Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2384/11.6TBPDL-C.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
PENHORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I-Muito embora no actual sistema executivo não haja, por regra, lugar à procedência de despacho judicial determinativo da penhora, certo é que, quando esta tem lugar, o Juiz não pode deixar de fiscalizar a legalidade e a proporcionalidade da penhora a autorizar, nos termos do disposto nos artigos 821.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 834.º, n.º 1, do CPC;
II-Esses mesmos princípios, que presidem ao processo executivo, devem ser observados pelo agente de execução e, em caso de dúvida, submetidos à apreciação jurisdicional, nos termos do artigo 809.º, n.º 1, do CPC;
III- Nos termos do disposto no artigo 834.º, n.º 1, do CPC, a penhora deve efectuar-se pela ordem preferencial ali indicada e sem prejuízo de poder ser reforçada ou substituída nas situações previstas pelo n.º 3 desse mesmo preceito legal.
IV- Tendo sido atribuído o valor de € 155,43 ao imóvel penhorado nos autos, justificado pelo facto de ser esse o seu valor matricial, tal valor mostra-se totalmente desajustado, se se tiver em consideração que o valor reclamado pela CGD, na reclamação de créditos apresentada e enquanto credora hipotecária, foi de € 2.161,97, e ainda que o valor atribuído pela mesma, quando foi ouvida sobre a modalidade e preço de venda desse imóvel, foi de € 60.000,00;
V- Tal imóvel constitui a casa de morada de família dos executados, pessoas que, para além desta execução, não têm qualquer outra execução, existindo outro património dos executados que não foi objecto de qualquer penhora, como é o caso de duas viaturas automóveis;
VI- No presente caso, para além de haver já bens penhorados e que podem garantir a satisfação da dívida por parte do exequente, há também outros bens que poderiam ter sido objecto de penhora, pela ordem indicada no citado artigo 834.º, n.º 1, e em relação aos quais nada foi observado, em desrespeito, aliás, pela ordem indicada no preceito em causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
M. D…, executado nos autos de execução, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 863°-A e 863°-B, do Código de Processo Civil, deduzir oposição à penhora, levantamento da penhora sobre todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência dos executados e sobre a verba n.° 1 e sobre o prédio urbano, sito na Rua … n.° … freguesia de … (…), concelho de Ponta Delgada, descrito na respectiva conservatória sob o n.° … e descrita na matriz predial sob o art.° ….
Para tanto, alegou, em síntese, que o valor da dívida exequenda nos presentes autos é de 11.332,88 € acrescida das despesas prováveis no montante de 2.300,00 € o que perfaz o total de 13.632,88 €. Para garantia do pagamento de tal quantia encontram-se penhorados o salário/pensão de dois dos executados, sendo que, o oponente aufere uma pensão de reforma de cerca de 1.200,00 € e o executado L. D… um salário de cerca de 600,00 €. Igualmente penhorado, nos presentes autos, encontra-se todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência dos executados. Encontra-se ainda penhorado, o veículo automóvel da marca Renault, modelo …, com a matrícula …, bem como o prédio urbano, sito na Rua …, n° ….
Em suma, o somatório dos valores bens e direitos penhorados equivalem aproximadamente a dez vezes mais ao valor da quantia exequenda e despesas prováveis, pelo que estamos perante uma situação de inadmissibilidade da extensão da penhora.
Regularmente notificado, o exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição à execução, por os bens penhorados serem manifestamente insuficientes para o pagamento do pedido exequendo, tendo em atenção e consideração os juros que entretanto se vão vencendo e as despesas e honorários do agente de execução. Em suma, entende que não se verifica nenhum dos fundamentos que nos termos do artigo 863°-A, do Código de Processo Civil, podem servir de oposição à penhora, designadamente qualquer vício de extensão de penhora, pelo que deve ser indeferido o pedido de oposição à penhora.
Foram solicitadas informações ao Senhor Agente de Execução quanto às penhoras efectuadas.
As partes foram notificadas de tais respostas não tendo deduzido qualquer oposição às mesmas.
Foi proferido despacho saneador-sentença em que se julgou parcialmente procedente a oposição à execução, ali se decidindo pela inadmissibilidade, por excessiva, da penhora efectuada sobre o imóvel sito na Rua …, n.º …, freguesia do … (…), concelho de Ponta Delgada, e que teve lugar a 18 de Agosto de 20…, determinando-se, em conformidade, o levantamento da mesma.
Inconformado com o assim decidido, a exequente interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou a seguinte conclusão:
“Em conclusão, portanto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos e, por violação do disposto no artigo 817.º do Código Civil, do disposto no artigo 820.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, do disposto no artigo 863.º-A, n.º 1, alínea a), do referido normativo legal e atento a aplicação, à contrário, do disposto no artigo 822.º, 823.º e 824.º do Código de Processo Civil, deve o recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, na parte objecto do presente recurso e, consequentemente, manter-se a penhora do imóvel que penhorado foi nos autos, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, se fazendo correcta e exacta interpretação da lei a essa mesma matéria de facto, se fazendo, em suma, Justiça”.
