Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3610/10.4TAALM.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: PROCESSO TUTELAR
PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Iº Em processo tutelar educativo, não é admissível recurso do despacho proferido no decurso da audiência, considerando nula a prova traduzida em declarações para memória futura de uma testemunha prestadas em processo-crime, junta em momento anterior;
IIº Em processo tutelar educativo, é de admitir a junção de certidão do auto de declarações de testemunha (menor vítima de crime contra a liberdade e auto-determinação sexual), prestadas para memória futura em processo-crime instaurado pelos mesmos factos, mesmo não tendo intervindo nesse processo o menor/arguido do processo tutelar, nem o seu defensor;
IIIº Não estando a defesa do menor/arguido, impedida de indicar outra prova que contradite aquelas declarações, de confrontar o menor com as mesmas, ou de as discutir em contra-argumentação, com a sua produção em audiência não são afectadas as exigências de contraditório e de possibilidade de defesa;
IVº Não tendo sido admitida a produção daquela prova em julgamento, ocorreu uma omissão de diligência reputada essencial para a descoberta da verdade, ou seja, a nulidade relativa prevista na al.d) do nº2 do art.120, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art.128, da LTE, que tem por consequência necessária a nulidade do próprio acórdão proferido, devendo ser reaberta a audiência de julgamento para que, na sua continuação, aquela prova possa ser produzida, discutida e valorada;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência na (5.ª) Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – Relatório.
I - 1.) No Tribunal de Família e Menores de Almada, o Ministério Público, nos autos em epígrafe, requereu a abertura da fase jurisdicional do processo tutelar educativo contra o menor A..., melhor identificado, imputando-lhe a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de três crimes de violação p. e p. pelo art. 164.º, n.º1, do Cód. Penal, e de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, ambos com referência ao art. 26.º do mesmo diploma.

Efectuado o julgamento e proferido o respectivo acórdão, veio o menor a ser absolvido de todas as referidas imputações, razão pela qual inconformado, recorreu o Ministério Público para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões:

1.ª - Discorda-se da douta sentença em crise por ser omissa quantos a elementos materiais recolhidos no local e tempo do ilícito com relevância criminal e por não atender prova testemunhal - depoimento da vítima - junta aos autos.
2.ª - A douta sentença em crise não faz referência a elementos materiais recolhidos no local e tempo da actividade ilícita com relevância penal: um casaco com capuz reconhecido como sendo pertença do menor agressor. Tal omissão inquina-a de nulidade, nos termos combinados do n.º 2 do art. 110.º, e art. 111.°, al. a), da Lei Tutela Educativa (Lei 166/99, de 14/09).
3.ª - No caso dos autos, daí também nossa discordância, está em causa não a validade de depoimento efectuado para memória futura no âmbito de um processo penal, figura não prevista na lei tutelar educativa nem exigida, como ressalta da formulação escolhida pelo legislador no n.º 4 do art. 66.° da LTE, mas antes a validade de elementos probatórios legais recolhidos em processo criminal conexo, e que no caso concreto se reporta a declarações prestadas por uma vitima menor de 16 anos de idade prestadas no processo criminal conexo perante juiz de Instrução. Com efeito,
4.ª - A Lei Tutelar Educativa contempla normas relativas à aquisição de provas designadamente no que concerne ás declarações de menores agressores e de vítima/ofendida, menor de 16 anos, art. 66° da LTE. Ver ainda o princípio enunciado na al. a) do art. 45.° da LTE, este relativamente ao menor agressor.
5.ª - Donde, ao importar-se, quanto a essa núcleo de questões, sem mais, normas processuais penais, como é feito viola-se o princípio da subsidiariedade vertido no art. 128.º da LTE.
6.ª - A razão de ser, em crimes contra a autodeterminação sexual de menores, da obrigatoriedade de prestação de depoimento de menor para efeitos de memória futura, no âmbito do processo penal, previsto no art. 271.° do Cód. Proc. Penal, prende-se com a protecção da vitima menor e no equilíbrio desta tutela com a tutela de garantir os direitos do arguido em processo penal, nos termos do estatuto deste previsto no normativismo processual penal em, processo criminal.
7.ª - No processo Tutelar Educativo não existem arguidos, e o estatuto de arguido, destinado a maiores de 16 anos, é acautelado no Cód. Processo Penal. Por seu turno, o conjunto dos direitos do agressor menor de 16 anos de idade vem previsto no art. 45° da LTE.
8.ª - São estatutos distintos. Do ponto de vista meramente formal, só por aí seria de entender que o acautelamentos dos direitos menores de 16 anos que pratiquem factos qualificados como ilícitos criminais, havendo normas próprias na LTE, o justo equilíbrio desse acautelamento com o de outros sujeitos tutelados em Processo Tutelar Educativo não tem de passar por recurso ao Cód. Proc. Penal. Só por aí seria de entender a não aplicabilidade do disposto no art. 271.º do C.P.P em sede de situações abrangidas pela LTE.
9.ª - O n.º 4 do art. 66.° da LTE prevê a questão das declarações de vítima menor de 16 anos cujos interesses também são acautelados na Lei Tutelar Educativa.
10.ª - Extrai-se do indicado normativo uma maior protecção deste tipo de vítima - menor de 16 anos - na medida em que só prestará declarações quando a autoridade judiciária o entender por conveniente.
11.ª - Necessário é que a aquisição dessa prova seja feita de forma legal. Protege-se aqui, pois, em maior grau o interesse da vitima menor de 16 anos, do que propriamente o escopo de direitos do menor agressor, salvaguardados no art. 45° da LTE.
12.ª - Na expressão escolhida pelo legislador na LTE, seu art. 66.º, n.º 4, “o ofendido é inquirido quando a autoridade judiciária (...) o entender (...) conveniente” tem de acolher o depoimento de vítima menor de 16 anos inquirida perante juiz de instrução, na presença de magistrado do Ministério Público e de advogados. Esse é um acto solene, e garantístico, tenham as declarações da vítima menor de 16 anos sido prestadas no âmbito de prestação de depoimento para memória futura ou outro tipo de acto judicial, em processo criminal.
13.ª - O art. 106.º, n.º 2, al. b), da LTE, conjugado com o indicado 66.º, n.º 4, prevê e permite a leitura de tais depoimentos.
14.ª - A douta sentença absolutória em crise, cuja fundamentação faz tábua rasa de tal depoimento, por via de despacho nulo, o que oportunamente se invocou, está pois inquinada de nulidade, por errada interpretação e aplicação de normativismo processual penal já que se olvidam as regras próprias do processo Tutelar Educativo, ao invocar normas processuais penais, nos termos em que o fez, designadamente a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119.°, do Cód. Processo Penal, inquina de nulidade, e é violado o disposto no art. 128.° da LTE que apenas manda aplicar o Código de Processo Penal, subsidiariamente, o que não é o caso por dispor a LTE de normativismo próprio e, consequentemente, também viola o disposto nos art.ºs 66.º, n.º 4 e 106.º, n.º 2, al. b), todos da LTE.
Termos em que deve ser declarado nula a douta sentença absolutória e ordenado a repetição do julgamento.

