Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1712/11.9TVLSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: ADVOGADO
CONFLITO DE INTERESSES
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: -A advogada que ao tempo em que acompanhou e assistiu juridicamente a sua cliente na negociação da compra e venda de um imóvel, era titular de parte do capital social da sociedade que interveio nesse negócio como compradora, agiu em claro conflito de interesses, incorrendo na violação de normas éticas a que estava obrigada, designadamente os artigos 76.º e 83.º n.º1 a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados.
-O dano que causou à sua cliente consiste no facto de esta não ter recebido o preço da venda do imóvel, no momento da celebração da escritura, nem decorridos vários anos após aquela data.
-O seguro de responsabilidade civil do advogado estabelecido no n.º 1 do art.º 104.º do EOA é de natureza obrigatória.
-Não é permitido à seguradora opor aos lesados excepções que se prendam com o incumprimento, por parte do segurado ou do tomador de seguro, de deveres contratualmente fixados.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa                  
                       
IRELATÓRIO:


M..., residente ...; e
P..., residente ...;
intentaram a presente acção declarativa, a seguir os termos da forma comum de processo (originalmente sob a forma ordinária de processo), contra,
M... LDA, pessoa colectiva nº ..., com sede ...
2º – A..., residente ...
3º – M..., advogada, com domicílio profissional ...
4º – A... COMPANY (EUROPE) com ...

Pediram que pela procedência da acção, o 1º, 2º e 3º réus fossem condenados solidariamente no pagamento das seguintes quantias:
a)-Euros 1.945.262,21 (um milhão novecentos e quarenta e cinco mil duzentos e sessenta e dois euros e vinte e um cêntimos) de capital.
b)-Euros 813.782,91 (oitocentos e treze mil setecentos e oitenta e dois euros e noventa e um cêntimos) de juros de mora vencidos.
c)-Juros de mora vincendos até integral pagamento, à taxa legal.
d)-Euros 50.000,00 (cinquenta mil euros) de indemnização por danos não patrimoniais.
Peticionaram ainda a condenação da 4ª ré no pagamento das quantias a cujo pagamento a 3ª ré venha a ser condenada, nos termos da apólice de seguro e até ao limite da mesma.

Invocaram, para tanto e em síntese, o seguinte:
-São os únicos herdeiros da herança deixada por óbito de M..., falecida em 2009.
-A 1ª ré é uma sociedade comercial familiar que tem por sócios o 2º réu e os filhos do mesmo, um deles a 3ª ré.
-Esta última é advogada, tendo prestado, nessa qualidade, serviços a M..., pessoa sobre a qual exercia grande ascendente psicológico e detinha poder de persuasão.
-Esta última desconhecia que a 3ª ré era sócia da 1ª ré.
-M... recebeu do 2º réu, pai da 3ª ré, uma proposta de compra de um prédio misto designado “Quinta de Santa Maria” sito na freguesia da Charneca da Caparica, a qual acabou por aceitar.
-O mesmo réu indicou como “veículo” para a concretização desse negócio, a 1.ª Ré.
-As negociações para a concretização dessa compra e venda foram efectuadas pela 3ª ré, enquanto advogada de M...
-A 3ª ré, descurando a defesa da sua cliente e por estar em conflito de interesses, não assegurou que o preço dessa compra e venda, que se veio a concretizar em escritura pública de 16 de Outubro de 2002, fosse imediata e totalmente pago no acto da transmissão do imóvel.
-Do mesmo preço – Euros 1.995.142,00 – M... apenas recebeu a quantia de Euros 49.879,79 a título de sinal.
-Até hoje o remanescente do preço não foi pago, vindo a vendedora a ser confrontada, apesar desse facto, com a liquidação de imposto, em sede de mais-valias, no valor de Euros 461.916,89 acrescidos de juros, o que motivou uma impugnação fiscal.
-A 3ª ré sempre afirmou junto de M... ser alheia aos negócios do seu pai, o que a segunda acreditou.
-A mesma advogou relativamente a pessoas cujos interesses estavam em conflito, tendo prejudicado deliberadamente a sua constituinte.
-Para sustação do processo de liquidação do imposto foi necessário prestar uma garantia bancária que importa um encargo trimestral de cerca de Euros 801.04, tendo-se vencido e sido pagos, pela mesma, juros no valor de Euros 12.034,75.
A factualidade exposta foi conhecida por M... pouco tempo antes do seu óbito, tendo-lhe causado sofrimento.
-Os mesmos factos foram causa de desgaste físico e psíquico para os autores, tendo estes ficado agastados e profundamente frustrados.
A 4.ª ré foi a primeira a apresentar contestação, tendo impugnado, por desconhecimento e falsidade a factualidade articulada pelos demandantes. Defendeu que a 3ª ré actuou apenas como interveniente no negócio imobiliário, estando essa actuação excluída da apólice.
Excepcionou a exclusão do sinistro da cobertura da apólice, sustentando que a 3ª ré tinha conhecimento dos factos que poderiam vir a gerar a reclamação desde 16 de Outubro de 2002 e apenas com a acção os mesmos foram dados a conhecer à seguradora. Alegou, ainda, que esses factos ocorreram em data anterior ao início do seguro celebrado entre ela e a Ordem dos Advogados.
Concluiu pela improcedência da acção.
Contestou, seguidamente, a 3ª ré, excepcionando a ilegitimidade dos autores, a incompetência territorial do tribunal, a litispendência e a prescrição da obrigação.
No mais, impugnou parcialmente a factualidade articulada pelos demandantes e excepcionou o pagamento integral do preço da compra e venda.
Concluiu pela procedência das excepções e improcedência do peticionado.
Contestaram, também a 1ª ré e o 2º réu, conjuntamente, arguindo as mesmas excepções que a 3ª ré e impugnando parcialmente a factualidade articulada pelos demandantes.   
Concluíram pela procedência das excepções e improcedência do peticionado, pedindo a condenação dos autores em indemnização como litigantes de má-fé.

Os autores apresentaram réplica em relação a cada uma das contestações, refutando as excepções alegadas e devolvendo à 1ª ré e 2º réu a imputação de litigância de má-fé.

Após declaração de incompetência das Varas Cíveis de Lisboa e já no Tribunal de Almada, realizou-se audiência prévia, na qual, após ter sido fixado o valor da acção, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade, litispendência e prescrição, tendo relegado para final a decisão da excepção peremptória de pagamento.

Definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova, sem reclamações.

Decorridos todos os trâmites legais, realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que decidiu:
I.-Julgar integralmente improcedentes os pedidos formulados pelos autores M... e P... contra os réus A..., M... e A... COMPANY (EUROPE), absolvendo estes desses pedidos.

II.–Julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores M... e P... contra a ré M..., LDA e, nessa medida, condenar a mesma ré a pagar-lhes:
1.-A quantia de Euros 1.945.312,21 (um milhão novecentos e quarenta e cinco mil trezentos e doze euros e vinte e um cêntimos) de capital.
2.-A quantia de Euros 379.895,49 (trezentos e setenta e nove mil oitocentos e noventa e cinco euros e quarente e nove cêntimos) de juros de mora vencidos sobre o referido capital desde a data da citação da ré para a acção até à presente data.
3.-A quantia correspondente aos juros de mora vincendos, desde esta data, sobre o mesmo capital, calculados à taxa supletiva legal de juros civis, até integral pagamento.

