Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
34666/15.2T8LSB.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: SUSPENSÃO DA ACÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CAUSA PREJUDICIAL
DEPENDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Em acção visando a resolução de contrato de arrendamento e entrega de imóvel locado, deve o R. deduzir os seus meios de defesa, mormente os que obstem à entrega do imóvel, não sendo legítimo que, reconhecido e provado nesses autos o direito de propriedade dos senhorios sobre a fracção locada, venha o R. arrendatário, em posterior acção intentada contra os mesmos AA./senhorios, pretender discutir e arrogar-se a propriedade sobre o bem.
II - A excepção dilatória inominada da autoridade de caso julgado impede que decidida determinada questão de mérito, na primeira ação, por sentença transitada em julgado, em posterior ação entre as mesmas partes essa questão possa ser novamente discutida entre elas, quer a título principal, quer a título prejudicial.
II - Intentada posterior acção na qual o pretenso arrendatário se arroga a propriedade do mesmo imóvel, deve esta suspender-se até decisão com trânsito em julgado a ser proferida na acção de resolução de contrato de arrendamento e entrega do imóvel.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
A  [ Sociedade … de Hotéis Lda.] , intentou a presente acção contra B, C, D, E, F, G, H, I, J ( habilitada na posição de Maria …… ), tendo sido ainda admitidos como intervenientes principais  L, M [ C…. Portugal Lda.] , N [ ….-Gestão,SA ] e O [ …. Imobiliária S.A. ] , peticionando que sejam os RR. condenados a:
“ Ser condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado no artigo 1.º desta PI;
(ii) Especificamente, devem os Réus ser condenados a reconhecer que a Autora é dona e legitima possuidora e, portanto, proprietária, de parte da área a que corresponde o rés-do-chão da Fração “E” onde se encontra instalado o Hotel, as escadas e ao elevador que servem o Hotel (e a fração “E”) e parte dos quartos situados no patamar das referidas escadas por tais áreas serem parte integrante do prédio referido no artigo 1.º da PI;
(iii) Consequentemente, deve ser declarada a nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal constituída sobre o prédio dos Réus e, ilegalmente, sobre parte do prédio da Autora identificado no artigo 1.º desta PI e, também consequentemente,
(iv) Devem os Réus ser condenados a restituir à Autora as referidas partes do prédio desta de que os mesmos ilegitimamente se apropriaram;
(v) Devem os Réus ser ainda solidariamente condenados a pagar à Autora, nos termos do disposto no artigo 829.º-A do CC, uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 500,00 por cada dia em que se atrasem na restituição à Autora do prédio reivindicado, desde a data em que ocorra a citação dos mesmos para estes autos até à data em que ocorra a referida restituição.
Alega para o efeito que parte da área, incluída pelos RR. na fracção “E” do prédio destes, lhe pertence, porque parte integrante do prédio por si adquirido.
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Contestaram os primitivos RR., por excepção e impugnando os factos articulados pela A., deduzindo ainda reconvenção na qual peticionam:
a) ser declarado que a “parte da área a que corresponde o rés-do-chão da Fracção “E” onde se encontra instalado o Hotel”, “as escadas e o elevador que servem o Hotel (e a fração “E”)” e a “parte dos quartos situados no patamar das referidas escadas”, reivindicados pela Autora, fazem parte integrante, única e exclusivamente, da fracção “E” do Prédio dos Réus e, em consequência, ser reconhecido aos Réus o direito de propriedade sobre aquelas áreas,
ou, a título subsidiário do peticionado em a), deve:
b) ser declarado que a “parte da área a que corresponde o rés-do-chão da Fracção “E” onde se encontra instalado o Hotel”, “as escadas e o elevador que servem o Hotel (e a fração “E”)” e a “parte dos quartos situados no patamar das referidas escadas”, reivindicados pela Autora, é propriedade dos Réus por os haverem adquirido por usucapião.
e em qualquer dos casos, deve a Autora:
c) ser condenada a abster-se da prática de qualquer ato que perturbe de qualquer forma tal direito ou posse dos Réus sobre tais áreas.
VI. Ser a Autora condenada em litigância de má-fé e no pagamento de multa ao Estado e numa indemnização aos Réus, esta de valor não inferior a € 10.000,00.
