidos ou de arbitrariedade ou erro na apreciação da prova.
Ora analisando os termos da decisão (conforme resulta “expressis verbis” do artº 410º nº 2 do CPP, os vícios nele previstos3, cujo conhecimento é oficioso, têm que resultar da própria decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos que lhe sejam externos - com excepção de documentos com força probatória plena - consubstanciando erros de julgamento que se podem inferir do texto decisório a nível da sua coerência interna e concludência, que podem estar comprometidas por motivos diversos correspondentes a cada um daqueles vícios) é patente a inverificação de qualquer dos vícios em questão:
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3 a saber,
a insuficiência da matéria de facto para a decisão – que se verifica quando, da factualidade vertida na decisão em recurso se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida ou quando o Tribunal recorrido, podendo e devendo fazê-lo, deixou e investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a dada por assente não permite, por insuficiente, a aplicação do direito ao caso,
a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão - que existe quando, e sempre dentro dos termos da decisão, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta, (no segundo caso) ou quando, segundo esse mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente dada a colisão entre os próprios fundamentos invocados,
e
o erro notório na apreciação da prova que, tal como acontece com os demais previstos no preceito tendo de decorrer do texto da decisão recorrida, existe “quando se tira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum...”; assim também “quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as “legis artis”, como quando o Tribunal se afasta infundadamente dos juízos dos peritos“.
Este erro tem de aferir-se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (sem recurso, por exemplo, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou instrução), tendo ainda que resultar desse texto de forma tão patente que não escape à observação do homem de formação média (erro notório).
O erro notório na apreciação da prova previsto no artº 410º nº 2 do CPP não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do recorrente.
Se se invoca incorrecta apreciação da prova produzida, considerando-se inaceitável a decisão em vista dessa prova, o erro na apreciação de prova em questão não se enquadrará já na previsão do artº 410º nº 2 c), antes sendo um pretenso erro de julgamento a invocar e resolver em sede própria, ou seja, em sede de recurso à matéria de facto.
__________________________

- a definição fáctica tal como ficou delineada é suficiente e adequada para a decisão, contendo todos os elementos necessários à formulação e justificação de um juízo decisório, nada faltando que pudesse e devesse ser indagado, permitindo a aplicação do direito ao caso - dela se colhendo, concretamente tudo o que determina a formulação do juízo absolutório assumido, expressão da aplicação do direito aos únicos factos assentes,
- do texto decisório não se colhe qualquer colisão entre os fundamentos ou contradição entre a fundamentação e a decisão, por forma alguma os fundamentos justificando decisão contrária à que foi tomada e
- inexiste erro notório na apreciação da prova - do texto da decisão recorrida por forma alguma se colhe que se tenha tirado de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, que se tenha dado como provado algo que notoriamente está errado, ou que se tenha se retirado de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, nem se colocando a questão de violação das regras sobre o valor de prova vinculada, de regras da experiência ou das “legis artis”, com o que fica assente que nenhum reparo merece a decisão do ponto de vista da sua coerência interna e concludência.
Vem o recorrente arguir também a nulidade da sentença nos termos do disposto nos artºs 374.º, n.º 2 379.º, n.º 1 do CPP, por falta de fundamentação e exame crítico da prova.
Vejamos:
Especificando o artº 374º os requisitos da sentença, no seu nº 2 estabelece-se que ao relatório se deve seguir a fundamentação “que consta da enumeração dos factos provados e não provados bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.”
De tal preceito decorre desde logo que a fundamentação de facto não poderá bastar-se com a mera enunciação dos factos e dos meios de prova, devendo o Tribunal, mediante a análise dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, discriminar os factores que levaram a que se acolhesse essa prova atendida - e bem assim se considerasse provada determinada factualidade - por forma a deixar perceber como é que se formou a convicção do tribunal nesse sentido, permitindo aferir da conformidade da valoração da prova às regras da lógica e da experiência comum, e, consequentemente, da razoabilidade, à luz dessas mesmas regras, da decisão assumida.
Daí que na revisão do CPP de 1998 se tenha introduzido a exigência de tal exame crítico das provas (ou mais precisamente, segundo, como dissemos, deve ser entendida, do exame crítico dos meios de prova acolhidos em que se sustenta a decisão), exigência que deve ser entendida no sentido e com o alcance de impor ao tribunal que indique os elementos que, em razão das regras da experiência ou critérios lógicos, constituem o substrato lógico-racional que conduziu a que a convicção probatória se determinasse num dado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios probatórios.
Assim, deverá colher-se da fundamentação, relativamente aos meios de prova que forem considerados, os motivos porque o Tribunal os acolheu ou não como convincentes por forma a explicitar e deixar inferir o processo de formação
prova testemunhal, as razões que levaram o Tribunal a aceitar como credíveis certos depoimentos (como sejam a razão de ciência - cuja indicação por vezes está desde logo implícita às referências que frequentemente são feitas no âmbito da enunciação das provas sobre a qualidade de quem presta o depoimento ou a menções ao seu conteúdo - segurança ou isenção).
Tudo tendo em vista o objectivo que com aquela exigência se visa prosseguir: deixar perceber como é que se formou a convicção do tribunal num certo sentido, permitindo aferir da conformidade da valoração da prova às regras da lógica e da experiência comum, e, consequentemente, da razoabilidade, à luz dessas mesmas regras, da decisão assumida e da sua não arbitrariedade, por forma a, permitindo sindicá-la, garantir que a ponderação das provas que levou a atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção do Tribunal não foi arbitrária ou leviana.
Não se trata de uma justificação do julgador pelo acolhimento desta e não daquela prova4: conforme dispõe o artº 127º do CPP a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção Tribunal (e o Tribunal de julgamento aprecia a prova em condições priveligiadas, com tudo quanto a imediação faculta) não podendo o princípio da livre apreciação da prova (exactamente porque produzida, em razão da imediação, em condições especialmente favoráveis à sua correcta leitura e avaliação), ser por qualquer forma posto em causa.
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4 que não tem que fazer qualquer apreciação comparativa das diversas leituras que a prova pode ter - e muito menos tem que se pronunciar sobre as leituras que dela tenham feito e invocado os demais sujeitos processuais, e bem assim sobre fragilidades, contradições ou incoerências que estes lhe tenham apontado - por forma a demonstrar que a sua é a mais correcta, mas tão só que explicitar a sua leitura e valoração da prova, dando as indicações que permitam inferir o processo de formação da sua convicção por forma a que a sua razoabilidade possa ser sindicada
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O que a decisão deve conter é sim uma enunciação dos elementos que a alicerçam com um mínimo de informação sobre os mesmos5 que permita aquilatar sua razoabilidade, à luz da lógica e das regras da experiência comum, do processo/raciocínio que levou à formação da convicção6, só essa razoabilidade e não esta convicção e o seu sentido podendo ser fiscalizada e posta em causa (demonstrada que seja a sua razoabilidade e baseando-se em provas não proibidas por lei, a convicção do tribunal é inatacável, prevalecendo sobre qualquer outra, designadamente a que, sobre a prova, tenham adquirido os demais intervenientes processuais).
___________________________
5 como refere Maia Gonçalves em anotação ao art.º 374º n.º 2 do C. P. Penal - C. P. Penal anotado 1998, 9ª Edição, “os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem factos provados nem meios de prova mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.
6 e tal não implica também que se exija que o Tribunal exponha, pormenorizada e completamente, a totalidade do raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção ao dar como provado um certo facto, ou seja, que se exija a explicitação/descrição do processo racional ou lógico que conduziu à convicção subjacente à descrição fáctica que efectivou: o que sim é exigível, é que, juntamente com a indicação dos meios de prova que estão na base da decisão, se forneçam elementos que permitam, em razão das regras da experiência comum ou em obediência a um critério de logicidade, inferir o fundamento racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados em audiência.
______________________________

Por outras palavras, a sentença deve conter indicação dos elementos em que o Tribunal se baseou para decidir quanto a matéria de facto, explicitados o suficiente para demonstrar a razoabilidade do raciocínio que levou à decisão sobre a sua atendibilidade e bem assim a razoabilidade da formação da convicção no sentido nela expresso quanto acolhimento de factos, não tendo no entanto que conter explicações ou justificar o sentido dessa convicção para além do necessário à garantia (na medida em que viabilize a respectiva sindicância) da sua não arbitrariedade e conformidade às regras da lógica e experiência comum.
Em tais termos deve ser interpretada, a exigência do artº 374º nº 2 do CPP a qual não implica, como se colhe do já exposto, que na motivação tenha de constar a valoração de toda e qualquer prova produzida em termos de, para os efeitos apontados, ter de fazer explanação facto a facto ou apreciação de cada meio de prova perante cada facto, explicitando pela positiva e pela negativa a opção feita.
De igual forma essa exigência não obriga a descrição de cada um dos elementos de prova (como fosse, por exemplo no caso de prova testemunhal, a transcrição ou inserção de qualquer extracto dos depoimentos prestados em audiência ou do seu resumo – se bem que por vezes se faça a exposição dos factos de que deriva a razão de ciência mediante referência ao relato que a testemunha fez do que presenciou).
O que deve constar é o estritamente necessário (veja-se que a lei fala em exposição concisa dos motivos de facto - e de direito - que fundamentam a decisão) à compreensão do substracto racional subjacente à decisão por forma a deixar patente a sua razoabilidade do ponto de vista da lógica e da experiência comum.
Ora analisando a motivação exarada na decisão recorrida à luz dos princípios supra expostos, a mesma não nos merece, do ponto de vista da fundamentação, qualquer reparo, sendo patente que, ao contrário do defendido pelo recorrente, contém fundamentação adequada e bastante relativamente a toda a definição fáctica.
É a seguinte a motivação da decisão de facto:
«Para decidir da factualidade tal como acima consta fixada, baseou-se o Tribunal na prova testemunhal produzida, de acordo com o prescrito nos art. 128.° a 130.° e 348.° do CPP e ainda na prova documental junta aos autos, ao abrigo do art. 340.º e por referência aos art. 164.º e 165.º do CPP, tudo, como se verá adiante, através da análise crítica e conjugada dos meios de prova ao alcance do Tribunal, com vista à descoberta da verdade material e em abono da livre apreciação daquela, mediante parâmetros objectiváveis e motiváveis (art. 127.º do CPP) e fazendo jus aos princípios constitucionais e às regras processuais que norteiam a produção e valoração de prova em direito processual penal.
Observemos em pormenor.
A arguida, querendo, prestou declarações em Tribunal:
Referiu que tinha estado em casa de uns amigos, na Quinta da Marinha, e que ali havia ingerido bebidas alcoólicas;
Nesta contingência pediu a um amigo que a levasse a casa, no seu próprio carro, e que mais tarde, durante o dia, logo combinariam a entrega do mesmo (que era pertença de sua mãe);
Adormeceu na viatura e acordou com um estrondo, pensando de imediato que tinham tido um acidente de viação.
Após, apercebeu-se que tinha sido um pneu que se tinha furado.
Acto contínuo, o amigo que a conduzia, abandonou a viatura (justificando-o com o facto de ser de uma “família importante” de cascais (?) e não querer problemas com a Polícia (?);
Então a própria chamou um Uber e ligou para uma amiga a contar o sucedido;
Referenciou que nem percebeu como é que se encontrava no Alto da Pampilheira, já que o trajecto (directo) da ………… (onde reside) não passa (efectivamente) pela artéria do ocorrido;
Neste momento apareceram os Agentes da POLMUN que começaram a gritar consigo e a solicitar justificações para o facto, ao que a mesma evidenciou que não era ela que ia a conduzir, que não precisava de ajuda, já tinha chamado um Uber e solucionado a situação vertente.
Os mesmos determinaram-lhe que entregasse os seus documentos e os da viatura, o que ela negou com os mesmos fundamentos e pediu para falar com a
A insistências, lá lho permitiram, sendo que no imediato (quando se encontrava a explicar à mãe a situação em que se encontrava) lhe retiraram o telemóvel e já não mais permitiram que atendesse telefonemas.
Lá acabou por entregar os documentos, realizar um teste de álcool na rua e, quando a mãe chegou ao Departamento de Polícia, cerca de 45 min. mais tarde, e aconselhada por esta, realizou o segundo teste de álcool e acabou por prescindir da realização da contra-prova (que logo após a realização do teste quantitativo tinha indicado pretender).
A insistências do Tribunal lá acabou por identificar a pessoa que supostamente viria a conduzir a viatura, adiantando, no entanto, que pedia para a mesma não ser chamada a depor em Tribunal !).
Contou igualmente ao Tribunal as suas condições socio-económicas.
*O depoimento da arguida, considerando a sua posição interessada no desfecho dos autos, foi analisada cum grano salis e por referência à ancoragem objectiva aos factos que se lograram demonstrar através de outros elementos probatórios, designadamente ou por consensuais com as declarações das testemunhas relativamente aos mesmos factos, ou por recurso à visualização das imagens existentes da câmara fixa na parede das instalações da POLMUN que dá para a Rua Andrade Júnior, cuja junção aos autos foi ordenada nos termos do art. 340.º do CPP, do que puderam fixar-se:
- O desconhecimento efectivo de ser (ou não) a arguida a conduzir a viatura no circunstancialismo de tempo e lugar fixados na acusação;

- A inexistência de imagens referentes ao período (cerca de 1m20seg) que mediaram o desligar das luzes da viatura e o aparecimento dos agentes da polícia municipal;
- A inexistência de imagens relativas aos cerca de 15 min subsequentes em que terá ocorrido a fiscalização da POLMUN (documentos e realização do teste de despiste (qualitativo) de álcool), bem como o “encaminhamento” da arguida para as instalações da POLMUN.
*Prestaram também depoimento os agentes da Polícia Municipal que tomaram conta da ocorrência, como autuantes relativamente à mesma, ou através do seu testemunho de como decorreu a fiscalização, CC e BB, que declararam a propósito, a primeira testemunha identificada:
- Viu uma pessoa (única) dentro da viatura, a imobilizar a mesma, foi seguido o acontecido através das várias janelas do Departamento de Polícia que dá para a referida artéria;
- Saiu prontamente do mesmo Departamento dirigindo-se à rua, o que não demorou mais de 20 seg.;
- Interceptou a arguida que se encontrava a falar ao telemóvel e afirmando que já estava tudo solucionado, que tinha chamado um Uber e que não precisava de ajuda;
- Estava muito nervosa e alterada, sendo que lhe determinou que desligasse a chamada que se encontrava a realizar e que obedecesse à indicação de fornecimento dos documentos pessoais e da viatura, que a mesma negou;
- Conferenciando com o colega que saiu consigo, e visto o estado alterado emocionalmente da suspeita, lá acabou por lhe permitir que realizasse um telefonema para a mãe. Todavia, uma vez que não lho tinha permitido para que se “queixasse”, seguidamente prontificou-se a que a chamada terminasse e que aquela não lograsse tornar a contactar ninguém.
- Questionado sobre a circunstância de ter agarrado o braço da arguida, não só não o negou veementemente como acrescentou que, quando lhe determinaram que a mesma tinha de os acompanhar ao Departamento de POLMUN e aquela hesitasse, fez um gesto com o braço por detrás da arguida para a “incentivar” a cumprir prontamente a ordem.
- Referenciou que o próprio pretendia “ficar com a ocorrência” mas como a arguida não mais anuía a responder-lhe ou estabelecer qualquer colaboração consigo, acabou por ser o outro agente, BB, a tomar conta da situação.
- Mais disse que não obstante a hora em causa era dia e já se via perfeitamente, que a via tem um traço contínuo que a arguida transpôs em contramão aquando da ocorrência (tendo conduzido por cima de um passeio pedonal).
BB, por sua vez, indicou igualmente que interceptaram a arguida a sair da viatura, a mesma encontrava-se muito nervosa e ansiosa com a situação, de início pouco colaborante mas que, ulteriormente acabou por lhes entregar os documentos pessoais e os da viatura;
- Realizou de teste de despiste de álcool no sangue, através do “alcoolímetro qualitativo”, que foram buscar ao Departamento Municipal.
- Tendo o arguido acusado taxa “positiva”, prontamente lhe determinaram que os acompanhasse às instalações do Departamento Municipal, onde posteriormente realizaria o teste de pesquisa de álcool no sangue mediante recurso a alcoolímetro quantitativo.
- Acusou a taxa de álcool de 1,75 g/l de sangue, deduzida a margem de erro aplicável.
- Procederam ao preenchimento do expediente respectivo e, seguidamente, entregaram a detida à PSP.
Atento o depoimento, essencialmente do Ag. CC, importa que se façam algumas observações, por referência às imagens de videovigilância da câmara existente na via pública (cujos períodos remetidos ao Tribunal foi possível analisar e por referência ao despacho a respeito exarado):
- Ao contrário do referido não nos pareceu ser “de dia”, até porque os agentes surgem nas imagens munidos de lanternas e utilizando-as (sendo evidente), para rastrear o que pretendiam observar;
- Não é, de todo em todo, possível visualizar o que quer que seja para dentro da viatura em causa nos autos, nem quantas pessoas lá iam  aquando da condução, cuja marcha se visualiza, nem o que sucedeu após imobilização e desligar das luzes respectivas (já que o minuto e 20 seg. subsequente não consta das imagens remetidas);
- A sinalização na via é um traço descontínuo (e não contínuo) e a viatura não se imobiliza em cima do passeio, do que é dado a compreender da visualização.
- Os agentes aproximam-se cerca de 1m20 seg após a imobilização e o desligar das luzes da viatura e não 20 seg. após e quando as luzes desta ainda permaneciam ligadas, consoante afirmou CC;
- Foram capazes de observar, a cerca de 1,5 m de distância e com máscara, que a arguida detinha um odor marcado a álcool (o que não nos parece compatível com as regras da experiência comum, como cidadão  medianamente informado).
- Inexiste gravação de imagens dos cerca de 20 min subsequentes, tendo o respectivo departamento camarário (a quem foram requisitadas as imagens) dado conta de que tal se deverá (eventualmente) à inexistência de  qualquer movimento na rua durante esse período de tempo, que é precisamente o do decorrer da dita fiscalização e realização do teste de despistagem na rua, sendo certo que, de acordo com as declarações dos  agentes, a arguida, com a confusão gerada teria acordado os moradores dos  prédios envolventes que se puseram a observar o ocorrido (o que nos  parece, salvo devido respeito por entendimento diverso, pouco compatível com tal inexistência de movimento e, por isso, de filmagens, tendo em conta que terá ocorrido em torno da viatura cuja mais de metade traseira é perfeitamente visível pelas ditas filmagens daquela câmara).
*No mais, prestou ainda depoimento a mãe da arguida, DD, a qual deu nota de ter sido contactada pela filha dizendo que estava a ser agarrada pela polícia e que, depois, a chamada desligou-se, pelo que a própria se vestiu imediatamente e foi às Esquadras da PSP de Cascais em

busca da arguida. Foi na Esquadra de Cascais que a informaram que, atenta a descrição, se deveria deslocar ao Departamento de Polícia da CMC.
Aí chegada observou uma enorme confusão e que o Agente CC lhe teria no imediato comunicado que a filha estaria a conduzir com álcool e que se tivesse provocado alguma lesão num familiar seu “que a matava”.
Lá conseguiu acalmar os ânimos e aconselhou a filha a realizar o teste de álcool que lhe impunham (e a prescindir da contra-prova), não obstante a rapariga viesse sempre dizendo não ter sido ela a conduzir a viatura aquando da situação observada.
*Considerando todos os elementos carreados, o interesse manifesto da arguida e de sua mãe no curso dos autos e ainda a circunstância de que o declarado pelo/s agente/s não é condicente com a realidade directamente observada pelo Tribunal (através do visionamento das imagens) não puderam julgar-se quaisquer depoimentos totalmente credíveis, para efeitos de serem levados em conta, sem mais, pelo Tribunal, sendo necessário compaginá-los com os demais os elementos probatórios de que foi possível lançar mão no sentido de descortinar o “mínimo denominador comum” para fixar o sucedido, tudo por referência as máximas da experiência da forma como se passam as situações em casos análogos (do conhecimento judicial da signatária, atenta a função desempenhada).
*A inexistência de antecedentes criminais está provada atento o teor do certificado de registo criminal da arguida.
 (...) 7
*No que concerne aos factos não provados, resultam do supra explanado, de nada se ter logrado demonstrar inequivocamente a respeito (nem por conjugação de todos os esforços e elementos solicitados) ou de se ter demonstrado realidade contrária ou com os mesmos incompatível.
Uma palavra para acrescentar que os elementos subjectivos, porque do foro intímo do sujeito, relacionados com percepções que se retiram por vinculação às máximas da experiência comum e emergentes da realidade objectiva apurada, dos mesmos nada se concluiu que permitisse demonstração com a certeza exigível (e possível) à prova judiciária.
(destaques e sublinhados nossos).
Perante tal exposição carece de razão o recorrente.
A descrição das provas disponíveis, não sendo exigida por lei, também não está vedada e, sendo frequentemente usada como uma base (elucidativa por exemplo no que concerne a razões de ciência) que, acrescida que seja de apreciação sobre a sua logicidade/consistência e/ou quaisquer considerações donde se retirem os motivos de credibilização8 ou não, constitui fundamentação esclarecedora bastante do juízo subjacente à convicção assumida, permitindo aferir da razoabilidade da decisão face às regras da experiência comum.
Ora, ao contrário do que pretende o recorrente, a motivação de facto não se limita à descrição dos meios de prova, nela sendo, ainda que breves (a mais não obriga a lei) tecidas considerações9, seja sobre as declarações da arguida - seja sobre os depoimentos, designadamente da testemunha agente da PM, CC por referência às imagens de videovigilância da câmara existente na via pública - que constituem exame crítico bastante de tais provas e permitem perceber o raciocínio que levou à convicção e aferir a sua razoabilidade.
__________________________
7 o trecho da fundamentação consignado neste local será transcrita adiante, por respeitar a questão relativa à regularidade da instância, a considerar autónomamente
8 o exame crítico mencionado no preceito
9 segmentos por nós destacados e sublinhados
_____________________________

Mostra-se assim a decisão de facto adequada e suficientemente fundamentada, inexistindo a nulidade invocada, também no que lhe respeita improcedendo assim o recurso.