I – 2.) Não foi apresentada qualquer resposta.
I – 3.1.) Posto que o Digno recorrente não tenha dado cumprimento à especificação constante do n.º 5 do art. 412.º, do Cód. Proc. Penal (aqui aplicável subsidiariamente ex vi do art. 128.º da LTE), ou seja, a indicação de eventuais recursos retidos nos quais mantém interesse, a verdade é que, dos autos se evidencia que na acta da sessão de julgamento que teve lugar no dia 27/09/2011, o Ministério Público havia interposto um outro, reagindo ao despacho então proferido pela Mm.ª Juiz Presidente (cfr. fls. 246 a 248), que considerou nula a prova traduzida nas declarações para memória futura da testemunha B... prestadas em processo crime, junta em momento anterior.

I – 3.2.) Nesse recurso (cfr. fls. 269 a 282), mostram-se formuladas as seguintes conclusões:

1.ª - O douto despacho recorrido, lavrado em acta na sessão de audiência do ITE, em 27/09/2011, a fls. 245 (será antes 246), declara nula prova já admitida pela mesma juiz a quo e instância jurisdicional por despacho de 15/07/11, a fls. 166.
2.ª - Ao pronunciar-se, sem mais, sobre questão já decidida nos autos, viola o princípio do caso julgado.
3.ª - A Lei Tutelar Educativa contempla normas relativas à aquisição de provas designadamente no que concerne ás declarações de menores agressores e de vítima/ofendida, menor de 16 anos, art. 66° da LTE. Ver ainda o princípio enunciado na al.a) do art. 45° da LTE, este relativamente ao menor agressor.
4.ª - Donde, ao importar-se, quanto a essa núcleo de questões, sem mais, normas processuais penais, como é feito no Despacho em crise, viola-se o principio da subsidiariedade vertido no art. 128° da Lei n.º 166/99, de 14/12 - LTE.
5.ª - A razão de ser, em crimes contra a autodeterminação sexual de menores, da obrigatoriedade de prestação de depoimento de menor para efeitos de memória futura, no âmbito do processo penal, previsto no art. 271° do Cód. Proc. Penal, prende-se com a protecção da vitima menor e no equilíbrio desta tutela com a tutela de garantir os direitos do arguido em processo penal, nos termos do estatuto deste previsto no normativismo processual penal em, processo criminal.
6.ª - No processo Tutelar Educativo não existem arguidos, e o estatuto de arguido, destinado a maiores de 16 anos, é acautelado no Cód. Processo Penal. Por seu turno, o conjunto dos direitos do agressor menor de 16 anos de idade vem previsto no art. 45° da L TE.
7.ª - São estatutos distintos. Do ponto de vista meramente formal, só por aí seria de entender que o acautelamentos dos direitos menores de 16 anos que pratiquem factos qualificados como ilícitos criminais, havendo normas próprias na LTE, o justo equilíbrio desse acautelamento com o de outros sujeitos tutelados em Processo Tutelar Educativo não tem de passar por recurso ao Cód. Proc. Penal. Só por aí seria de entender a não aplicabilidade do disposto no art. 271° do C.P.P. em sede de situações abrangidas pela LTE.
8.ª - O n.º 4 do art. 66° da LTE prevê a questão das declarações de vitima menor de 16 anos cujos interesses também são acautelados na Lei Tutelar Educativa.
9.ª - Extrai-se do indicado normativo uma maior protecção deste tipo de vítima - menor de 16 anos - na medida em que só prestará declarações quando a autoridade judiciária o entender por conveniente.
10.ª - Necessário é que a aquisição dessa prova seja feita de forma legal. Protege-se aqui, pois, em maior grau o interesse da vitima menor de 16 anos, do que propriamente o escopo de direitos do menor agressor, salvaguardados no art. 45º da LTE.