III.–Julgar improcedentes as imputações de litigância de má -fé dirigidas contra os autores M... e P... e contra os réus M... LDA e A..., absolvendo-os dos pedidos indemnizatório formulados a esse título.

Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e muito precipitada, tendo partido de pressupostos errados;
b)-Entendem os Recorrentes que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida;
c)-Considerando os depoimentos de parte dos autores, primordialmente, do autor P..., bem como a prova documental constante dos autos entendem os Recorrentes que a matéria constante do artigo 2.º dos temas da prova – cfr. alínea c) dos factos não provados, do artigo 11.º dos temas da prova – cfr. alínea k) dos factos não provados e do artigo 17.º dos temas da prova – cfr. alínea n) dos factos não provados, foi incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo (merecendo respostas ou análises criticas diversas às dadas pelo Tribunal a quo nos termos supra expostos), verificando-se um deficiente  ou inexistente exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção;
d)-Face ao teor dos já sobejamente mencionados depoimentos e documentos juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter julgado integralmente improcedentes os pedidos formulados contra os réus A..., M... e A... COMPANY (EUROPE), absolvendo estes desses pedidos;
e)-Pelo que, existe por parte do Tribunal a quo um erro notório na apreciação da prova, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto de decisão;
f)-O juízo emitido pelo Tribunal a quo contraria o que, à evidência, resulta de todos os elementos probatórios que constam do processo;
g)-Não pode, pois, colher a argumentação sustentada pelo Tribunal a quo na decisão proferida; 
Ainda que assim não fosse,
h)-Salvo melhor e mais sábio entendimento, da prova feita nos autos resulta a existência de matéria suficiente para se condenar, também, os réus A..., M... e A... COMPANY (EUROPE), nos termos peticionados pelos Recorrentes;
i)-Tal como plasmado supra, resulta dos pontos 3., 4., 6., 8., 16., 17. e 31. dos factos provados, que: (i.) a ré M... Lda. é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à construção civil, obras públicas, empreitadas, urbanizações, compra, venda e gestão de terrenos e edifícios, importação e exportação de todos os bens e serviços, no país ou no estrangeiro; (ii) o réu A... é gerente e sócio da ré M... Lda; (iii) M... negociou com o 2.º réu a venda de imóveis durante, pelo menos, 5 (cinco) anos; (iv.) o 2.º réu assinou o escrito intitulado “contrato promessa de compra e venda”, datado de 24 de Julho de 2000, junto sob a forma de cópia de fls. 440 a 442 e que aqui se dá por reproduzido, no qual consta que M... declarou prometer vender àquele, que declarou aceitar, pelo preço “global ajustado” de Esc. 810.000.000$00, o prédio descrito no nº 6 e um outro e que a mesma declarou ainda ter recebido nessa data a quantia de Esc. 10.000.000$00 “como sinal e princípio de pagamento”; (v.) a ré M... ao tempo que acompanhou e assistiu juridicamente a sua cliente na negociação da compra e venda da Quinta de Sta. Maria era — e continua a ser — titular de parte do capital social e gerente da sociedade que interveio nesse negócio como compradora; (vi)a ré M... acompanhou e assistiu, do ponto de vista jurídico, a vendedora no negócio e que a mesma discutiu com o seu pai e sócio, o conteúdo dos documentos que formalizariam esse acordo; (vii) a referida ré M... incorreu indubitavelmente, face a esses dados, na violação das normas que enformam a ética da sua profissão de advogada, tendo actuado ilicitamente; e (viii) os Autores e M... sentiram-se enganados, o que lhes provocou um desgaste, ansiedade e frustração;
j)-É, pois, evidente a contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto o Tribunal a quo ao considerar provados tais factos não podia deixar de responsabilizar, também, os réus A..., M... e A... COMPANY (EUROPE), pelos danos materiais e morais causados aos Autores;
k)-Tanto mais que, não foi dado como provado que M... tivesse recebido integralmente o preço referido na escritura pública mencionada no n.º 12 dos factos provados – cfr. artigo 21.º dos temas da prova e alínea q) dos factos não provados, muito pelo contrário.
l)-Entendem os Recorrentes que a manutenção da decisão recorrida viola claramente os artigos 413.º, 414.º, 607.º, 615.º, n.º 1, alínea c) todos do Código de Processo Civil e ainda os artigos 362.º e seguintes do Código Civil. 
Termos em que deverá o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência, ser declarada nula a sentença ou revogada a decisão recorrida, na parte em que julga integralmente improcedentes os pedidos formulados contra os réus A..., M... e A... COMPANY (EUROPE), absolvendo estes desses pedidos, condenando-se, também, estes réus nos termos aduzidos na petição inicial, mantendo-se no mais a sentença recorrida, fazendo-se assim a costumada Justiça

Também a 1.ª Ré M... LDA, inconformada com a decisão proferida veio interpor recurso de apelação formulando, no essencial, as seguintes conclusões:

Pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo foram desconsiderados factos relevantes trazidos para os autos, pelos autores e réus, os admitidos por acordo e os depoimentos das testemunhas da defesa relativamente a factos que vieram a ser julgados não provados.
Dualidade de critério que não se entende.
Resulta do princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 607º nº 5 do CPC, que a decisão sobre a matéria de facto controvertida deve reflectir o resultado da conjugação dos vários elementos de prova que na audiência de julgamento ou que em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação ou da oralidade, ou seja, «a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».

Entende a apelante que os factos dos pontos 21 e 23 dos temas da prova devem ser julgados provados e como consequência revogada a decisão sobre a matéria de facto das alíneas q) e s) dos factos não provados, que se tem como não escrita e, em sua substituição, acrescentar-se aos factos provados dois novos números, o 12 A e o 12 B com o seguinte sentido:
Nº12-A–O preço declarado na escritura pública mencionada no nº 12 dos factos provados foi integralmente recebido pela M....
Nº12-B–OS cheques datados de 2001, de fls 1319 a 1332, no valor de 80 200 000$00 (oitenta milhões e duzentos mil escudos) o equivalente a € 409 014,00 entregues à M... também respeitam ao pagamento do preço da venda do prédio mencionado no Nº7 dos factos dados como provados.

Deve ser concedido provimento ao recurso e em consequência:
a)-Deve ser revogada a decisão sobre a matéria de facto que se tem como não escrita e, em sua substituição, serem levados para os factos provados os das alíneas q) e s) dos julgados não provados na decisão recorrida;
b)-Declarar-se já pago o preço à data da realização da escritura de compra e venda sob o ponto 12 dos factos provados.