Contesta depois o recorrente a decisão de facto pretendendo que os factos 2. a 13. da matéria de facto como provada, não são relevantes para a verificação da prática do crime e nem para a determinação da sanção, devendo dela ser excluídos e pugnando pela reversão da matéria de facto não provada em que assentava a imputação (recurso da matéria de facto),
Quanto a tais vertentes da impugnação temos, antes de mais, de consignar que subscrevemos inteiramente o decidido quanto à questão de saber da legitimidade da actuação da Polícia Municipal e da validade de prova colhida no decurso da operação que veio a culminar com o julgamento do arguida - o que justificará o acolhimento dos factos 2 a 13 e tornará inútil a apreciação do recurso à matéria de facto pois que, mesmo que se tivessem apurado os demais factos imputados à arguida, prejudicado o que dependia de prova vinculada não poderia a mesma ser condenada.
É a seguinte a decisão proferida a respeito:
*Tal como adiantado na análise dos pressupostos de regularidade da instância, afigura-se-nos necessária uma consideração relativa à (forma de) actuação da Polícia Municipal de Cascais na fiscalização perpectrada.
A pronúncia em causa pode sumariar-se da seguinte forma:
a) Das medidas de Polícia e da sua conformação constitucional;
b) Dos procedimentos de fiscalização da Polícia Municipal (POLMUN),
c) Da fiscalização da condução sob o efeito de álcool pela POLMUN, em especial;
d) Da detenção em flagrante delito e das obrigações imediatas e inerentes à mesma por banda da polícia administrativa;
e) Das medidas cautelares ou da recolha de meios de prova; e finalmente,
f) Das consequências legais da actuação da POLMUN.
*
a) Das medidas de Polícia e da sua conformação constitucional.
Prescreve a Constituição da República, para o que releva:
Artigo 237.º
(Descentralização administrativa)
1. As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa.
(...)
3. As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade  pública e na protecção das comunidades locais.
(...)
Artigo 266.º
(Princípios fundamentais)
1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no  respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição  e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
Artigo 272.º
(Polícia)
1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4. A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional. [sublinhados nossos]
*Considerando o teor dos preceitos constitucionais citados e acompanhando a doutrina pacífica na matéria, o conceito de polícia, tal qual fixado por Marcello Caetano surge como o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leisprocuram prevenir (Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª Ed., reimpressão, Almedina, Coimbra, 1980, p. 1150).
Paradigmaticamente, tendem a distinguir-se, em sentido funcional (aquele que realmente importa ao caso), entre polícia administrativa e polícia judiciária.
À última cabe essencialmente a investigação dos delitos, a reunião das provas e a entrega dos suspeitos aos tribunais encarregados de os punir e à polícia administrativa incumbe a manutenção habitual da ordem pública em toda a parte e em todos os sectores da administração geral. (Sérvulo Correia (1994) Polícia, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. VI, Lisboa, p. 405)
Por sua vez, e em razão do conjunto de autoridades desta índole, a “polícia administrativa” subdivide-se entre polícia administrativa geral e polícia administrativa especial.
Por norma, a polícia administrativa geral destina-se a garantir a ordem pública, e, por sua vez, a polícia administrativa especial tem por objecto a prevenção num determinado sector da vida social - do sanitário ao ambiental.

A doutrina administrativa portuguesa considera que a polícia administrativa visa predominantemente fins de segurança genérica, pelo que associa o conceito de polícia administrativa geral com a noção de polícia de segurança. Nessa ordem de ideias, a actividade administrativa de polícia geral está “associada entre nós à polícia de segurança” (Paulo Daniel Peres Cavaco (2003) A Polícia no Direito Português, Hoje, Estudos de Direito de Polícia, 1.º Vol., Seminário de Direito Administrativo de 2001/2002, Reg. Jorge Miranda, AAFDL, Lisboa, p. 84)
*No seguimento do pensamento dos autores já citados, que acompanhamos de perto, enquanto a polícia administrativa especial se baseia no exercício de competências especializadas em razão da matéria, em que o estado intervém nos diversos domínios (municipal, fiscal, de estrangeiros e fronteiras, florestal, ambiente, segurança alimentar, etc.) a polícia administrativa geral prossegue, predominantemente, os fins de segurança pública, fins esses de carácter geral, e que, ao visá-los, pretende proteger a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas (assim, Sérvulo Correia (1994) Medidas de Polícia e Legalidade Administrativa, Polícia Portuguesa, Ano LVIII, n.º 87, Maio/Junho, p. 2).
Posto o primeiro enquadramento podemos desde já concluir que a POLMUN consubstancia corpo de polícia administrativa especial, limitada geograficamente à área do município e materialmente à cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, cuja actuação dos respectivos agentes está subordinada à constituição e pela lei, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. (cfr. art. 237.º, n.º 3 e 266.º da CRP)
Assim, operacionalizando-o, o supra citado art. 272.º n.º 2 da CRP, estabelece prontamente que as medidas de polícia estão sujeitas ao princípio da tipicidade e da proibição do excesso, remetendo-nos para o conceito de proporcionalidade estrita ou da justa medida da actuação:
O princípio da proibição do excesso significa que as medidas de polícia devem obedecer aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade. Trata-se de reafirmar, de forma enfática, o princípio constitucional fundamental em matéria de actos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais e que consiste em que eles só devem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa, sacrificando no mínimo os direitos dos cidadãos (Gomes Canotilho e Vital Moreira (1993) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. Coimbra Editora, Vol. II, p. 955).
Consequentemente, inexiste legitimidade, em nosso entendimento, para que a polícia (leia-se, qualquer corpo ou departamento de polícia) restrinja, por sua emanação própria (seja corporizado em eventual regulamento, norma de execução permanente, orientação procedimental, diretriz ou até num mero acto policial), direitos fundamentais, tais como a liberdade de decisão ou de determinação ou quaisquer outros direitos pessoais, sob pena de violação do princípio da legalidade da sua actuação e da tipicidade nas medidas de que pode(m) lançar mão:
A expressa tipicidade legal das medidas de polícia significa que as entidades com poderes de polícia estão proibidas, sem consentimento legal, de conformar e concretizar os direitos liberdades e garantias, especificando limites implícitos a esses direitos, sem consentimento da lei, mesmo executando directamente a Constituição. (Pedro Lomba (2003) Sobre a Teoria das Medidas de Polícia Administrativa, Estudos de Direito de Polícia (coord. Jorge Miranda) AAFDL, Vol. I, p. 198)
No fundo, o legislador constitucional reconheceu, geneticamente, a necessidade de impor limites próprios ao exercício de poderes de polícia, que por natureza e finalidade são aptos à possibilidade de se manifestar sob a forma de coacção directa (física ou persuasiva).
Tais limites, transpostos para o caso que apreciamos, podem sumariar-se, consoante se verá adiante, numa vinculação quanto à competência cometida a cada órgão de polícia (administrativa ou judiciária), aos fins (de cooperação na manutenção da tranquilidade pública ou de garantia da segurança interna), e aos  modos de actuar (consoante as medidas atributivas de cada polícia, administrativa ou judiciária).
*É precisamente atenta a aptidão originária e finalística das medidas de polícia para brigarem com direitos, liberdades e garantias (designadamente, a liberdade nas suas múltiplas vertentes) ou outros direitos constitucionais análogos (como o direito a uma polícia que actue de acordo com padrões de legalidade constitucional na salvaguarda dos direitos dos cidadãos) que se defende:
Uma actividade que se traduz eminentemente na susceptibilidade de recurso à força física deve encontrar desde logo o seu fundamento na Constituição (artigo 272.º, n.º 2, 1.ª parte). Num Estado que erige como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana (artigo 1.º Constituição), que no catálogo de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados contempla os direitos à vida, à integridade física e psíquica (artigo 25.º, n.º 1 e 2 da Constituição), à liberdade e à segurança (artigo 27.º, n.º 1 da Constituição), que impõe a reserva de lei restritiva, o carácter restritivo das restrições (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição) e o respeito pelo conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3) da Constituição), a utilização da violência física sobre os cidadãos deve ser objecto de autorização legal formal expressa, não valendo qualquer presunção de protecção da ordem e segurança públicas. A vinculação à lei visa garantir que a polícia seja um elemento de preservação da liberdade, e não uma fonte de opressão. (Carla Amado Gomes (1999) Contributo Para o Estudo das operações materiais da administração pública e do seu controlo jurisdicional, Coimbra Ed., p. 164 a 166)
Em consonância, o direito a uma polícia que aja num quadro de legalidade estrita consubstancia, pois, um direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias e, por isso, sujeito a tal regime jurídico, prescrito e directamente aplicável, nos termos conjugados do disposto nos art. 266.°, 272.°, 17.° e 18.° da CRP, cuja violação importa a radicalidade da nulidade absoluta de qualquer actuação a desrespeito do prescrito no Tit. II da parte (I) relativa aos Direitos e Deveres Fundamentais na Constituição da República:
A relevância dos direitos fundamentais para a actividade de polícia manifesta-se, desde logo, na aplicabilidade directa e na vinculação de todas as entidades públicas aos direitos liberdades e garantias (artigo 18.° da Constituição), bem como na consagração ampla do direito de resistência contra quaisquer actos de poderes públicos que afrontem ilegitimamente os direitos individuais (artigo 21.° da Constituição). Tal adstrição atinge não só o legislador a quem cabe elaborar as normas de polícia mas também a própria actividade de polícia administrativa (Pedro Lomba (2003) Sobre a Teoria das Medidas de Polícia Administrativa, Estudos de Direito de Polícia (coord. Jorge Miranda) AAFDL, Vol. I, p. 197)
Observemos, neste enquadramento constitucional, a sua concretização legal:
*
b) Procedimentos de fiscalização da Polícia Municipal (POLMUN)
A actuação daquela polícia administrativa é a regulada diante da Lei n.° 19/2004, de 20 de Maio, com as alterações decorrentes da lei n.° 50/2019, de 24 de Julho.
Para o que releva, ali se dispõe:
Artigo 3.° Funções de Polícia
1 - As polícias municipais exercem funções de polícia administrativa dos respectivos
municípios, prioritariamente nos seguintes domínios:
a) Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais;
b) Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município; (...)
2 - As polícias municipais exercem, ainda, funções nos seguintes domínios: (...)  e) Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.
3 - Para os efeitos referidos no n.° 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas.
4 - Quando, por efeito do exercício dos poderes de autoridade previstos nos n.° 1 e 2,  os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal  competente.
5 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é vedado às polícias  municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal.
(sublinhados nossos)
Acrescenta ainda o art. 4.°, sob epígrafe Competências:
1 - As polícias municipais, na prossecução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de: (...)
b) Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam  procedimento criminal;
e)     Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos  termos da lei processual penal;
f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente;
g) Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3.º;
(sublinhados nossos)
Finalmente e no que concerne a Poderes de Autoridade, disciplina o art. 14.º:
1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos que tenham sido regularmente comunicados e emanados do agente de polícia municipal será punido com a pena prevista para o crime de desobediência.
2 - Quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a  elaboração de autos para que são competentes, os agentes de polícia municipal podem  identificar os infractores, bem como solicitar a apresentação de documentos de identificação necessários à acção de fiscalização, nos termos da lei.