O Apelado contra-alegou sustentando a manutenção da decisão proferida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. FACTOS PROVADOS
1. Por apenso à acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias n°…, que correu termos por este 5° Juízo, o Banco …., S.A., instaurou contra L. D…, M. D… e M. D…, a execução a que os presentes autos se encontram apensos, em 20…, dando à execução a decisão proferida naqueles autos principais.
2. Por força da decisão referida em 1), o executado M. D… foi condenado a pagar ao exequente, solidariamente com os demais executados, a quantia de 6.484,48 €, a título de capital, a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 22,25%, e o imposto de selo, à taxa de 4%, ascendendo o montante global, em 12.04.2012, a 7.663,93 €.
3. No âmbito dos autos de execução, veio a apurar-se que o executado L.D… tem registado em seu nome um veículo automóvel marca R. … , matrícula …, de 2002; e o executado M. D… tem registado em seu nome um veículo automóvel marca V.…, matrícula …, de 2001.
4. Em 28.08.2012 foram penhorados os créditos de IRS no valor de 193 € cada, de que eram titulares os executados M. D… e M. D….
5. De IRS encontra-se penhorada aos executados a quantia global de 551,74 €.
6. No dia 18.08.20… foi penhorado o prédio urbano, sito na Rua … n.° …, freguesia de … (…), concelho de ..., descrito na respectiva conservatória sob o n.° … e descrita na matriz predial sob o art.° …, do qual são proprietários os executados M. D… e M…, tendo-lhe sido atribuído no auto de penhora o valor de 155,43 €, por ser o valor matricial.
7. Sobre o imóvel descrito em 5) encontra-se registada uma hipoteca a favor da CGD, pela Ap. 7, de 24.06.1998.
8. A CGD deduziu reclamação de créditos, enquanto credora hipotecária, reclamando créditos no valor global de 2.161,97 €, sendo 2.154,97 € a título de capital, e o restante a título de juros e comissões.
9. O executado L. D… é empregado da I…, auferindo mensalmente cerca de 683,24 €.
10. O executado M. D… é pensionista da C…, auferindo em 2012 uma pensão de reforma no montante ilíquido de 1.276,17 €, sobre o qual incide um total de descontos no valor de 19,23 €.
11. O vencimento e a pensão referidas em 9) e 10) encontram-se a ser penhorados em quantia mensal variável, até ao limite de 1/3 do valor mensal processado, garantindo que os executados recebam sempre um montante mensal disponível não inferior ao salário mínimo nacional.
12. Da consulta à base de dados do registo informático de execuções decorre que não se encontra pendente contra nenhum dos executados, qualquer outra execução.
13. O imóvel penhorado nos autos de execução e melhor descrito em 6) é a casa de morada de família dos executados.
14. Não foi efectuada qualquer penhora dos veículos referidos em 3) nem dos bens móveis que compõem o recheio da casa de morada de família dos executados.
Encontram-se ainda provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
15. O crédito concedido pelo exequente ao executado L. D…, no montante de € 10.050,00 destinou-se à aquisição do veículo automóvel com a matrícula …-TH.
16. Este executado liquidou 50 das 84 prestações acordadas.
17. Nesse contrato o executado e ora Apelado M. D.. interveio na qualidade de fiador.
III. FUNDAMENTAÇÃO
Sendo inquestionável que são as conclusões do recurso que delimitam o conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso – salvo quanto àquelas que são de conhecimento oficioso -, certo é também que há alguns pontos da matéria de facto que cumpre esclarecer para melhor se poder decidir a questão que foi concretamente colocada a este Tribunal, a saber:
A decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, ao determinar o levantamento da penhora que incidiu sobre o imóvel identificado nos autos, por a considerar excessiva, violou as disposições constantes dos artigos 817.º do Código Civil, 820.º, n.º 1 e 863.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, “atento a aplicação, à contrário, do disposto no artigo 822.º, 823.º e 824.º” do mesmo diploma legal, conforme o defende o Apelante?
Vejamos a matéria de facto assente nos autos.
Assim, temos que à data da entrada da acção executiva em Tribunal – 12 de Abril de 2012 – encontrava-se em dívida, em relação ao executado e ora Apelado M. D…, a quantia global de € 7.663,93 e que correspondia às seguintes parcelas:
- 6.484,48 € a título de capital;
- juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 22,25%, e o imposto de selo à taxa de 4%.