11.ª - Na expressão escolhida pelo legislador "o ofendido é inquirido quando (...) o entender conveniente" tem de acolher o depoimento de vítima menor de 16 anos inquirida perante juiz de instrução, na presença de magistrado do Ministério Público e de advogados. Esse é um acto solene e garantístico, tenham as declarações da vítima menor de 16 anos sido prestadas no âmbito de prestação de depoimento para memória futura ou outro tipo de acto judicial, em processo criminal.
12.ª - No caso dos autos, daí a nossa discordância, está em causa não a validade de depoimento efectuado para memória futura no âmbito de um processo penal, figura não prevista na lei tutelar educativa nem exigida, como ressalta da formulação escolhida pelo legislador no n.º 4 do art. 66.° da LTE, mas antes a validade de elementos probatórios legais recolhidos em processo criminal conexo, e que no caso concreto se reporta a declarações prestadas por uma vitima menor de 16 anos de idade prestadas no processo criminal conexo perante juiz de Instrução.
13.ª - O Despacho judicial em crise faz errada interpretação e aplicação de normativismo processual penal olvidando as regras próprias do processo Tutelar Educativo, pelo que ao invocar normas processuais penais, nos termos em que o fez, designadamente a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119°, do Cód. Processo Penal, inquina de nulidade o despacho em crise, o que atempadamente foi invocado.
14.ª - O despacho em crise peca ainda por excesso de pronúncia.

I - 3.3.) Não foi apresentada uma vez mais qualquer resposta.

II – Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta teve vista do processo.
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Procedeu-se a exame preliminar.
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Correram os vistos indicados no art. 418.º do Cód. Proc. Penal.
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Após o que, teve lugar a conferência.
III - 1.) O recurso interlocutório acima mencionado, pese embora a aparente linearidade que lhe é emprestada nos autos, não deixa de esconder, ainda assim, alguns problemas de natureza processual.
Desses, o menos relevante acaba por ser a mencionada não especificação no recurso da decisão final do interesse na sua subida, já que o temos por manifesto, em face da repristinação que aí se opera da questão formulada e de parte importante da sua argumentação, posto que também se aceite que não haja uma total sobreposição de todos os seus fundamentos.

Já significativa, é para nós a questão da aparente falta de fundamento legal para a sua admissibilidade.

Percorrendo o art. 121.º da LTE, no qual se enumeram as situações em que na mesma se permite recorrer, nelas não encontramos cabimento para a situação que temos em presença.

A decisão em causa não põe fim ao processo, não aplica, desaplica ou mantém medida cautelar, também não a revê, não recusa impedimento deduzido contra juiz ou o Ministério Público, da mesma forma que não condena ninguém no pagamento de quaisquer importâncias.
Na nossa opinião, também não afecta igualmente direitos pessoais do menor (quando muito, numa certa lógica, o recurso é que poderá ter esse efeito), da mesma maneira que não tem como escopo a salvaguarda de um qualquer posição subjectiva dessa natureza por parte da ofendida, aqui entendida como terceiro.

A finalidade que moverá o recorrente é assim meramente processual, ou seja, de prossecução do apuramento verdade material tendo em vista aferir da necessidade de aplicação de eventuais medidas educativas.
*
O despacho que recebeu o recurso também não esclarece essa incidência. Foi proferido em acta, sem a apresentação da respectiva motivação, deixando em olvido também o seu regime de subida.

Certo é que foi objecto de sustentação, conforme se alcança de fls. 373.