*Em suma, a regulação vigente que enquadra a actuação, funções, competências e poderes das Polícias Municipais (POLMUN) distingue de forma cristalina (no art. 3.º do dispositivo normativo acima indicado) entre competências próprias e competências complementares (ou partilhadas) com as forças de segurança nacionais (entre as quais GNR e PSP).
Adiante-se desde já que, por referência ao disposto na Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, com as devidas actualizações legais, a POLMUN não integra as forças nem os serviços de segurança (vide art. 25.º do diploma) não sendo, por isso, passível de considerar-se que as medidas gerais e especiais de polícia (art. 28.º e seg.) integradas nesta Lei de Segurança Interna constituam, no que à POLMUN diz respeito, normas atributivas de competências.
(No mesmo sentido e com análoga conclusão Catarina Sarmento e Castro (2003) A questão das Polícias Municipais, Coimbra Ed., p. 334)
Estabelece, no que concerne à aplicação, execução e fiscalização de normas municipais ou cuja fiscalização de cumprimento está deferida aos municípios um conjunto de poderes, abrangentes e adequados a permitir, num quadro amplo e proporcionado, que a polícia administrativa em causa exerça as funções que lhe estão cometidas por lei (art. 3.°, n.° 1 al. a) e n.° 3).
Trata-se fundamentalmente de matérias de ambiente, urbanismo, tratamento de resíduos, etc.
Neste quadro legal, permite-se que a POLMUN elabore autos, instrua procedimentos administrativos, exija o cumprimento de posturas e decisões municipais e, se necessário, imponha a identificação coerciva dos agentes das infracções (de natureza administrativa), sendo com a inerente cominação de que o incumprimento das suas determinações pode implicar a prática de crime de desobediência (art. 14.°).
A polícia municipal consiste num serviço municipal de polícia e nunca num serviço desconcentrado da Administração Pública Central (...)
Por imperativo constitucional, a promoção da segurança interna incumbe tão-somente às forças e serviços de Segurança, cujo universo não inclui os serviços municipais de polícia; certamente, “as polícias municipais não são forças de segurança.”
De facto, a prossecução das atribuições dos municípios em matéria de polícia administrativa faz-se sem prejuízo do previsto na Lei de Segurança Interna e nos estatutos das forças de segurança. (...)
(Pedro Clemente (2010) Polícia e Segurança – Breves Notas, Lusíada Ver. Política Internacional e Segurança, n.° 4, Lisboa, p. 159-160)
Já no domínio da cooperação com as forças de segurança, na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais desenvolvem as acções taxativamente elencadas no art. 3.°, n.° 2 da Lei n.° 19/2004, numa densificação do previsto no art. 237.°, n.° 3 da CRP.
Em consonância e como medidas de polícia que lhes estão cometidas, podem identificar e revistar suspeitos, adoptar medidas cautelares de polícia e proceder à detenção em flagrante delito por crime a que corresponda a aplicação de pena de prisão, devendo entregar no imediato o cidadão dedito ao OPC (órgão de polícia criminal) competente.
Aliás, o exercício das funções neste âmbito surge clara e expressamente limitado pelo preceito correspondente que dispõe:
Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, isto é, da identificação e da revista (de segurança), é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal.
Mais se acrescentando mesmo que não podem as POLMUN tomar conta de acidentes de viação que envolvam eventual procedimento criminal.
A matéria encontra-se cabalmente analisada no Parecer da PGR, n.° convencional 2971, homologado em 23.06.2008.
De onde citamos apenas que as polícias municipais são, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa no espaço territorial correspondente ao do respectivo município (...)
As polícias municipais não constituem forças de segurança, estando-lhes vedado o exercício de competências próprias de órgãos de polícia criminal, excepto nas situações referidas no artigo 3.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 19/2004 (...)
De acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004, e do artigo 249.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CPP,  os órgãos de polícia municipal devem, perante os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, praticar os actos cautelares  necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, até à chegada do órgão de polícia  criminal competente, competindo-lhes, nomeadamente, proceder à apreensão dos objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime (...)
(sublinhados nossos)
Esclarecendo situação paralela à que aqui se trata, pronunciou-se igualmente o Venerando TRC, em acórdão de 28.05.2008, relatado por Fernando Ventura em doutrina que subscrevemos:
I.- O dever de identificação do responsável da infracção estradal decorrente do art° 151° do Código da Estrada tem como pressuposto a verificação imediata pelo funcionário autuante de quem foi o autor da conduta ilícita.
II. - Iniciado o procedimento contra-ordenacional através da elaboração de  auto e aposição do respectivo duplicado no veículo, esgotou-se esse dever funcional.
III. - Os agentes das polícias municipais não integram as forças ou serviços de segurança.
IV. - Excede os respectivos poderes, constituindo ordem ilegítima, a  conduta de agente de polícia municipal que ordena a cidadão a entrega dos documentos de identificação e documentos de veículo, sem ligação funcional à elaboração de auto ou acção de fiscalização e, subsequentemente, profere voz de detenção quando tal não acontece.
*Daqui retiramos várias ilacções que importa caracterizar em ordem à sua operacionalização para o estudo da questão vertente:
- A POLMUN não é um OPC. Constitui serviço municipal de polícia administrativa.
- Estão-lhe cometidas funções prioritárias atinentes à aplicação das posturas municipais e às regras jurídicas cuja lei defira ao município respectivo executar e fiscalizar.

- Podem ainda em cooperação com as forças de segurança, que não integram, e finalisticamente orientadas à manutenção da tranquilidade pública e protecção das comunidades locais, guardar espaços municipais, promover a segurança nas escolas,
disciplinar o trânsito, fiscalizando o estacionamento de viaturas e o trânsito rodoviário e pedonal.
- No desenvolvimento da sua missão, a lei confere-lhes os poderes que o e legislador considerou suficientes e adequados ao eficiente desempenho da actividade da POLMUN, onde se integra a possibilidade de elaborar aos de notícia por contra-ordenação (por violação das relações administrativas – art. 3.°, n.° 3, ultima parte da Lei n.° 19/2004);
- Ordenar a identificação de suspeitos, executar medidas cautelares de polícia, no local do facto típico, empreender detenções em flagrante delito e entregar no imediato o suspeito ao OPC competente (observe-se lateralmente que no caso concreto, consoante se apurou a cidadã foi interceptada a conduzir supostamente cerca das 6h30 (sendo que se vislumbrou a imobilização da viatura às 06h16s) e só foi contactado o OPC competente às 8h05, com vista a proceder à entrega que ocorreu depois, sendo certo que o local onde a PSP realiza teste quantitativos de despiste de álcool no sangue no município não fica a mais de dois minutos apeados de distância do local do acontecido);
- O incumprimento das suas determinações (desde que legítimas) pode implicar a prática de crime de desobediência:
De acordo com legislador constitucional, “as polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.” Conquanto não concorram para a consecução dos fins inerentes à política de segurança interna, as polícias municipais participam na co-produção da segurança local: “les polices municipales doivent être un complément de la police nationale” [citação de Jean-Jacques Gleizal, La Police en France, Presses Universitaires de France, Paris, 1993, p. 43]
Enfim, a polícia municipal cinge-se a uma polícia administrativa local, sem competências de órgão de polícia criminal, não obstante a lei autorizar tanto a identificação e a revista de suspeito da prática de crime – um acto processual judiciário em sede do direito penal adjectivo–, como a realização de inquéritos criminais, por factos conectados com a violação da legalidade, no âmbito das relações administrativas.
(Pedro Clemente, Op. cit., p. 160)
Oferece-nos ainda acrescentar, ainda que colateralmente relacionada com a questão fulcral que se aborda que a “limitação de competências de âmbito de polícia criminal”, por referência à teleologia da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, se justifica igualmente pelo facto de que, ao contrário das forças de segurança que são OPC, os agentes da POLMUN não estão adstritos ao estatuto profissional inerentes ao regulamento profissional e de avaliação, quer da PSP quer da GNR, nem ao seu código deontológico, nem tão pouco ao seus agentes estão vinculados a comandos policiais, seja do Director Nacional da PSP ou do Comandante-geral da GNR, mas apenas à dependência hierárquica do Presidente de Câmara respectivo, o que não é, de todo em todo, identitário, por motivos óbvios de se tratar de um comando meramente administrativo (e não policial).
Ademais, recorde-se que, ao contrário do que sucede (a título exemplificativo) com a POLMUN de Lisboa, cuja actuação está também disciplinada por Regulamento próprio (publicitado em DR através do Aviso n.° 11359/2018 de 16.08.2018) onde se estabelece o recrutamento de agentes na PSP e que estes, no desempenho de funções se mantêm vinculados ao Estatuto Profissional de origem, seja quanto a direitos, deveres ou de avaliação, ou até ao seu código deontológico (art. 7.° do respectivo regulamente) inexiste normativo análogo, quer em termos de exigência quer quanto a procedimentos de conduta, pelo menos no que à POLMUN de Cascais diz respeito, até em virtude da forma de recrutamento e formação conferida aos agentes.
Ora, esta diferenciação entre o regime a que estão vinculadas as forças de segurança e as exigências da sua actuação, simbioticamente relacionadas com as funções que legalmente lhes estão cometidas, e cuja diferença relativamente à POLMUN é ostensiva, deve também ser considerada no modo como se interpreta a lei habilitante, tal como na (im)possibilidade de interpretar extensivamente e até analogicamente (por referência aos poderes funcionais conferidos aos OPC) os poderes de autoridade de que a POLMUN se arroga.
Aliás, observe-se a análise constitucional acima empreendida, para que se remete por desnecessidade de duplicação de explanação, da qual decorre inequivocamente a impossibilidade de interpretação extensiva ou de aplicação  analógica das medidas de polícia permitidas às forças de segurança e aquelas que por lei expressa (na concretização do princípio da tipicidade) são atribuídas ao  desempenho de funções da POLMUN).
Em suma, parece-nos que devem entender-se como tal tão-só e estritamente aquelas medidas de polícia prescritas na Lei n.° 19/2004, de 20 de Maio, e não a extensão e conteúdo daquelas cujo exercício está permitido às forças de segurança.
No seguimento de análise e em razão da matéria vertente releva uma cuidada abordagem às normas que disciplinam a fiscalização de condutores no âmbito do despiste da condução em estado de embriaguez.
*b) Da fiscalização da condução sob o efeito de álcool pela POLMUN, em especial.
Disciplina, em termos gerais e para o que releva, o Código da Estrada (art. 152.°):
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo
álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores; (...)

3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
As formalidades de Fiscalização da condução sob influência de álcool (art. 153.° do Código da Estrada, doravante abreviadamente designado CE) impõem:
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
(...)3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando (...)
Em termos gerais, poderia admitir-se que, a partir do momento em que a lei (n.º 19/2004, na redacção actual) admite a Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário pela POLMUN, está a permitir que, no âmbito dessa mesma fiscalização, a POLMUN possa empreender os exames de pesquisa de álcool no sangue.
Sucede, porém, que não se concebe tal interpretação, já por não ter a mais pequena ancoragem constitucional, já porquanto importa a aplicação analógica  para um serviço municipalizado de um poder funcional manifestamente concorrente com o das forças de segurança e inerente à execução de acções de  fiscalização dos condutores (e não estritamente do trânsito rodoviário, de que não é sinonímia, e neste âmbito é primordial de direito sancionatório, que sejamos rigorosos na interpretação literal dos preceitos legais) e cujo conteúdo e finalidades vai muito para além das acções administrativas (funções de fiscalização e elaboração de autos) para que são competentes, enquadrando-se claramente no  quadro de funções de repressão policial, as quais, devidamente analisado o  diploma atributivo de competências às POLMUN apenas podem exercer em cooperação com as forças de segurança nacionais.
Mais, não nos parece que possa entender-se aqui a POLMUN como autoridade ou agente de autoridade para estes efeitos (veja-se que, na citada Lei de Segurança Interna, as POLMUN não são tidas como autoridades de polícia – art. 25.º e 26.º da Lei 53/2008, de 29 de Agosto para exercício de funções e adopção de medidas de polícia ali precritas).
Mas ainda que a título de mera hipótese académica concebamos que, a partir do momento em que são atribuídas funções de fiscalização do trânsito rodoviário às POLMUN, se possa entender que estas são autoridades para os efeitos do disposto no CE, no entanto, o limite da sua actuação terá de estabelecer-se, precisamente, quando no decorrer de tal fiscalização se verifique a prática de crime.
Aliás, este entendimento sustenta-se na clareza meridiana com que a Lei n.º 19/2004 impõe a insusceptibilidade dos agentes da POLMUN praticarem actos próprios dos OPC (designadamente produção de prova), conferindo-lhes somente, e face à verificação do flagrante delito, a detenção com entrega imediata (leia-se, no mais curto espaço de tempo possível – cerca de uma hora e meia, somos de questionar) às forças de segurança ou ao órgão judicial competente (para a tramitação de inquérito crime, acrescentamos nós).
Permite-se, é certo, que a POLMUN acautele no local do facto típico as medidas cautelares necessárias e adequadas, mas a lei em lugar algum permite que a POLMUN detenha (ou retenha, de qualquer forma suprimindo claramente a liberdade – direito constitucionalmente consagrado), suspeitos identificados e;
Em detrimento de os conduzir ao OPC competente;
Decida levá-los para o próprio Departamento de Polícia, proceda às diligências de (recolha de) prova que tem por necessárias à instrução do caso;
Elabore todo o expediente substancial processual penal atinente e, terminado este, então;
Contacte o OPC com vista a que, posteriormente os agentes da força de segurança elaborem o expediente meramente formal que está vedado ao órgão administrativo (já que a factualidade substantiva foi previamente recolhida e em auto transcrita pela POLMUN).
*Refira-se que, ao contrário do apontado pela Digna Magistrada do MP em alegações, somos do entendimento de que a verificação da parte objectiva do ilícito,  a sua consumação, ocorre aquando da intercepção do condutor (no exercício da  condução) com uma taxa de álcool superior a 1,2 g/l (indiciada pelo teste qualitativo, que apresenta um valor efectivo e não meramente “positivo” ou  “negativo”) e cuja confirmação (recolha de prova criminal) através do exame  quantitativo deverá ocorrer num prazo regulamentar não superior a 30 min.
Analise-se, no caso concreto a actuação estrita da POLMUN e toda a confusão gerada em torno da intercepção da arguida, com negações de acesso ao telemóvel, com indicações de que a falta de colaboração com os agentes determinaria eventual algemagem, tudo ainda antes, sequer, da realização do primeiro teste de despiste no local da abordagem à cidadã, e após, a descrição do encontrado pela mãe da arguida ao assomar às instalações da POLMUN e até à sua entrega à PSP, pelas 8h40 (quase três horas após a verificação dos factos).
*(diga-se, a latere, numa óbvia instrumentalização das funções do OPC face à actuação do agente administrativo, conferindo-lhe a aparência da tutela da legalidade, quando, na verdade, o cidadão foi detido noutro local, cuja jurisdição pode (ou não) estar cometida àquela força policial onde é entregue ulteriormente, mas que, em todo o caso, nada apurou nem participou na recolha de prova (nomeadamente pericial), nem fiscalizou do cumprimento dos direitos básicos do cidadão diante de uma actuação de polícia judiciária (atribuição excluída às POLMUN), penalmente absolutamente relevante, como se opinará adiante).
Observe-se que no caso de acidente de viação se discrimina que, podendo tomar conta das ocorrências, se se estiver diante de acidente com relevância jurídico penal, não pode a POLMUN intervir (art. 4.°, n.° 1 al. b) da Lei n.° 19/2004, na redacção vigente).
Ora, se a lei habilitante da actuação da POLMUN não lhe permite acudir a qualquer circunstância que possa ter inerente a prática de crime, poderá aquela entidade administrativa (fora dos casos em que a lei expressamente o permite, como no âmbito das funções desenvolvidas e prescritas no art. 3.°, n.° 1 do diploma mencionado) diante da verificação do flagrante delito de crime de condução em estado de embriaguez, deter o agente e continuar activamente a recolha de prova e a instrução do caso e apenas contactar a Força de Segurança quando todo o expediente necessário à sua apresentação judicial já está completo?
(com excepção dos autos de constituição formal de arguido, de tomada de TIR)
Não nos parece que no âmbito do CE se pretenda conferir uma maior amplitude de funções à POLMUN do que aquelas que lhe estão constitucionalmente cometidas e concretizadas pela lei própria habilitante.
Nem tão pouco se julga legítimo que se considere que, neste enquadramento do CE ou do regulamento de despistagem de álcool e substâncias psicotrópicas, que os mesmos se operacionalizam atribuindo mais poderes à POLMUN do que aqueles que lhe são deferidos em estatuto próprio e que a distingue claramente dos OPC.
A interpretação nesse sentido, que é empreendida pela forma como estão redigidos os preceitos do CE (porque ali apenas se refere autoridade ou agente de autoridade) ou da dita Lei n.° 18/2007, poderia levar ao absurdo de, em certos casos, termos de considerar, em abstracto, a ASAE, a AT ou outra qualquer autoridade administrativa legítimas para estes efeitos (por serem autoridades e agentes de autoridade administrativa e até OPC) a fiscalizar a condução sob o efeito do álcool, ou melhor esclarecendo, a prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, já que naquele diploma (Lei n.° 18/2007, de 17 de Maio) efectivamente não distingue ali qualquer entidade competente para a fiscalização de condução sob o efeito de álcool ou substâncias psicotrópicas, apenas referenciando a “entidade fiscalizadora”.
Somos, pois, de crer que, embora a POLMUN detenha expressamente competência para a fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal, quando os condutores (ou os peões) possam com a sua conduta perpectrar crimes (que os agentes presenciem em flagrante delito) as suas competências cingem-se ao previsto na Lei .° 19/2004, não abrangendo quaisquer outras e não sendo, por isso, passível a interpretação extensiva (ou mesmo analógica) do CE, em moldes que importem o conferir à POLMUN competências que, por natureza e finalidades, são exclusivas de OPC.
Na realidade, inexiste qualquer conformação constitucional nesta matéria nem a previsão de tais medidas de polícia como estando atribuídas à POLMUN e, nessa circunstância: A discricionariedade pode, nomeadamente, respeitar à escolha do procedimento, dos meios a utilizar, do momento de actuar; mas, não tolera, nunca, comportamentos ilegais ou desviantes face aos interesses públicos que a polícia visa prosseguir, do mesmo modo que não coloca na disponibilidade desta a escolha entre o exercício dos seus poderes ou a renúncia a tal exercício (João Raposo Autoridade e Discricionaridade a Conciliação Impossível? Lição Inaugural do Ano Lectivo 2005/2006, Publicações do Instituto de Ciências Policiais e Segurança Interna, p. 2 e 3)
Sublinhe-se que não choca que a POLMUN possa empreender a fiscalização dos condutores, podendo mesmo lavrar os competentes autos, através da identificação do sujeito e de cominação respectiva, mas tal não pode, em caso algum, implicar a detenção ou a deslocação do agente para onde a POLMUN pretenda levá-lo (sob pena de actuação abusiva e ilegítima – vide Ac. TRC de 28.05.2008, já citado).
Em bom rigor, observe-se que o regulamento citado afirma ipsis verbis que o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, e em lugar algum prescreve que tal importa a retenção ou detenção de cidadãos para realização de tal teste, ou sequer prevê a cominação de crime de desobediência se o cidadão se recusar a acompanhar a “entidade fiscalizadora” para realização de tal teste quantitativo noutro local.
Parece-nos, pois, que inexiste no âmbito contra-ordenacional a injunção (em sentido próprio) de ser transportado para outro local para realização do teste quantitativo. Se o cidadão, porventura, preferir deslocar-se de mottu proprio ao local em causa para realização do teste quantitativo, se entender que não deve deslocar-se voluntariamente na viatura da entidade fiscalizadora, a conduta em causa, de per se, não configura (em nosso entendimento) a prática de crime de desobediência, porquanto, refere precisamente o CE que somente a recusa em realizar o teste quantitativo é que consubstancia a prático do ilícito típico criminal (na prática, e neste caso, terá o referido teste de ser disponibilizado no local da intercepção), sob pena de estarmos a impor, ainda que de forma indirecta, uma deslocação de um cidadão, em privação de liberdade parcial, e a coberto de eventual prática de infracção administrativa (ou de nada e) muito dificilmente compatível com o preceituado no art. 27.° da CRP (Direito à Liberdade e à Segurança e respectivas restrições, n.° 3, todas do âmbito criminal ou de saúde mental).
Clarifique-se que a tónica, da nossa perspectiva, se acentua no exercício do “poder de retenção e deslocação contra vontade do suspeito”, seja para recolha de prova pericial, ou para elaboração de expediente ou para qualquer outra finalidade, que não está tutelada legalmente, e que, somos de parecer, por brigar com a liberdade do cidadão, no sentido do constitucionalmente tutelado, não poder suscitar-se no caso de contraordenação e que, em caso de notícia de crime, tem de orientar-se e cingir-se ao legalmente prescrito: para condução ao OPC ou à autoridade judicial.
Tudo quanto não esteja a coberto desta finalidade imediata será ilegítimo e contra-legem, ultrapassando as funções conferidas a tal polícia administrativa, legalmente.
Estas considerações levam-nos, pois, à temática subsequente, relevantíssima pelo cariz potencialmente danoso da limitação de liberdade na esfera jurídica do cidadão, à ordem “e responsabilidade” deste órgão municipal administrativo que, em detrimento de conduzir o sujeito ao OPC competente, decide realizar todas as operações e actos materiais de verdadeira polícia judiciária (empreender as mais diversas actividades de recolha de prova e instrução processual) e, só após, contacta o OPC para a “mera” entrega do detido, deixando à força de segurança os actos de polícia meramente administrativa.
Sublinhe-se uma vez mais a sensibilidade muito especial com que devem abordar-se situações iminentemente relacionadas com o coarctar da liberdade (e segurança) dos cidadãos considerando tratar-se de um direito fundamental ou de civilidade, sujeito ao regime especialmente protegido dos direitos, liberdades e garantias (art. 37.° conjugado com o art. 18.°, n.° 1 e 2 da CRP) e ainda que se trate de situação de detenção em flagrante delito (o que coloca, evidentemente o cidadão numa especial posição de debilidade face ao agente da autoridade, e em razão da circunstância de ser no imediato detido e sujeito a medidas policiais).