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Findos os articulados, foi proferido despacho em 19/12/18, no qual se determinou a notificação das partes para se pronunciarem sobre “Eventual excepção inominada de preclusão de dedução de defesa e da eventual suspensão da instância por causa prejudicial”, com o fundamento de que “verifica-se que os ora Réus intentaram acção declarativa de processo ordinário, com o n.º 1226/13.2TVLSB que corre os seus termos neste Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 2, na qual pediram a resolução do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada pela letra “E” e, previamente à entrega, condenar a Ré a tapar qualquer comunicação ou ligação que a mesma possua com outros andares, de outros prédios ou fracções, realizando as obras e/ou trabalhos necessários para o efeito.
Na sua contestação, a ali Ré (e ora Autora) aceitou expressamente no seu artigo 25.º que os Autores são os actuais senhorios e comproprietários da fracção designada pela letra “E” e que por escritura pública de constituição de propriedade horizontal, outorgada em 2007, foi o imóvel afecto ao regime de propriedade horizontal, tendo sido convencionado que os andares arrendados passariam a corresponder, em conjunto, à fracção autónoma identificada pela letra “E”.
Foi proferida nessa acção decisão em 1.º instância, bem como em 2.ª instância, não tendo ainda transitado a mesma em julgado.
Com a presente acção, a ora Autora (e ali Ré) pretende que sejam os Réus condenados a reconhecê-la como dona e legítima possuidora e portanto proprietária de parte da área a que corresponde o rés-do-chão da aludida fracção “E” onde se encontra instalado o Hotel, as escadas e ao elevador que servem o Hotel (e a fracção “E”) e parte dos quartos situados no patamar das referidas escadas por tais áreas serem parte integrante do prédio de que é proprietária.
Face ao explanado, resulta que na presente acção, a ora Autora alegou factos que não foram invocados na acção n.º 1226/13.2TVLSB, sendo que esses factos poderiam inviabilizar, pelo menos em parte, a procedência da primeira causa (acção de despejo). Mais, aceitou expressamente factos na acção n.º 1226/13.2TVLSB contraditórios com os factos alegados na presente acção.”
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Pronunciou-se a A. pela não verificação, quer da “excepção inominada de preclusão de dedução de defesa e da eventual suspensão da instância por causa prejudicial” e a interveniente principal Imoreposa pela verificação desta excepção, alegando que não pode esta invocar nesta decisão, questão que não invocou como meio de defesa na acção que antecedeu.
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Após, foi proferido despacho no seguinte sentido:
Suspensão da instância por causa prejudicial
Nos termos do despacho de fls. 569 e vs., foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a eventual suspensão da instância por causa prejudicial.
A Autora veio responder, pugnando pelo prosseguimento dos autos e a Interveniente Principal N concordou com a suspensão da instância. Por causa prejudicial já que por força do seu trânsito em julgado se deverá ter a presente acção como improcedente.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 279.º, n.º 1 do Código de Processo Civil dispõe : “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta (...)”.
Este preceito concede ao tribunal o poder de ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, isto é, quando pender causa prejudicial.
Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.
ALBERTO DOS REIS definia a prejudicialidade da forma seguinte: “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda"; "sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquele é prejudicial em relação a esta” (in COMENTÁRIO, III, página 206).
RODRIGUES BASTOS propõe o seguinte critério: a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, “quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito” (in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, volume II, 2.ª edição, página 42).
Já o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, em 20 de Março de 1970, e o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, em 09 de Março de 1973 (JR, 16-256 e BMJ, 226-224) acertavam com o critério adequado: existe prejudicialidade quando objecto incidental de uma causa seja uma situação jurídica que constitui o objecto em via principal de outra.
Depois, a jurisprudência foi afinando o critério (sendo tal critério muito mais de origem jurisprudência que de origem doutrinatária): Acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 28 de Maio de 1991 (BMJ, 407-455), do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 17 de Dezembro de 1992 (CJ, ano 1992, tomo V, página 242), do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 18 de Fevereiro de 1993 (BMJ, 424-587), de 26 de Maio de 1994 e de 01 de Fevereiro de 1995 (CJ/STJ, ano de 1994, II, 116 e ano de 1995, tomo III, 266). Entre naturalmente muitos outros.