Tal como sucede em outros ordenamentos adjectivos especiais em que situações desta natureza também podem suceder (v.g. o caso dos despachos interlocutórios em processo contra-ordenacional), a circunstância de uma determinada decisão relevante para o objecto do processo não encontrar guarida numa possibilidade efectiva de recurso directo deve conduzir sempre ao repensar da oportunidade da sua prolação, sob pena de se introduzirem indesejáveis desarmonias ou de tramitação ou de adequação do decidido.

E isso é tanto mais relevante, quando, como no caso dos autos, a decisão final não faz a menor alusão à questão da desconsideração efectuada da referida prova, no entendimento pressuposto de que o problema havia sido tratado no despacho anterior.

Quiçá, uma eventual solução sem descontinuidades para esse problema, passaria pela produção da prova em questão em sede de audiência e depois pela sua não valoração efectiva, nomeadamente pelos motivos referidos. Essa seria, possivelmente, a perspectiva que melhor se adequaria à principiologia e estrutura processual da LTE e ao tipo de decisão proferida.

É que aqui chegados, outra solução não nos resta do que rejeitar o recurso em causa, por inadmissibilidade (art.ºs 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal), o que para todos efeitos se determina.

Ainda assim, iremos indagar da possibilidade de um entendimento alternativo ao perfilhado no quadro processual ora criado, tendo em vista não frustrar as finalidades subjacentes aos recursos interpostos e ao que se entenda ser a boa decisão da causa.

IV – 1.) Para isso, como temos por habitual, vamos conferir primeiro a factualidade que se mostra definida no acórdão recorrido:

Factos provados:
Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) Cerca das 20h00 do dia 17 de Outubro de 2010, a ofendida B..., de 13 anos de idade e as amigas C... e D... encontravam-se na Estação Ferroviária do P....
2) Nesse local, encontravam-se também o E..., o F..., conhecido por "ch…", G..., conhecido por "K...", H... (acusados no processo n.º 1243/10.4PAALM), todos maiores de 16 anos e o jovem/arguido A..., também conhecido por "Ko….".
3) Este grupo abordou a ofendida e as amigas.
4) As jovens separaram-se.
5) Os elementos mais velhos do referido grupo começaram a apalpar nos seios, coxas e zona genital da B....
6) Seguidamente a ofendida foi para uma estrada de terra batida.
7) Como a ofendida B... se debatia os elementos mais velhos do grupo, deram-lhe pontapés e bofetadas.
8) A ofendida ficou magoada na zona da cabeça.
9) Alguns dos referidos elementos mais velhos do grupo tiraram-lhe à força as calças, rasgaram-lhe as cuecas, tiram-lhe a blusa e o soutien;
10) Tendo a ofendida ficado completamente nua.
11) E com medo.
12) Acto contínuo, alguns membros do grupo que a rodeavam apalparam-na na zona genital.
13) Então, pelo menos dois indivíduos do grupo, o E... e o H..., com os pénis erectos penetraram por diversas vezes e à vez na vagina da ofendida B....
14) Contra a vontade desta.
15) A dada altura o grupo foi surpreendido pela presença no local de agentes policiais.
16) O que motivou a fuga apressada de todos para diversos locais.
17) O jovem A... sabia que a ofendida B... era menor de idade.
18) Ficou amedrontada e receosa pela sua integridade física.

Não se provou que:
1 - No dia 17 de Outubro de 2010, cerca das 15h50, a ofendida B..., de 13 anos de idade encontrava-se na Estação Ferroviária do P..., na companhia das amigas C... e D....
2 - Quando as menores se encontravam junto às escadas rolantes ali existentes foram abordadas pelo E... e outro indivíduo não identificado que agarraram a B....
3 - Na oportunidade referiram que a levavam para uma casa abandonada denominada "bunker".
4 - Porém, a ofendida conseguiu libertar-se.
5 - A ofendida e as amigas retomaram depois para o mesmo local.
6- O H... é também conhecido por "Dan…".
7 - Nessa ocasião, todos os referidos indivíduos que ali se encontravam decidem, em comunhão de esforços e de vontades, manter relações sexuais, mesmo contra a vontade, com a ofendida B... e as amigas, nem que para tal tivessem de recorrer à força física.
8 - Na execução desse desígnio a ofendida B... e as amigas são abordadas.
9 - Por terem medo da "abordagem", começaram a fugir.
10 - Não obstante isso, o referenciado grupo de indivíduos começa de imediato a persegui-las.
11 - Por força disso as jovens separaram-se.
12 - A ofendida encetou a fuga pela estrada de alcatrão junto à linha de comboio.
13 - Aí é alcançada pelo grupo " perseguidor" onde se encontrava o jovem/arguido A....
14 - Começando o jovem/arguido A..., inserido no grupo imediatamente a apalpá-la nos seios, coxas e zona genital.
15 - Seguidamente conduziram-na para uma estrada de terra batida.
16 - Aí, retiraram-lhe à força um fio de ouro que a ofendida trazia ao pescoço, dele se apoderando.
17 - A ofendida ficou a sangrar do nariz da boca.
18 - Sempre na prossecução dos seus desígnios, juntamente com o restante grupo, o jovem/arguido A... tirou-lhe à força as calças, rasgou-lhe as cuecas, tirou-lhe a blusa e o soutien.
19 - A ofendida ficou aterrorizada e em pânico.
20 - Acto contínuo, todos os membros do grupo que a rodeavam, incluindo o A..., apalparam-na na zona genital.
21 - Então o jovem arguido A..., com o pénis erecto penetrou, por diversas vezes e à vez na vagina da ofendida B....
22 - Não obstante a vítima se debater, os referidos indivíduos, incluindo o A..., ainda lhe introduziram os dedos na vagina.
23 - Quando um dos membros se preparava para introduzir o pénis erecto na vagina da ofendida foi surpreendido pela presença no local de agentes policiais.
24 - O jovem arguido A... sabia que a ofendida não tinha tido até então qualquer tipo de contacto sexual.
25 - O jovem arguido A... quis e conseguiu manter relações sexuais com a ofendida B..., bem sabendo que agia contra a vontade desta.
26 - O jovem arguido A... agiu em comunhão de esforços e vontades, com os outros indivíduos, logrando desta forma, praticar os factos acima descritos, beneficiando da superioridade numérica.
27 - O jovem arguido A... agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Porque tal matéria releva igualmente para a apreciação do presente recurso, vejamos também o que se deixou exarado em abono deste veredicto de facto:

A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, assentou na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência; em concreto, o Tribunal teve em consideração as declarações prestadas pelo menor em audiência de julgamento, tendo este negado, no essencial, os factos imputados, afirmando que apesar de estar inserido no referido grupo de rapazes que no mencionado dia, às 20H00, estavam na estação ferroviária do P... e que ali se deslocaram porque a B... enviou um SMS a um deles para se encontrarem, não praticou qualquer dos factos mencionados, tendo apenas assistido ao mesmos. Foram os elementos mais velhos do grupo, o F..., o E..., o G... e o H... que terão abordado a ofendida B..., e alguns deles praticado cópula e outros actos sexuais de relevo com a mesma, o que inicialmente ocorreu com a concordância da B.... Quando a mesma se começou a recusar e a debater, bateram-lhe. Mais declarou conhecer as amigas D... e C... e a B... da zona da Ar..., onde elas iam ver os jogos de futebol do seu grupo de amigos. Quando apareceram os elementos policiais, fugiu tal como todos os outros, não tendo visto mais nada. O jovem A... confirmou ainda saber a idade da B.... Negou qualquer conversa ou combinação anterior entre os jovens com vista à prática de actos sexuais com a B... ou as amigas, tendo ido todos atrás de um deles que foi chamado pela B.... De acordo com as regras de experiência comum o jovem A..., assistindo aos factos apurados teve que ter consciência de que a B... terá, pelo menos, ficado amedrontada e receosa pela sua integridade física.
A testemunha ouvida, o agente da PSP, T1..., que se deslocou ao local quando chamados, viu a ofendida no chão mas não esteve com a mesma. Não assistiu a qualquer facto, tendo apenas encetado uma perseguição ao grupo mas sem êxito.
A testemunha T2..., inspectora da PJ e que conduziu a investigação deslocou-se ao local no dia dos factos mas a nada assistiu, não tendo conhecimento directo dos factos e só viu a vítima no dia seguinte, tendo constatado que a mesma apresentava hematomas e arranhões em várias partes do corpo, designadamente na cabeça, joelhos, braços e costas.
Considerou-se ainda o teor do relatório social com avaliação psicológica de fls. 95 e ss, a reportagem fotográfica de fls. 4 a 11, 19 a 22, 36 e 37, 42 a 51.

IV – 2.) No que concerne à primeira questão suscitada, a relativa à não alusão na fundamentação do acórdão recorrido ao referido casaco com capuz encontrado no local dos factos e que terá sido reconhecido com sendo pertença do menor, julgamos ser medianamente claro que não existe qualquer nulidade no acórdão, mormente a apontada na decorrência dos art.ºs 110.º, n.º 2 e 111.º, al. a), da LTE.

Como é sabido, a finalidade primordial que o exame crítico das provas tem em vista assegurar, é a de tornar patente os «elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.»

Trata-se de uma actividade que todavia não tem que ser esgotante, no sentido de ter de abarcar todos e quaisquer elementos probatórios existentes no processo ou produzidos em audiência.
O que releva, isso sim, é que se apresente uma exposição concisa dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e se explicite o percurso lógico que se percorreu para atingir o resultado final a que se chegou.
E isso está conseguido na decisão posta em crise.

Mas também num outro plano, este agora mais decisivo, aquela referência se nos afigura dispensável.

É que, a menos que tal peça de vestuário fosse portadora de algo mais, que não se alega, nem se colhe dos autos que exista (v.g. vestígios de sémen ou ADN da vítima), de modo a aportar um relacionamento mais directo do respectivo autor com a infracção praticada, então, só nesse quadro é que a aludida omissão ganharia relevância, por traduzir a falta de referência a um elemento importante, qualitativamente diferente do que se fez constar da matéria de facto provada.

Por outras palavras:
O que é que a prova em causa pode significar nos termos em que é invocada?
Basicamente, que o menor esteve no local onde as referidas condutas ofensivas da liberdade sexual da vítima tiveram lugar.

Ora percorrendo a matéria de facto considerada provada, nunca na mesma se põe em causa que aquele ali não tivesse estado.
Donde, tais “indícios” nada acrescentarem de relevante ao que se teve por adquirido.

IV – 3.1.) No que concerne ao problema essencial colocado por estes autos, o que se relaciona com o valor a conferir às declarações da ofendida recolhidas em sede de memória futura em processo crime, talvez não seja despiciendo, para melhor o compreenderemos, fazer aqui algum recenseamento da sua contextualização processual.

Perante as dificuldades em obter a comparência da testemunha B..., a menor vítima dos factos, o que estava a conduzir a diversos adiamentos do julgamento, o Ministério Público, a fls. 157.º, veio a requerer entre o mais, “que o Tribunal se dign(ass)e solicitar ao 1.º Juízo Criminal, ao processo comum colectivo n.º 1243/10.4PAALM (da qual este emerge), certidão do auto de declarações prestadas para memória futura, a fls. 765/766, e suporte digital em CD, relativas à menor (…)”.

O que mereceu o despacho de fls. 166: “Defere-se o requerido pelo MP. DN”.

Sobre este ponto, importa determo-nos um pouco mais, para introduzirmos aqui um breve comentário.
Com é bom de ver, e contrariamente ao que foi sustentado em outro lugar, não se interpõe com este despacho qualquer caso julgado obstativo de uma pronúncia posterior sobre tal matéria.
É que reconduzido ao seu contexto, o que despacho em causa realmente determina, é que se solicite o elemento em questão. Como temos por óbvio, tal anuência não envolve qualquer juízo sobre a admissibilidade daquele meio de prova, tanto mais que, naquele momento, a Mm.ª Juiz não podia conhecer o respectivo conteúdo.
Quanto muito, poder-se-ia legitimar como adquirida a sua simples junção futura aos autos, pelo menos, num primeiro momento.

A “questão do CD” é trazida de novo na sessão de julgamento de 27 de Setembro de 2011, aparentemente por iniciativa da Mm.ª Juiz, em função de mais um adiamento motivado pela ausência da testemunha B....

Desse despacho e da respectiva argumentação retiraremos as seguintes linhas de força argumentativas:

- No referido processo 1243/10.4PAALM não é interveniente processual o menor/arguido destes autos, nem a sua defensora oficiosa.
- A prova relevante é a que é produzida em audiência pública de julgamento, sendo apenas esta a que o tribunal pode valorar na elaboração da sua decisão.
- Em função daquela exterioridade a tal processo, nem o menor nem a sua Defensora tiveram oportunidade de ali assegurar a sua defesa.
- Assim, não foi possível fazer cumprir o princípio do contraditório, estruturante na Constituição da República Portuguesa e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da mesma maneira que o princípio de igualdade de armas.
Pelo que tal prova seria nula ex vi do art. 119.º, al. c), do CPP (ausência do arguido ou do defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência).

Precisamente um mês depois, na sessão de julgamento de 27 de Outubro, a questão volta a colocar-se, agora nos seguintes termos:

“Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público (…) no uso da mesma disse:

“Em relação à testemunha B... uma vez que face à impossibilidade de a fazer comparecer prescinde-se do seu depoimento presencial.
Contudo, uma vez que foi ouvida em declarações perante autoridade judiciária, no caso o Juiz, com presença do Ministério Público e advogados, em que tudo está documentado nos autos, não se prescinde da audição do seu depoimento ao abrigo do art. 66.º, n.º 4 e 106.º, n.º 2 da LTE.”

O que mereceu o seguinte despacho:

“O tribunal já se pronunciou sobre a audição das declarações acima mencionadas pelo Ministério Público, nada mais tendo a acrescentar, sendo certo que se encontra pendente recurso que irá ser apreciado pelo Tribunal Superior”.

IV - 3.2.) Posto que não subscrevamos na sua integralidade a perspectiva conferida pelo Ministério Público no tratamento deste problema, somos ainda assim em dele convergir nas suas grandes linhas orientadoras e sentido finalístico.

