Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
67/10.3TVPRT.L1-1
Relator: ANA GRÁCIO
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITO AO BOM NOME
OFENSAS AO BOM NOME
DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL
DIREITO À IMAGEM
DIREITO A RESERVA SOBRE A INTIMIDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESSUPOSTOS
MATÉRIA DE FACTO
QUESITOS
RESPOSTAS AOS QUESITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - A matéria de facto respeita à averiguação dos factos que abrangem, não apenas as ocorrências concretas da vida real, mas também os eventos do foro interno, situado no domínio cognitivo-sensorial do indivíduo.
2 – Mas já não se pode “quesitar” se as alusões feitas na notícia são falsas no que respeita à autora, pois não contém verdadeiramente matéria de facto, mas antes matéria puramente conclusiva, pois encerra, exclusivamente, juízos subjectivos, emanados da relatividade valorativa da parte que os alega.
3 - As respostas aos “quesitos” não têm de ser necessariamente afirmativas ou negativas, podendo ainda ser restritivas ou explicativas, mas desde que se contenham no âmbito da matéria de facto articulada.
4 - Todo o indivíduo tem o direito a ver protegido o seu espaço interior contra intromissões alheias e a não ver divulgados factos relativos aos seus relacionamentos amorosos, que fazem do seu do domínio mais particular e íntimo.
5 - O direito de reserva à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes, sendo uma o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e a outra o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada de outrem
6 - O direito à privacidade colide frequentemente com o direito à liberdade de expressão, principalmente com da liberdade de imprensa, e é no confronto entre todos que tem que definir-se, em concreto, a medida do absoluto de cada qual e à relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos e de cada um.
7 - A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada pessoa, mas também defende a limitação da liberdade de expressão para defesa da vida privada de terceiros, ainda que figuras públicas, quando o exercício desta é motivado por mera intenção sensacionalista ou mera satisfação de curiosidade.
8 - Transmitir noticiosamente para os jornais que alguém - facilmente identificado e identificável – tem uma relação amorosa com uma figura publicamente reconhecida, a fim de criar um maior sensacionalismo, não é exercer o direito à informação e à liberdade de imprensa; é abusar deles.
9 - Os arts 26º nº 1 da CRP e 70º do CC visam proteger os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade moral, assegurando-lhes a possibilidade de requerer as providências necessárias às circunstâncias do caso para evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida e garantindo-lhes o recurso aos mecanismos da responsabilidade civil, caso se verifiquem os necessários pressupostos previstos no art 483° n°1 do CC.
( Da Responsabilidade da Relatora )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
1A intentou a presente acção declarativa, na forma ordinária, na 2ª Vara Cível do ... (que foi remetida para as Varas Cíveis de ..., por serem as competentes, vindo a ser distribuída à 1ª Secção da 9ª Vara), contra B e C , formulando os seguintes pedidos:
a) serem as Rés condenadas a pagar-lhe, solidariamente, indemnização no montante de € 100.000 pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, e com a sujeição à sanção pecuniária compulsória prevista no art 829º-A do CC;
b) serem as Rés condenadas a publicar, no jornal “X”, com chamada na primeira página e com destaque igual ao da notícia que elaboraram, a sentença que as vier a condenar.
Para fundamentar a sua pretensão alega, em resumo, que as Rés ofenderam, com a redacção e publicação da notícia que identifica, publicada no jornal “X” de 00-00-2009, a personalidade moral da Autora, sendo atentatórias do seu bom nome, da sua honra, imagem e reputação, tendo gerado danos não patrimoniais indemnizáveis.
2 - As Rés contestaram, sustentando a ilegalidade do pedido deduzido em segundo lugar pela Autora e invocando, em suma, que os factos levados à notícia em causa são verdadeiros, não tendo tido outro propósito que não o de informar no exercício da liberdade de expressão e de imprensa e não tendo praticado factos que violassem ilicitamente direitos da Autora.
Insurgem-se ainda as Rés quanto à existência de nexo de causalidade entre a notícia e os danos alegados, sustentando que estes não merecem a tutela do direito, e quanto à falta de culpa no que se refere à intenção de atingir a Autora no seu bom-nome.
Concluem pela total improcedência dos pedidos formulados.
3 - A Autora apresentou réplica, com fundamento nas “matérias de excepção” invocadas na contestação, mas tal articulado foi mandada desentranhar por despacho proferido na audiência preliminar.
4 – Também nesta audiência preliminar, a Autora apresentou articulado superveniente, que foi liminarmente admitido, tendo as Rés respondido a este articulado.
Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria fáctica tida por assente e organização da pertinente base instrutória de que, em vão, reclamaram os Rés.
5 – Prosseguiram os autos a sua normal tramitação, vindo a ser proferida a seguinte decisão:
“...julgam-se os pedidos formulados pela autora parcialmente procedentes e, nessa medida, condenam-se solidariamente as rés:
I. no pagamento àquela da quantia de Euros 10.000 (dez mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde 11 de Março de 2010 até integral pagamento, calculados às taxas de juros civis;
II. na publicação da presente sentença, no prazo de 3 (três) dias a contar do trânsito em julgado da mesma, no jornal ““X””, mediante extracto desta decisão de que constem os factos provados, a identificação das partes e o presente segmento decisório.
(…)”
6 - Inconformado com esta decisão, dela interpuseram as Rés o presente recurso de apelação, pedindo que seja “reformada a sentença recorrida (…), absolvendo as Recorrentes do pedido”, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
“1- A sentença é nula, nos termos do artigo 668º do Código do Processo Civil, uma vez que, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam parte da decisão e pronunciou-se sobre questões que, em rigor, não podia conhecer.
2- Isto é, constituindo a “culpa” um dos elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, em harmonia com o Princípio do Dispositivo, incumbia à Recorrida alegar, e posteriormente fazer prova, dos factos essenciais integrantes da causa de pedir, nos termos do número 2 do artigo 264º, do Código de Processo Civil, o que não foi feito.
3- Mesmo assim, entendeu o Tribunal “a quo” que as Recorridas agiram com culpa.
4- Ora, dispõe o número 2 do artigo 660º, do Código do Processo Civil que, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
5- Por tudo isto, entendem às Recorrentes existir a nulidade prevista na aliena d) do número 1 do artigo 668º do Código do Processo Civil quando, o Tribunal se pronuncia sobre o elemento subjectivo da responsabilidade civil extracontratual, sem que tivesse a Autora articulado um único facto passível de integrar aquele conceito.
6- Nesta parte, a decisão viola expressamente, o disposto no artigo 483º do Código Civil, bem o número 1 do artigo 264º, número 2 do artigo 660º e o artigo 664º, todos do Código do Processo Civil.
7- Mais, ao decidir sobre o “dolo” e “culpa” o Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre factos que não foram apresentados pela Autora violando assim, os limites que resultam do Princípio do Dispositivo envolvente das normas do número 1 do artigo 264º e artigo 664º, e número 2 do artigo 660, todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 483º do Código Civil.
8- Para além disso, entendem ainda as Recorrentes que a sentença se pronuncia sobre factos que não poderia tomar conhecimento quando, entende que, o facto veiculado na notícia põe em causa o bom-nome da Recorrida por a considerar “cúmplice de adultério”, com toda a carga social e moral negativa que a expressão comporta.”
9- Isto porque, em parte alguma da petição inicial a Recorrida refere ou sugere que terá sido esse o motivo concreto, pelo qual, terá sentido que a notícia poria em causa o seu bom-nome.
10- O Tribunal “a quo”, ao concluir que, a referida expressão ofendeu, em concreto a Recorrida, por a mesma a considerar “cúmplice de adultério”, não se está a basear em qualquer facto, mas apenas numa suposição ou suspeita que não foi sequer alegada.
11- Assim, entendem as Recorrentes que, ao fundamentar o motivo pelo qual, considerou o texto ilícito, com base em factos que não foram sequer articulados, a sentença é nula, nos termos da alínea d) do artigo 668º do Código do Processo Civil.
12- Em relação à matéria de facto, entendem as Recorrentes que, a sentença em recurso, deu como provados verdadeiras conclusões.
13- Ora, nos termos do artigo 511º do Código do Processo Civil, “o juiz ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa…”
14- Dispõe o número 2 do artigo 659º do Código do Processo Civil que, a sentença deverá identificar “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.”
15- Para além disso, nos termos do número 4 do artigo 646º do Código do Processo Civil, “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
16- Entendem as Recorrentes que foi considerada “provada” matéria que constitui meras conclusões ou opiniões e não são factos, o que obriga a que os mesmos sejam considerados “não escritos”, nomeadamente que: “A Autora é enaltecida pelos seus valores éticos e morais no meio familiar e social em que está inserida” (quesito 20º da base instrutória) “Provado apenas que as alusões feitas no referido escrito em C à Autora são falsas.” (quesito 21º da base instrutória) “Em consequência do referido escrito a autora foi acometida de uma reacção aguda ao stress de grau severo.” (quesito 25º da base instrutória)“Em consequência do mesmo escrito a Autora ficou com repulsa por convívios sociais, mesmo com pessoas amigas.” (Quesito 29º da base instrutória)
17- Ora, tem sido entendimento unânime da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, “o questionário apenas pode conter factos articulados pelas partes – artigos 511º e 664.º do Código do Processo Civil –, e não conclusões pois estas envolvem um juízo sobre um conjunto de factos, não constituindo factos em si mesmos. Saber se o concreto sinistro foi causa directa do estado de influência do álcool em que se encontrava o réu, conforme quesitado num determinado ponto da base instrutória, é manifestamente matéria conclusiva.” (Ac. do STJ de 27-01-2010; www.dgsi.pt)
18- “Desde que nas respostas aos quesitos haja matéria conclusiva, ter-se-á como não escrita a resposta, pois nos quesitos e nas suas respostas só devem existir factos concretos, da vida real que se apreenda pelos sentidos.” (Ac. STJ de 14-12-1995) (no mesmo sentido Ac. STJ de 1992/04/09 in BMJ n416 pag566. Ac STJ de 1993/03/31 in CJSTJ TII pag54).
19- Assim, entendem as Rés que, qualquer decisão que tenha como fundamento as considerações e opiniões acima assinaladas, violará expressamente os artigos 511º e o número 2 do artigo 659º, ambos do Código do Processo Civil, devendo por esse efeito, as referidas respostas ser consideradas “não escritas”.
20- Concluindo, ao julgar provado as considerações, opiniões e conceitos vagos acima assinalados, a sentença viola expressamente os artigos 511º e o número 2 do artigo 659º, ambos do Código do Processo Civil, devendo por esse efeito, as referidas respostas ser consideradas “não escritas”.