No último referido se escreveu: “as situações de prejudicialidade entre acções situam-se no âmbito das relações de dependência entre objectos processuais. Esta dependência pode ser genética, quando a origem das acções dependentes se baseia na existência de um outro objecto processual que condiciona o seu aparecimento (como se verifica na reconvenção: artigo 274.º, n.º 2 do Código de Processo Civil); ou acidental, se a relação de dependência é uma contingência do conteúdo de alguns objectos processuais autonomamente constituídos. À dependência acidental ligam-se as situações de acessoriedade (que se verifica nos pedidos subsidiários - cf. artigo 469.º do Código de Processo Civil) e de consumpção entre objectos processuais. Existe uma eventualidade de consumpção entre objectos processuais quando a extensão de um deles se contém na extensão de um outro. Se a consumpção for total e recíproca, verifica-se entre os objectos processuais uma relação de identidade; mas se for parcial e necessariamente não recíproca, depara-se com uma eventualidade de prejudicialidade. Esta eventualidade consiste, assim, na situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual (o objecto processual dependente) sem interferir na apreciação de um outro (o objecto processual prejudicial: artigos 97.º e 279.º, n.º 1 do Código de Processo Civil)” (página 266).
Embora aí se não refira, a doutrina que faz apelo às relações de dependência entre objectos processuais é a perfilhada por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (REVISTA DE DIREITO DE ESTUDOS SOCIAIS, ano XXIV, n.º 4, Outubro-Dezembro de 1977, 305-306), de que as frases transcritas são retiradas e que julgamos constituir o tratamento teórico mais detalhado do conceito em Portugal.
E conclui TEIXEIRA DE SOUSA: “Como se vê, a prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedente da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa. Por isso, a prejudicialidade tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas. Estando-se perante eventualidades de prejudicialidade quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva, pode definir-se aquela como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial” (estudo citado, página 306).
O critério reside, pois, em saber se o objecto de uma determinada acção já proposta consiste em apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto do objecto de uma outra acção. Por exemplo: na acção de divórcio, se o casamento é válido ou nulo, na acção de alimentos a filho menor, se o alimentando tem a qualidade de filho do alimentante, etc., sendo que frequentemente as hipóteses não são tão simples assim.
Apliquemos agora estes princípios.
Na acção declarativa com processo ordinário com o n.º 1226/13.2TVLSB, os ora Réus pediram a resolução do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada pela letra “E” e, previamente à entrega, condenar a Ré a tapar qualquer comunicação ou ligação que a mesma possua com outros andares, de outros prédios ou fracções, realizando as obras e/ou trabalhos necessários para o efeito.
Na sua contestação, a ali Ré (e ora Autora) aceitou expressamente no seu artigo 25.º que os Autores são os actuais senhorios e comproprietários da fracção designada pela letra “E” e que por escritura pública de constituição de propriedade horizontal, outorgada em 2007, foi o imóvel afecto ao regime de propriedade horizontal, tendo sido convencionado que os andares arrendados passariam a corresponder, em conjunto, à fracção autónoma identificada pela letra “E”.
Com a presente acção, a ora Autora (e ali Ré) pretende que sejam os Réus condenados a reconhecê-la como dona e legítima possuidora e portanto proprietária de parte da área a que corresponde o rés-do-chão da aludida fracção “E” onde se encontra instalado o Hotel, as escadas e ao elevador que servem o Hotel (e a fracção “E”) e parte dos quartos situados no patamar das referidas escadas por tais áreas serem parte integrante do prédio de que é proprietária.
Face ao explanado, resulta que o objecto em ambas as acções é a fracção “E”. Na presente, a ora Autora arroga-se proprietária de parte dessa fracção, cujo despejo os ora Réus peticionaram na outra acção (com o pressuposto de serem eles os proprietários, o que não foi impugnado pela ora Autora).
Deste modo, caso seja procedente a referida acção n.º 1226/13.2TVLSB, este Tribunal deverá tomar em consideração o decidido, podendo alterar a decisão a tomar neste processo.
Portanto, verifica-se prejudicialidade da acção n.º 1226/13.2TVLSB do Juiz 2 do Juízo Central Cível de Lisboa em relação a esta.
Pelo exposto, tendo em conta as considerações expandidas, decide-se suspender a presente instância por causa prejudicial.”