É inquestionável que o menor e a sua Defensora não tiveram intervenção processual nos mencionados autos com o NUIPC 1243/10.4PAALM, que a prova relevante é a que é produzida em audiência, e que os princípios do contraditório, da igualdade de armas e do processo equitativo são estruturantes perante o disposto na Constituição da República Portuguesa e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Ainda assim cabe perguntar: não existe espaço para que no caso em apreço, aquela importação probatória se possa fazer, não como declarações para memória futura, mas como declarações valorizáveis dentro de um espaço legalmente autorizado e que de alguma forma dê guarida às objecções acima apontadas?
Supomos que sim!

IV – 3.3.) A inquirição sobre a forma de memória futura de vítima de crime contra a liberdade auto-determinação sexual é uma exigência legal decorrente do n.º 2 do art. 271.º do Cód. Proc. Penal, a qual tem em vista prevenir, como é sabido, eventuais efeitos de vitimização secundária, que em bom rigor não vemos que também não possam ser colocados em processo tutelar educativo.
E se na realidade a presença de Defensor tornou-se uma necessidade incontornável perante a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (pois que antes era facultativa), a solução não é totalmente simétrica em relação à do próprio arguido.

Não só não tem que aí estar (cfr. respectivo n.º 3), como aquele tipo de declarações pode ter lugar ainda que não existam arguidos constituídos, que nem todos os suspeitos estejam constituídos nessa qualidade, ou mesmo quando se desconheça a identidade dos suspeitos do crime (neste sentido, Paulo de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª Ed., pág.ª 271).

IV – 3.4.) Também em relação aos textos de natureza constitucional ou para-constitucional que são invocados para obstacularizar a eventual valorização daquela prova, haverá aqui que se obtemperar argumentos.

Como o consigna a Digna magistrada do Ministério Público na sua motivação, a posição de um menor face ao processo tutelar não é a mesma que a do arguido em relação ao processo penal.
Na primeira situação não existe a latência da aplicação de uma sanção de natureza tão gravosa como a prisão, nem o funcionamento de um sistema que pode ser fortemente estigmatizante, até em termos meramente processuais, que justifique a tecedura de um esquema garantístico da mesma natureza.

É óbvio que não se descartando a possibilidade da intervenção educativa também poder conduzir a situações que contendem com direitos liberdades e garantias, haja igualmente neste ordenamento a necessidade salvaguardar o “conteúdo essencial dos princípios consagrados na Constituição”.
Quais são eles: “o princípio da legalidade processual, o direito de audição, o princípio do contraditório ou o direito a constituir advogado”.
“A partir daqui, o processo perfilha uma orientação em que a formalidade e o consenso se combinam, na procura de uma eficácia permanente ligada a três noções: a dignidade do menor, a de tempo processual e a da interdecorrência entre exigências de educação e necessidade de protecção” (Anabela Rodrigues, António Duarte Fonseca, Comentário da Lei Tutelar Educativa, Coimbra Editora, 2003, pág.ª 22).

Note-se, com efeito, que o processo tutelar “é primacialmente ordenado ao interesse do menor”, no que se distingue também do processo penal. Mesmo havendo a aplicação de uma medida, esta “é orientada no seu interesse (cfr. art. 6.º, n.º2).
E nesta perspectiva, por mais paradoxal que possa parecer, a sua aplicação nunca se poderá assumir como um mal (tendo como horizonte comparativo, o penal, que se lhe aproxima e se fez aproximar), mas como uma condição de reinserção social.

Seja como for, quer isto significar então, que as apontadas exigências de contraditório e de possibilidade de defesa (identificadas pelo Tribunal recorrido), assumem aqui, ainda assim, limites relevantes para os quais haverá que encontrar solução satisfatória.
Ao assunto tornaremos.

IV – 3.5.) No que tange às declarações para memória futura que são objecto da controvérsia recursória, consultada a acta da diligência da respectiva tomada (cfr. fls. 171 a 173), não lhe detectamos qualquer desconformidade legal.

Foi realizada por Magistrado Judicial, estava presente o Ministério Público, os Defensores e Mandatários dos arguidos no processo, também uma técnica da DGRS para acompanhamento da testemunha menor, como mandam as boas práticas do art. 271.º, n.º 4, e os próprios arguidos.
O auto respectivo mostra-se devidamente assinado.
Nada pois a objectar em termos de observância de requisitos exigíveis em função do ordenamento de origem.
E como o efeito que se pretende extrair de tais declarações não é directo, não faz sentido falar aqui da sua nulidade.

Aliás, se bem o cotejarmos, o regime da prestação de ofendido menor de 16 anos na LTE (cfr. art. 66.º, n.º 3) é muito idêntico.

Na memória futura, a inquirição é realizada pelo juiz, quando na LTE é feita pela autoridade judiciária da fase do processo em que se encontrar.
Logo, até pode ser efectuada pelo Ministério Público.
Em ambos os casos, o Ministério Público e advogados podem formular perguntas adicionais (cfr. art. 271.º, n.º 5) sendo que esta regra, no processo tutelar, está obviamente dirigida para o julgamento e com exclusão da figura dos mandatários do assistente e partes civis.