A..., 2.º Réu, apresentou contra alegações, relativamente ao recurso interposto pelos Autores, pronunciando-se pela respectiva improcedência, concluindo, no essencial, que:
Os Autores não cumpriram o ónus imposto no art.º 640.º n.º1 e 2.º do CPC, no recurso relativamente à decisão sobre a matéria de facto, pois não indicaram as passagens da gravação relativamente aos depoimentos prestados nos quais fundam a sua discordância com a decisão sobre a matéria de facto.
Não decorre da prova produzida nos autos que o Apelado tenha garantido pessoalmente o pagamento do preço da compra e venda identificada no ponto 12 dos factos provados.
O ónus da prova pertencia aos apelantes e nenhuma prova foi feita, artigos 79.º n.º2 do Código das Sociedades Comerciais.
Quanto aos danos não patrimoniais, não resultou provada a quebra de confiança entre a falecida mãe dos AA e a 3.ª Ré e, concomitantemente, qualquer dever de dever de indemnizar. Por outro lado, os incómodos mencionados no ponto 31 dos factos provados não só não assumem uma gravidade merecedora da tutela do direito como a existirem, é da inteira responsabilidade da mãe dos autores que não deu cumprimento às obrigações fiscais decorrentes da transacção o prédio mencionado em 7 e 12 dos factos provados e, por essa razão, acabou por envolvê-los naquelas lides fiscais.
Deve ser negado provimento ao recurso dos apelantes, mantendo-se, assim, nessa parte a sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Também a Ré M... vem apresentar contra alegações pugnando pela improcedência do recurso interposto pelos Autores.

Igualmente a Ré A... COMPANY (EUROPE), LDT, apresentou contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelos Autores e argumentando no sentido da exclusão da sua responsabilidade.

Por sua vez, os Autores M... e P... apresentaram contra alegações pronunciando-se pela improcedência do recurso interposto pela Ré M... LDA.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS:

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.-M... faleceu no dia 15 de Outubro de 2009 com 87 (oitenta e sete) anos de idade.
2.-Em escritura pública outorgada no 2 de Dezembro de 2009, a que foi dado o título de “Habilitação de Herdeiros”, o autor P... declarou que era o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de M... e que não tendo a mesma deixado testamento nem outra disposição de última vontade, lhe sucederam como únicos herdeiros os seus filhos, sendo eles o referido autor e a co-autora M....
3.-A 1ª ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social as actividades de construção civil, obras públicas, empreitadas, urbanizações, compra, venda e gestão de terrenos e edifícios, importação, exportação de todos os bens e serviços, no país ou no estrangeiro.
4.-São titulares do respectivo capital social no valor de Euros 5.000,00 ( cinco mil euros), o 2º réu, com uma quota no valor nominal de Euros 500,00 (quinhentos euros), a 3ª ré com uma quota no valor nominal de Euros 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros) e A..., titular de uma quota no valor de Euros 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros).
5.-A 3ª ré é irmã de A..., sendo ambos filhos do 2º réu (artºs 11º e 13º da p.i demonstrados por documentos autênticos e atendidos nos termos do nº 4 do artº 607º do Código de Processo Civil).
6.-M... negociou com o 2º réu a venda de imóveis durante, pelo menos, 5 (cinco) anos (artº 20º dos temas da prova).
7.-M... tinha registada a seu favor a aquisição do prédio misto situado na Rua da ..., nº ..., Charneca da Caparica, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº 6... da freguesia da Charneca da Caparica e inscrito na matriz cadastral sob o artº 35 da Secção AJ e urbana nº 1....
8.-O 2º réu assinou o escrito intitulado “contrato promessa de compra e venda”, datado de 24 de Julho de 2000, junto sob a forma de cópia de fls. 440 a 442 e que aqui se dá por reproduzido, no qual consta que M... declarou prometer vender àquele, que declarou aceitar, pelo preço “global ajustado” de Esc. 810.000.000$00, o prédio descrito no nº 6 e um outro e que a mesma declarou ainda ter recebido nessa data a quantia de Esc. 10.000.000$00 “como sinal e princípio de pagamento”.
9.-No mesmo escrito consta que foi atribuído ao prédio referido no nº 7 o valor de Esc. 200.000.000$00.

10.-Na alínea d) da cláusula II desse escrito ficou a constar, quanto ao prédio descrito no nº 7 supra, o seguinte:
Da venda do prédio identificado na cláusula I, número um, resultará o destaque do artigo urbano com a matriz predial nº 1084, da freguesia da Charneca da Caparica, já existente, passando este a ter descrição predial autónoma, com uma área global de 2000 m2, aproximadamente que se manterá na propriedade da primeira contraente”.

11.-M... assinou em 24 de Julho de 2000 o escrito intitulado “procuração”, junto sob a forma de cópia a fls. 452 e 453, que aqui se dá por reproduzido, no qual declarou, além do mais constituir:
 “(…) seu bastante procurador o Sr. A..., (…) ao qual confere com os de substabelecer, poderes necessários para em seu nome e como se presente fosse, a representar: em reuniões na Câmara Municipal de Almada para tratar e requerer viabilidades, loteamentos, projectos de construção e certidões, junto das Repartições de Finanças para requerer certidões, cadernetas e averbamentos e junto da respectiva Conservatória do Registo Predial para requerer actos de registo provisórios ou definitivos, cancelamentos e averbamentos, bem como representa-la ainda na celebração, revogação, denúncia e rescisão de contratos de arrendamento, negociar e pagar ou receber indemnizações, e tudo o mais que se mostre necessário a concretização do presente mandato”.

12.-Em escritura pública outorgada no dia 16 de Outubro de 2002, junta de fls. 67 a 70 e que aqui se dá por reproduzida, na qual intervieram como outorgantes M... e o 2º réu, este na qualidade de gerente da 1ª ré, a primeira declarou vender à representada do segundo, pelo preço de um milhão novecentos e noventa e cinco cento e noventa e dois euros, o prédio descrito no nº 7, tendo aquele outro declarado que para a sua representada aceitava essa venda.
13.-Pela apresentação nº 27 de 18 de Outubro de 2002 foi inscrita a favor da 1ª ré a aquisição, por compra, do prédio descrito no nº 7 e pela apresentação nº 64 de 10 de Março de 2003 foi inscrita sobre o mesmo prédio a constituição de uma hipoteca voluntária a favor do Banco ... para garantia do capital de Euros 3.000.000,00 (três milhões de euros) e tendo como montante máximo assegurado a quantia de Euros 3.975.000,00 (três milhões novecentos e setenta e cinco mil euros).
14.-A 3ª ré exerce a actividade profissional de advogada e à data dos factos atrás referidos tinha sua inscrição na Ordem dos Advogados em vigor.
15.-Em 2002 a 3ª ré era advogada de M... em diversos assuntos, depositando a segunda na primeira e também no 2º réu grande confiança e amizade (artº 1º dos temas da prova).
16.-O 2º réu e M... negociaram a venda pela segunda ao primeiro do prédio descrito no nº 7, tendo o referido réu indicado como veículo para concretização desse negócio a 1ª ré (artº 2º dos temas da prova).
17.-A 3ª ré acompanhou e assistiu juridicamente M... nessa negociação, tendo elaborado e discutido com o 2º réu o conteúdo dos documentos que iam formalizar o negócio (artº 3º dos temas da prova).
18.-M... conhecia a relação familiar entre o 2º réu e a 3ª ré (artº 4º dos temas da prova).
19.-O prédio descrito no nº 7 encontrava-se parcialmente ocupado por uma rendeira (artº 5º dos temas da prova).
20.-M... recebeu do 2º réu a quantia correspondente a Esc. 10.000.000$00 como princípio de pagamento do preço da aquisição referida no nº 16 (idem).
21.-A 3ª ré participou na negociação da cessação do arrendamento referido no nº 19 (artº 6º dos temas da prova).
22.-No dia 14 de Abril de 2008, em instrumento escrito outorgado junto do Cartório Notarial de Lisboa – Rosa Correia, M... declarou revogar a partir dessa data a procuração referida no nº 11.
23.-Correu termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o nº 2533/07.9BELSB, o processo de impugnação da liquidação adicional de IRS, relativa ao ano de 2002, proposto por M... (em cuja posição foram habilitados os autores desta acção).
24.-Essa impugnação teve por objecto a liquidação adicional de IRS a título de mais-valias pela venda, além de outro, do imóvel referido no nº 7.
25.-O valor da mesma liquidação foi de Euros 461.916,89 (artº 78º da p.i demonstrado por documento e atendido nos termos do nº 4 do artº 607º do Código de Processo Civil).
26.-No Tribunal Tributário de Lisboa pende contra M... (em cuja posição foram habilitados os autores desta acção) uma execução fiscal com o nº 869/07.8BELRS para cobrança da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2002.
27.-A tramitação dessa execução fiscal foi sustada mediante a prestação de caução por meio de uma garantia bancária autónoma emitida pela C..., a pedido de M..., a favor da Administração Tributária, Direcção -Geral dos Impostos, no valor de Euros 619.346,26 (artº 81º da p.i demonstrado por documento e atendido nos termos do nº 4 do artº 607º do Código de Processo Civil).
28.-Para obtenção dessa garantia M... teve que dar em penhor depósitos a prazo e outras aplicações financeiras ( art.º82.º da p.i demonstrado por documento e atendido nos termos do nº 4 do artº 607º do Código de Processo Civil).
29.-A garantia bancária emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A, em nome e a pedido de M..., a favor da Administração Tributária, no valor de Euros 619.346,26 importou um encargo trimestral de Euros 801,04 que desde 30 de Outubro de 2007 a 15 de Outubro de 2009 foi suportado por aquela e depois pelos autores (artº 12º dos temas da prova).
30.-A omissão de declaração fiscal das mais-valias referidas no nº 16 deu origem a um inquérito criminal com o nº 271/07.1IDLSB-0804 que correu termos na 8ª secção do DIAP de Lisboa e no qual era denunciada M... (artº 113º da p.i demonstrado por documento e atendido nos termos do nº 4 do artº 607º do Código de Processo Civil).
31.-A liquidação adicional de IRS referida no nº 24 e os processos decorrentes da mesma, mencionados nos nºs 23, 26 e 30, bem como a necessidade de indagarem, no período de doença da sua mãe e após o óbito da mesma, dos termos do negócio referido no nº 16, causaram desgaste físico, ansiedade e frustração aos autores (artº 15º dos temas da prova).
32.-A 4ª ré, enquanto seguradora, e a Ordem dos Advogados, enquanto tomadora, celebraram os contratos de seguro do tipo “responsabilidade civil profissional” titulados pelas apólices DP/01018/11/C e DP/02416/11/C, cujas “condições particulares”, “condições especiais” e “condições gerais” estão juntas sob a forma de cópia de fls. 184 a 230 e aqui se dão por reproduzidas.

33.-Das “condições particulares“ de ambas as apólices ficou nomeadamente a constar:
“Segurados   Todos os membros da Ordem dos Advogados de Portugal com inscrição em vigor, nos termos definidos nas Condições Especiais de Apólice.
(…)
Data de início  1 de Janeiro de 2011
Data de Vencimento  31 de Dezembro de 2011”

34.-A 4ª ré apenas teve conhecimento dos factos alegados pelos autores com a sua citação para esta acção (artº 18º dos temas da prova).
           
Foram considerados FACTOS NÃO PROVADOS os seguintes:

a)-Que os penhores constituídos para obter a garantia bancária referida no nº 27 dos factos provados ainda hoje se mantenham (artº 82º p.i).
b)-Que tivesse sido o 2º réu a apresentar a M... uma proposta para a aquisição do prédio referido no nº 7 dos mesmos factos (artº 2º dos temas da prova).
c)-Que tivesse sido a 3ª ré quem negociou os termos da compra e venda do prédio com o 2º réu (artº 3º dos temas da prova).
d)--Que M... ignorasse a posição da 3ª ré na 1ª ré (artº 4º dos temas da prova).
e)-Que a mesma tivesse utilizado os Esc. 10.000.000$00 que recebeu do 2º réu para pagar à rendeira a indemnização devida pela desocupação do prédio referido no nº 7 dos factos provados (artº 5º dos temas da prova).
f)-Que as negociações desse valor de indemnização tivessem decorrido entre o marido da referida rendeira e a 3ª ré, no escritório desta última em Almada (artº 6º dos temas da prova).
g)-Que o valor dessa indemnização tivesse sido descontado da totalidade do preço acordado no acto da escritura pública referida no nº 12 dos factos provados (artº 7º dos temas da prova).
h)-Que a 3ª ré tivesse um grande ascendente sobre M... e exercesse sobre a mesma um grande poder de persuasão (artº 8º dos temas da prova).
i)-Que à data da escritura pública referida no nº 12 dos factos provados o prédio objecto da mesma valesse quantia não inferior a Euros 2.508.240,40 (dois milhões quinhentos e oito mil duzentos e quarenta euros e quarenta cêntimos) (artº 9º dos temas da prova).
j)-Que M... em nome próprio, bem como através dos autores e da sua Mandatária tivesse solicitado à 1ª ré e ao 2º réu, por diversas vezes, o pagamento da quantia de Euros 1.945.262,21 (artº 10º dos temas da prova).
k)-Que a 3ª ré sempre tivesse afirmado ser alheia aos negócios do 2º réu (artº 11º dos temas da prova).
l)Que através das negociações referidas nas alíneas c) e f) a 3ª ré tivesse pretendido obter um benefício para si e para a 1ª ré (artº 13º dos temas da prova).
m)-Que a mesma tivesse actuado de forma concertada com o 2º réu e que quanto à falta de entrega do preço tivesse dito a M... que esse pagamento estava na iminência de ser efectuado (artº 14º dos temas da prova).
n)-Que M... tivesse sofrido quando se apercebeu da violação da relação de confiança e amizade que entendia existir entre ela e a 3ª ré (artº 17º dos temas da prova).
o)-Que o primeiro seguro de responsabilidade profissional celebrado entre a 4ª ré e a Ordem dos Advogados date de 1 de Janeiro de 2004 (artº 19º dos temas da prova).
p)-Que M... tivesse negociado com o 2º réu a venda de imóveis durante cerca de 30 anos (artº 20º dos temas da prova).
q)-Que a mesma tivesse recebido integralmente o preço referido na escritura pública mencionada no nº 12 dos factos provados (artº 21º dos temas da prova).
r)-Que a 3.ª ré nunca tivesse participado nas negociações da compra e venda, referidas no mesmo número, nem acompanhado M... nessas negociações, tendo-se limitado a elaborar um contrato-promessa de acordo com as instruções que esta última lhe deu (art.º 22.º dos temas da prova).
s)-Que na data da escritura referida no nº 12 dos factos provados o 2º réu já tivesse entregado a M... a quantia de Esc. 400.000.000$00 em cheques e numerário (artº 23º dos temas da prova).
t)-Que como o 2º réu e M... decidiram também transaccionar a parte urbana do prédio referido no nº 7 dos factos provados), os mesmos tivessem acordado que da quantia de Esc. 400.000.000$00 já recebida pela segunda, o montante correspondente a Euros 1.895.432,00 era o preço da parte rústica e o montante correspondente a Euros 99.760,00 era o preço da parte urbana (artº 24º dos temas da prova).
u)-Que os mesmos tivessem acordado ainda que quando fosse outorgada a escritura de compra e venda do outro prédio objecto do escrito referido no nº 8 dos factos provados, essa escritura seria feita, não pelo preço de Esc. 600.000.000$00, mas pela quantia correspondente a Euros 2.144.830,97 (artº 25º dos temas da prova).

III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões a apreciar são as seguintes:

1-Recurso dos Autores
a)-Nulidade da sentença
b)-Reapreciação da matéria de facto
c)-Saber se da factualidade apurada é possível atribuir aos 2.º, 3.º e 4.º réus responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas.

2-Recurso da Ré M... Lda.
Reapreciação da matéria de facto.

a)-Os Autores/Apelantes vem arguir a nulidade da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no art.º 615.º n.º1 c) do CPC, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão. Ou seja, os Autores consideram que atenta a factualidade provada, da mesma decorre a responsabilidade dos restantes réus pelo pagamento da quantia peticionada.
Com efeito, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver uma contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”[1].
Tal não sucede no caso em apreço. Lida a sentença é evidente a clareza de exposição do raciocínio elaborado e o mesmo aponta, necessariamente, para a conclusão final. O que sucede é que os Autores entendem que os factos provados são suficientes para fundamentar a responsabilidade de todos os Réus e a sentença expõe um entendimento diverso. Porém, tal divergência de entendimento não é fundamento de nulidade.

Improcedem as conclusões dos Apelantes a este respeito.
b)-Importa agora reapreciar os pontos da matéria de facto cuja decisão foi impugnada pelos Apelantes.
Os Recorrentes entendem que as alíneas c) e k) e n) dos factos “não provados” , deveriam ser dados como provados, “verificando-se um deficiente ou inexistente exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.

Vejamos:

Antes de mais, entende-se relevante reproduzir o que é referido pela 1.ª instância, em relação às declarações de parte dos Autores:
As declarações de parte dos autores constituem, em conjunto com a prova documental, a quase totalidade do esforço probatório dos demandantes. Na valoração dessas declarações impõe-se registar que as mesmas se afiguraram, no essencial, credíveis (destacando-se, neste particular, as declarações do autor P...).
Sem embargo, existem duas condicionantes que impõem um especial juízo crítico sobre essas declarações. A primeira, comum a todos os declarantes de parte, é o interesse dos mesmos no desfecho da acção. A segunda, específica destes autos, é o facto de parte substancial dessas declarações não provir do conhecimento directo dos declarantes, mas da reconstituição que os mesmos fizeram a posteriori (durante a doença da sua mãe e após o óbito da mesma) das circunstâncias em que os factos se verificaram. Resultou, com efeito, das declarações de ambos os autores que os mesmos não participavam nos negócios celebrados por M..., cujos contornos esta não partilhava com os mesmos. Ilustremos esta afirmação: a autora M... afirmou que nunca acompanhou a mãe ao escritório da ré M..., nem interveio nos negócios celebrados pela mãe (…)
O autor P... também reconheceu que nunca acompanhou a sua mãe nos negócios. Os demandantes empreenderam uma reconstituição dos factos relativos à venda da Quinta de Sta. Maria a partir do que lhes foi dito pela mãe e do que puderam extrair dos documentos que encontraram. Nessa medida, a apreensão desses factos pelo tribunal através das suas declarações é uma reconstituição da realidade em segunda mão ou indirecta, o que impõe especiais cautelas. Do exposto resulta que as declarações dos autores não podem constituir o apoio exclusivo da convicção, devendo ser corroboradas por outros elementos probatórios seguros ou colher especial arrimo das regras da experiência comum para que possam ter eficácia probatória”.
Quanto à alínea c), deu-se como não provado que “tivesse sido a 3.ª Ré quem negociou os termos da compra e venda do prédio com o 2.º Réu.”
Por sua vez, no ponto 17.º dos factos provados, foi considerado assente que “ a 3.ª Ré acompanhou e assistiu juridicamente M... nessa negociação, tendo elaborado e discutido com o 2.º réu o conteúdo dos documentos que iam formalizar o negócio”.

Vejamos o teor da fundamentação do Tribunal a quo relativamente a esta matéria:

“Não foi produzida, a nosso ver, prova suficientemente segura de que a ré M... tivesse negociado com o réu os termos do negócio além da sua óbvia participação na conformação jurídica do mesmo. Esta intervenção está suficientemente plasmada em diversas “entradas” da nota de honorários, a saber: 13 de Abril de 2000 “recebimento de carta da cliente com os contratos da quinta de santa maria”; 3 de Maio de 2000 “um telefonema do cliente P/C para solicitar elementos sobre o contrato de arrendamento da quinta de santa maria ”. Importa um parenteses para explicitar o entendimento sobre algumas referências dessa nota – quando a mesma se refere a M... usa a designação, no feminino, “a cliente” e quando menciona o réu A... utiliza “P/C” ou “o cliente da P/C”, o que induz que “P/C” seja a abreviatura de “parte compradora” (veja-se que em 10 de Janeiro de 2000 há uma entrada com a menção “um telefonema para P/C para o escritório de Sr. A... dizendo que já tinha o documento para as finanças assinado”, sendo esse o documento que no mesmo dia motivara a deslocação de “a cliente” ao 6º Cartório conforme a “entrada” anterior e, bem assim, que no dia 8 de Junho de 2000 há uma “entrada” com a menção “um telefonema para o cliente da P/C”, o que mostra que P/C não pode significar, contrariamente ao afirmado em alegações pela ré M..., “própria cliente”).
Sobre a intervenção da ré M... na mesma negociação retém-se suficientemente das “entradas” da nota de honorários do dia 19 de Julho de 2000 que a mesma configurou juridicamente os termos do negócio. Assim, nessa data regista -se a elaboração de um contrato-promessa e duas procurações, o envio de fax para “a P/C com minuta de contrato”, envio de fax para a “P/C” com minuta de contrato revista e um telefonema “do cliente da P/C” com indicação de elementos para revisão de contrato. No que concerne aos termos próprios do negócio, entendendo-se estes como o preço, o prazo ou momento de pagamento e outros elementos de definição do respectivo conteúdo que não requererem quaisquer conhecimentos jurídicos, não existem, como se afirmou, dados seguros que imponham a convicção de que foram negociados ou definidos pela referida ré. Resultou das declarações do autor P... que a mãe deste era uma pessoa autónoma e determinada, com uma personalidade firme e orgulhosa (no princípio do conflito com o réu D... “resistiu a dar parte fraca” ficou “com o orgulho ferido”) e que revelava desenvoltura nos negócios que fazia (“era prática ela receber juros” nos negócios com o referido réu, “era win-win”). Num dos escritos de fls. 934, da lavra da mãe dos autores, estão contabilizados juros à taxa de 2% ao mês sobre o preço da venda do imóvel da Baixa da Banheira. Nos escritos dirigidos por M... ao réu A... as referências às negociações havidas são formuladas em nome próprio, nunca sendo atribuída a sua autoria à ré M....”

Os Apelantes consideram que os depoimentos de parte dos autores, primordialmente do Autor P..., bem como a prova documental constante dos autos, imporia uma decisão diferente relativamente à alínea c) dos factos “não provados”.

Ora, ouvidos esses depoimentos não se nos afigura que dos mesmos algo resulte que imponha alterar o decidido neste ponto em particular. Afigura-se-nos que o Tribunal a quo procedeu a uma análise criteriosa quer da prova documental quer da prova testemunhal produzidas.

Quanto á alínea K), deu-se como não provado que “sempre a 3.ª ré tivesse afirmado ser alheia aos negócios do 2.º réu”.

A prova relativa a esta matéria, baseada apenas nas declarações de parte dos Autores, não se nos afiguram suficientes, tal como não pareceu à 1.ª instância, para alicerçar uma convicção diferente. De resto, os Apelantes não invocam concretamente quais as declarações que imporiam uma decisão diferente.

Decide-se, por conseguinte, manter a decisão.

Também quanto à alínea n), ou seja, “que M... tivesse sofrido quando se apercebeu da violação da relação de confiança e amizade que entendia existir entre ela e a 3.ª ré.”

Também quanto a este facto não foi indicado qualquer meio probatório que inequivocamente impusesse decisão diferente daquela que foi proferida pela 1.ª instância, motivo pelo qual se decide manter o decidido.

Por uma questão metodológica, apreciamos seguidamente a impugnação da decisão da matéria de facto, constante do recurso da Ré M... LDA, pois que da eventual alteração da matéria de facto depende, obviamente, a solução jurídica.

A Apelante discorda da decisão de dar como “não provados” os factos  das alíneas q) e s)e,em contrapartida,  pretende que se aditem à matéria provada os seguintes factos:
Nº12-A–O preço declarado na escritura pública mencionada no nº 12 dos factos provados foi integralmente recebido pela M....
Nº12-B–Os cheques datados de 2001, de fls 1319 a 1332, no valor de 80 200 000$00 (oitenta milhões e duzentos mil escudos) o equivalente a € 409 014,00 entregues à M... também respeitam ao pagamento do preço da venda do prédio mencionado no Nº7 os factos dados como provados.”

Ora, quanto a esta questão, como muito bem diz a sentença recorrida, na motivação da decisão sobre a matéria de facto “a única prova que permitiria, no contexto da produzida, alcançar esses factos seria a documental dada pelos cheques reproduzidos nos autos com o necessário suporte testemunhal para firmar a finalidade dos pagamentos que esses cheques titulam.”

Ora a verdade é que nem da prova documental existente nos autos nem da prova testemunhal resulta o que o Apelante considera que está demonstrado. Com efeito, estão juntos aos autos dois conjuntos de cheques: um conjunto datado de 2003 (Janeiro e Fevereiro – fls. 932/933 e também fls. 1333, 1335, 1337, 1339, 1341 e 1343),posterior ao negócio em causa nos autos, que é de Outubro de 2002; e um outro conjunto de Setembro de 2001, anterior ao mesmo negócio (fls. 1319, 1321, 1323, 1328, 1327, 1329 e 1331). Relativamente ao primeiro existe a acompanhá -lo o apontamento de fls. 934 com valores que somam Euros 250.000,00 mais Euros 20.160,00 de juros relativos ao preço de venda do imóvel da Baixa da Banheira. Da relação de todos esses cheques com o negócio destes autos nada se sabe, uma vez que nenhuma prova além dos documentos foi produzida. De qualquer modo, o valor desses cheques é muito diferente do valor do preço acordado, relativamente ao imóvel em causa, pelo que nada indicia que a ele se refiram.
Em suma, entendemos que o Tribunal efectuou uma criteriosa apreciação da prova produzida, pelo que se decide manter o decidido.

c)-Os Apelantes defendem que, em face da matéria dada como provada, o Tribunal “deveria ter imputado ao réu A... a autoria ou a responsabilidade do não pagamento do preço devido pela compra e venda do imóvel, celebrada com M..., enquanto acto da pessoa colectiva M... Lda.” Contudo, analisada a matéria de facto dada como assente, chegamos à mesma conclusão a que chegou o Tribunal recorrido: não existe qualquer fundamento jurídico para tal. Com efeito, a vendedora – mãe dos ora Apelantes/Autores – negociou a transmissão do imóvel com o réu A... e aceitou que essa venda fosse efectuada à sociedade que este lhe indicou para figurar como compradora (nº 16 dos factos provados).

Sabendo que o réu A... é um dos sócios da sociedade compradora, (nºs 3 e 4 da factualidade provada) “não foi alegada matéria que permita associar o património pessoal do demandado, ao património da sociedade colectivo enquanto garantia do crédito dos demandantes, como sucederia, nomeadamente, se estivesse em causa o levantamento da personalidade colectiva”, como bem refere a sentença recorrida.

Não existe factualidade suficiente para se poder concluir, conforme alegado, que estejamos perante um caso de interposição fictícia de pessoas em que o sócio oculta a sua intervenção pessoal atrás da pessoa colectiva ou que a personalidade colectiva tenha sido usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros e o Estado.

Assim, não existindo fundamento legal para responsabilizar o Réu A..., solidariamente com a ré M... Lda pelo pagamento do remanescente do preço devido pela compra do imóvel, não pode deixar de concluir-se pela sua absolvição do pedido, mantendo o decidido pela 1.ª instância.

Foi também demandada M..., Advogada, pedindo os Autores a condenação solidária desta Ré, no pagamento do remanescente do preço devido pela compra do imóvel e que nunca foi pago.

Cumpre analisar se existe fundamento para este pedido.