Encontram-se já penhoradas nos autos as seguintes importâncias:
- € 551,74 a título de créditos de IRS dos executados;
- quantia mensal variável, que corresponde a uma penhora que tem o limite de 1/3 do valor mensal processado aos executados [e de forma a garantir que estes recebam sempre um montante mensal disponível não inferior ao salário mínimo nacional], que incide sobre o vencimento do executado L… e da pensão de reforma do executado M. D…, quantias essas que ascendem a mais de € 500,00 mensais.
Em relação ao imóvel penhorado nos autos, temos que o mesmo é da titularidade do ora Apelado e executado, M. D…, e que lhe foi atribuído o valor de € 155,43 justificado pelo facto de ser esse o seu valor matricial. Esse valor, porém, mostra-se totalmente desajustado.
Com efeito, bastaria ter-se em consideração o valor reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, na reclamação de créditos apresentada, enquanto credora hipotecária, em que reclama o valor de € 2.161,97 para se compreender o desacerto do valor indicado na penhora.
Aliás, veja-se ainda o valor pela mesma atribuído, quando foi ouvida sobre a modalidade e preço de venda deste imóvel, em que indica como valor de venda € 60.000,00.
Acresce que estamos perante um imóvel que constitui a casa de morada de família dos executados, pessoas que, para além desta execução, não têm qualquer outra execução.
Por outro lado, como património dos executados, que não foi objecto de qualquer penhora, temos:
- duas viaturas automóveis, uma delas, registada em nome do executado L. D… [o veículo automóvel marca ... …, matrícula …, de 2002 e cuja contrato com a exequente fundou a presente execução] e uma outra, registada em nome do executado M. D… [veículo automóvel marca .. …, matrícula …, de 2001];
- o recheio da casa de morada de família;
- eventuais créditos bancários.
Ora, muito embora no actual sistema executivo não haja, por regra, lugar à procedência de despacho judicial determinativo da penhora, certo é que, quando esta tem lugar, o juiz não pode deixar de fiscalizar a legalidade e a proporcionalidade da penhora a autorizar, nos termos do disposto nos artigos 821.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 834.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Esses mesmos princípios, que presidem ao processo executivo, devem ser observados pelo agente de execução e, em caso de dúvida, submetidos à apreciação jurisdicional, nos termos do artigo 809.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Como podemos constatar da leitura do artigo 834.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a penhora deve efectuar-se pela ordem preferencial ali indicada e sem prejuízo dessa mesma penhora poder ser reforçada ou substituída nas situações previstas pelo n.º 3 desse mesmo preceito legal.
No presente caso, e como já acima deixamos assinalado, para além de haver já bens penhorados e que podem garantir a satisfação da dívida por parte do exequente, há também outros bens que poderiam ter sido objecto de penhora, pela ordem indicada no citado artigo 834.º, n.º 1, e em relação aos quais nada foi observado, em desrespeito, aliás, pela ordem indicada no preceito em causa.
Pretender inverter o fim da execução e da própria penhora, esquecendo quer o princípio da proporcionalidade, quer a observância da ordem a respeitar nas penhoras, que se encontra legalmente consagrada, pugnar pela manutenção da penhora do imóvel que constitui a casa de morada de família dos executados, omitindo o seu real valor de mercado - que é de pelo menos € 60.000,00 – para pagamento de uma dívida da co-responsabilidade do executado e ora Apelado, que se cifra no montante de € 7.663,93 e perante a existência de outras penhoras já realizadas e sem efectuar aquelas que legalmente estava obrigado a observar, nomeadamente a do veículo automóvel que deu causa à execução, é que se revela um exercício contra a letra da lei.
Acresce que não se descortina em que medida a decisão proferida possa ofender o disposto no artigo 817.º do Código Civil, preceito que se limita a afirmar que o credor tem o direito de obter a satisfação do seu crédito à custa do património do devedor, nos termos declarados naquele Código e “nas leis de processo”. Ora, como podemos observar pelo disposto no artigo 834.º do Código de Processo Civil, há uma linha de actuação que o exequente não cumpriu e, como tal, o resultado dessa omissão só ao mesmo pode ser imputada, como o foi, na decisão em recurso, ao determinar o levantamento da penhora do imóvel, por excessiva, mantendo as demais penhoras efectuadas.
No caso, também não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 863.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, invocado pelo exequente, uma vez que o executado utilizou o meio legal correcto para defender os seus interesses, no caso, deduziu oposição à execução baseado na inadmissibilidade da extensão da penhora realizada que, no caso, abrangeu o imóvel que constitui a sua casa de morada de família, no contexto que acima já se deixou expresso.
Concluindo, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância encontra-se correctamente fundamentada, é clara e resulta da aplicação das disposições legais que regem esta matéria, não merecendo qualquer reparo pelo que, é de manter.
IV. DECISÃO
Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 18 de Junho de 2013
Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros