Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
331/1995.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PARTILHA EM VIDA
DOAÇÃO
HERDEIRO LEGITIMÁRIO
CONFISSÃO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
QUITAÇÃO
TORNAS
PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERAR A DECISÃO
Sumário: 1. A doação conjuntiva de partilhas, denominada no artigo 2029.º do CC por “partilha em vida”, traduz-se numa doação com traços especiais, na medida em que, muito embora, se verifiquem os efeitos translativos do direito sobre os bens doados, tal não ocorre em virtude de mero espírito de liberalidade do doador, já que este tem em vista partilhar, ainda em vida, os seus bens pelos presumíveis herdeiros legitimários, de modo a evitar questões futuras entre eles, após a morte daquele, ou até a manter a unidade de determinados bens.
2. A declaração de quitação do credor face devedor consiste no reconhecimento do acto de pagamento, nessa medida favorável ao devedor e desfavorável ao credor, pelo que constitui uma prova por confissão, a qual, quando espontânea, pode ser prestada por procurador especialmente autorizado, nos termos dos artigos 352.º e 356.º, nº 1, do CC.
3. Tratando-se de confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, reveste força probatória plena, como prescreve o nº 2 do artigo 358.º do CC.
4. Essa confissão pode ser infirmada em dois planos distintos:
a) - com fundamento em inadmissibilidade da confissão ou em vício que afecte a própria validade formal ou substancial do acto confessório, nos termos previstos, respectivamente, nos artigos 354.º e 359.º do CC;
b) - por impugnação directa da eficácia probatória da confissão, com vista a provar não ser verdadeiro o facto que dela foi objecto, nos termos do artigo 347.º do CC.
5. Na hipótese da al. a), põe-se em crise a admissibilidade ou a validade do próprio acto jurídico da confissão, ao qual, não obstante revestir natureza de declaração de ciência, a lei sujeita, em princípio, a um regime similar ao da ineficácia do negócio jurídico, como deflui do disposto no artigo 359.º do CC; na hipótese da al. b), apenas se impugna o valor probatório da confissão.
6. Nos termos do artigo 347.º do CC, incumbe ao confitente, para ilidir a prova legal plena da confissão, alegar e provar que não ocorreu o facto por ela compreendido, mas com as restrições especialmente previstas nos artigos 351.º, 393.º e 394.º do CC, não podendo assim fazê-lo mediante prova por presunção judicial nem por prova testemunhal, a não ser que seja meramente contextual ou complementar dos outros meios de prova autorizados.
7. Assim sendo, perante a declaração confessória de quitação quanto ao pagamento das tornas, prestada na escritura de doação pelo procurador da A. especialmente autorizado para o efeito, incumbia a esta provar que tal pagamento não ocorrera, nos termos do citado artigo 347.º, com referência ao artigo 358.º, nº 2, e em derrogação do preceituado na norma geral do nº 2 do artigo 342.º do CC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

         I – Relatório

1. E …, na qualidade de herdeira legitimária das heranças deixadas por seus pais A…e M…, veio intentar a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, junto do Tribunal Judicial de …, contra MR… e mulher MI…, alegando, em resumo, que:
         - em 17 de Março de 1978, o pai e a mãe da A. e do 1º R., casados em regime de separação de bens, intervindo o pai em nome próprio e em representação da A., outorgaram a escritura de doação conjuntiva e parti-lhas reproduzida a fls. 13 a 48, nos termos da qual os primeiros doaram ao R. quase todos os seus bens imóveis, sitos no concelho de …, pelos respectivos valores matriciais;
- na referida escritura, ficou declarado que o R. já tinha tornado à A. as quantias de 47.552$00 e de 160.728$00, respectivamente, quanto aos bens do pai e da mãe da A., tendo o procurador da A. declarado, no próprio acto, ter a A. já recebido as indicadas importâncias e assim ficar paga de quanto lhe pertencia nessa partilha; 
         - porém, o R. e os seus pais, ao agir dessa forma, conluiaram-se com vista a enganar a A. e excluí-la da parte que em tais bens lhe viria a pertencer nas suas legítimas paterna e materna;
         - para tal efeito, em princípios de 1978, o pai da A. e do R., instigado por este, apresentou àquela uma minuta de procuração a conferir-lhe poderes, ao que ela acedeu, mas instruindo o procurador no sentido de se realizar uma verdadeira partilha;
         - desse modo, os pais da A. e o R. declararam, abusivamente contra a vontade daquela, uma partilha que não queriam, dissimulando uma doação a favor do R. em prejuízo da A., bem sabendo que o valor dos bens era muito superior ao ali declarado e que o R. não pagou qualquer preço ou tornas à A., pois nem o R. nem o pai da A. lhe entregaram qualquer quantia.
         - o pai da A., tentando remediá-la dessa situação, por testamento de 12/5/1980, dispôs a favor dela a sua quota disponível, mas, quando já se encontrava doente e incapacitado, acabou por revogar tal testamento em 29/8/1984, legando de novo bens a favor do R..;
         - por sua vez, a mãe da A. outorgou, em 23/11/1984, um testamento em que dispôs a sua quota disponível a favor da A. e doou-lhe ainda, por escritura de 7/10/1985, uma casa com reserva de usufruto;
         - os actos manifestados pelos pais da A., através dos referidos testamentos, revelam que a disposição de doação e partilha declarada na escritura de 17-3-1978 era falseada, quanto ao propósito de dividir os bens entre A. e R., como presumíveis herdeiros, visando apenas iludir a A., conforme o planeado pelo mesmo R..        
         Conclui pedindo que:
   a) - em primeira linha, se declare nulo e de nenhum efeito o referido contrato de partilhas, ordenando-se o cancelamento do respectivo registo, com a consequente restituição de todos os bens às heranças dos pais da A. ou os respectivos valores resultantes de alienações eventualmente efectuadas pelo R.;
   b) - no caso de o R. haver alienado qualquer bem objecto da escritura em causa, seja aquele declarado devedor da herança pelo preço recebido no seu património a ser objecto de execução em liquidação de sentença;   
   c) - a admitir-se a validade da doação dissimulada, deve a mesma ser sujeita a colação e imputável nas quotas indisponíveis das respectivas heranças;
   d) - subsidiariamente, no caso de vir a ser declarada nula a escritura de partilhas em vida pelo seu valor simulado, deve o negócio ser convertido ou reduzido e o R. condenado a liquidar a dívida de tornas à A. no valor de 12.500.000$00 e de 3.400.000$00 relativo, respectivamente, ao valor dos bens doados e partilhados pela mãe e pelo pai da A., valor esse actualizável pelos índices da inflação até à data da propositura da acção, acrescido dos juros de mora a contar da citação;
   e) - no caso de vir a ser declarada válida a referida doação e parti-lha, deve o R. ser condenado a pagar as dívidas de tornas de 47.552$00 e de 160.728$00 relativas, respectivamente, aos bens doados e partilhados pela mãe e pai da A., actualizáveis e acrescidas de juros moratórios, nos termos anteriormente mencionados.
2. Na contestação, os R.R. invocaram a ilegitimidade da 2ª R. e a caducidade do direito peticionado, tendo ainda impugnado os factos alegados pela A., salientando, além do mais, que as tornas haviam sido pagas e que os bens compreendidos na escritura em causa não tinham os valores indicados por aquela. Em sede de reconvenção, o R. invocou a usucapião, pedindo que, se fosse declarada nula a doação, deveria ser-lhe reconhecida a propriedade dos bens em causa.   
3. Na réplica, a A. respondeu às excepções deduzidas e à matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência.
4. Foi proferido despacho saneador, a relegar o conhecimento das excepções deduzidas para final, seguindo-se a selecção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.
5. Procedeu-se à realização da audiência final, com gravação da prova, tendo sido julgados os factos controvertidos conforme despacho de fls. 1152 a 1155.
6. Por fim, apresentadas que foram alegações de direito, foi proferida sentença a julgar:
A) - improcedentes tanto a excepção dilatória da ilegitimidade da R. como a excepção peremptória da caducidade;
B) - parcialmente procedente a acção:
   a) - condenando-se o 1º R. a pagar à A. as quantias de € 237,19 (equivalente a 47.552$00) e de € 810,70 (equivalente a 160.728$00), acrescidas das actualizações devidas em função da aplicação dos índices de preços no consumidor, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, para o período compreendido entre Março de 1978 e Maio de 1995, bem como dos juros moratórios, vencidos e vincendos, sobre as quantias actualizadas, desde a data da citação;
   b) - absolvendo o 1º R. dos demais pedidos e a 2ª R. de todos os que contra ela foram formulados;     
c) - considerando-se assim prejudicada a pretensão reconvencional.
7. Inconformado com tal decisão, o 1º R. apelou dela, formulando as seguintes conclusões:
1ª - A prova dos factos constitutivos do seu direito competia exclusivamente à A, designadamente, a prova de que não havia recebido o pagamento das tornas, seja do R., seja do procurador;
2ª - Ainda assim, o facto de a A. haver alegado no art. 11º da pi que não recebeu as tornas do R. ou do procurador, não permite, por si só, concluir que o R. as não tenha pago efectivamente;
3ª - Da conjugação do disposto nas alíneas 6ª e 8ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida e da resposta negativa dada ao quesito da BI, resulta que o R pagou as tornas devidas à A. e que o procurador desta deu a respectiva quitação desse recebimento;
4ª - Para além do art. 3º da BI, não constava qualquer outro artigo que pudesse ser provado pelo R., designadamente no sentido de que havia entregue ao procurador da A. a quantia devida a título de tornas e que este nessa qualidade as recebera naquela data;
5ª - Nos termos do disposto no art. 511º, nº 1, do CPC, cabia ao tribunal seleccionar a matéria de facto considerada como relevante para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis quanto à questão de direito controvertida;
6ª - Não ficou a constar da BI qualquer facto que permitisse ao R. provar que tinha pago as tornas ao procurador da A., aquando da celebração da escritura referida na 4ª al. da fundamentação fáctica da sentença recorrida, porquanto o Mmº. Juiz que elaborou o saneador considerou que a eventual prova de que as tornas não tinham sido pagas à A. consubstanciava um facto constitutivo do direito por esta alegado;
7ª - Perante a ausência de matéria de facto que permitisse concluir que o R. não pagou as tornas devidas pela escritura referida na alínea 4ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida, não poderia o tribunal “a quo” condená-lo nesse pagamento, descurando a presunção de cumprimento que foi conferida pela quitação prestada pelo procurador da A.;
8ª - Ao condenar o R. no pagamento das tornas, por considerar que sobre aquele incidia o ónus da prova do seu pagamento, enquanto facto extintivo desse direito, o tribunal “a quo” violou o dispostos no arts. 342.º, nº 1, e 798.º do CC;
9ª - Conforme consta da alínea 3ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida, a A. voluntariamente constituiu o seu pai como procurador para a escritura de doação e partilha, outorgando--lhe poderes: "(...) para em seu nome aceitar a doação...para outorgar na escritura de partilha dos mesmos bens..., recebendo a signatária tornas do valor correspondente aos mesmos bens... Todos estes poderes incluem os de requerer, assinar, dar quitação...";
10ª - Da escritura referida na alínea 4ª da fundamentação fáctica da sentença consta uma declaração de quitação formulada pelo procurador da A., nos termos descritos nas alíneas 6ª e 8ª daquela fundamentação de facto da sentença recorrida;
11ª - Entre 1978 e 1995, durante 17 anos, a A. conviveu com o pai, mãe e até com o próprio R., sem que alguma vez tivesse reagido perante aqueles contra a escritura de doação e/ou daqueles tivesse reclamado o não pagamento de quaisquer tornas - cfr. alíneas 12ª, 15ª e 16ª da fundamentação fáctica da sentença e resposta negativa ao quesito 12º da BI.
12ª - A propositura da presente acção pela A. surge apenas porque esta, em 1995, constatou a obrigatoriedade de retornar à herança o excesso de bens que em vida recebera por conta da legítima de sua mãe e que lhe era imposta pela doação da casa apalaçada referida na alínea 21ª da fundamentação fáctica da sentença;
13ª - Entre 1978 e 1995, o R. agiu publicamente como o dono (que era) dos bens mencionados em 5ª e 7ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida, utilizando a casa de habitação (cfr. alínea 32ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida), pagando as despesas impostas ao direito de propriedade sobre os bens em causa (cfr. alínea 33ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida), vendendo pinheiros e eucaliptos (cfr. alínea 30ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida), registando a seu favor os bens mencionados em 5ª e 7ª (cfr. alínea 31ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida), tudo sem qualquer oposição da A. (cfr. alínea 34ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida);
14ª - Em 1995 já não era possível ao R. apresentar quaisquer documentos comprovativos de um pagamento efectuado em 1978, porquanto já havia decorrido o prazo legal que obrigava os bancos a manter disponíveis os extractos bancários e demais documentos comprovativos daquele pagamento;
15ª - Em 1995, quer o seu pai (procurador da A.), quer a mãe desta, outorgantes na escritura de doação, haviam já falecido (cfr. alíneas 23ª e 24ª da fundamentação fáctica da sentença);
16ª - Constituindo a escritura referida em 4ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida um documento autêntico e tendo sido julgados improcedentes os pedidos de nulidade deduzidos pela A. quanto àquele acto formal, não podia deixar de se considerar como válidas e eficazes as declarações de quitação produzidas por quem detinha legitimidade e competência para o efeito;
17ª - Não é de admitir que a mera impugnação efectuada pela A., insurgindo-se pela primeira vez contra a escritura, 17 anos após a sua celebração, e não logrando provar a irrelevância das declarações de quitação ali constantes, tenha por efeito a desvalorização dessas mesmas declarações;
18ª - O valor probatório das declarações de quitação constantes das alíneas 6ª e 8ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida teria de ter sido avaliado pelo tribunal “a quo” em conjugação com os restantes meios de prova produzidos nos autos;
19ª - O depoimento da testemunha F… (à data de 1978, ajudante de notário no Cartório de …, e que elaborou a escritura referida em 4ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida, sendo na presente data a única testemunha viva que presenciou directamente tal acto), foi no sentido de que o procurador da A. confirmou o pagamento das tornas pela A. (cfr. depoimento gravado no sistema informático habilus, conforme acta da audiência de 16 de Dezembro de 2008);
20ª - O depoimento da testemunha F… não foi contrariado por qualquer outro meio de prova, e quando conjugado com as restantes provas produzidas, com os demais factos considerados como provados nos autos e com a dificuldade de prova inerente ao tempo já decorrido entre a fase da instrução e a data da ocorrência dos factos, teria de ter constituído prova suficiente de que o R. pagou efectivamente as tornas devidas à A. por via da escritura em causa e que o fez naquele mesmo acto, entregando as quantias em causa ao procurador daquela;
21ª - Por conseguinte, as provas produzidas impunham considerar que o R. pagou as tornas à A. aquando da celebração da escritura referida em 4ª da fundamentação fáctica da sentença recorrida;
22ª - O tribunal “a quo” errou ao condenar o R. no pagamento das tornas, por considerar que o ónus da prova se tinha por invertido, não tendo sido efectuada prova do seu pagamento.
         Pede o apelante que seja revogada a sentença na parte que condenou o R ao pagamento das tornas, respectivas actualizações e juros, devendo considerar-se as tornas como efectivamente pagas.
8. Por sua vez, a A./apelada apresentou contra-alegações, em que conclui nos seguintes termos:
   1ª - Deve manter e confirmar-se a decisão “a quo”;
   2ª - Não resultou da prova produzida nos autos qualquer inversão do ónus da prova, que ilegalmente onerasse o Recorrente;
   3ª - É jurisprudência uniforme e doutrina unânime, que nas acções de condenação de incumprimento contratual, e, no caso sub judice, se pediu o seu cumprimento, o ónus de prova do seu cumprimento, cabe ao Recorrente como facto extintivo do direito do autor, nos termos e por força do art.º 342.º, n° 2, do CC, o que, nos autos, o Recorrente não conseguiu provar;
   4ª - Não impede a manutenção do encargo da prova do cumprimento da prestação das tornas reais, devidas à Recorrida, a cargo do Recorrente, a existência de uma procuração minutada pelo Pai do Recorrente e Recorrida e assinada pela Recorrida, onde se inseriu poderes para dar quitação dos valores recebidos, quando se veio a comprovar que os fins definidos nela - " receber tornas correspondente ao valor dos bens, e ser fixados pelos doadores” - se desvirtuaram, pelo conluio entre o representante da Recorrida e sua mulher e o Recorrente, ao virem atribuir valores a esses bens, muito inferiores ao que sabiam ser o real, (simulação de valor) - na resposta positiva aos quesitos 2º e 4º a 9º), pelo que se encontrava em crise a declaração de quitação contida nessa procuração, tornando-a irrelevante, tanto mais, que o funcionário notarial, apenas comprovou que o procurador lhe disse que já as havia recebido, numa escritura de partilhas em que se fixou os valores dos bens, pelos valores matriciais desactualizados, como se de uma escritura de doação se tratasse.
   5ª - E face ao exposto da conclusão anterior, requer-se o conhecimento oficioso da simulação do valor das tornas, as quais, por padecerem, por comum acordo entre os intervenientes da escritura de doação e partilha dos bens imóveis, de valores muito inferiores aos valores reais, que todos sabiam conhecer, em 1978, pelo que deve condenar-se no pagamento de tornas que venham a corresponder ao valor mais aproximado do vale verdadeiro dos bens, sem que o presente recurso, necessite, de ser alargado no seu objecto;
   6ª - Para tanto, deve assim confirmar-se, a sentença recorrida, com o conhecimento oficiosa e respectiva decisão sobre o valor simulado das tornas devidas à Recorrida, com as consequências legais e alteração das custas judiciai.
 
         Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

         II – Delimitação do objecto do recurso           

         Como é sabido, nos termos consignados nos artigos 684.º, nº 2 e 3, 690.º, nº 1, e 690.º-A, nº 1, do CPC, na redacção em vigor antes das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 303/2007, de 24-8, o objecto do recurso é delimitado com base no teor das conclusões do recorrente e, quando for caso disso, na ampliação que, a título subsidiário, o recorrido tenha requerido ao abrigo do artigo 684.º-A, nº 1 e 2, do mesmo Código.
         Na presente acção, foram julgadas, em 1ª instância, improcedentes as pretensões da A. que visavam, em primeira linha, a declaração de nulidade da doação conjuntiva e partilha sub judice, fundada em simulação, com a consequente restituição dos bens doados às heranças dos pais da A., e, a título subsidiário, a conversão ou redução daquele negócio, quanto aos valores ali declarados no sentido de serem reconhecidos os valores reais dos bens. E apenas foi julgada procedente a pretensão, também subsidiária, de condenação do R. no pagamento à A. das tornas por aquele assumidas na referida escritura.
         Sucede que a A. não interpôs recurso dos segmentos decisórios que decretaram a improcedência das sobreditas pretensões, pelo que sobre eles recaem os efeitos do caso julgado material, nos termos do nº 4 do artigo 684.º do CPC, o que impede, desde logo, o conhecimento oficioso da simulação do valor das tornas pretendido pela recorrida na conclusão 5ª das respectivas contra-alegações.
         Resta, pois, apreciar, no âmbito do presente recurso, interposto pelo 1º R., as questões suscitadas no domínio do segmento decisório respeitante à condenação no pagamento das tornas.
         Tais questões cingem-se a apreciar, em primeira linha, o invocado erro de direito sobre a repartição do ónus de prova relativa ao alegado pagamento ou não pagamento dessas tornas e, em caso de improcedência dessa questão, saber se a prova produzida e indicada pelo R. autoriza ainda assim ao reconhecimento de tal pagamento.                  
     
         III – Fundamentação   
 
1. Factualidade dada como assente pela na 1ª Instância

Vem dada como assente, na sentença recorrida, a seguinte factualida-de:
1.1. A Autora (A.) e o Réu (R.) M.R…, filhos de A… e de M. – al. A) da especificação (esp.);
1.2. A A. nasceu em 2 de Novembro de 1942 e o R. nasceu em 30 de Novembro de 1938 - certidões de nascimento de fls. 47 e 48;
1.3. Num fim-de-semana do início de 1978, o pai da A. e do R. MR…, entregou à A. uma minuta de procuração, datada de 6 de Janeiro de 1978, que esta assinou, na qual se consigna, além do mais, que a A. confere ao seu pai, no seguintes termos:
(...) os poderes necessários para em seu nome aceitar a doação que lhe vai ser feita por seu pai e por sua mãe de bens situados no concelho de …. Mais lhe confere os poderes necessários para outorgar na escritura de partilha dos mesmos bens os quais serão atribuídos em propriedade plena a seu irmão e também donatário, MR…, recebendo a signatária tornas do valor correspondente aos mesmos bens, valor este que será fixado pelos doadores. Todos estes poderes incluem os de requerer, assinar, dar quitação e de um modo geral praticar todos os actos necessários aos aludidos fins e que desde já considero firmes e válidos"
- al. J) da esp.;
1.4. Em 17 de Março de 1978, no Cartório Notarial de …, foi celebrada escritura pública denominada "doações e partilhas", na qual intervieram como primeiros outorgantes A…e M…, intervindo aquele também na qualidade de procurador da A., e como segundo outorgante o R. MR… - al. B) da esp. e resp. aos  arts. 4º e 9º da base instrutória (b.i.);
1.5. Na escritura mencionada em 1.4, M…declarou doar aos seus filhos, os ora A. e R. MR…, os imóveis:
- NÚMERO UM: Prédio rústico composto de terra de mato e pinhal, sito …, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO DOIS: Prédio rústico composto de terra de cultura com onze oliveiras, sita às Terras, freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de seiscentos e vinte escudos, e omisso na Conservatória do Registo Predial;
NÚMERO TRÊS: Prédio rústico composto de terra de cultura, com oitenta e duas oliveiras, vinha, mato, pinhal e eucaliptos, sito em …, dita freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, com o valor matricial de doze mil oitocentos e oitenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO QUATRO: Prédio rústico composto de terra de cultura com treze oliveiras, sito em …, dita freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil setecentos e quarenta escudos e omisso na referida Conservatória do Registo Predial de …;
NÚMERO CINCO: Prédio rústico composto de terra de cultura com cento e oitenta oliveiras, vinte tanchas, quarenta fruteiras e setecentas e vinte videiras, em …, dita freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de quarenta e sete mil cento e sessenta escudos e descrito na dita Conservatória, sob os números …
NÚMERO SEIS: Metade indivisa de um prédio rústico composto de terra de semeadura, pinhal, mato e setenta oliveiras, sita em …, dita freguesia de …, inscrita na matriz sob o artigo …, com o valor matricial correspondente à fracção, de três mil setecentos e noventa escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO SETE: Um terço indiviso de um prédio rústico composto de terra de cultura com cento e cinquenta e quatro oliveiras, sendo vinte caducas, vinha e fruteiras, sito em …, dita freguesia de …., inscrita na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de quatro mil quinhentos e cinquenta e quatro escudos, correspondente à fracção e descrito na dita Conservatória de …, sob o número …;
NÚMERO OITO: Prédio rústico composto de terra de cultura com vinte e quatro oliveiras e mato, em …, dita freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil duzentos e oitenta escudos e descrito na dita Conservatória de …, sob o número …;
NÚMERO NOVE: Prédio rústico composto de pinhal e mato, sito à …, dita freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil novecentos e quarenta escudos, e descrito na dita Conservatória de …, sob o número …;
NÚMERO DEZ: Prédio rústico composto de terra de mato e eucaliptos, atravessada pela linha de alta tensão, sita …, dita freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil quinhentos e oitenta escudos e descrita na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número … ;
NÚMERO ONZE: Prédio rústico composto de terra de cultura, com quarenta e seis oliveiras, mato e pinhal, sito …, dita freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de dois mil e seiscentos escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO DOZE: Prédio urbano composto de casa de habitação com duas lojas e dois andares, tendo no primeiro doze divisões e no segundo cinco divisões, com rossio, situado no lugar de …, freguesia de …, concelho de …, encontrando-se omisso na referida Conservatória do Registo Predial de … e inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de vinte e cinco mil novecentos e vinte escudos
- al. C) da esp. e resp. aos arts. 4º a 9º da b.i.;
1.6. Na  escritura mencionada em 1.4, ficou consignado o seguinte:
Os segundos outorgantes, nas qualidades em que respectivamente outorgam: aceitam a doação e que procedem à partilha dos identificados bens com a adjudicação de todos eles ao segundo outorgante MR…(...)" e que "(...) com a adjudicação atrás feita, o partilhante MR… leva a mais no seu quinhão a quantia de quarenta e sete mil quinhentos e cinquenta e dois escudos, que, no entanto, já tornou a sua irmã, declarando o seu procurador ter já recebido a indicada importância (... )”
- al. D) e E) da esp. e resp. aos arts. 4º a 9º da b.i.;  
1.7. Ainda na escritura mencionada em 1.4, A… declarou doar aos seus filhos, ora A. e R. MR…, os imóveis:
NÚMERO UM: Prédio Rústico composto de mato, pinhal e eucaliptos, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com o caminho, Nascente com E… e outros, sul com F… e poente com Er..., inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de onze mil novecentos e quarenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO DOIS: Prédio rústico composto de eucaliptos, em parte atravessado pela linha, sito em …, dita freguesia de …, a confrontar do Norte com a Estrada Municipal, nascente com J…, a sul com o caminho e a poente com o limite da freguesia, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de três mil quinhentos e quarenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO TRÊS: Prédio rústico composto por eucaliptos, sito em …, dita freguesia de …, a confrontar do Norte com J. e outros, nascente com Ju…, sul com A…e poente com o caminho, limite da freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, com o valor matricial de sessenta e dois mil e vinte escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO QUATRO: Prédio rústico composto de terra de mato e pinhal, sito em …, dita freguesia de …, a confrontar do Norte com …, a nascente com …, a sul com … e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de dezoito mil escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO CINCO: Prédio rústico composto por terra de pousio com vinte e duas oliveiras, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o caminho limite da freguesia, sul com …. e poente com a Estrada Nacional, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de novecentos e oitenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO SEIS: Prédio rústico composto de terra de cultura, com catorze oliveiras, pinhal e eucalipto, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com o limite da freguesia, nascente com …, sul com …e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de dois mil e duzentos escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO SETE: Prédio rústico composto de mato e pinheiros, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com …, sul com o caminho e poente com …, "inscrito na matriz sob o artigo…, com o valor matricial de duzentos e quarenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …, com o valor matricial de digo nove";
NÚMERO OITO: Prédio rústico composto por terra de cultura com dez oliveiras, setenta videiras e nove fruteiras, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o caminho, sul com …e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil novecentos e sessenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o número …;
NÚMERO NOVE: Metade indivisa de um prédio rústico composto por terra de cultura, pinhal, mato, setenta oliveiras, sito em …, a confrontar, no seu todo, do Norte com o caminho, nascente com a Estrada Nacional, a sul com …e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial, correspondente à fracção, de três mil setecentos e noventa escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO DEZ: Prédio rústico composto de terra de cultura com vinte oli-veiras, pinhal e mato, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte e nascente com a estrada, sul e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil e oitocentos escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o …;
NÚMERO ONZE: Dois terços indivisos de um prédio rústico composto por terra de cultura com cento e cinquenta e quatro oliveiras, sendo vinte caducas, vinha e fruteiras, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com …, sul com … e outros e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial, correspondente à fracção, de nove mil cento e seis escudos, e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob os números …;
NÚMERO DOZE: Prédio rústico composto por pinhal e mato, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com …, sul com … e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil e cem escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO TREZE: Prédio rústico composto de terra de cultura com cento e vinte oliveiras, pinhal, mato e eucaliptos, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o caminho, sul com o caminho e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de doze mil quatrocentos e vinte escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob os números …;
NÚMERO CATORZE: Prédio rústico composto de mato e quatro oliveiras, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com …, sul com … e poente com o caminho, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de duzentos e vinte escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO QUINZE: Prédio rústico composto por terra de cultura de cento e uma oliveiras, cento e quarenta videiras, duas fruteiras, pinhal, mato e eucaliptos, sito em …, na freguesia de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o caminho, sul e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo..., com o valor matricial de quarenta e oito mil trezentos e vinte escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob os números …;
NÚMERO DEZASSEIS: Prédio rústico composto por eucaliptos, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com …, sul com …e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de quatro mil trezentos e quarenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO DEZASSETE: Prédio rústico composto por eucaliptos, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com …, sul com …, a poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de seis mil e cem escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO DEZOITO: Prédio rústico composto por mato e pinhal, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com …, sul e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de mil novecentos e oitenta escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO DEZANOVE: Prédio rústico composto por terra com eucaliptos, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o caminho limite da freguesia, sul com o caminho e poente com …, inscrito na matriz sob artigo …, com o valor matricial de cinquenta e quatro mil e vinte escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …;
NÚMERO VINTE: Prédio rústico composto por terra de mato, pinhal eucaliptos, sito em …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o limite da freguesia, sul com …e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de trinta mil cento e quarenta escudos e omisso na Conservatória do Registo Predial de …;
NÚMERO VINTE E UM: Prédio rústico composto por eucaliptal, sito em  …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o caminho, sul com …e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo número …, com o valor matricial de trinta e três mil quinhentos e vinte escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob os números …;
NÚMERO VINTE E DOIS: Prédio rústico composto por eucaliptal, sito no …, freguesia de …, concelho de …, a confrontar do Norte com …, nascente com o …, sul com … e poente com …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor matricial de treze mil e setecentos escudos e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob os números …;
- al. F) da esp. e resp. aos arts. 4º a 9º da b.i.;
1.8. Na escritura mencionada em 1.4, ficou consignado que:
(...) disse ainda o doador em nome da sua filha e constituinte que para ela aceita a doação na parte que lhe toca, declarando o segundo outorgante que aceita a doação na parte que lhe diz respeito" e também que "o quinhão de cada partilhante é de cento e sessenta mil setecentos e vinte e oito escudos e será assim preenchido:
- o do partilhante MR… com a adjudicação da totalidade dos bens identificados, no valor global de trezentos e vinte e um mil quatrocentos e cinquenta e seis escudos, pelo que leva um excesso de bens no montante de cento e sessenta mil setecentos e vinte e oito escudos, que tornou a sua irmã;
- o da partilhante E…, com a quantia de cento e sessenta mil setecentos e vinte e oito escudos, em dinheiro, que o seu mandatário declarou ter já recebido e que com tal importância fica pago o quinhão da sua constituinte (...)”;
- al. G) da esp. e resp. aos arts. 4º a 9º da b.i.;
1.9. Os pais da A. e o seu irmão, o R. MR…, de comum acordo, atribuíram aos bens referidos em 1.4 e 1.6 valor muito inferior ao que sabiam ser o real – resp. aos arts. 2º e 4º a 9º da b.1.;
1.10. Na data da celebração da escritura pública, mencionada em 1.4, a A. vivia no seu apartamento sito na Rua …, e de – al. H) da esp. na redacção reformada;
1.11. Nessa altura, o R. MR… deslocava-se muitas vezes a casa do seu pai, em …, freguesia de …, concelho de … - al. I) da esp.;
1.12. A A., aos fins de semana, deslocava-se à P… e aí convivia com os seus pais -  al. J) da esp.;
1.13. Em 17 de Março de 1978, no Cartório Notarial de …, o pai da A. emitiu uma declaração denominada "testamento" na qual declarou, além do mais, que: “(...) pelo presente testamento e por conta da sua quota disponível, faz os seguintes legados:
A - a sua referida filha E…, lega uma sexta parte indivisa da parte que lhe corresponde digo indivisa do imóvel que possui na Rua …, inscrito na matriz urbana da freguesia da …, concelho de …, sob os artigos vinte e quatro e cento e um, anotando que se vier a vender o referido prédio, a sua referida filha, após o falecimento dele testador, não poderá reivindicar o valor do legado que agora aqui se lhe faz;
B - ao seu mencionado filho MR…, lega metade indivisa do imóvel urbano com quintal, pátio e dependências, que possui no lugar de …, freguesia de …, concelho de …, inscrito sob os artigos… (metade), urbanos”;
- al. M) da esp.;
1.14. Em 12 de Maio de 1980, no Décimo Primeiro Cartório Notarial de …, o pai da A. emitiu uma declaração denominada "testamento" na qual declarou, além do mais:
(...) que é casado no regime de separação de bens com M. … descendentes. Que nesta conformidade, institui herdeira de toda a quota disponível da sua herança, a sua filha E…, solteira, maior. Que assim, dá por findo o seu testamento com o qual revoga qualquer outro de data anterior, designadamente o que outorgou no Cartório Notarial de …”;
- al. N) da esp.;
1.15. A A., como médica, já diplomada, assistia o seu pai, permanecendo junto dele muitas horas por dia, aos fins-de-semana, sendo o mesmo também era assistido por um colega médico da A., já falecido, que o medicava - resp. ao art. 14º-A da b.i.;
1.16. Em 1984, a A. ia quase sempre aos fins de semana a casa dos seus pais, na P…, para dar resposta aos problemas de saúde do seu pai, passando também posteriormente a conviver com a sua mãe, acompanhando-a sempre que podia - resp. ao art. 14º-B da b.i., na redacção reformada;
1.17. Em 29 de Agosto de 1984, no Quinto Cartório Notarial de …, o pai da A. emitiu uma declaração denominada "testamento" na qual declarou, além do mais, que, por conta as sua quota disponível deixa:
a) - a seu filho MR…, casado, todos os seus bens sitos na freguesia de …, concelho de …;
b) - a sua filha, E…, solteira, maior, uma sexta parte indivisa do imóvel que possui na Rua …, na freguesia da P…, concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob os artigos …. Que revoga qualquer outro testamento anteriormente feito
- al. O) da esp. e resp. ao art. 11º da b.i.;
1.18. A declaração mencionada em 1.17 foi assinada com um dedo do pai da A. - al. P) da esp.;
1.19. Na ocasião referida em 1.17, A… foi acompanhado ao Cartório Notarial pela sua mulher M…, pelo R. e pelas testemunhas que intervieram no testamento, Dr. …e D. … – al. AB da esp. na redacção reformada;
1.20. Quando a mãe da A. adoeceu, a A. assistia-a diariamente, prestando-lhe os cuidados como filha médica, levando-a aos médicos, assistindo-a na operação a um rim infectado e nos meses que se seguiram - resp. ao art. 14º-C da b.i.;
1.21. Por escritura pública de 7 de Outubro de 1985, na qual a A. figura como segunda outorgante, a mãe da A., M…, declarou, além do mais, que:
(...) doa, com reserva de usufruto sucessivo (sendo em primeiro lugar a favor da segunda, sua filha digo sucessivo) a seu favor, seguido do seu marido, consigo residente, o nua propriedade, do prédio urbano que compreende uma casa apalaçada dentro de logradouro, com torreão a nascente, a poente estufa, habitação de chaufeur e garagem, o norte habitação do caseiro, telheiro, capoeiras e curral, com a área coberta de duzentos sessenta e sete metros, dependências com cento e dez metros e logradouro com a área de dois mil setecentos e vinte e três metros, sito na Rua …, freguesia da P…, deste concelho, doação esta que é feito por conta da quota disponível (...)"
- al. Q) da esp.;
1.22. Em 23 de Novembro de 1984, na Secretaria Notarial de …, a mãe da A. emitiu uma declaração denominada "testamento" na qual declarou, além do mais, que:
"(...) institui herdeira da quota disponível do sua herança a sua filha E…, devendo essa quota disponível começar a ser preenchida com todo o recheio da sua casa da P…, onde tem a sua residência e com todos as suas jóias. E que assim termina esta sua disposição de última vontade, revogando este o seu testamento de 29 de A, digo, vinte e nove de Agosto do ano em curso";
- al. R) da esp.;
1.23. O pai da A. faleceu em 3 de Janeiro de 1986, vítima de arteriosclerose de predomínio cerebral - al. S) da esp.;
1.24. M…faleceu em 26 de Setembro de 1992 - al. AC) da esp. na redacção reformada;
1.25. Em 26 de Setembro de 1995, o R. requereu inventário facultativo por óbito dos seus pais, A…, o qual corre os seus termos no Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de …s, no processo n.° … al. T) da esp.;
1.26. A R. MI… casou com o R. MR… em 16 de Maio de 1978, no regime de comunhão de adquiridos - al. U) da esp.;
1.27. O casamento dos R.R. mencionado em 1.26 foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 3 de Junho de 1986, do …Juízo do Tribunal de …, a qual transitou em julgado em 19 de Junho de 1986 - al. V) da esp.;
1.28. 0 Reconvinte tem agido perante toda a gente como dono dos bens mencionados em 1.5 e 1.7, com o conhecimento da A. - asl. X) e Z) da esp.;
1.29. O ora Reconvinte pagou as Sisas e as contribuições autárquicas devidas pelos bens mencionados em 1.5 e 1.7 - al. AA) da esp.;
1.30. Durante esse período, o R. vendeu pinheiros e eucaliptos dos terrenos identificados nos autos - resp. ao art. 14º da b.i.;
1.31. O reconvinte efectuou registos de propriedade relativamente aos bens mencionados em 1.5 e 1.7 - resp. ao art. 15º da b.i.;
1.32. O Reconvinte tem ocupado e habitado a casa de habitação e promovido a exploração dos prédios rústicos mencionados em 1.5 e 1.7, desde a data aí mencionada até 10 de Abril de 1996, sem interrupções - resp. ao art. 16º da b.i.;
1.33. E tem pago do seu bolso as respectivas despesas, obras de reparação e beneficiação e recebido os respectivos rendimentos - resp. ao art. 17º da b.i.;
1.34. E sem qualquer oposição por parte da A. - resp. ao art. 18º da b.i..

2. Mérito do recurso

2.1. Enquadramento preliminar

Como bem ficou caracterizado na douta sentença da 1ª instância, as pretensões da A. inscrevem-se no âmbito de uma contrato designado por “doação conjuntiva e partilhas”, denominado pelo artigo 2029.º do CC “partilha em vida” e definido, no respectivo nº 1, como sendo “o contrato pelo qual alguém faz doação entre vivos, com ou sem reserva de usufruto, de todos os seus bens ou parte deles a algum ou alguns dos seus presumidos herdeiros legitimários, com o consentimento dos outros, e os donatários pagam ou se obrigam a pagar a estes o valor das partes que proporcionalmente lhes tocariam nos bens doados”.
Conforme se salienta na sobredita sentença, trata-se de uma doação com traços especiais, na medida em que, muito embora, se verifiquem os efeitos translativos do direito sobre os bens doados, tal não ocorre em virtude de mero espírito de liberalidade do doador, já que este tem em vista partilhar, ainda em vida, os seus bens pelos presumíveis herdeiros legitimários, de modo a evitar questões futuras entre eles, após a morte daquele, ou até a manter a unidade de determinados bens. Aliás, essa “natureza transaccional” está bem patente no facto de se permitir que os bens sejam doados a apenas alguns dos presumíveis herdeiros contra o pagamento aos demais de tornas pelo valor que proporcionalmente lhes tocaria na partilha dos bens doados.
No caso vertente, do factualismo dado por provado (pontos 1.4 a 1.9 da factualidade consignada acima), colhe-se que os pais da A. e do 1º R. outorgaram a escritura pública reproduzida a fls. 13 a 31, denominada “Doações e Partilhas”, datada de 17 de Março de 1978, nos termos da qual aqueles fizeram uma doação conjuntiva de alguns dos respectivos bens ao 1º R. com a obrigação de este pagar tornas à A. na proporção do valor dos bens doados.
Nesse acto intervieram tanto os pais da A. como o R. e a própria A., ali representada pelo seu pai com base na procuração reproduzida a fls. 32/ 33, datada de 6 de Janeiro de 1978, assinada pela mesma A., mediante a qual a signatária conferiu a seu pai os necessários poderes para, em seu nome, aceitar a sobredita doação e partilha dos bens a atribuir em propriedade plena ao seu irmão, o ora 1º R., na qualidade de donatário, e para receber as tornas da signatária correspondentes ao valor dos mesmos bens, a fixar pelos doadores, poderes esses que incluíam o de assinar e dar quitação (vide ponto 1.3 da factualidade provada).

Está também provado que, quanto aos bens doados pelo pai da A., estes ficavam adjudicados a MR…, ora R., o qual com essa adjudicação levava a mais no seu quinhão a quantia de quarenta e sete mil quinhentos e cinquenta e dois escudos, que, no entanto, já tornara a sua irmã, declarando o seu procurador ter já recebido a indicada importância (ponto 1.6).
E, quanto aos bens doados pela mãe da A., está provado (ponto 1.8) que o quinhão de cada partilhante era de cento e sessenta mil setecentos e vinte e oito escudos, a preencher da seguinte forma:
a) - o do partilhante MR…, ora R., com a adjudicação da totalidade dos bens identificados, no valor global de trezentos e vinte e um mil quatrocentos e cinquenta e seis escudos, levando por isso em excesso de bens no montante de cento e sessenta mil setecentos e vinte e oito escudos, que tornou a sua irmã;
b) - o da partilhante E…, ora A., com a quantia de cento e sessenta mil setecentos e vinte e oito escudos, em dinheiro, que o seu mandatário declarou ter já recebido e que com tal importância fica pago o quinhão da sua constituinte.
         Em suma, pelo procurador da A. foi então declarado e consignado na sobredita escritura que aceitava as doações feitas e ter já recebido as referidas importâncias que lhe cabiam a título de tornas, com as quais ficava pago o respectivo quinhão.  
         Porém, a A. veio, na presente acção, questionar que tal importância tenha sido paga pelo R., ao afirmar, no artigo 10º da petição inicial, que o R. não pagou qualquer preço ou torna à A., nem ele nem o pai da A. entregaram alguma vez qualquer quantia à mesma A., o que foi contraposto na artigo 63º da contestação, quando ali se afirma que “a A. não pode nem deve alegar que não recebeu as tornas que na verdade recebeu”. 
         Todavia, o tribunal “a quo” acabou por considerar que incumbia ao R. o ónus de prova sobre o aludido pagamento e que aquele não tinha logrado fazer essa prova.
        
Vejamos.
        
2.2. Da questão do pagamento das tornas

A questão fundamental a resolver consiste em saber sobre qual das partes recai o ónus de prova quanto ao pagamento das tornas aqui em causa.
Como refere a apelada é doutrina e jurisprudência assentes que, no âmbito de uma acção para cumprimento de uma obrigação pecuniária, caso seja suscitada a questão do pagamento, incumbirá ao R. o ónus de provar tal pagamento, nos termos do nº 2 do artigo 342.º do CC, já que se trata claramente de um facto excipiente extintivo da obrigação.
Mas daí não se segue que não haja excepções a essa regra, como é, por exemplo, o caso de invocação da prescrição presuntiva, em que, quando invocada, cabe então ao autor/credor provar que o pagamento presuntivo se não verificou, nos termos que decorrem do disposto no artigo 313.º, nº 1, do CC. De resto, tal solução está em sintonia com o disposto no nº 1 do artigo 344.º do mesmo Código, ao inverter o ónus de prova estabelecido nos artigos anteriores, em que se inclui o artigo 342.º, quando haja presunção legal. De igual modo, o artigo 350º do citado Código, em caso de presunção legal juris tantum, dispensa o respectivo beneficiário de provar o facto que a ela conduz, o que equivale a uma inversão do ónus probatório do facto presumido.
Mas no que ainda respeita à prova do pagamento, importa ter presente o regime relativo aos meios de prova para o efeito utilizados.
No caso vertente, a A., através, do seu procurador, declarou perante o R., no acto da escritura de doação e partilha, ter recebido as tornas devidas, considerando-se paga pelo valor correspondente ao seu quinhão. Trata-se, pois, de uma declaração de quitação feita pelo credor ao devedor em documento autêntico (a propósito, vide art. 787.º, nº 1, do CC).
Ora, nos termos do artigo 372.º, nº 1, do CC, traduzindo-se aquela declaração, como efectivamente se traduz, em acto percepcionado pela própria entidade documentadora - o notário -, o respectivo documento faz prova plena da ocorrência de tal declaração, o que só poderá ser ilidido mediante arguição de falsidade do documento, nos termos previstos no artigo 372.º do mesmo diploma, mas que aqui nem sequer vem questionado.
 Todavia, a eficácia dessa força probatória plena só alcança os ter-mos em que é feita a declaração, e já não a ocorrência da materialidade do facto objecto dessa declaração, ou seja, tem-se por plenamente provado que o declarante, por si ou por procurador bastante, disse ter recebido aquela importância e considerar-se pago, o que não significa, por si só, que se tenha por provado que esse pagamento ocorreu tal como foi declarado. Diferentemente será se o acto de pagamento ocorrer perante o notário e ele assim o atestar como percepção sua, o que implicará então, sem mais, a prova plena desse pagamento só ilidível por via da falsidade do documento, nos termos prescritos nos artigos 371.º e 372.º do CC.
Aqui chegados, resta agora saber quais as regras de prova sobre a verificação da materialidade do pagamento.
Antes demais, importa considerar que a declaração de quitação do credor face devedor constitui o reconhecimento do acto de pagamento, sendo, nessa medida, favorável ao devedor e desfavorável ao credor, pelo que constitui uma prova por confissão, a qual, quando espontânea, pode ser prestada por procurador especialmente autorizado, nos termos dos artigos 352.º e 356.º, nº 1, do CC. E tratando-se de confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, reveste também força probatória plena, como prescreve o nº 2 do artigo 358.º do CC.
No entanto, tal confissão pode ainda assim ser infirmada em dois planos distintos:
   a) - com fundamento em inadmissibilidade da confissão ou em vício que afecte a própria validade formal ou substancial do acto confessório, nos termos previstos, respectivamente, nos artigos 354.º e 359.º do CC;        
b) - por impugnação directa da eficácia probatória da confissão, com vista a provar  não ser verdadeiro o facto que dela foi objecto, nos termos do artigo 347.º do CC.
         Na primeira hipótese, põe-se em crise a admissibilidade ou a validade do próprio acto jurídico da confissão, ao qual, não obstante revestir natureza de declaração de ciência, a lei sujeita, em princípio, a um regime similar ao da ineficácia do negócio jurídico, como deflui do disposto no artigo 359.º do CC[1]. Na segunda hipótese, apenas se impugna o seu efeito e alcance probatórios.
No caso presente, a A. nem tão pouco arguiu a falsidade da escritura em apreço, tendo antes suscitado a questão de nulidade da doação ali formalizada, mormente com fundamento em simulação, questões estas que foram julgadas improcedentes, decisão de que a A. não recorreu, pelo que se encontra transitada em julgado. Está pois somente em aberto a questão do efeito probatório da declaração de quitação feita pelo procurador da A. na referida escritura. 
Ora, como se alcança do preceituado no artigo 347.º do CC, incumbe ao confitente, para ilidir a prova legal plena da confissão, alegar e provar que não ocorreu o facto por ela compreendido, mas com as restrições especialmente previstas nos artigos 351.º, 393.º e 394.º do CC, não podendo assim fazê-lo mediante prova por presunção judicial nem por prova testemunhal, a não ser que seja meramente contextual ou complementar dos outros meios de prova autorizados[2].
         Face ao quadro normativo em presença, uma vez que a declaração de quitação quanto ao pagamento das tornas foi objecto de confissão perante o credor, ora 1º R., prestada na escritura de doação pelo procurador da A. especialmente autorizado, incumbia a esta provar que tal pagamento não ocorrera, nos termos do citado artigo 347.º, com referência ao artigo 358.º, nº 2, e em derrogação do preceituado na norma geral do nº 2 do artigo 342.º do CC.     
Por isso mesmo, bem andou o Mmº Juiz que elaborou a base instrutória em ter formulado o artigo 3º na versão alegada pela A., portanto em harmonia com a repartição do ónus probatório, a cuja matéria foi dada resposta negativa. Assim, a sentença recorrida, ao considerar que tal ónus probatório recaía sobre o R., infringiu o preceituado nos artigos 347.º e 358.º, nº 2, do CC.
No entanto, sempre se dirá que, a entender-se que o ónus probatório do pagamento recaía sobre o R., nunca o tribunal “a quo” poderia ter concluído como concluiu, já que da resposta negativa ao artigo 3º da base instrutória se não pode inferir a falta de prova do pagamento. Para tanto, seria então necessário reformular aquele artigo na versão oportunamente alegada pelo R. e permitir que este produzisse prova sobre tal facto, na perspectiva dessa nova exigência probatória.  
De qualquer modo, por não se sufragar este entendimento, tem-se por boa a formulação daquele facto controvertido e, como a apelada não impugnou aquela resposta, a título subsidiário, ao abrigo do nº 2 do artigo 684.º-A, parte final, tem-se a mesma por adquirida para os autos.
É certo que a apelada traz à colação a referência feita na fundamentação da decisão de facto, no âmbito da resposta negativa ao art. 12º da base instrutória, quando ali se afirma que “as testemunhas M… e MC… referiram ainda algum desconforto da autora, mas por não ter recebido os tornas”. Porém, não obstante isso, o tribunal “a quo” deu como não provada a matéria vertida naquele artigo, em que se perguntava se “após a celebração da escritura mencionada em B), a A. reagiu contra a mesma perante os seus pais e o R. MR…?.
Daí se infere que tais depoimentos não foram convincentes, e muito menos no sentido da prova do não pagamento das tornas por parte do R., como lapidarmente se extrai da resposta negativa ao art. 3º da base instrutória. De resto, em conformidade com o que já acima ficou dito, nem essa prova testemunhal nem as ilações que dela se pudessem inferir por presunção judicial seriam, por si só, suficientes para ilidir a prova plena da confissão. 
Nem se mostra sequer relevante para o caso o facto de ter ficado provado que os outorgantes atribuíram, de comum acordo, aos bens doados valor inferior ao que sabiam ser real (ponto 1.9), tanto mais que, no processo de inventário, é permitido aos interessados acordar sobre os valores por que devem ser adjudicados os bens, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 1353.º do CPC, e que, como se refere na sentença de 1ª instância, os bens são ali relacionados pelo respectivo valor matricial (art. 1346.º, nº 2, CPC). Aliás, foi este um dos fundamentos em que se alicerçou o juízo de improcedência sobre a questão da alegada simulação do valor das tornas e que não pode agora, de modo algum, ser ressuscitada.
Posto isto, conclui-se que, provado como está por confissão extrajudicial com força probatória plena, não ilidida pela A., o pagamento pelo R. àquela das tornas a que se refere o contrato de doação e partilha em apreço, tem necessariamente de improceder a acção quanto à respectiva pretensão.  

         IV - Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar :
a) - procedente a apelação, revogando a sentença na parte recorrida; 
b) - improcedente a acção quanto ao pedido subsidiário de pagamento das tornas, absolvendo o R. do mesmo.
As custas da acção na parte revogada e as do recurso ficam a cargo da A.

Lisboa, 27 de Abril de 2010

Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado   
Rosa Maria Ribeiro Coelho
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[1] Neste sentido, vide Prof. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, 1985, pags. 560 e segs.
[2] No sentido exposto, vide: Prof. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª Edição, 1985, pags. 552; Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pag. 247; entre outros, acórdão do STJ, de 2-6-1999, BMJ nº 488, pag. 313 e segs.;  em sentido diverso, vide o Prof, Lebre de Freitas, que considera mesmo a confissão extrajudicial constante de documento autêntico, quando válida, dotada de eficácia probatória pleníssima, funcionando como uma presunção juris et  de jure - in A confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pag. 744 e 745.