21- Para além destas, entendem as Recorrentes que o Tribunal, em várias situações, respondeu de forma diversa ao que se perguntava, alterando manifestamente, o sentido e espírito do quesito.
22- Nomeadamente, entendem as Recorrentes ter existido uma resposta excessiva ou diferente quando, em relação ao quesito 29º quando se perguntava: “Em consequência do mesmo escrito a Autora ficou com repulsa por convívios sociais, mesmo com pessoas amigas?”, e o Tribunal “a quo” respondeu: “provado apenas que imediatamente após o conhecimento do escrito referido em C e por causa do mesmo a Autora evitou o contacto com pessoas estranhas ao seu núcleo familiar.”
23- Não se perguntava se a Recorrida passou a evitar o contacto com pessoas estranhas ao seu núcleo familiar mas antes se tinha ficado com “repulsa por convívios sociais, mesmo com pessoas amigas”.
24- Da mesma forma, perguntava-se no quesito 31º se, teria refugiado em casa de familiares, “pela circunstância de estar a receber permanentemente telefonemas anónimos e a ser instada a comentar o teor do escrito referido em C?”
25- Contudo, respondeu o Tribunal “a quo” em relação ao referido quesito que, “provado apenas que a Autora recebeu telefonemas anónimos.”
26- Resulta evidente que, nas duas situações que se referem, o Tribunal respondeu, à margem do artigo a que se reportava o quesito, sendo a sua formulação restritiva («provado apenas que ..») meramente aparente: não se provou um minus, (mínimo) mas um aliud (outro ou diverso). (Ac. TRL de 04-06-2009; www.dgsi.pt)
27- Tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que “Existe excesso de resposta quando o tribunal dá como provado mais do que é objecto de prova, ou algo diverso do que se perguntava. A resposta excessiva deve ser considerada não escrita, por aplicação analógica do artigo 646º, nº 4, CPC.” (Ac. STJ de 04-06-2009; www-dgsi.pt)
28- Concluindo, deveria o Tribunal ter considerado os referidos quesitos como “não provados”.
29- Resulta evidente que, por aplicação analógica do número 4 do artigo 646º, deve considerar-se “não escrita” a resposta aos artigos 29º, 30º e 40º da base instrutória o que equivale à não prova dos factos.
30- Em relação à matéria de facto, entendem as Recorrentes que o Tribunal deveria ter , considerado “não provado” o Quesito 25º da base instrutória que perguntava se “Em consequência do referido escrito a autora foi acometida de uma reacção aguda de stress de grau severo.” – uma vez que o depoimento da testemunha …..(00:00:01 – 00:56:41), em concreto a “voltas” (CD 1 – 14:56 a 18:41), (CD 1 – 29:37 a 29:47), (CD 1 – 43:26 a 46:25), (CD 1 – 46:32 a 46:42), (CD 1 – 53:18 a 54:20), impunham que a resposta tivesse sido “não provada”, devendo por esse motivo, o Tribunal da Relação alterar a resposta.
31- O mesmo se dirá em relação à resposta dada pelo Tribunal “a quo” ao quesito 26º da Base Instrutória que questionava se, “Razão pela qual recorreu a apoio médico psiquiátrico”.
32- O depoimento da testemunha …. (00:00:01 – 00:56:41), em concreto a “voltas” (CD 1 – 26:37 a 29:36), (CD 1 – a 28:19 a 29:38), obrigavam a que o Tribunal “a quo” tivesse dado o referido quesito como “não provado”.
33- Por sua vez, deveria ter sido julgada provada a matéria constante do Quesito 45º da Base Instrutória: “Para elaborarem o escrito referido em C as Rés confrontaram e testaram várias fontes”, com base no depoimento da testemunha …. (CD 1- 00:00:01 – 00:21:24), em concreto, a “voltas” (CD 1 – a 3:33 a 4:30), (CD 1 – a 5:31 a 8:45) e na acareação realizada em sede de audiência de discussão e julgamento (CD 1 – 00:00:01 – 00:13:00).
34- Para além das questões de facto, entendem as Recorrentes que, não foram preenchidos os pressupostos de direito para que tivesse operado a responsabilidade civil extracontratual.
35- Ora, nos termos do artigo 483º do Código Civil, é civilmente responsável “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
36- Entendem as Recorrentes que a decisão do Tribunal “a quo” viola os artigos 236º e 295º do Código Civil, ao interpretar os factos constantes do artigo como, ofensivos do bom-nome e reputação da Recorrida.
37- Um declaratário normal e de boa fé, colocado na posição de um qualquer leitor anónimo e tendo em atenção as regras contidas nos artigos 236.º e seguintes e 295.º do Código Civil, não extrai de tal peça escrita as afirmações e conclusões ofensivas da honra e consideração da Recorrida.
38- Assim, entendem as Recorrentes que a decisão, ao considerar que o artigo em causa, é ofensivo do bom-nome e reputação da Recorrida, por indirectamente a considerar “cúmplice de adultério”, viola os artigos 236º e 295º do Código Civil, em especial quando, nem a própria Recorrente alegou tal justificação.
39- Ao decidir que o texto, nos termos concretos em que se encontra escrito, põe em causa o bom-nome e reputação da Recorrida, viola o artigo 9º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 19º da Constituição da República Portuguesa.
40- Mais, a sentença em recurso, viola ainda o número 1 do artigo 37º e o artigo 38º número 1 e 2 al. A) da Constituição da República Portuguesa, pondo em causa a liberdade de informação e expressão.
41- A sentença faz ainda uma interpretação restritiva do artigo 3º da Lei 2/99, 13 de Janeiro (Lei de Imprensa).
42- A decisão do Tribunal “a quo” está em total oposição com o disposto no artigo 335º do Código Civil, que estipula que, em casos destes, cada um dos direitos, caso sejam iguais ou da mesma espécie, deve ceder o estritamente necessário para que ambos produzam o seu efeito. Deve, portanto, cada um dos direitos manter o seu núcleo principal.
43- Uma vez que, o artigo 70º do Código Civil “protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral”, não estando em causa uma actuação ilícita, resulta evidente que a decisão em recuso aplicou erradamente e por isso está em oposição com o disposto naquele artigo.
44- Mais, ao condenar as Recorrentes sem que se encontrassem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente a culpa, a decisão violou os artigos, 70º, 79º, 80º, 483º e 487º ambos do Código Civil, bem como o artigos, 514º e 515º do Código do Processo Civil.
45- Não tendo sido considerado provada que tenha havido qualquer lesão concreta ao “bom-nome e “reputação” da Recorrida, o Tribunal “a quo” ao condenar as Recorrentes, viola expressamente o disposto no artigo 483º do Código Civil.
46- Mais, nos termos do artigo 496º do Código Civil: “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
47- Ora, tendo em conta os “danos” considerados “provados” resulta evidente que os mesmos não tinham a “gravidade” imposta por lei, pelo que a determinação de uma indemnização por danos morais, não se encontrando preenchidos os pressupostos do artigo 496º do Código Civil, é violadora desta ultima disposição.
48- Mais, por inexistir qualquer nexo causal, entendem as Recorrentes que a decisão, está em patente contradição com o artigo 563º do Código Civil, que determina que, apenas sejam indemnizados, os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, consagrou a doutrina da causalidade adequada.
49- Ora, resultou evidente do depoimento do médico psiquiatra que, é impossível fazer qualquer relacionamento directo entre a notícia e o alegado “stress agudo”.
50- Por outro lado, entendem as Recorrentes que os juros em que foram condenadas, viola o douto Acórdão do S.T.J., de 9 de Maio de 2002 (www.dgsi.pt), uniformizador de jurisprudência, bem como o número 2 do artigo 566º, número 3 do artigo 805.º e número 1 do artigo 806.º, todos do Código Civil.
51- Por último entendem as Recorrentes que, a sua condenação na publicação da sentença, com chamada de primeira página, viola o dispõe os números 1 e 4 do artigo 34º da Lei da Imprensa, uma vez que nesta disposição não se exige qualquer chamada de primeira página.
52- Para além disso, viola ainda o artigo 20º da Lei da Imprensa, que atribui ao Director “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”, uma vez que com a referida decisão, o Tribunal se está a sobrepor aos poderes do Director, sendo que o mesmo, nem sequer foi parte nos presentes autos.
53- Na verdade, a sentença viola o Princípio do Contraditório ao “condenar” ou impor uma actuação (ou limitação), a quem não foi parte nos presentes autos, violando assim o número 2 do artigo 3º do Código do Processo Civil”.
7 – A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e pela confirmação da sentença recorrida.
8 - Foi proferido despacho nos termos do art 670º nº1 do CPC, onde se considerou não padecer a sentença recorrida das invocadas nulidades.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
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II – AS QUESTÕES DO RECURSO
Como resulta do disposto nos arts 684º nº 3 e 685º-A nº1 do CPC, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação das recorrentes as questões em recurso são:
1-a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação e por excesso de pronúncia;
2-existem razão para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª Instância;
3 - inexistem nos autos os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual;
4 – incorrecta contabilização dos juros de mora a contar da data da citação, quando o deverá ser a contar da sentença;
5 - a condenação na publicação da sentença, com chamada de primeira página, viola o disposto nos nºs 1 e 4 do art 34º e o art 20º da Lei da Imprensa.
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III – FUNDAMENTOS DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância e descrita na decisão recorrida para fundamentar a sua decisão:
1. A autora é licenciada em Relações Internacionais pela Universidade …., tendo concluído essa licenciatura no ano lectivo de 1996/97 [resposta ao artº 1º da base instrutória].
2. A mesma efectuou um estágio na Comissão Europeia, em Bruxelas, entre Março e Julho de 1998 [resposta ao artº 2º da base instrutória].
3. Exerceu o cargo de assistente na “European Federation of Conference Towns” no mesmo período [resposta ao artº 3º da base instrutória].
4. Entre Outubro de 1998 e Janeiro de 1999 a autora estagiou no Parlamento Europeu [resposta ao artº 4º da base instrutória].
5. Em Novembro de 1999 a autora foi contratada para exercer funções como assessora técnica e administrativa na Fundação …. [resposta ao artº 5º da base instrutória].
6. A autora é, desde 2001, funcionária da empresa municipal …. [resposta ao artº 6º da base instrutória].
7. Desde Junho de 2003 até 20 de Abril de 2010 a mesma esteve requisitada pela Câmara Municipal de …. [resposta ao artº 7º da base instrutória].
8. No decurso da sua permanência na Câmara Municipal de … a autora exerceu funções no departamento que se ocupava das relações institucionais e internacionais dessa Câmara Municipal [resposta ao artº 8º da base instrutória].
9. Nas funções que lhe estavam atribuídas na referida Câmara Municipal competia à autora a apresentação de eventos e cerimónias municipais, incluindo inaugurações de obras, conferências e sessões culturais [resposta aos artºs 9º e 15º da base instrutória].
10. Nas mesmas funções competia à autora o acompanhamento de missões estrangeiras, nomeadamente, empresariais [resposta ao artº 10º da base instrutória].
11. Das funções de apresentação referidas em 9. fazia parte a recepção (boas-vindas) às individualidades participantes [resposta ao artº 11º da base instrutória].
12. No exercício das suas funções junto da Câmara Municipal … a autora contactava com governantes, diplomatas, deputados, presidentes de outras Câmaras, empresários, eclesiásticos, presidentes de juntas de freguesia e outras individualidades [resposta ao artº 16º da base instrutória].
13 Em Dezembro de 2009 a autora exercia funções no Gabinete de Protocolo, Relações Públicas e Imagem da Câmara Municipal de … [alínea A dos factos assentes].
14. As rés exercem profissionalmente a actividade de jornalistas, nessa qualidade colaborando, com escritos seus, no jornal de publicação diária denominado ….. [alínea B dos factos assentes].
15. No exercício dessa actividade, as mesmas redigiram e subscreveram o escrito junto sob a forma de cópia a fls. 19, que aqui se dá por reproduzido [alínea C dos factos assentes].
16. Do título desse escrito consta:
D ………..”
ROMANCE
Autarca de …. tem outro amor na câmara
Coração de D …. anda dividido entre a companheira … e a funcionária do protocolo A “ [alínea D dos factos assentes]
17. Do texto do mesmo escrito consta, além do mais, o seguinte:
«Aos ... anos, D …. continua casado com …, vive em união de facto com …., mas é visto em clima de romance com A , uma funcionária da Câmara de …, divorciada, com 36 anos e sem filhos.
Um segredo guardado durante cerca de dois meses que começa a revelar-se agora em encontros fora do edifício da autarquia e na troca de olhares cúmplices. …. está novamente apaixonado e mais uma vez o coração do autarca de … começou a bater mais forte por uma funcionária do Gabinete de Relações Públicas e Protocolo. Refira-se que …. também trabalha na Câmara.
Segundo soube o …., a atracção por A começou durante a campanha pré-eleitoral para as autárquicas. A participou activamente nas acções e …. depressa passou da admiração profissional para o encantamento.
Na campanha, o romance já transbordava e a própria companheira, …., começou a dar sinais de preocupação, o que foi notado por alguns apoiantes.
A pouco e pouco, o clima de romance entre …. e A foi sendo comentado até nos bastidores da Câmara.
Os mais atentos dizem que a relação com … também já viveu melhores dias, agora que os dois filhos de … vivem com o casal.
Mas D …. continua a debater-se com um divórcio litigioso de …, a primeira mulher e mãe dos seus três filhos. Contactado pelo CM, D desmentiu a relação A “ [alínea E dos factos assentes]
18. O referido escrito foi publicado na edição de 26 de Dezembro de 2009 do supra mencionado jornal, com chamada na primeira página [alínea F dos factos assentes].
19. O jornal …. tem uma tiragem diária média de 156.382 exemplares [alínea G dos factos assentes].
20. A autora tomou conhecimento da publicação do escrito referido em 15. quando ainda dormia e se encontrava em gozo de férias, através de um telefonema de uma amiga [alínea H dos factos assentes].
21. O referido escrito foi objecto de comentários em “blogues” [alínea I dos factos assentes].
22. Num desses “blogues”, no dia 27 de Dezembro de 2009, o “bloguer” “…” escreveu a propósito daquele escrito «Veja lá isso… É que uma funcionária pública é património do Estado, logo, de todos nós… Não lhe deve tocar» [alínea J dos factos assentes]
23. No mesmo dia o “bloguer” “...” escreveu a propósito do mesmo assunto «Qual a admiração? Ele tem dinheiro elas não o largam, normal se isso for verdade» [alínea K dos factos assentes].
24. No dia 26 de Dezembro de 2009 o “bloguer” “...” escreveu a propósito do mesmo assunto «O homem deve ter mel! Tanto mulherio atrás dele … e quase sempre em idade de serem filhas dele. Parece típico do Norte!» [alínea L dos factos assentes].
25. A autora é enaltecida pelos seus valores éticos e morais no meio familiar e social em que está inserida [resposta ao artº 20º da base instrutória].
26. As alusões feitas no escrito referido em 15. à autora são falsas [resposta ao artº 21º da base instrutória].
27. Na sequência da publicação do mesmo escrito a autora foi contactada por um seu ex-superior hierárquico que lhe transmitiu a sua solidariedade e por uma colega que lhe disse para regressar ao trabalho e o fazer de “cabeça levantada” [resposta ao artº 22º da base instrutória].
28. Em consequência do referido escrito a autora foi acometida de uma reacção aguda ao stress de grau severo [resposta ao artº 25º da base instrutória].
29. Razão pela qual recorreu a apoio médico psiquiátrico [resposta ao artº 26º da base instrutória].
30. E entrou em baixa por doença [resposta ao artº 27º da base instrutória].
31. E foi submetida a tratamento medicamentoso com ansiolíticos e anti-depressivos [resposta ao artº 28º da base instrutória].
32. Imediatamente após o conhecimento do escrito referido em 15. e por causa do mesmo a autora evitou o contacto com pessoas estranhas ao seu núcleo familiar [resposta ao artº 29º da base instrutória].
33. A autora esteve alguns dias em casa de uma irmã [resposta ao artº 30º da base instrutória].
34. A autora recebeu telefonemas anónimos [resposta ao artº 31º da base instrutória].
35. A autora, depois de regressar ao trabalho, foi alvo de um comentário jocoso de uma colega que lhe disse “és famosa” e “não foi um qualquer, foi o Presidente” [resposta aos artºs 34 e 35º da base instrutória].
36. Em 20 de Abril de 2010 foi cessada a requisição da autora à … a autora regressou a esta entidade [resposta ao artº 37º da base instrutória].
37. Na …. a autora passou a exercer funções no Auditório Municipal [resposta ao artº 38º da base instrutória].
38. As funções que a autora exerce no Auditório Municipal têm um nível de destaque, de interesse e de responsabilidade inferior às que a mesma desempenhava na Câmara Municipal de … [resposta ao artº 40º da base instrutória].
39. Os factos referidos em 36., 37. e 38. fizeram com que o estado da autora descrito em 28. se agravasse [resposta ao artº 42º da base instrutória].
40. O que determinou a necessidade de a autora recorrer, a conselho médico, ao acompanhamento de uma psicóloga [resposta ao artº 43º da base instrutória].
41. Esse acompanhamento ainda se mantém [resposta ao artº 44º da base instrutória].
42. Para elaborarem o escrito referido em 15. as rés contactaram o assessor de imprensa do Presidente da Câmara Municipal de …. [resposta ao artº 47º da base instrutória].
43. Na data em que o escrito referido em 15. foi publicado a autora não era casada, nem tinha qualquer relacionamento amoroso [resposta ao artº 48º da base instrutória].
*
IV – APRECIAÇÃO
1 - A sentença recorrida é nula por falta de fundamentação e por excesso de pronúncia
Invocam as recorrentes que a sentença proferida é nula por falta de fundamentação de facto e de direito. A esta nulidade se refere a alínea b) do nº1 do art 668º do CPC, apesar de as apelantes não dizerem qual seja.
No caso sub judice, a invocação da pretensa nulidade é feita de modo vago e impreciso, não resultando das conclusões, nem das próprias alegações em si, a concretização e especificação desta nulidade. Acresce, de todo o modo, que só a falta absoluta de motivação e não a motivação deficiente, errada ou incompleta, produz a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art 668º do CPC.
Ora, basta ler a decisão recorrida para se constatar que ela se encontra suficientemente fundamentada, quer sob o ponto de vista fáctico quer sob o ponto de vista jurídico, pelo que não incorre na nulidade invocada.
Também suscitam as apelantes a nulidade da sentença por excesso de pronúncia [alínea d) do nº1 do art 668º do mesmo diploma legal], pois entendem que o Tribunal se pronunciou sobre o elemento subjectivo da responsabilidade civil extracontratual, sem que a A. tivesse articulado factos que integrassem aquele conceito. Para além disso, consideram que a sentença entende que o facto veiculado na notícia põe em causa o bom-nome da Autora por a considerar “cúmplice de adultério”, com toda a carga social e moral negativa que a expressão comporta, sem que esta tenha referido que se sentiu ofendida no seu bom-nome por causa desse motivo em concreto.
Relativamente ao primeiro fundamento, as apelantes não têm qualquer razão, tendo em conta, nomeadamente, o texto dos artigos 17º, 38º, 41º, 43º, 44º, 50º da petição inicial, que contêm elementos pertinentes a dar cobertura às pretensões formuladas pela Autora, de acordo com o princípio do dispositivo.
Efectivamente, as RR. leram-nas e a elas responderam na sua contestação (cfr. arts 48º a 54º desse articulado), assim mostrando que compreenderam bem o seu conteúdo.
Assim, não se trata de falta de factos, nem de se ter conhecido além do que se podia conhecer, mas do descontentamento com o decidido, o que não constitui a nulidade de sentença por excesso de pronúncia, o qual efectivamente não se verifica.
E quanto à expressão “cúmplice de adultério” constante da sentença, ela não surge como facto que tenha servido como fundamento da decisão, mas como referência à factualidade descrita na notícia. Essa expressão faz parte do discurso analítico do Juiz quanto à interpretação da matéria provada. Se a notícia refere que a A. tem uma romance com outrem que é casado e que mantém uma relação amorosa estável com um terceiro, com quem vive em união de facto, leva a considerar que a A. é “cúmplice de adultério” – é a explanação do conteúdo da notícia.
Tal fundamentação nada tem a ver com matéria de facto e no contexto jurídico donde foi desgarrada, não tem o significado que deturpadamente as recorrentes lhe pretendem imprimir.
O que é suficiente para julgar improcedentes as conclusões 1 a 11 das alegações de recurso das apelantes.
2- Impugnação da matéria de facto
No que respeita à parte da decisão recorrida através da qual foram indicados os factos considerados “provados” e “não provados” no processo, a crítica das apelantes situa-se em quatro níveis:
a)- um respeitante à natureza dita “conclusiva” dos quesitos 20º, 21º, 25º e 29º;
b)- outro relativo aos quesitos 29º e 31º por excederem o seu conteúdo;
c)- um terceiro reportado aos quesitos 29º, 30º e 40º por aplicação analógica do nº 4 do art 646º do CPC;
d) - por fim, entendem as apelantes que a matéria de facto encontra-se incorrectamente apurada, devendo ser julgados “não provados” os quesitos 25º e 26º e “provado” o 45º.
1ª questão – Existência de conclusões na matéria de facto provada nas respostas aos quesitos 20º, 21º, 25º e 29º
Numa primeira linha, invocando o disposto nos arts 511º e 659º nº 2 do CPC, e porque no seu entender as respectivas respostas mais não integram do que meras conclusões e/ou opiniões e não factos, pedem as apelantes que sejam consideradas “não escritas” as respostas dadas ao perguntado nos quesitos 20º, 21º, 25º e 29º.
Os pontos da matéria de facto invocados pelas recorrentes têm a seguinte redacção:
- 20º - A autora é enaltecida pelos seus valores éticos e morais no meio familiar e social em que está inserida?
Resposta: Provado
- 21º - As alusões feitas no escrito referido em C à autora são falsas, o que as rés sabiam?
Resposta: Provado apenas que as alusões feitas no escrito referido em C à autora são falsas
- 25º - Em consequência do referido escrito a autora foi acometida de uma reacção aguda ao stress de grau severo?
Resposta: Provado
- 29º - Em consequência do mesmo escrito a autora ficou com repulsa por convívios sociais, mesmo com pessoas amigas?
Resposta: Provado apenas que imediatamente após o conhecimento do escrito referido em C e por causa do mesmo a autora evitou o contacto com pessoas estranhas ao seu núcleo familiar
As recorrentes entendem que estes quesitos contêm matéria conclusiva, pelas seguintes razões:
- no que refere ao quesito 20º (A Autora é enaltecida pelos seus valores éticos e morais no meio familiar e social em que está inserida) “resulta mais do que evidente que o referido quesito não tem uma única questão de facto, mas antes conceitos vagos, subjectivos e indeterminados que, como tal, não podem ser objecto de qualquer prova”.
- quanto ao quesito 21º (As alusões feitas no referido escrito em C à Autora são falsas) “resulta evidente que a falsidade de determinado facto, constitui uma conclusão que, apenas poderia ser considerada, caso tivesse a Autora alegado, em concreto, quais os factos que, não ocorreram”;
- no que respeita ao quesito 25º (Em consequência do referido escrito a autora foi acometida de uma reacção aguda ao stress de grau severo) “para prova do referido quesito, deveriam ter sido alegados e provados as questões de “facto” (sintomas) que compõem aquela situação clínica”;
- no que concerne ao quesito 29º (Em consequência do mesmo escrito a Autora ficou com repulsa por convívios sociais, mesmo com pessoas amigas), “contém apenas conclusões a que o Tribunal poderia ter chegado, caso tivessem sido alegadas situações concretas em que a Autora se tivesse recusado a comparecer, eventos sociais que a Autora decidiu não estar presente.”
Como é sabido, na elaboração da base instrutória o Juiz só deve incluir factos concretos e/ou acontecimentos, ensinando Antunes Varela que são factos as ocorrências concretas da vida real (bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas), respeitem eles aos acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem) mas também aos eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo, a sua vontade real ou a sua intenção, bem ainda os juízos sobre factos, quando baseados em critérios do homem comum e não apelem no seu essencial para a sensibilidade ou intuição do jurista ou para a formação especializada do julgador (Manual de Processo Civil, pags 406 a 410).
Segundo o Ac. do STJ de 22-04-2009, Proc nº 08S1901, disponível em www.dgsi.pt, “os factos, no domínio processual, abrangem não apenas as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas, neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior directamente captáveis pelas percepções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (por exemplo, o dolo, a determinação da vontade real do declarante, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção)”.
Como aludia o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol III, pags 212 e ss), ao fixar o quadro dentro do qual se há-de produzir a prova, deve o Juiz tirar do questionário tudo “…o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos”.
A lei refere-se apenas a factos, excluindo assim dessa parte da fundamentação da decisão a matéria de direito e a matéria conclusiva, que contém em si juízos de valor. São os factos produtores ou desencadeadores do efeito jurídico pretendido pela parte que devem ter assento na fundamentação de facto da decisão.
Fora da matéria de facto ficam já os juízos conclusivos referidos a determinada valoração normativa – os que encerram em si um juízo de valor, uma apreciação que é resultado de uma análise crítica efectuada sobre determinada realidade.
Ora, tendo em conta os considerandos expendidos, constata-se que a maior parte dos quesitos impugnados pelas apelantes (20º, 25º e 29º) versam sobre manifesta matéria de facto, maxime sobre a descrição do apreço social pelas qualidades da A. no plano ético e moral e sobre determinados eventos do foro interno, situado no domínio cognitivo-sensorial da apelada, designadamente sobre as consequências da notícia em causa no seu estado emocional (reacção aguda ao stress de grau severo e evitar o contacto com pessoas estranhas ao seu núcleo familiar).
Mas mais: em relação ao quesito 25º, dada a especificidade da linguagem clínica, seria mesmo muito difícil uma alegação de factos pormenorizados e tecnicistas nos articulados. Daí que, ao alegar aquele facto na petição inicial, a Autora o tenha feito de modo muito condensado.
Compreendendo a matéria de facto, como supra assinalado, os juízos sobre factos, quando baseados em critérios do homem comum e eventos do foro interno ou psíquicos, improcede, assim, quanto aos quesitos 20º, 25º e 29º, a pretensão das apelantes.
Já o quesito nº 21 não contém verdadeiramente matéria de facto, mas antes matéria puramente conclusiva, pois encerra, exclusivamente, juízo de valor, pois que representa não mais que juízos subjectivos, emanados da relatividade valorativa da parte que os alega.
A alegação de que “As alusões feitas no escrito referido em C (isto é, na notícia) à autora são falsas” não traduz qualquer ocorrência da vida real que possa ser objectivamente valorizada, nem respeita a qualquer juízo de facto – comporta, sim, juízo de valor subjectivo, efectuado com recurso a factores alheios à própria percepção da concreta ocorrência, fenómeno ou estado de facto da vida real.
É assim evidente que, apreciar, qualificar e concluir qual que, no que respeita à Autora, as alusões feitas na notícia são falsas, é uma conclusão que é lícito ao julgador tirar dos elementos probatórios produzidos nos autos.
Trata-se de um conceito, que se extrai de um conjunto de factos, como sejam: o coração do Dr …. não anda dividido entre a companheira … e a funcionária de protocolo; aquele não foi visto em clima de romance com a Autora; não existiram encontros fora da autarquia nem olhares cúmplices, etc.
Mas a Autora não alegou tais factos, só alegando “As alusões feitas à pessoa da A. são caluniosas, dada a sua total falsidade”…
Impondo-se uma alegação de facto mais circunstanciada e precisa a este respeito e uma mais cuidadosa selecção dos factos, expurgada de conceitos ou de juízos de valor, que, de modo algum, com um mínimo de rigor técnico-jurídico, deveriam ter sido quesitados e também, em qualquer caso, não respondidos
Não é, em si mesmo, um facto, antes um juízo valorativo, que por isso tem de ser suprimido do complexo fáctico provado nos autos.
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, deve ter-se por não escrito o quesito 21º e a resposta relativamente a ele proferida, nos termos do nº 4 do art 646º do CPC.

2ª questão – As respostas aos quesitos 29º e 31º devem ser consideradas não escritos, por excederem o seu conteúdo
A redacção do quesito 29º era do seguinte teor: “Em consequência do mesmo escrito a Autora ficou com repulsa por convívios sociais, mesmo com pessoas amigas?”
Tendo merecido a resposta de: Provado apenas que imediatamente após o conhecimento do escrito referido em C e por causa do mesmo a Autora evitou o contacto com pessoas estranhas ao seu núcleo familiar.
A redacção do quesito 31º era do seguinte conteúdo: “Facto também causado (a A. refugiou-se em casa de familiares) pela circunstância de estar a receber permanentemente telefonemas anónimos e a ser instada a comentar o teor do escrito referido em C?
Respondido: Provado apenas que a Autora recebeu telefonemas anónimos.
É entendimento pacífico na jurisprudência que, na decisão sobre a matéria de facto controvertida, o julgador pode dar respostas de conteúdo restritivo ou explicativo, mas não pode ampliar ou alterar o sentido e o âmbito do facto quesitado. Diz a este respeito o Ac. do STJ de 11-12-2008, Proc nº 08B3602 (em www.dgsi.pt): "As respostas aos pontos da matéria de facto levados à base instrutória não têm de ser necessariamente afirmativas ou negativas, podendo ainda ser restritivas ou explicativas, mas desde que se contenham na matéria de facto articulada. (…) A resposta será já exorbitante quando contempla factos não contidos no ponto controvertido. Sendo excessiva a resposta, não pode a mesma ser considerada, devendo, nessa parte, ter-se como não escrita". No mesmo sentido, entre muitos outros, pronunciam-se os Acs. do STJ de 27-03-2008 e de 04-01-2010, Procs. nºs 07B4149 e 188/07, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt.
As respostas restritivas consistem em dar-se como provado menos do que se indagava e as explicativas em dar-se como provada a causa do facto indagado.
Assim, em bom rigor e de acordo com a regra da auto-suficiência da decisão, a resposta deve ser de “provado”, “não provado”, “provado apenas que…” ou mesmo “provado, com o esclarecimento…” ou “provado, com a reserva…”, desde que o esclarecimento não exorbite o facto quesitado.
Como facilmente se pode constatar, as respostas dadas a tais quesitos têm natureza restritiva, não podendo, por isso, ser consideradas excessivas. Elas encontram-se contidas naquilo que se perguntava, ou seja, não se foi além da matéria controvertida, antes pelo contrário, se respondeu menos do que o conteúdo formulado e sem se desvirtuar o seu texto. Estas respostas estão no âmbito da matéria articulada pela Autora e no âmbito do objecto da acção, pelo que nenhuma censura merecem a este título.
Deste modo, não há que considerar como não escritos tais factos.

3ª questão - Por aplicação analógica do nº 4 do art 646º do CPC, deve considerar-se “não escrita” a resposta aos quesitos 29º, 30º e 40º
Pugnam as apelantes pela aplicação do disposto no nº 4 do art 646º do CPC à resposta dada aos quesitos 29°, 30° e 40°, mas não dizem porquê, nem alegam quaisquer factos relativos a essa aplicação analógica.
Mas, segundo o teor das alegações e das conclusões, pensamos que as recorrentes querem “não escritas” estas respostas porque teria sido dada respostas excessivas ao teor da pergunta.
Quanto ao quesito 29º, como se viu supra, tal quesito manteve-se, atentos os fundamentos enunciados.
A redacção do quesito 30º era do seguinte teor, em consonância com o quesito 29º: “O que a levou a refugiar-se em casa de familiares?”
Tendo merecido a resposta de: Provado apenas que a autora esteve alguns dias em casa de uma irmã.
A redacção do quesito 40º com o seguinte conteúdo:
“E têm um nível de destaque, de interesse e de responsabilidade inferior às que a autora desempenhava na Câmara Municipal de ….?”
Respondido: Provado que as funções que a autora exerce no Auditório Municipal têm um nível de destaque, de interesse e de responsabilidade inferior às que a mesma desempenhava na Câmara Municipal de ….
Ora, tal como também já expressámos a nossa posição, mantê-la-emos nos precisos termos enunciados em IV-2, no que respeita à 2ª questão.
Destarte, mantendo-se as respostas aos quesitos 29º, 30º e 40º, decai também este segmento do recurso apresentado.

4ª questão - A matéria de facto encontra-se incorrectamente apurada, devendo ser julgados “não provados” os quesitos 25º e 26º e “provado” o quesito 45º

Por último, e quanto à impugnação da matéria de facto, entendem as Rés que as respostas dos quesitos 25º, 26º e 45º deviam ter sido o contrário ao que o Tribunal a quo respondeu, com base nos depoimentos da testemunha …. e …., para além da acareação entre a Ré B e o Assessor do Presidente da Câmara Municipal de …., …. .
Nos termos constantes do art 655º do CPC, vigora no nosso ordenamento jurídico, o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o Tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
E importa ressalvar que a sindicação que neste âmbito se nos impõe não se traduz num segundo julgamento, mas apenas – e só - numa averiguação sobre se a convicção expressa pelo Mmº Juiz, no tocante aos específicos pontos em controvérsia, tem ou não suporte razoável em face dos meios de prova indicados pelas recorrente, sendo necessário, que tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante.
Colocados estes parâmetros, analisemos os pontos controvertidos.

No quesito 25º formulou-se a seguinte pergunta: “Em consequência do referido escrito a autora foi acometida de uma reacção aguda ao stress de grau severo?”
Entendeu o Tribunal a quo responder “Provado”, fundamentando-se no seguinte: “Sobre a matéria em causa recaiu o depoimento de …., médico psiquiatra e amigo do pai da autora. Declarou que a autora o consultou em 11 de Janeiro de 2010, aparecendo francamente ansiosa. Qualificou o estado da mesma como um “distúrbio de ajustamento”, a integrar na classificação de “reacção aguda ao stress de grau severo”. Apesar de ter escusado a falar da situação psicológica da autora antes dos eventos em causa nos autos (matéria que disse estar a coberto do sigilo profissional), sucessivamente questionado sobre a relação de causalidade entre a notícia dos autos e a patologia que diagnosticou à demandante afirmou peremptoriamente não ter qualquer dúvida que existe uma relação de causalidade directa entre ambos os factos. Declarou, bem assim, que a causalidade é fácil de estabelecer nestes casos em que a pessoa presencia ou vivencia um acontecimento traumático e que esse tipo de reacção ocorre independentemente de qualquer patologia psiquiátrica pré-existente. Refira-se que o depoimento saiu reforçado do testemunho prestado por …., psicóloga que acompanha a autora e que descreveu o estado de saúde desta como um quadro depressivo reactivo, situando a causa do mesmo na notícia dos autos, com posterior agravamento em virtude da mudança de funções profissionais. O mesmo depoimento colhe ainda abono das declarações prestadas por …. quando referiu que após a notícia dos autos a autora chorava constantemente e estava num estado de ansiedade extrema, tendo sido ela própria quem a aconselhou a ir à consulta de psiquiatra”.
Ora, compulsada a prova produzida sobre esta matéria, jamais poderemos concordar com as conclusões subjectivas extraídas pelas recorrentes.
Analisando o depoimento de testemunha …., médico psiquiatra, foi a mesmo peremptório em afirmar que ela apresentava uma “perturbação de ajustamento, “uma perturbação ansiosa de ajustamento numa fase aguda que provocam a instabilidade emocional em que ela estava”, a integrar na classificação de reacção aguda ao stress de grau severo”.
Mais referiu: “Ela contou-me porque é que estava muito chocada, tinha sido uma notícia de jornal em que ela é visada e considerando-se injustamente visada e a partir dai começou a ter uma série de sintomatologia ansiosa”.
Não podendo ser ignorada a inquestionada idoneidade e a também não contestada credibilidade desta testemunha, bem como a solidez da sua razão de ciência, disse ainda que “Do ponto de vista médico, há uma causa directa da situação concreta que provocou este estado de ansiedade que a doente apresenta. (…) Neste caso concreto, é preciso que tenhamos esta noção, é que o abalo psicológico é sentido por um quadro súbito, uma situação concreta que, independentemente do passado da pessoa, possa desencadear esta situação. (…) Neste caso, há um acontecimento traumático psicológico que justifica imediatamente o aparecimento de determinada sintomalogia que aparece em horas. Independentemente das características anteriores da pessoa, estes casos de reacção de ajustamento são muito evidentes porque sucede imediatamente à situação. (…) A reacção que a A teve ao anúncio do acontecimento é uma reacção imediata”.
Por fim, a instâncias da Mmª Juíza, disse peremptoriamente que no caso da A , “há uma reacção motivada por aquele acontecimento”.
Como se alude no despacho do Tribunal a quo antes transcrito, na sequência da audição dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas … (psicóloga que acompanha a Autora) e …. (irmã da Autora e médica fisiatra), todas estas depoentes aludiram, sempre de forma clara, peremptória e inequívoca, com segurança e razão de ciência consistente, à descrição do estado de saúde da Autora.
A primeira testemunha fala “duma situação aguda de stress e na sequência da mesma desenvolveu um quadro depressivo (…) um quadro depressivo reactivo com uma sintomatologia muita característica: tristeza muito grande, angústia, dificuldade de adaptação a nível social bastante grave, insónia, o que muito comum em que as pessoas vivenciam e mantém o sistema associado na situação de stresse” e situa esta situação como consequência da notícia em questão e se agravou quando regressou ao seu trabalho, em que depara “com uma série de situações extremamente adversa tanto a nível interpessoal como a nível de comunicação entre colegas que provocaram graves problemas emocional”.
Ainda e também a testemunha …, quando questionada sobre qual o impacto da noticia publicada no estado emocional da Autora, foi também ela peremptória em afirmar - por diversas vezes inclusive - ter testemunhado o estado de perturbação, ansiedade, choro, angústia da sua irmã, que “estava num estado de ansiedade extrema, num estado de stress emocional extremo, estado de trauma (…)”perante o teor da notícia.
Da ponderação de todos os testemunhos prestados, nesta parte, e de que só realçámos alguns pormenores, entendemos que não existiu qualquer erro evidente que permitisse alterar a resposta a este quesito.
No que concerne ao quesito 26º (“Razão pela qual recorreu a apoio médico psiquiátrico?”) respondeu o Tribunal “Provado”, com base no depoimento de …...
Ora, este quesito estando relacionado com o anterior e atento o expendido para aquele, nada muito haverá a acrescentar, sendo certo que, apesar de a Autora ter ido algumas vezes ao médico psiquiatra (não se sabe, porque a testemunha escusou-se a falar sobre isso, pois disse estar a coberto do sigilo profissional), não impede, que face à ansiedade por causa da notícia em questão, tenha recorrido a este apoio… Que recorreu a apoio médico psiquiátrico, é verdade, o próprio médico o confirmou!
Perante tal prova testemunhal, óbvio é que em nenhum erro na apreciação da prova incorreu o Tribunal a quo no que concerne ao ponto de facto ora em apreciação, nada justificando, portanto, a alteração da decisão relativamente a ele tomada.
No quesito 45º da base instrutória formulou-se a seguinte pergunta: “Para elaborarem o escrito referido em C as rés confrontaram e testaram várias fontes?”
A este quesito respondeu o Tribunal de 1ª Instância “Não provado”, justificando essa sua resposta com base “Para prova do facto foi produzido, em exclusivo, o depoimento de … e …. (funcionária do ““X”” e superiora hierárquica das Rés) que não assistiu a qualquer contacto com as alegadas “fontes” e apenas pôde reproduzir nessa parte o que soube das rés”.
Na verdade, …. (jornalista do e superiora hierárquica das Rés), nessa qualidade veiculou o que aquelas lhes terá transmitido, formulando considerações em conformidade, mas ainda assim de forma lacunar, nomeadamente no concerne às alegadas fontes.
Quando questionada sobre as fontes a instâncias da Mmª Juíza, referiu que “No apuramento das fontes não, na medida em que não a assinei. A minha participação é apenas de acompanhar o trabalho delas (…). Acompanhei essas diligências que foram feitas. (…) Não contactou directamente com as fontes, na medida que são as fontes das colegas e não minhas é alguém que não falaria comigo, falaria com elas. Nem eu sei quem são, tão pouco. (…) Não assisti pessoalmente a nenhum contacto com as fontes. Só assisti ao contacto com o … (Assessor de Imprensa do Presidente), mas não sabe o que disse. Sabe isso porque elas disseram.”
Quanto à acareação entre o Chefe do Presidente, …., e a Ré B nada adianta à resposta a esse quesito. O que se retira dessa diligência é que esta testemunha diz que, num telefonema com a Ré no dia de Natal, disse que a notícia era falsa e, num outro telefonema nesse dia, a Ré aludiu a fonte da colega que confirmou a notícia; e que Ré B referiu que houve dois telefonemas, um antes da publicação em que ela disse “Não temos uma fonte temos várias fontes que nos indicam isto assim assim” e a testemunha referiu “é possível, mas não tinha informações sobre isso”, e outro depois da publicação, em que testemunha lhe disse que a notícia era falsa.
Que dizer sobre isto, nada…
Acreditamos que as Rés tenham tido algumas fontes, mas o que se perguntava era se “Rés confrontaram e testaram várias fontes”… Mas a prova nada diz sobre isso.
Não se denotando qualquer erro evidente na apreciação da prova, nada justifica, portanto e bem pelo contrário, qualquer alteração a essa resposta agora analisada.
Assim sendo, da reapreciação da prova efectuada, traduzida nos termos sintéticos ora enunciados, inexiste fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Deste modo, efectuada a referida alteração no que concerne à resposta ao quesito 21º (ponto 26 dos factos provados), deve manter-se a factualidade apurada nos seus precisos termos.
3 - Inexistem nos autos os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual
A este respeito há, desde logo, que ponderar que a presente acção surge estruturada com base na responsabilidade civil das Rés por acto ilícito consistente na violação da personalidade moral da Autora com lesão de bens de tal personalidade, como são a sua honra e bom-nome.
Perante os factos relatados, a 1ª Instância considerou que o texto da notícia divulgada no …. tipifica por parte da Rés uma situação de nítida violação do direito geral de personalidade da Autora (art 70º do CC), decidindo que com a sua conduta as Rés ofenderam o seu direito ao bom-nome e reputação, e, consequentemente, o seu interesse civilmente protegido, a que se reporta, além do mais, o art 484º do CC. E, entendendo verificar-se os pressupostos do art 483º do CC, condenou as Rés, além do mais, no pagamento à Autora da quantia de €10.000 a título de compensação por danos não patrimoniais.
Ora, a verdade é que os elementos que os autos contêm permitem que se conclua, salvo melhor opinião, no sentido de que a notícia publicada no que está em causa violou, não o direito ao bom-nome da Autora, mas sim o seu direito à reserva da intimidade da vida privada que “tutela a natural aspiração da pessoa ao resguardo da sua vida privada. (…) Pretende-se assim defender contra quaisquer violações a paz, o resguardo, a tranquilidade duma esfera íntima de vida; em suma, não se trata de tutela da honra, mas do direito de estar só, na tradução de expressiva fórmula inglesa (right to be alone)” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, 1988, pag 209).
A chamada da notícia na primeira página, os títulos, subtítulos e alguns excertos da reportagem (“Coração de D … anda dividido entre a companheira … e a funcionária do protocolo A ”, “clima de romance com A (…)”, “encontros fora do edifício da autarquia e na troca de olhares cúmplices (…)”, “Na campanha, o romance já transbordava (…)”), são objectiva e manifestamente atentatórias da privacidade da Autora, direito integrado na sua personalidade psicológica e emocional .
Todo o indivíduo tem o direito a ver protegido o seu espaço interior contra intromissões alheias; e, essencialmente, a Autora tem o direito a que não sejam divulgados factos relativos aos seus alegados relacionamentos amorosos: cada qual está apaixonado por quem quiser… cada um troca olhares cúmplices a quem quiser…
Essa situação não pode deixar de se considerar como estando dentro do espaço de privacidade que a todos é reservado. Na verdade, parece-nos evidente que qualquer pessoa tem o direito de exigir que a sua relação amorosa, que faz parte do seu do domínio mais particular e íntimo, se mantenha afastada de todo o conhecimento alheio e não seja publicitada.
Debruçando-se sobre a privacidade/intimidade e comentando outros autores, diz o Prof. Manuel da Costa Andrade que “a protecção de uma área privada de reserva significa o reconhecimento do domínio do indivíduo sobre a sua esfera privada ou, noutros termos, a autodeterminação da pessoa sobre a sua esfera privada ou ainda a defesa contra a intromissão da sociedade ou do Estado na esfera privada. (…) A esfera privada abrange o direito de estar separado e livre da sociedade e da observação dos outros; a competência para decidir por si próprio quando e dentro de que fronteiras os eventos da sua vida pessoal podem ser revelados, isto na medida em que o não exijam prevalecentes interesses comunitários. (…) o bem jurídico é a área da vida eminentemente pessoal do indivíduo em que este pode realizar-se de acordo com as suas próprias representações, sem ser perturbado ou inibido pelo medo de uma discussão pública da sua vida privada” (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, 1996, pags 91 e 92).
Assim, o direito de reserva à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes, sendo uma o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e a outra o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada de outrem (Ac. STJ de 25-09-2003, Proc. nº 2361/03,acessível em http://www.dgsi.pt.).
Ambas essas vertentes da tutela do direito à intimidade da vida privada - de protecção contra intromissão na esfera privada da Autora (por parte das Rés) e de revelações a ela relativas (por banda da notícia publicada) - estão em causa nestes autos.
E não se vê, de modo algum, como é que a consideração social da Autora e a sua honra possam ter sido atingidas com a notícia em questão, de modo a torná-las um valor negativo aos seus olhos e à comunidade que a conhece: a imputação de um romance entre duas pessoas, uma das quais vive com um terceiro, não materializa uma noção de desprimor ou menosprezo por essas pessoas numa sociedade contemporânea e globalizada como a nossa, apesar de preconceitos morais e religiosos.
Impõe-se, pelo exposto, concluir que, ao contrário do que entendeu a 1ª Instância, a Autora foi directamente atingida na sua intimidade da vida privada, valor que se inscreve no âmbito dos direitos de personalidade.
Nessa perspectiva, vejamos então se se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil em aproximação ao caso em apreciação.
Como decorre da Constituição da República (doravante referenciada como CRP) o seu art 25º nº1 consagra a integridade moral como inviolável, garantindo no seu art 26º nº1 que: “A todos são reconhecidos os direitos (…) à reserva da intimidade da vida privada (…)”.
Na lei ordinária, o art 70º nº1 do CC prescreve “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, o que significa a assunção e um reconhecimento da existência de um direito geral da personalidade, onde se insere o direito à reserva da intimidade da vida privada (art 80º do mesmo Código).
Essa protecção pela via meramente civil é exercida, normalmente, através da pertinente acção de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e de harmonia com os pressupostos previstos no art 483° n°1 do mesmo Código, dispositivo esse aplicável na hipótese dos autos face ao disposto no art 29º nº1 da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13-01).
Segundo o referido art 483° n°1, resulta serem pressupostos da obrigação de indemnizar um facto voluntário do lesante, a ilicitude daquele, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre este e aquele facto.
Destes pressupostos, interessa começar por analisar a ilicitude, uma vez que, no que concerne ao facto voluntário, encontra-se claramente demonstrado nos autos e nenhuma controvérsia existe entre as partes.
A ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, consiste na infracção de um dever jurídico. Indicam-se, no nº 1 do art 483º do CC, duas formas essenciais de ilicitude. Na primeira vertente, a violação de um direito subjectivo de outrem; na segunda vertente, a violação de lei tendente à protecção de interesses alheios.
No domínio das relações de personalidade, a ilicitude advém do dever jurídico que emerge quer da necessidade de respeitar um direito de personalidade alheio, como da obrigatoriedade de cumprimento de lei que proteja interesses alheios de personalidade – cfr. neste sentido, Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, 1995, pag 435.
No dizer do Ac. do STJ de 13-01-2011 (Proc nº 153/06.4 em http://www.dgsi.pt.), “A lesão da personalidade é, em princípio, ilícita. Na verdade, é contrária ao plano do dever-ser que a personalidade de alguém seja ofendida. (…)”
Mas, para a formulação do juízo de ilicitude em apreço haverá de ponderar as circunstâncias concretas do caso e o modo como foi feita a revelação dos factos da vida privada.
No caso sub judice, a notícia em causa publicada num jornal diário com elevadas tiragens (tiragem diária média de 156.382 exemplares - ponto 19 dos factos provados), revelava patentemente todas as pessoas que comprassem o jornal a relação amorosa da Autora (que é identificada pelo seu nome e pelas funções que esta exercia, à altura, na Câmara Municipal ...) com o Presidente da Câmara desta cidade. Constituiu, pois, uma devassa na sua vida privada.
Se, conforme alegam as RR., «todos os elementos que compõe o referido artigo são dirigidos ao Presidente da Câmara Municipal de ...” que “é uma figura pública, com enorme exposição mediática e política, até mesmo na imprensa considerada de cor-de-rosa», a verdade que se aproveitaram da dimensão pública deste, potenciando a desvalorização da figura privada da Autora, comprometendo a sua dimensão inteiramente íntima e a sua integridade psicológica e emocional. E a ilicitude não é de modo algum excluída pela circunstância de o Presidente da Câmara de ... ser uma pessoa famosa, pois o que está em causa é a violação da privacidade da Autora e não deste…
Assim é inequívoca a antijuridicidade da actuação em concreto das Rés, posto que violou direitos de personalidade da Autora.
Na situação vertente e de acordo com a factualidade assente, decorre que os factos constantes na notícia redigida pelas Rés, na qualidade de jornalistas, e publicada com manchete na primeira página, são ilícitos, uma vez que a prática dos mesmos e o respectivo resultado ofendeu um direito da Autora integrado na sua personalidade moral, na vertente do seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, cuja tutela, como já expressámos, merece acolhimento constitucional no art 26° da CRP, e consagração na lei ordinária no nº 1 do art 80° do CC.
Com efeito, os factos sucintamente descritos são demonstrativos de que foi efectuada a publicação voluntária de uma reportagem, a qual atingia direitos de personalidade da Autora. Ora, o principal facto ilícito a que se reporta a obrigação de indemnizar é a publicação da reportagem com o teor que a mesma apresenta.
É irrelevante que os factos divulgados sejam ou não verdadeiro para que se verifique a ilicitude, desde que, dada a sua estrutura e o circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar a privacidade da visada (é de notar que se deu por não escrito o quesito 21º da base instrutória e a resposta relativamente a ele proferida: “As alusões feitas no escrito referido em C (isto é, na notícia) à autora são falsas” – ponto 26 dos factos provados).
Não se desconhece a este nível a defesa das apelantes no sentido de que se limitaram a cumprir o seu direito à liberdade de expressão e de informação, constitucionalmente consagrado e, com base nisso, entendem que, face às circunstâncias concretas, foi lícita a sua acção.
Desde logo, há que ponderar que aos jornalistas assiste o direito de informar e tal direito é uma manifestação constitucional da liberdade de expressão e de imprensa – arts 37º e 38º.
O art 37º nº1 da CRP regula as liberdades e os direitos de expressão e informação garantindo que “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”. No seu nº 2, estabelece que tal exercício “não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.
E o art 38º regula em especial esses direitos quando exercidos através da imprensa, estabelecendo no seu nº1 que “ É garantida a liberdade de imprensa”, que implica, desde logo, a liberdade de expressão e de criação, por parte dos jornalistas (nº 2).
No que respeita à imprensa, a concretização dos direitos realizando a definição constitucional está assegurada através da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13-01) e do Estatuto do Jornalista (Lei nº 1/99, de 13-01, modificado pela Lei nº 64/2007, de 06-11).
O art 1º da Lei da Imprensa dispõe, justamente, que é garantida a liberdade de imprensa e que abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos, discriminações e ou limitações por qualquer tipo de censura. Os arts 2º nº1 a) e 22º a),b),c) e d) dispõem que a liberdade de imprensa implica o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas, nomeadamente a liberdade de expressão e de criação, de acesso às fontes de informação, o direito ao sigilo profissional e as garantias de independência e da cláusula da consciência.
Já quanto ao Estatuto dos Jornalistas, o art 6º ressalva os mesmos direitos fundamentais dos jornalistas, realçando o art 7º que “A liberdade de expressão e criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações nem subordinados a qualquer tipo ou forma de censura”.
Já, anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de Dezembro de 1948 (e em harmonia com a qual devem ser interpretados e integrados os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais, conforme determinado no art 16º da CRP), reconhece, no seu art 19º, que “Todo o individuo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem considerações de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Por seu turno, a Convenção de Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (conhecida por Convenção Europeia dos Direitos do Homem – CEDH) garante no art 10º nº1 o direito de qualquer pessoa à liberdade de expressão, compreendendo “a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas”, e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adoptado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral da ONU de 19-12-1966 (entrado em vigor em 23-03-1976, aprovado para ratificação pela Lei 29/78, 12-06, e a que Portugal se encontra vinculado desde 15-06-1978) consagra, no seu art 19º nºs 1 e 2, que “Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões. Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras (…)”.
Igualmente, o art 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, à qual está atribuído valor jurídico idêntico ao dos Tratados pelo art 6º do Tratado da União Europeia, na redacção resultante do Tratado de Lisboa, consagra que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras” (JO, C 83, de 30-03-2010, pag 389).
No entanto, esta regra não é absoluta, sofre limites.
O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, embora consagrem o direito à liberdade de expressão (art 19º nºs 1 e 2 e art 10º nº1, respectivamente), afirmam que aquele direito comporta deveres e responsabilidades especiais, podendo, em consequência, “ser submetido a certas restrições, que devem, todavia, ser expressamente fixadas na lei e que são necessárias: a) Ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem; b) À salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da moralidade públicas” [art 19º nº3 a) do Pacto] e “ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial” (art 10º nº 2 da Convenção).
Mas há outros direitos constitucionalmente assegurados e é no confronto entre todos que tem que definir-se, em concreto, a medida do absoluto de cada qual e à relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos e de cada um.
E assim, segundo a própria Constituição - cfr. art 18º nº2 -, o direito de expressão, assim como outros direitos, liberdades e garantias, são passíveis de sofrerem restrições impostas pela lei ordinária, nos casos previstos na própria Lei Fundamental, devendo, contudo, as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Ora, também se perfila como igualmente relevante o princípio da salvaguarda da integridade moral e física das pessoas – art 25º nº 1 da CRP -, do bom nome e reputação individuais, da imagem e da reserva da vida privada e familiar - art 26° n°1 da mesma Constituição.
Por isso, ao Ac. nº 81/84 (publicado no Diário da República, II Série, de 31-01-1985), o Tribunal Constitucional começou por esclarecer que “a liberdade de expressão - como, de resto, os demais direitos fundamentais - não é um direito absoluto nem ilimitado. (…) O seu domínio de protecção pára, ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional (v. neste sentido: J.C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 213 e segs.) Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há-de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos - designadamente com aqueles que se acham também directamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25.º, n.º 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1)] -, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização. (…)”.
Conforme resulta das normas jurídicas constitucionais acima mencionadas, no plano dos direitos fundamentais, surge-nos, por um lado, o direito à reserva da vida privada (no caso que nos interessa) e, por outro, no quadro da liberdade de imprensa, o direito de informar por parte dos jornalistas.
Já a Declaração Universal dos Direitos do Homem enuncia no art 12º o princípio de que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada (…). Contra tais intromissões (…) toda a pessoa tem direito a protecção da lei”, posteriormente, reafirmado pelo art 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estatui, no seu nº 1, que “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada (…)” e, no seu nº 2, que "Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para (…) a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros” e, finalmente, pelo art 17º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ao dispor que “Ninguém poderá ser objecto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada (...). Toda e qualquer pessoa tem direito à protecção da lei contra tais intervenções (…).”
Mas a própria Lei de Imprensa que assume os limites, dispondo no art 3º que “a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática”, que constituem um conjunto de valores imanentes à dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos das sociedades democráticas, com tutela constitucional no art 2º da CRP.
Também o Estatuto do Jornalista verte as exigências constitucionais de concordância da liberdade de imprensa com os direito de personalidade quando, no seu art 14º, comete aos jornalistas a obrigação de exercerem a actividade com respeito pela ética profissional, informando “com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo (…)” e “preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas” [a) do nº1 e h) do nº2).
Prescreve, por seu turno, o Código Deontológico dos Jornalistas (aprovado pela Assembleia Geral do Sindicato dos Jornalistas, em 04-05-1993) que “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. (…) deve combater o sensacionalismo (…), deve respeitar a privacidade dos cidadãos, excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas” (nºs 1, 2 e 9).
Igualmente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem enuncia no art 12º o princípio de que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada (…). Contra tais intromissões (…) toda a pessoa tem direito a protecção da lei”, posteriormente, reafirmado pelo art 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estatui, no seu nº 1, que “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada (…)” e, no seu nº 2, que "Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para (…) a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros” e, finalmente, pelo art 17º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ao dispor que “Ninguém poderá ser objecto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada (...). Toda e qualquer pessoa tem direito à protecção da lei contra tais intervenções (…).”
É um conflito permanente entre o direito de liberdade de imprensa e o direito de personalidade, que são de igual hierarquia constitucional, e "há que resolvê-lo, coordenando-os um com o outro de forma a distribuir proporcionalmente os custos desse conflito, sem atingir o conteúdo essencial de cada um" (Ac. do STJ de 17-10-2000, CJSTJ Tomo 3, pag 78), “de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e outro" (Ac. do STJ de 18-03-1997, Proc nº 97A652, disponível em http://www.dgsi.pt), procurando optimizar a eficácia dos preceitos em conflito, "sem aniquilar nenhum no seu conteúdo essencial" (Ac. do STJ de 12-01-2000, BMJ 493, pag 156).
Como se diz no Ac. do STJ de 13-01-2011, já citado, “ (…) o direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando – e só quando – um interesse público superior o exija, em termos tais que o contrário possa ser causa de danos gravíssimos para a comunidade.”
Na verdade, quando o interesse público o imponha, o direito à privacidade não podem impedir a revelação daquilo que for estritamente necessário e apenas no que for estritamente necessário.
A existência dessa relação tendencialmente conflituante entre estes dois direitos constitucionalmente garantidos - o direito de liberdade de expressão e o direito de personalidade - tem sido objecto de variadas intervenções do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem na interpretação e aplicação do art 10º da Convenção, elaborando uma jurisprudência que deve ser considerada como critérios de orientação para a necessidade de dirimir o confronto de direitos daí decorrente, dada a força vinculativa desta Convenção (arts 1º e 46º nº1).
Nessa jurisprudência, e só para referir casos portugueses [Lopes Gomes da Silva c. Portugal de 28-09-2000 (nº 37698/97), Azevedo c. Portugal de 27-03-2008 (nº 20620/04), Roseiro Bento c. Portugal de 18-04-2006 (nº 29288/02), Almeida Azevedo c. Portugal de 23-01-2007 (nº 43924/02) e Alves da Silva c. Portugal de 20-10-2009 (nº 41665/07), Colaço Colaço Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal de 26-04-2007 (nºs 11182/03 e 11319/03), disponíveis em http:www.gddc.pt], o TEDH entendeu “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do nº 2 do artigo 10º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a excepções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa».
Desenvolvendo a sua reflexão, o TEDH confirma que “a imprensa desempenha um papel fundamental numa sociedade democrática: se aquela não deve ultrapassar certos limites, referentes nomeadamente à protecção da reputação e aos direitos de outrem, cabe-lhe, no entanto, divulgar, no respeito dos deveres e das responsabilidades que lhe incumbem, informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. A esta função de divulgação acresce o direito do público, de receber a informação”.
E considerou que “sobre os limites da crítica admissível eles são mais amplos em relação a um homem político, agindo na sua qualidade de personalidade pública, que um simples cidadão. O homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, e deve revelar uma maior tolerância sobretudo quando ele próprio profere declarações públicas susceptíveis de crítica. Sem dúvida tem direito a protecção da sua reputação, mesmo fora do âmbito da sua vida privada, mas os imperativos de tal protecção devem ser comparados com os interesses da livre discussão das questões políticas, exigindo as excepções à liberdade de expressão uma interpretação restritiva”.
Refira-se igualmente que o TEDH tem salientado que “no exercício do seu poder de controlo, o Tribunal deve apreciar a ingerência à luz das circunstâncias do caso tomado no seu conjunto, incluindo o conteúdo das críticas que são censuradas ao requerente e o contexto em que as produziu. Compete ao Tribunal determinar nomeadamente se a ingerência criticada era «proporcionada às finalidades legítimas prosseguidas» e se os motivos invocados pelas autoridades nacionais para justificar a ingerência se mostram «pertinentes e suficientes»”.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem defende ainda que se admite a restrição à liberdade de expressão quando seja necessária, numa sociedade democrática, à protecção da honra conferida ao abrigo do nº 2 do art 10º da Convenção, mesmo tratando-se da honra de um político, no mínimo, controverso - in casu, Le Pen (cfr., por todos, caso Lindon, Otchakovsky-Laurens and July v. France, nºs 21279/02 e 36448/02) e se justifica, porém, a limitação da liberdade de expressão para defesa da vida privada de terceiros, ainda que figuras públicas, quando o exercício desta é motivado por mera intenção sensacionalista ou mera satisfação de curiosidade (Von Hannover c. Alemanha, nº 59320/00).
Segundo a perspectiva complexa de ponderação que ficou assinalada, há que analisar todas as circunstâncias do caso dos autos.
A notícia em questão dá a conhecer aos leitores do “X” um facto do foro privado, ou seja, um facto que nem é do interesse geral, pois só à Autora diz respeito, nem decorreu publicamente.
Ora, que interesse público pode ter a informação que a Autora tem uma relação amorosa com o Presidente a Câmara de ...? Nenhum diligente bom pai de família ou declaratário normal colocado na posição do real declaratário vislumbrará aqui, seguramente, qualquer razão de incontestável interesse público.
Não existem quaisquer factos dos quais se possa concluir pelo interesse público da revelação pública, pela imprensa, dessa situação.
A Autora não era uma figura pública e a sua identificação na notícia não era necessária para a prossecução de qualquer interesse superior ao da sua privacidade. E a ausência de relevância pública determina a prevalência do direito à privacidade sobre a liberdade de expressão.
No caso ajuizado, sucede até que nem mesmo um critério de avaliação muito largo e menos exigente poderia levar à conclusão de que as Rés quiseram informar o público leitor ou noticiar o que quer que fosse, assim exercendo o direito de liberdade de informação, também constitucionalmente protegido (art 37º nº 1 da CRP). Basta atentar nos títulos e subtítulos da notícia para se ver que o intuito que presidiu à publicação não foi, nem o de informar, nem o de dar a conhecer aos leitores factos da vida do Autor revestidos de interesse público.
E não é exagerado concluir que com as referências em causa, usando-se a circunstância de o Presidente da Câmara de ... ser figura publicamente reconhecida, se pretendia para a referida notícia um maior sensacionalismo. Cujo efeito, normalmente, é o de excitar a curiosidade do público, induzindo-o a comprar (pelo menos daquele sector do público, que o há, predisposto à partida a interessar-se por conhecer pormenores da vida das pessoas ditas "famosas"), como, com toda a propriedade, se pode ler no Ac. do STJ de 14-06-2005, Proc nº 05A945, disponível em http://www.dgsi.pt.
Como de pode ler Ac. do STJ de 14-01-2010 (Proc nº 1869/06, em http://www.dgsi.pt.), “A liberdade de expressão e criação sensacionalista não está contida, não pode estar contida no direito dos jornalistas consagrado na al. a) do art.22º da Lei de Imprensa quando, como é o caso, atinge outros direitos fundamentais dos cidadãos, como sejam a reserva da intimidade da vida privada e o direito ao bom nome e reputação, à honra.
Os jornais não podem ser agentes, nem suporte, de atentados ao património moral de quenquer que seja, a menos que exigências concretas de interesse público exijam, na concreta situação vivida, o sacrifício desses mesmos direitos em defesa desse interesse.
(…) construíram a notícia à procura da sensação, bem sabendo – sobre tudo o mais que já se disse – que muitos dos leitores e espectadores sem espírito crítico aceitam por verdadeiro o que os jornais e a televisão difundem como sendo um facto”.
Transmitir noticiosamente para os jornais que alguém - facilmente identificado e identificável – tem uma relação com o Presidente de qualquer Câmara, não é exercer o direito à informação e à liberdade de imprensa; é abusar deles.
Assim sendo, na leitura conjugada dos arts 10º nº2 da Convenção e 483º nº 1 do CC, não pode deixar de se concluir que as apelantes não usaram, nos termos legalmente admissíveis, o seu direito de liberdade de expressão ao serviço do fim para que o mesmo é legalmente concebido e protegido, mas apenas para devassar a intimidade da Autora, o que constitui uma conduta ilícita.
Atentemos agora sobre se os recorridos jornalistas agiram ou não de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico, isto é, com culpa.
Segundo o art 487º nº 2 do CC, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bonus pater familiae, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso.
No quadro do caso em apreciação, em que a actividade da comunicação social se desenvolve no âmbito da actividade jornalística, a pessoa padrão a que a lei se reporta é aquela que actua no exercício daquela actividade. Mais concretamente de um jornalista diligente e conhecedor das regras da sua profissão, designadamente as constantes da lei geral e especial e no respectivo código deontológico, em face do circunstancialismo do caso concreto, bem como a estrutura da sensibilidade normal das pessoas que envolvem o meio social de referência.
Conforme antes se mencionou, a propósito do Estatuto dos Jornalistas, constituem deveres fundamentais dos jornalistas, consagrados no seu art 14º, o exercício da sua actividade com respeito pela ética profissional, informando “com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo (…)”, “procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem” e “preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas” [a) e e) do nº1 e h) do nº2).
Ademais, no plano deontológico, naturalmente de harmonia com a especificidade da actividade jornalística, quem a exerce tem o dever de relatar os factos com rigor e exactidão, interpretá-los com honestidade intelectual, comprová-los, ouvindo oportunamente as partes directamente interessadas, abstrair do sensacionalismo e de respeitar a privacidade dos cidadãos, excepto quando estiver em causa o interesse público (nºs 1, 2 e 9 do Código Deontológico)
O jornalista tem, por conseguinte, de noticiar factos com relevo social, com rigor e exactidão, comprová-los, designadamente, por recurso às fontes e ouvindo as partes directamente interessadas, abstraindo todo o sensacionalismo, por forma a não violar os direitos de personalidade das pessoas alvo do facto noticiado.
Ora, o noticiado em causa envolveu a divulgação dos factos da vida privada da Autora e não são relevantes socialmente. Para além disso, as Rés não facultaram à Autora que se pronunciasse sobre os factos ou que tivessem confrontado e testado várias fontes para aquilatar da justeza da notícia (respostas negativas aos arts 45º e 46º da base instrutória). E usaram a circunstância de o Presidente da Câmara de ... ser figura publicamente reconhecida, para criar um maior sensacionalismo, como já dissemos.
As apelantes jornalistas, ainda que não tivessem a intenção deliberada e única de atacar a Autora na sua privacidade, dado o seu profissionalismo e as regras deontológicas a que estão sujeitos no exercício da sua actividade jornalística, podiam e deviam prever ou representar que, por via da publicação em causa, ofendessem ilicitamente o direito de personalidade da Autora, na sua vertente de reserva à vida privada. Tanto mais que o dever de indemnizar não está dependente da intencionalidade ofensiva, bastando a simples reprovabilidade da actuação.
Os factos provados não admitem, em termos de razoabilidade, a conclusão de que as recorrentes imprimiram ao processo de difusão da notícia a escrupulosa observância das legis artis próprias da actividade jornalística.
Em consequência, importa concluir que as Rés jornalistas agiram na emissão da notícia em causa com culpa stricto sensu, isto é, de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico,
Ocorre, por isso, o segundo pressuposto da responsabilidade civil a que se reporta o art 483º nº 1 do CC, ou seja, a culpa, ao menos na modalidade de inconsciente.
Finalmente, também há que atentar num outro pressuposto da responsabilidade civil, ou seja, a existência de um dano de natureza não patrimonial.
Com efeito, apurou-se que a referida notícia foi objecto de comentários em blogues desprestigiantes da Autora, que esta, em consequência do referido escrito foi acometida de uma reacção aguda ao stress de grau severo, razão pela qual recorreu a apoio médico psiquiátrico e entrou em baixa por doença e foi submetida a tratamento medicamentoso com ansiolíticos e anti-depressivos; imediatamente após o conhecimento da notícia e por causa da mesma, a Autora evitou o contacto com pessoas estranhas ao seu núcleo familiar (factos nºs 21 a 24, 28 a 32).
No caso sub judice interessa ainda ponderar que a divulgação teve lugar através da imprensa, num jornal que se vende em todo o território nacional e que tem uma tiragem diária média de 156.382 exemplares (ponto 19. dos factos provados), o que agrava exponencialmente a dimensão do dano.
Estamos, pois, perante um quadro de afectação negativa da privacidade da Autora que, em termos objectivos, assume, à luz do critério que decorre do nº 1 do artigo 496º do CC, relevância justificativa de compensação por danos não patrimoniais.
A factualidade provada evidencia, sem margem para dúvidas, danos de natureza não patrimonial gerados pela publicação da notícia redigida pelas Rés, havendo um nexo de causalidade relevante, portanto (art 563º do CC).
Assim, estão preenchidos os restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, o dano e o nexo de causalidade entre este e o facto do agente (arts 562º e 563º do CC).
Verificada a publicação ilícita e culposa da notícia em causa e o dano não patrimonial dela decorrente para a Autora em termos de causalidade adequada, certo é estarem verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar no quadro da responsabilidade civil extracontratual (arts 483º nº 1, 496º nº 1, 562º e 563º do CC).
Resta dizer que também o montante da indemnização arbitrado pela 1ª Instância se apresenta como justo e equitativo, tendo em conta o disposto nos arts 494º e 496º nº 1 do CC.
4 – Incorrecta contabilização dos juros de mora
A Autora expressamente optou pelo pedido em juros de mora a contar da citação, afastando o pedido de uma indemnização actualizada nos termos do art 566º nº 2 do CC.
Isto significa que não se aplica a regra segundo a qual será considerada, para o efeito da fixação da “indemnização em dinheiro (…) a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (nº2 do citado art 566º), ou seja, na data do encerramento da discussão em 1ª instância (art 663º do CPC).
Mas se o Juiz actualizar a indemnização, há que atentar no Assento nº 4/2002 (publicado no DR, I Série, de 27-06-2002) agora com valor de Acórdão Uniformizador.
No caso que nos ocupa, os juros de mora da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais devem contar-se a partir da citação, o que quer dizer que tal indemnização não foi expressamente actualizada, actualização essa que não deve presumir-se como operada.
Pelo que a indemnização pecuniária a título de tais danos não patrimoniais, não actualizada, vence juros de mora a partir da citação para a acção.
5 - A condenação na publicação da sentença, com chamada de primeira página, viola o disposto nos nºs 1 e 4 do art 34º e o art 20º da Lei da Imprensa
Sobre esta matéria rege o art 34° da Lei nº 2/99, de 13-01 - Lei de Imprensa - que no seu nº 1 prescreve que: “As sentenças condenatórias por crimes cometidos através da imprensa são, quando o ofendido o requeira, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, obrigatoriamente publicadas no próprio periódico, por extracto, do qual devem constar apenas os factos provados relativos à infracção cometida, a identidade dos ofendidos e dos condenados; as sanções aplicadas e as indemnizações fixadas”.
Obrigação esta que o respectivo nº4 estende, com as devidas adaptações, às “sentenças condenatórias proferidas em acções de efectivação de responsabilidade civil".
Ora, existe nesta parte alguma confusão das recorrentes relativamente ao que foi admitido.
Lê-se na sentença: “Temos, assim, que é legal, no seu essencial, o pedido que a autora formula, sendo contudo, inviável, por não estar contemplado na letra da norma, nem no espírito do legislador, a chamada de atenção à 1ª página e o igual destaque, posto que, ademais, como referem as rés, não dispõem as mesmas da necessária legitimidade para o determinar.
Assim, serão as rés condenadas a fazer publicar a presente sentença, no jornal ““X””, sob a forma de extracto que inclua os factos provados, a identidade das partes e o dispositivo, devendo essa publicação ocorrer nos três dias posteriores ao trânsito em julgado da mesma decisão”.
Com efeito, as Rés foram condenadas “na publicação da presente sentença, no prazo de 3 (três) dias a contar do trânsito em julgado da mesma, no jornal “…”, mediante extracto desta decisão de que constem os factos provados, a identificação das partes e o presente segmento decisório”; não foram condenadas na publicação da sentença, com chamada de primeira página…
Lembra-se ainda que tal condenação não se dirige ao director da publicação mas sim às recorrentes condenadas que, naturalmente, a terão que cumprir a expensas suas, ainda que como publicidade paga.
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V – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes.
Custas a cargo das apelantes.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora)
Lisboa, 06 de Março de 2012

ANA GRÁCIO
PAULO RIJO
AFONSO HENRIQUE