Como se conclui na sentença recorrida:Na situação em presença é inegável a verificação do conflito de interesses. Demonstrou-se que a ré M... ao tempo que acompanhou e assistiu juridicamente a sua cliente na negociação da compra e venda da Quinta de Sta. Maria era titular de parte do capital social da sociedade que interveio nesse negócio como compradora (nºs 3, 4 e 16 dos factos provados)”. E, por conseguinte, não podemos deixar de concluir que, efectivamente, a Ré incorreu na violação de normas éticas a que está obrigada na sua profissão de advogada, designadamente os artigos  76.º e 83.º n.º1 a) e b) do Estatuto da ordem dos Advogados.
  
Como resulta da factualidade assente[2], entre M... e a Ré M... vigorava à data da compra e venda em causa, nestes autos, um contrato de prestação de serviços de advocacia, subsumível ao mandato com representação, previsto nos artºs 1157º e 1178º do Código Civil, sujeito ainda às regras do Estatuto da Ordem dos Advogados (na versão vigente à data dos factos, emergente do Decreto-Lei nº 84/84 de 16 de Março, alterado pelo Decreto-Lei nº 119/86, de 28 de Maio, pelo Decreto-Lei nº nº 325/88, de 23 de Setembro, pela Lei nº 33/94, de 6 de Setembro, pela Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro e pela Lei nº 80/2001, de 20 de Julho).

No contrato de mandato, conforme resulta do artº 1157º do Código Civil, o mandatário obriga-se perante o mandante a praticar um ou mais actos jurídicos por conta deste. No caso presente, a mandatária estava incumbida da prática dos actos jurídicos no âmbito do negócio em apreço.

Além de outras obrigações que para si emergem do exercício do mandato, na actuação perante o cliente o Advogado tem o dever de “estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade” (alínea d) do nº 1 do artº 83º do EOA).

Como se discorre na sentença recorrida:

«Trata-se de um dever que reflecte, como é comummente aceite pela doutrina e jurisprudência, a particular natureza da obrigação do advogado, que é uma obrigação de meios, e não uma obrigação de resultado.
O Advogado é considerado um servidor da justiça e do direito que deve fazer primar o seu comportamento profissional pelo padrão ético que corresponde a esse estatuto e “mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes” (nº 1 do artº 76º do EOA).
O mesmo deverá manter no exercício da profissão “(…) sempre e em quaisquer circunstâncias a maior independência e isenção, não se servindo do mandato para prosseguir objectivos que não sejam meramente profissionais” (nº 2 do referido artº 76º).
A dignidade, a independência e a particular relação de confiança que o cliente nele deposita postulam que o Advogado esteja adstrito, além de outros deveres, a evitar toda e qualquer situação de conflito de interesses.

De acordo com o então disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 83º do EOA constituem deveres do Advogado para com o cliente “recusar mandato, nomeação oficiosa ou prestação de serviços em questão em que já tenha intervindo em qualquer outra finalidade ou seja conexa com outra em que representa ou tenha representado a parte contrária” e “recusar mandato contra quem noutra causa seja seu mandante ”.

A imposição desses deveres visa evitar a verificação de situações de conflito de interesses no exercício do mandato e tem uma tripla função “a) defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes; b) defender o próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes e c) defender a própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações” (in Parecer CDL nº 34/2010 de 8 de Julho de 2010, Relator Dr. Jaime Medeiros, itálico nosso).

O dever de recusar a prestação de serviços aplica -se obviamente, por argumento de maioria de razão, a todas as situações em que a possibilidade de conflito de interesses se verifique entre o cliente e a esfera própria do Advogado.
“O Advogado, antes de praticar qualquer acto de consulta, mandato, representação ou assistência a uma pessoa, deve averiguar previamente se há conflito de interesses e rever a sua posição de imediato ou logo que se aperceba da existência desse conflito ” (Deontologia profissional “Contributo para a formação dos Advogados Portugueses”, Carlos Mateus, pág. 194”»

Como resulta da matéria de facto provada[3],a Ré M..., ao tempo em que acompanhou e assistiu juridicamente a sua cliente na negociação e venda da Quinta de Santa Maria era uma das sócias da sociedade compradora.

Não há, portanto, qualquer dúvida de que a Ré actuou numa situação de patente conflito de interesses, pois tinha o dever de zelar pelos interesses da sua Cliente – vendedora- e ao mesmo tempo era sócia da entidade compradora. Á Ré incorreu, assim, na violação das normas que enformam a ética da sua profissão de advogada, tendo actuado ilicitamente, como se pode ler na sentença recorrida.

Nos termos do disposto nos art.º 798.º  e 799.º n.º1 do Código Civil, a Ré é responsável pelo prejuízo que tiver causado à Mandante, sendo certo que na responsabilidade civil contratual, a culpa do devedor presume-se.

Contudo, para que haja dever de indemnizar, não basta o incumprimento do dever contratual e a culpa do devedor, é necessário que se verifique a existência de um dano.
E qual é o dano neste caso concreto?
Como bem identifica a sentença recorrida:o dano que move os autores a esta demanda é a falta de pagamento do preço devido pela venda do imóvel à 1.ª Ré.”
Na tese dos Autores, ora Apelantes, esse preço não foi pago no momento da escritura pública de compra e venda porque a Ré T..., no interesse da sociedade de que é sócia e actuando concertadamente com o 2.º Réu, seu pai, não acautelou os interesses da vendedora sua Cliente.

Neste ponto, inicia-se a discordância deste Tribunal com o raciocínio elaborado pela 1.ª Instância e que conduziu à absolvição da Ré M....

Com efeito, o Tribunal a quo entende que “não se obteve, (…) da prova a resposta às seguintes questões essenciais: o que foi acordado quanto ao momento do pagamento do preço? Qual a participação da advogada nesse acordo?

Especificando: ignora-se qual o acordo que possa ter existido entre M... e o réu A... sobre o momento e a forma de pagamento do preço da venda da Quinta de Sta. Maria, assim como se desconhece se a ré M... teve algum papel na obtenção desse acordo.

Por outro lado, afigura-se que o raciocínio dos autores ao pretenderem responsabilizar solidariamente essa ré pelo preço da compra e venda cujo pagamento foi omitido enfrenta a seguinte dificuldade lógica: não existe, pelo menos, por ora, um prejuízo consequente ao comportamento da demandada.

Com efeito, se bem se equaciona a questão, o dano imputável a essa conduta só existirá se e quando estiverem excutidos os meios de obter o pagamento da devedora e obrigada à prestação.

Noutra formulação: ainda que se provassem os demais pressupostos da responsabilidade civil contratual da ré M..., a mesma só seria responsável pelo pagamento do preço da venda do imóvel se esse preço não pudesse ser obtido da compradora, o que não está demonstrado”.

Salvo melhor opinião, não entendemos assim.

Em primeiro lugar, do teor do contrato promessa de compra venda, referente ao imóvel em causa, datado de 24 de Julho de 2000, consta na cláusula II b) o seguinte:
O restante, ou seja, a quantia de 800.000.000$00 (OITOCENTOS MILHÕES DE ESCUDOS, serão entregues no acto da escritura ou escrituras de compra e venda, a realizar até à data limite de 31 de Dezembro de 2005.”[4]

E como a própria Ré M... refere nas suas contra –alegações, a fls. 1727,  “elaborou o contrato promessa  de acordo com as precisas, concretas e objectivas directrizes da sua Constituinte, dando-lhe forma jurídica”. Ora desse contrato promessa elaborado pela Ré constava que o preço deveria ser pago no momento da escritura de compra e venda.