A tudo isto acresce que, não só inexiste no enquadramento constitucional  qualquer cláusula geral para a ordem e segurança pública (muito menos cometida  aos serviços municipais de polícia) como a adopção de “medidas de polícia fora do  catálogo” estrito atribuído à competência das POLMUN coloca necessariamente  questões de conformação da actuação policial ao respeito pelos direitos fundamentais  análogos e interesses legalmente tutelados dos cidadãos, desviando-se pelo menos, ou ultrapassando ademais, barreiras inultrapassáveis que subjazem à actuação administrativa, sujeita a princípios de legalidade e na estrita medida da necessidade  e da urgência que o caso suscite.
Mas vejamos em particular.
d) Da detenção em flagrante delito e as obrigações imediatas e inerentes à mesma por banda da POLMUN
No quadro vigente a detenção tem de subsumir-se no disposto no art. 254.º e seg. do CPP.
Ali se dispõe, para o que releva:
Artigo 254.º
Finalidades
1 - A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção (...)
Artigo 255. º
Detenção em flagrante delito
1 - Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão:
a) Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção;
b) Qualquer pessoa pode proceder à detenção, se uma das entidades referidas na alínea anterior não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a pessoa que tiver procedido à detenção entrega imediatamente o detido a uma das entidades referidas na alínea a), a qual redige auto sumário da entrega e procede de acordo com o estabelecido no artigo 259.º(...)
Artigo 256.º
Flagrante delito
1 - É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.
2 - Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar. (...)
Conjugam-se aqui, como aliás no edifício erigido constitucionalmente para salvaguarda máxima dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, dois conceitos égide da nossa comunidade jurídica: o flagrante delito da prática de crime e a detenção, sendo aquele que legitima esta, no intuito da investigação futura da acção criminosa, com vista a levar os seus agentes à justiça.
No caso da detenção empreendida pela POLMUN impõe-se que se trate de flagrante delito de crime punível com pena de prisão e que, imediatamente após a detenção a pessoa suspeita seja conduzida a OPC (art. 3.º, n.º 4 e 5 e 4.º al. e) e f) da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio).
A detenção consubstancia, pois, um ato de imposição a alguém, suspeito da prática de crime, de um estado de privação provisória da liberdade, com o fim de o submeter a decisão de uma autoridade judiciária” (LOBO, Fernando Gama (2015) Código de Processo Penal Anotado, Almedina, Coimbra, p. 470), nas palavras de Germano Marques da Silva (2008, Curso de Processo Penal II, 4ª edição, Verbo, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, p. 262) a detenção é sempre precária, pelo menos nos casos, como o presente, que originada pelo flagrante delito da prática de crime e em ordem a submeter o detido a julgamento num processo em forma sumária, ou ser submetido ao primeiro interrogatório judicial, ou a ser aplicada ou executada uma medida de coação
Em rigor, conjugando o disposto no CPP com a lei habilitante da actuação da POLMUN, não podemos deixar de concluir que a acção desta se aproxima do caso prescrito na al. b), do n.º 1 do art. 255.º, aliás, aquele normativo parafraseia parcialmente a expressão utilizada no CPP quando ali se refere a sua imediata condução/entrega à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente estabelecendo tão-só a nuance da possibilidade da identificação e revista (de segurança) dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como da adopção das medidas cautelares necessárias e urgentes para assegurar os meios de prova.
Esclarecidos os conceitos básicos atinentes, importa que se proceda à sua subsunção ao caso em apreço, respondendo-se claramente às questões que passam a elencar-se:
1. Episódio do flagrante delito (?)
2. Momento da detenção (?)

detido, após ser detido (?)
(1)Temos para nós, do que foi possível apurar-se na audiência pública de julgamento, que o flagrante delito se evidenciou quando, interceptada a cidadã e empreendido o teste de despiste de álcool no sangue, aquele apresentou uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 1,6 g/l de sangue (ainda sem aferir da susceptibilidade que, como se viu, não foi possível apurar, de ser a própria a conduzir a viatura).
Neste circunstancialismo, conclui (e bem) a POLMUN que está diante de sujeito em flagrante delito da prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
É precisamente esta verificação, por natureza imediata e ostensiva (em face do resultado do primeiro exame de despiste de álcool pelo ar expirado) que consubstancia o flagrante delito (expressado na condução contemporânea, acto em que o cidadão foi abordado pela polícia administrativa).
É a abordagem, aquando da condução de veículo pelo cidadão, da sua intercepção pela POLMUN, da submissão ao teste de despiste de álcool (a coberto do disposto no art. 153.º do CE) e do resultado imediato que legitima e tutela, acto contínuo, a detenção deste sujeito pela POLMUN, na referência de que abandone a sua viatura e os acompanhe às instalações municipais está, em nosso entendimento, e salvo o devido respeito por opinião diversa, acertado e parametrizado com o prescrito legalmente.
(2) A cidadã, tendo por referência o que se logrou provar, ao deslocar-se às instalações da POLMUN por ordem dos agentes, e assumindo não ter outra hipótese em alternativa, foi já considerando, como cidadão médio com os conhecimentos do agente, estar já coarctada a sua liberdade de decisão e movimentos e, por isso, acompanhou os ditos agentes.
Referir-se artificialmente que a detenção apenas ocorre após a realização (cerca de meia hora mais tarde) do teste de álcool no alcoolímetro quantitativo e no Departamento de POLMUN e fiscalização da Câmara Municipal de Cascais só pode configurar uma ficção de Direito (relativamente à actualidade/ contemporaneidade da acção e ao local da ocorrência).
*Trata-se, da nossa perspectiva de uma confusão na aplicação dos conceitos jurídicos, pretendendo estender elasticamente o conceito (até) de quase flagrante delito e desligar o acto formal de detenção, exteriorizado pelo comando emitido pelos agentes da POLMUN (logo aposto o teste de despiste) da materialidade subjacente claramente provada nos autos (vide a propósito o teor do auto citado em 5. dos factos assentes). Posto isto, importa então responder à última das questões (3), nos termos da lei aplicável e de acordo com sobejamente explanado acima, a POLMUN ao deter o cidadão em flagrante delito da prática de crime de condução de veículo em estado  de embriaguez deveria tê-lo conduzido, no imediato, à Esquadra da PSP com jurisdição na área de detecção do ilícito ou, em alternativa, contactar aquela força de segurança para que pudesse entregá-lo no imediato, dando conta, precisamente, da verificação de flagrante delito da prática de condução em estado de embriaguez.
Na verdade, o flagrante delito constitui precisamente uma situação em que, por natureza e de forma evidente, directamente (de acordo com o vocábulo utilizado no art. 3.°, n.° 4 da Lei n.° 19/2004) se observa a existência de crime, não carecendo da prova científica/pericial para o efeito (sob pena de perder a sua actualidade, a menos que esta esteja ali mesmo, pronta a realizar-se no local da intercepção), nem sequer da instrução de qualquer acto, maxime, que implique o abandono do local de verificação do crime para produção de outra prova.
Sublinhe-se uma vez mais o preceituado no art. 3.°, n.° 4 da Lei n.° 19/2004: Sem prejuízo do disposto nos n.º anteriores (identificação e revista) é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal.
*Assim, salvo devido respeito por entendimento diverso, que é muito, levar uma cidadã detida, parece-nos, e no seguimento de todo o iter descrito ao Departamento da POLMUN (com ânimos exaltados de parte a parte) e, posteriormente, após toda a instrução (afinal processual, pois foi com base nela que se procedeu a este julgamento), contactar a Esquadra da PSP para a entregar, apenas para aí se preencher o expediente administrativo e libertá-lo, parece-nos marcadamente ultrapassar, e em muito, as competências conferidas à POLMUN neste âmbito.
(no fundo, quem procede à detenção, empreende a diligência de prova pericial, comina a possibilidade (e termos) da contra-prova face àquele meio de prova recolhido, é a POLMUN (a substituir-se ao OPC) e, cerca de hora e meia/duas horas depois da verificação do (eventual) flagrante delito, contacta tal força de segurança, apenas para que sejam apresentados à detida os documentos formais do que anteriormente já executou e aquele OPC o liberte).
Aliás, na cooperação esperada com as forças de segurança (e legalmente determinada no n.° 2 do art. 3.° do diploma citado) no exercício destas funções de “regulação e fiscalização do trânsito” havia uma alternativa clara e que permitiria a custódia da prova, sem perigar a liberdade e os direitos fundamentais da suspeita, que configuraria o contacto imediato com a Esquadra da PSP (paredes meias com o Departamento de Polícia onde, aliás, existe um alcoolímetro) e, se necessário, a condução desta, aqui arguida, àquele local onde, poderia ser efectuado o aludido teste (quantitativo) por recurso ao ar expirado.
Não demoraria mais tempo (do que o utilizado) e não implicaria a execução de funções de investigação criminal em substituição clara do OPC competente No mais, é também a este propósito que se discutem as chamadas “medidas de dupla função”, cuja doutrina, por obviamente aplicável, aqui elencamos:
Uma medida policial diz-se de dupla função quando através dela a polícia prossegue simultaneamente uma função de prevenção do perigo e uma função de perseguição criminal (...)Por exemplo uma medida que começou por ser de prevenção do perigo pode, de um momento para o outro transformar-se numa medida de perseguição penal, ou adquirir simultaneamente essa finalidade (...)
(António Francisco de Sousa, Prevenção e Repressão como função da polícia e do Ministério Púbico, Revista do Ministério Público, n.º 94, Lisboa, Abril-Junho 2003), p.67).
O critério que tem sido avançado no sentido de sujeição ao regime jurídico preponderante de tais medidas policiais de dupla função tem sido o do fim da/s mesma/s medida/s, cuja determinação, de per se, coloca por vezes questões complexas, mas que neste caso concreto não se nos afigura de difícil destrinça: faz-se através do elemento determinante, o critério finalístico objectivo.
Parafraseando o autor citado quem aprecia deverá colocar-se na posição objectiva do agente policial antes do início da conduta, diante da situação concreta deverá indagar-se como apreciará a medida um cidadão médio na situação do atingido.
No caso presente, talvez não no momento da intercepção, mas certamente após a realização do teste qualitativo, será proporcionado e adequado concluir-se, como cidadão médio colocado na posição do agente administrativo, que se está diante de um flagrante delito de prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Se tal se concretiza ou não na efectiva conclusão pela prática do ilícito é questão diversa, como o é sempre que ulteriormente a investigação criminal concluir pela (in)existência de indícios bastantes para submissão do cidadão a inquérito e julgamento criminal, mas tal já não é, de todo em todo, função cometida a este serviço municipal de polícia.
*A centralidade coloca-se na exigência de uma polícia que actue de acordo com a parametrização constitucional a que está vinculada, cujo substracto é um direito fundamental de civilidade, análogo aos direitos, liberdades e garantias e, por isso, sujeito ao mesmo e preciso regime jurídico e respectiva concretização na lei  ordinária (e que, aqui, consoante podemos já avançar, foi ultrapassada no exercício de funções que (não) estão atribuídas às POLMUN).
A latere refira-se apenas que os direitos, liberdades e garantias constitucionais, cujo regime de restrição de exercício se encontra taxativa e minuciosamente regulado na Constituição da República (art. 18.º e 19.º do CRP) e onde se inclui o Direito à liberdade e à segurança (art. 27.º da CRP) impõe que toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos, acrescentando nós, previamente à execução de qualquer acto de recolha de prova, designadamente pericial.