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Não se conformando com a decisão que suspendeu a instância por pendência de causa prejudicial, interpôs a Autora recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. Não basta, como decorre da decisão recorrida, que a decisão no processo iniciado em primeiro lugar possa “alterar a decisão a tomar neste processo”, muito menos sem que se enuncie que alterações poderiam ocorrer.
B. Impõe-se que “a decisão que resulte da causa prejudicial possa formar caso julgado na causa principal” e que “a apreciação de um objecto (que é o prejudicial) constitu[a] um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objecto (que é o dependente)”.
C. O princípio do dispositivo impede que o tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido”, importando, pois, ter presente o que foi pedido nos dois processos relevantes para a questão em apreço, pois apenas pelos pedidos podem ser definidos os limites decisórios de cada processo e em que medida a decisão de um é suscetível de relevar para o outro.
D. No processo n.º 1226/13.2TVLSB os aqui Apelados pediram que o depósito de um valor de renda efetuado pela Apelante fosse declarado ineficaz, com todas consequências legais, designadamente de resolução do contrato de arrendamento e de desocupação do imóvel.
E. No presente processo a aqui Apelante pediu que fosse declarado que parte do imóvel referido na conclusão anterior é propriedade sua, com todas as consequências legais; reconvindo, os Apelados pediram que fosse declarado que estes, ao contrário daquela, são os proprietários do imóvel.
F. A resolução do contrato de arrendamento é totalmente irrelevante para a questão da reivindicação de parte da propriedade do imóvel locado.
G. Uma coisa é saber se um determinado contrato de locação deve ou não ser resolvido, outra, totalmente diversa, é saber a quem pertence parte de um imóvel, que, por acaso, está incluído no objeto de um, mais extenso, contrato de locação.
H. Não se antevê como – e, certamente, a decisão recorrida não o indica – a decisão a proferir no processo n.º 1226/13.2TVLSB pode influir na presente causa, uma vez que, independentemente do vínculo obrigacional que naquele se discute, o vínculo real, que aqui se debate, é totalmente independente daquele.
I. Deve, assim, ser revogada a decisão recorrida – porque violadora do artigo 272.º do CPC – e substituída por outra que ordene o prosseguimento da presente lide.
Nestes termos e nos restantes de direito aplicáveis, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que ordene o prosseguimento dos autos, assim se fazendo JUSTIÇA.”
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Foram interpostas contra-alegações pela interveniente principal Imoreposa, pugnando pela improcedência do recurso.
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Tendo este preceito em mente, a única questão a decidir consiste em apurar:
a) Se a decisão da acção nº 1226/13.2 TVLSB do J2, da Instância Central Cível de Lisboa, constitui causa prejudicial da presente acção.
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MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto a considerar é a acima enunciada, a que acresce o seguinte:
1- Foi interposta acção contra a ora A. pelos RR. primitivos, que corre termos pela Instância Central Cível de Lisboa, J2, sob o nº 1226//13.2 TVLSB, peticionando que se julgue que
i) “O depósito das rendas que a ora Ré tem vindo a efetuar para pagamento das rendas devidas ao abrigo do contrato de arrendamento celebrado e em vigor entre as partes seja declarado ineficaz; e, consequentemente,
ii) Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento do imóvel dos autos,
iii) A Ré seja condenada a desocupar o locado, entregando-o aos Autores livre de pessoas e bens, e sem qualquer comunicação ou ligação para com outros andares de outros prédios ou frações, devendo para tanto, ser a Ré condenada a efetuar todas as obras e trabalhos que se mostrem necessários a esta finalidade,
iv) A Ré seja condenada a pagar aos Autores a quantia de € 30.902,73 (trinta mil novecentos e dois euros e setenta e três cêntimos), a título de rendas vencidas e não pagas, até à data da propositura da presente ação,
v) A Ré seja condenada a pagar aos Autores as rendas que se vencerem após a propositura da presente ação e até à efetiva entrega do locado,
vi) A Ré condenada a pagar aos AA. os juros vencidos e vincendos, desde as datas de vencimento de cada uma das rendas e até integral pagamento; e, finalmente,
vii) A Ré seja condenada em custas.