Aliás, em bom rigor, na LTE aqueles primeiros apenas podem propor a formulação de perguntas adicionais.

IV – 3.6.) Estando assim, a nosso ver, reunidas as condições de base para uma eventual importação probatória (e só de um modo exclusivamente formal se poderá dizer que este é outro processo, tal a unidade factual que a ambos subjaz), vejamos agora os condicionalismos para a sua recepção.

De harmonia com o preceituado no art. 66.º, n.º 4, da LTE, “o ofendido é inquirido quando a autoridade judiciária, oficiosamente ou a requerimento, o entender conveniente para a boa decisão da causa”.

No caso em apreço, não havendo outras pessoas arroladas com conhecimento directo dos factos e sendo a testemunha em causa a respectiva vítima, esse interesse é indiscutível.
A boa decisão da causa, a menos que se prefigure a hipótese de uma confissão relevante, impõe essa audição, que aliás foi intentada pelo Tribunal.

Se assim se conclui, importa então de seguida examinar os termos em que na LTE se admite a leitura (aqui audição) de declarações.

O n.º 1 do art. 106.º respectivo, enuncia a primeira regra: se não se tratar de declarações do menor, seus pais, representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto, é permitida a leitura de “autos de qualquer das fases do processo tutelar”.

A seguinte, obtempera a anterior. Ou seja, em relação às declarações de tais pessoas inicialmente tidas por excluídas, a leitura já será possível se:
a) Resultar do pedido dos próprios, ou se não houver oposição, independentemente da entidade perante a qual tenham sido prestadas.
b) Se tiverem sido prestadas perante a autoridade judiciária.

No caso dos autos é claro que não estamos perante declarações no processo tutelar.
Mas também as que aqui interessam não se referem ao menor, a pessoa em relação à qual, note-se, a protecção garantística é concedida.

Como está dito, a sua prestação perante autoridade judiciária legitima a sua derrogação.
Na situação particular em presença aquela até é uma autoridade judiciária que se reveste de particular imparcialidade – o juiz de instrução criminal.
O processo em que foi prestado, ninguém o negará, é o que de forma paradigmática mais confere protecção aos direitos que tem em vista garantir.

Ora se assim é, o que relevantemente poderá obstar à valoração daquela prova?

Em função do que acima se disse, apenas e tão-só, a possibilidade de ao menor ser conferido espaço e oportunidade de sobre ela exercer o contraditório e o seu direito de defesa.

IV – 3.7.) Temos com efeito desta questão, uma noção menos rígida do que a patenteada pela Mm.ª Juiz a quo.
No fundo, aquelas declarações prestadas para memória futura não são algo, que, sem mais, se atribua prova plena ao que se mostrar narrado.

Elas podem ser objecto de discussão em audiência, a defesa não está impedida de indicar outra prova que a contradite ou nomeadamente fazê-la confrontar com o menor.
Pode também ser discutida em contra-argumentação. No limite, até poderão colocar-se questões que ao não poderem ser respondidas pessoalmente, sejam possíveis de infirmar aos olhos do Tribunal ou da Defesa, a sua credibilidade total ou sectorial…

Não há aqui pois nada de fechado, de inelutável e exterior à própria audiência. Na nossa perspectiva, aquele é um simples elemento probatório sujeito à livre apreciação do julgador.

IV – 3.8.) Ora se assim o entendemos, significa isso então que em sede julgamento ocorreu uma omissão de diligência reputada essencial para a descoberta da verdade, ou seja, a nulidade relativa prevista na al. d) do n.º 2 do art. 120.º do Cód. Proc. Penal, aplicável por força do art. 128.º da LTE, que tem por consequência necessária a nulidade do próprio acórdão proferido, já que este não teve a oportunidade de considerar a prova em questão.

Não podendo o recurso intercalar interposto valer como tal, serve em todo o caso para assinalar a sua arguição tempestiva, ainda que operada em termos legais não exactamente coincidentes mas de proximidade argumentativa.

Nesta conformidade

V – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se pois nesta Relação:
- Em rejeitar, por inadmissível, o recurso interlocutório apresentado pelo Ministério Público.
- Outrossim, na procedência daquele outro, também por si interposto da decisão final, em anular o douto acórdão proferido nestes autos, mais se determinando então a reabertura da audiência de julgamento para que, na sua continuação, a prova consistente nas declarações prestadas pela ofendida e testemunha B... em sede de memória futura no processo n.º 1243/10.4PAALM possa ser produzida, discutida e valorada.

Sem custas, naquele primeiro recurso, por delas estar isento o Ministério Público.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2012

Relator: Luís Gominho;
Adjunto: José Adriano;