É que tais direitos e garantias constitucionais não podem servir apenas para a sua declaração formal e solene, devendo ser operacionalizadas através da actuação de todos os órgãos públicos, sejam administrativos ou de segurança, e são susceptíveis de fiscalização e controlo formal, designadamente judicial, revelando aqui uma actualidade e acuidade bastantes para que nos refiramos à sua disciplina em razão do caso concreto, e mais deles não nos possamos desligar aquando do julgamento dos factos acima arrolados. (ademais quando as POLMUN (que não as de Lisboa e Porto) dependem apenas do Presidente da Câmara, não estando, sequer sujeitos à IGAI – vide art. 2.º, n.º 1 do DL n.º 58/2012).
Mas vejamos, ainda e em concreto, que funções estão cometidas à POLMUN no quadro da recolha e preservação de prova, para que dúvidas se não suscitem quanto ao feito.
*e) Das medidas cautelares e dos meios de (obtenção da) prova
A iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal define-se pela atuação em substituição precária da autoridade judiciária, baseada nos pressupostos de necessidade e de urgência, perante circunstâncias que exigem uma resposta pronta da entidade policial, pautada pelo princípio de eficácia, balizada por pressupostos legais, vinculada ao dever de ser transmitida imediata notícia à autoridade judiciária. (Mesquita, Paulo Dá (2003) Direcção do Inquérito e Garantia Judiciária, Coimbra Ed., 2003, pp. 120-143)
Trata-se da caracterização e exigências a que se sujeitam as medidas de polícia. Previstas no artigo 249.° do CPP, que as elenca de forma exemplificativa, no que concerne à preservação (mormente), e recolha (mais limitada legalmente) dos meios de prova.
Da competência da POLMUN, a Lei n.° 19/2004 enumera a identificação de suspeitos, a revista aos mesmos e nos casos em que a fiscalização lhes está directamente cometida (para instrução de processos administrativos de natureza contraordenacional), a apreensão de objectos que serviram ou estivessem destinados a servir à prática da infracção.
Releva perguntar se a submissão ao teste do alcoolímetro quantitativo se  insere ainda no âmbito das medidas cautelares urgentes e necessárias para  preservação ou obtenção da prova, no caso concreto que aqui apreciamos.
Não podemos desligar a resposta do entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores que vêem entendendo que os exames de pesquisa de álcool no sangue, realizados no mesmo analisador quantitativo, ordenados (...), constituem prova pericial pré-constituída, por irrepetível em julgamento. (Ac. STJ, de 11.07.2017, proc. n.º 3397/14.1T8LLE.E1.S1).
E mais, do cotejo dos artigos 153.º e 156.º do Código da Estrada com a Lei nº 18/2007 resulta que a taxa de alcoolemia se pode demonstrar por teste ao ar expirado (em equipamento qualitativo, a despistagem, e em equipamento quantitativo, a prova ou a contraprova), por análise ao sangue (a prova ou contraprova) e por exame médico (a prova ou contraprova), e que existe uma obrigatoriedade de notificação do condutor após teste de alcoolemia, por escrito ou verbalmente, do resultado, das sanções legalmente decorrentes daquele resultado e de que pode, de imediato, requerer contraprova e que, caso positivo, deve suportar todas as despesas originadas por essa contraprova. Acordão do TRE de 05.07.2016 (Processo n.º 265/15.3PAVRS.E1)
Será possível entender que o iter de procedimentos que envolve a recolha de prova (pericial) bastante para submissão de arguido a julgamento pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e que implica a advertência da possibilidade de se sujeitar a contraprova e a explicação das finalidades e consequências inerentes aos resultados apurados não importa o exercício de funções de polícia criminal, ou pelo menos de força de segurança pública, questionamos.
É que, não sendo a POLMUN um OPC nem sequer uma força de segurança que legitimidade tem para os empreender? (tal qual, surgem espelhados no auto aludido a facto 12).
A nosso ver, nenhuma, legalmente, tudo salvo melhor entendimento.
Haveria aqui necessidade efectiva e urgência ponderosa que pudesse justificar a actuação da POLMUN tal qual apurada?
Numa circunstância em que, verificado o flagrante delito pela submissão da  arguida ao teste qualitativo, logo após ao que os agentes municipais julgam ter sido  a imobilização de uma viatura que a suspeita conduziria, havia a possibilidade prática de cumprir a lei e conduzi-la ao OPC competente, onde poderia igualmente sujeitar-se (e no mesmo período temporal) a tal exame (quantitativo), num tempo  razoavelmente idêntico (as instalações camarárias e as da PSP ficam precisamente  uma junto da outra)?
A conclusão é óbvia: ao impedir o acesso ao telemóvel antes mesmo da realização de qualquer teste, ao indicar que a falta de colaboração e desnorte da sujeita (veja-se que ninguém disse que era agressiva, que era uma pessoa de estatura algo frágil por confronto com três agentes de polícia bem constituídos) importaria a sua algemagem, o deslocar do arguida, detida, para o Departamento Municipal, sujeitá-la a recolha de prova pericial, não contactar o OPC imediatamente após a verificação e iter da fiscalização tal como se apurou ter decorrido, agiu a POLMUN num desvio ao quadro constitucional e legal a que está vinculada, transbordando da autoridade conferida para fiscalizar o trânsito e ultrapassando as competências que lhe estão deferidas por lei, substituindo-se ao OPC competente na instrução material do processado.
Senão vejamos em lugar comum: a lei limita expressa e claramente a sua competência no âmbito da investigação criminal – seja excluindo-a tout cour no caso de acidentes de viação, seja atribuindo-a limitadamente para identificação de suspeitos e revistas de suspeitos no local do cometimento do ilícito – equaciona-se porventura que a permitisse neste caso concreto?
Fará sentido conceder que não tenham competência para intervir numa situação clara de acidente de viação (que implique procedimento criminal) mas, em alternativa, permitir a sua instrução quanto à realização de meios de obtenção de prova? (necessariamente enquadrados também eles num procedimento criminal)
Estamos em crer pela resposta negativa, até pela sensibilidade e necessário cuidado com a limitação de liberdade e actuação no quadro de uma fiscalização que, após sujeição a exame qualitativo de despiste de álcool no sangue com resultado positivo, igual ou superior a 1,2 g/l, se impõe, necessariamente, ulterior investigação criminal.
*e) Das consequências legais da actuação da POLMUN.
Tudo compulsado, importa, pois, que se analisem das consequências jurídicas da forma como foi instruído o processo, recolhida a prova pericial e em que moldes, com efeitos óbvios para o julgamento subjacente.
Melhor concretizando: que efeitos se extraem de uma abordagem musculada com ameaça de coacção física e limitação de direitos pessoais de comunicação e circulação, a submissão a um exame pericial de alcoolemia na sequência de uma detenção ilegal (em razão das finalidades da mesma), e empreendida por órgão incompetente para instruir a prova nos moldes em que a mesma foi obtida?
Citamos, por todos, o aresto subsequente, que nos parece lapidar e relativo a matéria coincidente com o que aqui tratamos:
Com efeito, o art. 126º do Código de Processo Penal disciplina nos nºs 1 e 2 as provas absolutamente proibidas e no nº 3 as provas relativamente proibidas. As primeiras não podem ser utilizadas nunca, as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a intromissão nos direitos tutelados. As proibições de prova estabelecem limites à actividade de investigação e constituem fundamentalmente um meio ou instrumento de tutela dos direitos individuais dos cidadãos que visam impedir ou dissuadir intromissões abusivas e desnecessárias das autoridades judiciais e policiais. Sendo este um campo onde se afirma com particular relevo o  princípio da ponderação de interesses, impõe-se estabelecer níveis de concordância prática  entre os direitos individuais que poderão ser atingidos ou sacrificados e a prevenção e  repressão da criminalidade: “entre o interesse público na perseguição penal e o interesse público também da tutela de determinados interesses, a ordem jurídica opta por uns ou  outros, conforme considere que devem predominar. Com efeito, a perseguição penal não é,  necessariamente, o interesse preponderante da vida em sociedade.
Por isso, os meios utilizados em ordem à repressão penal têm de acomodar-se aos princípios jurídicos que predominam num dado momento e aos valores fundamentais da nossa civilização” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, II, 1993, pag. 103).
 (...)Nestes termos, a utilização, seja por mero lapso ou não, de uma notificação meramente verbal ao condutor examinando sobre a possibilidade de realização da contraprova, numa situação em que seria possível a realização dessa mesma notificação por escrito, constitui a infracção de uma regra de procedimento, desde que, como no caso destes autos aconteceu, essa notificação, ainda assim, tenha permitido o exercício de modo eficaz desse meio de defesa. (Ac. TRG proc. n.º 2541/14.3PBBRG.G1 – sublinhados nossos)
Observe-se que o caso em apreço, a conclusão terá se distinguir-se nitidamente do preceituado na Veneranda decisão citada.
Aqui não se tratou de obviar a forma regulamentar devida de um acto processual, mas antes de restringir a liberdade pessoal de uma cidadã, através de uma detenção que se revelou ilegal (porque orientada não propriamente à entrega imediata ao OPC competente, consoante a lei impunha, mas antes à instrução processual de cariz manifestamente criminal, para o que o órgão detentor é incompetente) e retomando o raciocínio do Ac. TRC de 28.05.2008, já citado:
O dever de identificação do responsável da infracção estradal (...) tem como pressuposto a verificação imediata pelo funcionário autuante de quem foi o autor da conduta ilícita.
Iniciado o procedimento (...) esgotou-se esse dever funcional.
Os agentes das polícias municipais não integram as forças ou serviços de segurança.
Estamos em crer que, ilegítima que foi a manutenção da detenção, nos termos em que aquela se manteve (durante o transporte e todas as diligências no Departamento Municipal de Polícia e Fiscalização) e que só por via da sua manutenção se produziu a prova pericial em causa (que poderia e devia ter sido empreendida pelo OPC) e em que funda fulcralmente o presente processo, obtida mediante constrangimento físico (limitação da liberdade e perturbação da vontade e decisão) com o recurso à força (não propriamente física, mas inerente à autoridade ostentada enquanto órgão de polícia devidamente uniformizado e armado), como o próprio auto citado a facto5 explicita, tudo nitidamente fora do que a lei permite à POLMUN e em ultrapassagem dos limites claros e acima melhor densificados, terá de ter uma consequência jurídica compatível com a Constituição da República e a Lei.
Já referenciava Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Consitituição Portuguesa de 1976 (2001) Almedina, Coimbra, p. 337-348):
O princípio da legalidade significa desde logo, que a actividade administrativa, seja de autoridade, seja de execução de prestações (...) seja concreta, seja normativa, não pode ser ilegal, não vale contra a lei – Princípio do “primado da lei” ou da “preferência da lei”.
No nosso sistema porém, este princípio aparece complementado pelo princípio da constitucionalidade: em primeiro lugar, admite-se a fiscalização dos actos normativos da Administração (regulamentos) quando violem directamente a Constituição, em especial, os preceitos relativos a direitos, liberdades e garantias sendo, enão, nulo, por inconstitucionalidade; em segundo lugar, a aplicabilidade imediata dos preceitos relativos a direitos, liberdades e garantias pode levar em alguns casos, à desaplicação, pelos órgãos administrativos, das normas legais anticonstitucionais. (...)