2 – Nessa acção, a R. A [ Sociedade … de Hotéis Lda.]  apresentou contestação, na qual alegou o seguinte:
“25.°
A Ré aceita, por corresponderem à verdade, os seguintes factos:
i) Os Autores são os atuais senhorios e comproprietários da fração autónoma identificada pela letra "E" que faz parte integrante do prédio urbano sito na Rua … números 142-144-146-148-150-152-154-156 e Rua … números 41 - 43 e 45, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 15, da freguesia de S. Nicolau e inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo 105 ["Imóvel'], (cfr. Documento n.° 1 e certidão permanente com o código de acesso PP-0801­...79-110648-000015 juntos com a petição inicial):
ii) A Ré é a atual arrendatária da fração "E", qualidade essa que adquiriu por força da "escritura de Trespasse, Venda e Arrendamento", por si outorgada em 23 de Agosto de 1944, pela qual lhe foram dados de arrendamento os primeiro, segundo, terceiro e quarto andares e águas furtadas ou quinto andar do Imóvel ("Contrato de Arrendamento") (cfr. artigo primeiro do qocumento n.° 2 junto com a petição inicial);
iii) Por escritura pública de constituição de propriedade horizontal, outorgada no dia 5 de julho de 2007, foi o Imóvel afeto ao regime da propriedade horizontal, tendo sido convencionado que os andares arrendados passariam a corresponder, em conjunto, à fração autónoma identificada pela letra "E" (cfr. Documento número 3 junto com a petição inicial).
iv) Os andares arrendados destinam-se á exploração, pela Ré, de uma unidade hoteleira (crf. artigo quinto do Documento n.° 2 junto com a petição inicial);
v) Nos termos do artigo 8 do Contrato de Arrendamento foi dada expressa autorização à Ré para proceder às obras melhor identificadas nas alíneas a) a f) do referido artigo (cfr. do Documento n.° 2 junto com a petição inicial).”
3 - Nessa acção, foi proferida decisão, ainda não transitada em julgado (porque pendente de recurso para o Tribunal Constitucional, o Ac. proferido no STJ de 27/09/18), nos termos da qual se decidiu:
“ 1. Declarar resolvido o contrato de arrendamento existente entre os AA. (…) e a Ré (…) relativo à fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao rés-do-chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na R. …, nºs 142 a 156 e na R. da … nºs 41 a 45, freguesia de S. Nicolau, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 15 e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo 105.
2. Condenar a Ré a despejar a fracção autónoma referida no ponto 1, entregando-a aos Autores livre e devoluta de pessoas e bens, decorrido que seja um mês do trânsito em julgado desta decisão.
3- Condenar a Ré, previamente à entrega da fracção autónoma ordenada no ponto 2, a tapar qualquer comunicação ou ligação que a mesma possua com outros andares, de outros prédios ou fracções, realizando as obras e/ou trabalhos necessários para o efeito.
4-Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 247.221,84 (…) a título de rendas vencidas, desde o primeiro dia de maio de 2013 até ao primeiro dia de Abril de 2015, inclusive; correspondente aos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados desde o primeiro dia de cada mês, sobre o valor mensal correspondente a cada renda não paga pela Ré, no período de Maio de 2013 até Abril de 2015, inclusive, até integral pagamento;
- de € 10.300,91 (…), a título de indemnização mensal pela mora na restituição da fracção referida no ponto 1, por cada mês decorrido desde o momento em que se deva concretizar a sua entrega aos Autores, conforme ordenado no Ponto 2, até ao momento em que se concretize a mesma.   
- correspondente aos juros de mora, vincendos, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados sobre o valor de € 10.300,91, referido no ponto imediatamente anterior, até integral pagamento.
5 - Absolver a R. do pedido de condenação respectiva como litigante de má fé, formulado pelos AA.”
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DO DIREITO
Alega a recorrente como fundamento do seu recurso, em síntese, que a acção considerada como prejudicial a esta acção o não é, tendo em conta que a decisão deste não está dependente da decisão daquela, uma vez que na referida acção se discute a resolução de um contrato de arrendamento e nesta a propriedade de parte de um imóvel.
Decidindo         
a) Se a decisão da acção nº 1226/13.2 TVLSB do J2, da Instância Central Cível de Lisboa, constitui causa prejudicial da presente acção.
Considerou a decisão recorrida, que “caso seja procedente a referida acção n.º 1226/13.2TVLSB, este Tribunal deverá tomar em consideração o decidido, podendo alterar a decisão a tomar neste processo.”, entendendo a recorrente que não se pode entender que a acção referida seja prejudicial à decisão desta, uma vez que naquela discute-se uma relação contratual entre as partes, de arrendamento (peticionando os AA. naquela acção a resolução do contrato e a desocupação do imóvel) e nesta se discute a propriedade de parte dessa fracção.