Portanto, não é exacto dizer que não se provou qual o momento acordado para o pagamento do preço. De resto, atendendo aos dados da experiência comum, alicerçados no conhecimento resultante de décadas de prática profissional e contacto com contratos promessa de compra e venda, e escrituras de compra e venda, não tem este Tribunal conhecimento de nenhum caso em que o pagamento do preço de um imóvel tenha sido diferido para depois da realização da escritura de compra e venda. O momento da escritura, ou seja, a data da transmissão da propriedade, coincide, em regra, com a entrega do preço. E era também neste caso, a intenção, pelo menos da parte vendedora, de receber o preço, no momento da escritura de compra e venda. Porém, no caso em análise, a vendedora transmitiu um imóvel para a titularidade da sociedade M... LDA de que a Ré M... é sócia, em 16 de Outubro de 2002, mas até à data, 2017, volvidos 15 anos, ainda não foi pago o preço! Cremos suficientemente configurado o dano, não se afigurando necessário que os Autores ainda aguardem que se demonstre que a sociedade compradora não tem meios para pagar ou que sejam excutidos os bens desta.

Entendemos que o dano existe e que só existe devido à conduta da Advogada da Vendedora – a Ré M... – a quem incumbia zelar pelos interesses da sua Cliente e manifestamente não o fez. Parece-nos óbvio que a defesa dos interesses da Cliente da ora Ré passava por garantir-lhe a realização do interesse mais básico na execução de um contrato de compra e venda – o recebimento do preço.

Entendemos, assim, que procedem as conclusões dos Apelantes, neste particular, devendo a Ré M..., ser condenada solidariamente com a Ré M... Lda, nos termos em que esta foi condenada, com fundamento na responsabilidade contratual  daquela.

Importa agora apreciar a verificação dos pressupostos da obrigação da 4.ª Ré A... COMPANY (EUROPE).

Conforme resulta da matéria de facto provada:
A 4ª ré, enquanto seguradora, e a Ordem dos Advogados, enquanto tomadora, celebraram os contratos de seguro do tipo “responsabilidade civil profissional” titulados pelas apólices DP/01018/11/C e DP/02416/11/C, cujas “condições particulares”, “condições especiais” e “condições gerais” estão juntas sob a forma de cópia de fls. 184 a 230 e aqui se dão por reproduzidas”.

Importa averiguar se a responsabilidade da Ré Advogada M... está abrangida pelas garantias previstas no contrato de seguro em referência.

Importa também sublinhar que a 4.ª Ré apenas teve conhecimento dos factos alegados pelos Autores com a sua citação para esta acção”, em 2011.

E nos termos do art.º 3.º, alínea a) das Condições Especiais do Contrato de Seguro, ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice, as reclamações “por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à data do início do período do seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação”. A cláusula 7.ª do artigo 1.º das referidas condições especiais dispõe que “período de seguro” significa o período compreendido entre a data do início e a de vencimento da apólice especificadas nas condições particulares(…), o que tendo em conta as apólices de seguro em vigor aquando da entrada em juízo da presente acção, corresponde ao período  de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2011. Ora a Ré segurada tinha conhecimento dos factos que poderiam vir a gerar reclamação, pelo menos desde 16 de Outubro de 2002, data em que foi celebrada a escritura de compra e venda. No entanto, apenas com a citação para a presente acção, em 2011, vêm tais factos ao conhecimento da seguradora. Assim, ao abrigo da referida cláusula das condições especiais da apólice, considera a Seguradora que o alegado sinistro se deverá considerar excluído da garantia e cobertura do contrato de seguro em apreço.

Será assim? Vejamos:
O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, celebrado entre a Ré M..., a A... e a Ordem dos Advogados, garantindo a indemnização de prejuízos causados a terceiros pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam actividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional”, configura um contrato de seguro de grupo.

Tendo em conta o que estatui o n.º 4 do art.º 101.º do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril[5] - o disposto nos n.ºs 1 e 2 não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números – impõe-se concluir que não é permitido à Ré Seguradora opor aos lesados, ora Autores, excepções que se prendam com o incumprimento, por parte do segurado ou do tomador de seguro, de deveres contratualmente fixados.[6]
Concluímos, assim, que a Ré Seguradora responde pelo sinistro garantindo a indemnização aos Autores, naturalmente limitada à medida da responsabilidade que assumiu (€ 150.000,00).

A Seguradora invoca ainda a causa de exclusão prevista no art.º 3.º q) das Condições Especiais do Contrato de Seguro que refere “ficam expressamente excluídas excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações:q) consequentes da intervenção em operações financeiras de qualquer tipo, de títulos de créditos, mediação ou representação em negócios pecuniários, créditos, imobiliários ou similares (…)”.

Cremos, porém, que a situação sub judice não se inclui nesta previsão.

Em suma, não pode, pois, manter-se a absolvição da Ré Seguradora, devendo a mesma responder pelo dano sofrido pelos Autores, até ao valor constante do contrato de seguro, deduzido da franquia contratual.

Por último, importa aludir ainda ao pedido de condenação por danos morais. Aderimos à tese maioritária sufragada pela doutrina e jurisprudência que defende que a responsabilidade civil contratual pode gerar dever de indemnizar por danos não patrimoniais. No entanto, no caso em apreço cremos que os danos a nível moral decorrentes da responsabilidade contratual dos réus não são suficientemente graves para demandar a tutela do direito, nos termos do art.º 496.º do Código Civil. Como vem sendo entendido, os transtornos, incómodos e preocupações não assumem aquela gravidade que deverão assumir os danos morais indemnizáveis.
Improcede, assim, nesta parte também o recurso dos Autores-Apelantes.

IV-DECISÃO:

Em face do exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente o recurso dos Autores e, em consequência:
1–Condena-se a Ré M..., solidariamente com a Ré M... Lda no pagamento da quantia de €1.945.312,21 de capital, acrescida da quantia de € 379.895,49 de juros de mora, vencidos e vincendos, nos termos referidos na sentença da 1.ª instância, bem como a Ré A... COMPANY (EUROPE) LDT, limitado  ao valor contratual.
2–Julgar improcedente o recurso da Ré M... Lda.
Manter no mais a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes, na proporção de 1/4 para os Apelantes Autores e 3/4 para a Apelante M... Lda.



Lisboa, 30 de Março de 2017



Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal



[1]José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado Rui Pinto, Código de Processo Civil, Anotado, Vol.2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, p.704.
[2]Factos 14.º, 15.º e 17.º.
[3]Factos 3.º, 4.º e 16.º
[4]Sublinhado nosso.
[5]Cujo teor é idêntico ao art.º 99.º da Lei n.º15/2005 de 26/01, em vigor à data dos factos.
[6]Neste sentido vide, num caso idêntico, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, processo 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

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