Isso significa, em primeiro lugar, que toda a intervenção administrativa no campo dos direitos, liberdades e garantias tem de ser a actuação de uma vontade (anterior) da lei, que constitui, deste modo “prius normativo” em relação a ela (...).
Em segundo lugar, a conformidade à lei implica que ao legislador não é permitido deixar à discricionariedade administrativa a determinação do conteúdo e dos limites dos direitos, liberdades e garantias nos casos concretos. (...)
Ainda que não exista um regime especial de direito substantivo e procedimental aplicável aos actos administrativos em matéria de direitos, liberdades e garantias, o Código do Procedimento Administrativo declara nulos, e não meramente anuláveis, os actos administrativos que “ofendam o conteúdo essencial de um direto fundamental. (...) [actual art. 161.°, n.° 1 e 2 al. d) do CPA)
Concretizando em aplicação aos casos penais:
I - Em matéria de invalidade da prova há que distinguir entre regras de produção de prova, proibição de produção de prova e proibição de valoração de prova.
II - A prova obtida através de método proibido é insusceptível de valoração pelo  tribunal.
III - A prova obtida contra legem, mas através de método não proibido,  pode ser valorada sempre que susceptível de se obter através de meio ou procedimento conforme à lei,  suposto, evidentemente, que a irregularidade do acto de produção de prova não haja sido arguida. (Ac. TRC de 19.12.2001 proc. n.° 2721/2001 – sublinhados nossos)
*Ora, no caso presente, outra forma não há de obter/repetir aquela prova, já que a POLMUN, em detrimento do estabelecimento da coordenação com a PSP em ordem a proceder à entrega da cidadã detida ao OPC, permitindo que esta força de segurança, como é da sua competência, instruísse o processo, pelo que se configura uma situação de proibição de valoração da prova assim obtida, uma vez que esta não  é susceptível de se desligar dos moldes em que foi obtida.
Em suma, integra o disposto conjugadamente no art. 126.°, n.° 1 e 2 al. a) e c) do CPP, o que impõe ao Tribunal um óbice à consideração dessa mesma prova, em abono na doutrina perfilhada do(s) Fernwirkung des Beweisverbots (fruto da árvore envenenada) uma vez que consideração diversa imporia sacrificar o princípio da liberdade e segurança do cidadão (constitucionalmente consagrado e ampla e legalmente densificado, nos termos acima desenvolvidos) com o argumento, tantas vezes vilipendiado, da constatação da verdade material (de outra forma não realizável no processo), e em nosso entendimento não justificável na ponderação dos interesses no caso concreto, neste processo em contraposição.
Impõe-se ao juiz que tome posição no sentido de apurar, nesta justaposição de interesses, o equilíbrio sempre precário e o valor que deva prevalecer em concreto, face à verificação simples e literal da verdade material ou à sua compaginação com a forma como, violando direitos fundamentais ou de civilidade análogos a direitos, liberdades e garantias, com o é o de uma polícia administrativa que actue subordinando-se à Consitituição e à Lei, ultrapassando as medidas de polícia que lhe estão atribuídas e restringido a liberdade de movimentos, a decisão e a formação da vontade do cidadão, aqui arguido, em (ab)uso da autoridade (para além do permitido legalmente e, desta forma, em detrimento de se acautelar a custódia da prova, se atropela/m garantias consititucionais, protegidas e densificadas na Lei Habilitante).
(Recordamos que uma actuação fora do catálogo de medidas de polícia atribuídas, sujeitas constitucionalmente a um princípio de tipicidade e de poibição do  excesso não faz presumir a existência de urgência e necessidade de actuação, quando  a adopção e cumprimento dos ditames legais permitiria a recolha análoga de prova, pelo OPC competente, e no mesmíssimo período de tempo, em nada perigando a custódia da prova).
A uma actuação inconstitucional importará o remédio radical da sua intolerabilidade na ordem jurídica, arredando-o de qualquer valoração porquanto obtida em violação do regime directamente aplicável dos Direitos, Liberdades e Garantias Constitucionais, cominando-lhe, de um lado, o regime da nulidade do acto material e, do outro, o regime das proibições de prova em matéria de processo penal.
Somos, pois, de acolher o entendimento da insusceptibilidade de valoração de uma prova obtida nestes termos, ademais, quando, repetimos e sublinhamos, havia forma de, em tempo e regularmente, aquela ter sido produzida no respeito por tais direitos civilizacionais.
A acção da POLMUN não pode, pois, merecer a tutela do Direito, num circunstancialismo em que se impunha, até por configurar legalmente uma autoridade administrativa, que esta polícia, em detrimento de tal atropelo, agisse em cooperação com as forças de segurança.
Assim julgamos no caso concreto, em abono da reintegração do direito a uma polícia que actue no quadro constitucional e legal vigentes, e no respeito pela liberdade e segurança de todos os cidadãos, impondo a adopção de mecanismos aqui materializados na pessoa do arguido, tendentes ao respeito pela vinculação funcional (art. 237.°, n.° 3 e 272.°, n.° 2 da CRP) que simultaneamente comporta o princípio da tipicidade das medidas de polícia e, por outro, proíbe o excesso, aqui verificado e, através do qual foi obtida prova ilícita que, por motivos de ordem e aplicação do regime constitucional do Estado de Direito e das proibições de prova em processo
penal, tem de ser desconsiderada e não podendo ser utilizada (art. 161.°, n.° 1 e 2 al. d) do CPA e art. 126.°, n.° 1 e 2 do CPP).
*No que concerne aos factos não provados, resultam do supra explanado, de nada se ter logrado demonstrar inequivocamente a respeito (nem por conjugação de todos os esforços e elementos solicitados) ou de se ter demonstrado realidade contrária ou com os mesmos incompatível.
Uma palavra para acrescentar que os elementos subjectivos, porque do foro intímo do sujeito, relacionados com percepções que se retiram por vinculação às máximas da experiência comum e emergentes da realidade objectiva apurada, dos mesmos nada se concluiu que permitisse demonstração com a certeza exigível (e possível) à prova judiciária.
Enquadramento Jurídico
Apurados os factos, cabe, agora, proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
A arguida vem acusada da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.°, n.° 1 do Código Penal:
Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
O bem jurídico protegido pela norma penal é a segurança da circulação rodoviária, embora, indirectamente, se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito dos veículos, já que a segurança no tráfego evita riscos e lesões para a vida ou integridade física.
Trata-se de um crime de perigo abstracto já que dos elementos do seu tipo legal não faz parte qualquer resultado de perigo concreto para o bem jurídico protegido; o legislador, conhecendo a perigosidade daqueles comportamentos, antecipou a tutela do bem jurídico, não esperando pela verificação de uma situação de perigo concreto ou de lesão (direito penal de prevenção).
Como se escreve no preâmbulo do Código Penal são “condutas de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social”, criando-se assim uma área avançada de tutela e colocando-se o acento tónico no desvalor da acção (trata-se de um crime de mera actividade).
Nestes crimes de perigo abstracto, o perigo é presumido pelo legislador: ao juiz fica vedada qualquer averiguação sobre a falta de perigosidade do facto.
Existe uma presunção inilidível de perigo, já que o legislador, partindo do princípio de que certos factos constituem normalmente um perigo de lesão, pune-os como crime consumado, independentemente da averiguação de um perigo efectivo no caso concreto.
Sendo assim, como escreve Germano Marques da Silva (Crimes Rodoviários, Universidade Católica Editora, pág. 14), no plano processual, basta a prova da acção típica.
A nível objectivo, este tipo legal de crime, exige uma acção de conduzir um veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
Por sua, vez, o tipo subjectivo exige o dolo, enquanto conhecimento de vontade orientada ao resultado proibido, em qualquer uma das suas modalidades (artigo 14.° do Código Penal) ou uma actuação negligente, expressa a omissão
voluntária do dever de cuidado imposto pelas concretas circunstâncias. (artigo 15.° do Código Penal).
*
No caso em apreço, já pelo princípio da valoração da dúvida em favor da arguida, já pelo que acima se expôs, não permite que se conclua pelo preenchimento do tipo objectivo do ilícito.
Donde, por falta de apuramento da conduta tipicamente ilícita (na modalidade da imputação objectiva), obviam-se ulteriores considerações.»
Contém esta explanação
- um relato, absolutamente fiel ao que se retira da prova, dos factos relativos às circunstâncias em que a arguida foi abordada e submetida aos exames de pesquisa de álcool (as quais aliás foram - e bem - levados à factualidade provada por, ao contrário do pretendido pelo recorrente, constituir matéria relevante e necessária à questão relativa à legalidade de prova vinculada de acordo com o direito aplicável, questão que foi aliás suscitada pela defesa, que arguiu a nulidade de prova obtida mediante sujeição a exame quantitativo - vd. acta de fs. 42.) e uma análise das questões por elas convocadas na perspectiva do direito penal que esgota, expondo-o de forma clara e inexcedivelmente detalhada, tudo quanto há a dizer a respeito de acordo com o entendimento que perfilhamos (único, com o devido respeito, conforme aos princípios e disciplina legais, maxime constitucionais), e as conclusões que em vista de tal quadro legal se impõe retirar, que na sua integralidade, subscrevemos, para tal explanação remetendo como fundamentação da decisão que proferimos ao abrigo do disposto no artº 425º nº 5 do CPP10 que, dado estar-se perante decisão absolutória, o legitima,
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10 que dispõe que os acórdãos absolutórios enunciados no artº 400º nº 1 alínea d) que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada
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sendo que, em vista do que na mesma se expõe e conclui a impugnação do recorrente em todas as suas vertentes claudica, por contrariada - no que concerne à contestação do entendimento assumido quanto à actuação da Polícia Municipal, circunstâncias da abordagem da arguida e da realização do teste quantitativo e sua validade e de toda a prova, opondo-lhe o seu diferente entendimento sobre o momento de cosumação do crime e a sua repercussão para efeitos de flagrante delito e competências da Polícia Municipal - e por prejudicada no que concerne à impugnação da decisão de facto assumida quanto a factos não provados e pretensão à sua reversão, questão cujo conhecimento, em vista do assumido quanto a legalidade e validade da prova e suas consequências, que se subscreve e em vista do qual se impõe a absolvição da arguida, se torna ínútil.
Em suma, subscrevendo inteiramente os fundamentos da decisão recorrida, à expressão da nossa adesão a tais fundamentos, acrescidos do exposto quanto à invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação e das breves considerações tecidas, se atem a fundamentação da decisão confirmatória que profere este Tribunal “ad quem” ao abrigo do disposto no artº 425º nº 5 do CPP – com tal expressão dessa nossa concordância e a remissão para a fundamentação do assumido (remissão que a decisão em tais termos autoriza e envolve) se refutando a argumentação deduzida pelo recorrente para impugnar a decisão recorrida, isenta de erro e não violadora de qualquer preceito legal, maxime constitucional, e se julgando improcedente o recurso

DECISÃO
Por tudo o exposto acordam em negar provimento ao recurso confirmando a douta decisão recorrida.

Lisboa, 9 de Setembro de 2021.
Maria da Luz Batista
Almeida Cabral