A este respeito dispõe o artº 272 nº1 do C.P.C., sob a epígrafe da “Suspensão por determinação do Juiz ou por acordo das partes que “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”
Conforme ensina o Prof. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol.3, pág. 206, “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda.”
Mais adiante precisa que “sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta.”
Por sua vez, para Jacinto Rodrigues Basto, em “Notas ao Código de Processo Civil”, 2ª edição, Vol. II, pág. 43, deve entender-se que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando “na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito.”
Ou seja, verdadeira causa prejudicial é aquela cuja decisão pode destruir o fundamento ou a razão de ser da causa dependente, e cuja resolução constitui pressuposto indispensável ao conhecimento do objecto (total ou parcial) desta acção. (neste sentido veja-se ainda o Ac. do TRL proferido no Proc. nº 7664/2007-1, em 22/01/07, relatado pelo Sr. Desembargador Rui Vouga), visando-se evitar que os tribunais ou as partes sejam confrontados com decisões sobre as mesmas questões, contraditórias entre si.
Ora, no caso em apreço, na acção nº nº 1226/13.2 TVLSB do J2, da Instância Central Cível de Lisboa, não se discute apenas, como alega a recorrente, a validade e eficácia de um depósito no âmbito de uma relação de arrendamento outorgada entre os AA. naquela acção e RR. nesta e a ora A. (e R. na referida acção), tendo por objecto a “fracção E”, com o consequente pedido de resolução do contrato e entrega desta fracção, uma vez que este pedido de desocupação e entrega tem subjacente um invocado e reconhecido direito de propriedade dos ora RR. e AA. naquela acção, sobre a totalidade da aludida fracção “E”.
Constitui aliás facto provado (sob o nº1) no âmbito dessa acção que opôs os ora RR. e a ora A. que estes são os proprietários da fracção “E” (da sua totalidade) e foi ainda considerado no âmbito dessa acção que “o contrato de arrendamento respeita, como se viu à totalidade da fracção “E” (rés-do-chão, cave, 1º, 2º, 3º, 4º e 5º andares destinados ao comércio)” (Ac. do TRL de 23/11/17, proferido nesses autos, págs. 86).
É essa a razão para a Srª Juíza recorrida consignar a existência de eventual excepção de preclusão de dedução de defesa (diríamos nós, de autoridade de caso julgado).
A exceção dilatória inominada da autoridade de caso julgado impede que decidida determinada questão de mérito, na primeira ação, por sentença transitada em julgado, em posterior ação entre as mesmas partes essa questão possa ser novamente discutida entre elas, quer a título principal, quer a título prejudicial, uma vez que, intentada acção contra o R. este, por força do princípio da concentração da defesa, enunciado no art. 573º do CPC, tem de deduzir, na contestação, todos os meios de defesa que detenha, tem do em conta o pedido e a causa de pedir deduzida pelo autor, sob pena de precludir o seu direito de, posteriormente, vir invocar esses meios de defesa, em posterior acção.
Assim, em acção visando a resolução de contrato de arrendamento e entrega de imóvel locado, deve o R. deduzir os seus meios de defesa, mormente os que obstem à entrega do imóvel, não sendo legítimo que, reconhecido e provado nesses autos o direito de propriedade dos senhorios sobre a fracção locada, venha o R. arrendatário, em posterior acção intentada contra os mesmos AA./senhorios, pretender discutir e arrogar-se a propriedade sobre o bem, salvo verificando-se factos supervenientes, não considerados nessa acção.
Aliás, “para efeitos do caso julgado, apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir numa ação posterior” (Miguel Teixeira de Sousa, “O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ, 325, pág. 584)
Conclui-se pois que, interposta acção visando a resolução do contrato de arrendamento, incidente sobre a fracção “E”, arrogando-se os AA. naquela acção e RR. nesta  a sua qualidade de senhorios e proprietários da aludida fracção, a decisão que nela for proferida, poderá destruir a razão de ser desta acção, pela autoridade de caso julgado perante a ora A.
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da relação, em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela parte vencida afinal.

Lisboa 16 de Maio de 2019

Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A.A. Carvalho