Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5467/18.8T8LSB-B.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: INTERESSE DO MENOR
PROGENITORES SEPARADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– A solução perfeita, ideal, nos casos de separação do casal, nas situações em que há filhos comuns, sempre seria a de um são e contínuo convívio entre todos, numa preferência indiscutível pela defesa dos direitos próprios dos menores a poderem conviver com os seus progenitores.

II.– O “superior interesse do menor” é um conceito indeterminado e a determinar, não só no âmbito dos artigos 1874.º, 1877.º a 1879.º, 1885.º, 1886.º e 1906.º do Código Civil, como também de acordo com regras que nem sempre são as estritamente legais mas que partem do bom senso que deve ser aferido partindo-se do modelo do homem comum.

III.– O “superior interesse do menor” deve ser entendido como aquele que promova o seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como a estabilidade emocional, tendo em conta a idade, o seu enraizamento ao meio sócio-cultural e a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais objetivos.

IV.– Sendo indiscutível que o bem-estar da criança é o fim primordial a alcançar na ação e na vida, certo é também que esse fim tem de ser encontrado na família a que a criança pertence, com os concretos progenitores em causa e com os contornos de cada situação familiar encerra.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


A. e B. são pais dos menores C. e D..

Encontra-se a correr termos entre os progenitores uma ação de divórcio sem consentimento do outro Cônjuge, assim como uma ação de regulação das responsabilidades parentais respeitantes aos filhos menores.

No âmbito desta última ação, e com o parecer favorável do Ministério Público, foi proferida uma decisão provisória que autorizou que os filhos menores do casal viajassem e passassem a residir com a sua progenitora em Montevideu, na sequência da sua colocação profissional na embaixada daquela cidade.

Inconformado com o assim decidido, o pai dos menores interpôs recurso de Apelação, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1.– O douto despacho recorrido autorizou que os dois menores filhos do aqui recorrente e da recorrida, de 11 e 8 anos de idade, viajem com a mãe para Montevideu, Uruguai.

2.– O aqui recorrente não foi sequer ouvido sobre esta decisão, que foi deste modo decretada sem audição do pai, de forma injustificada.

3.– O aqui recorrente foi mantido à margem de todo este processo, ignorando tudo sobre a viagem em causa, designadamente a data de partida dos menores, o tempo em que vão permanecer no estrangeiro, escola que irão frequentar, etc.

4.– Os dois menores vão ser furtados ao convívio do pai de forma ilegal, injusta e que irá certamente provocar graves prejuízos a todos os níveis na personalidade e educação dos dois menores.

5.– Acresce que a deslocação dos dois menores nesta altura do ano para uma escola diferente num país estrangeiro se revela altamente inconveniente e desnecessária uma vez que o pai, aqui recorrente, caso tivesse sido ouvido, propunha-se, como se propõe ficar com os dois menores à sua guarda.

6.– A intenção da aqui recorrida é claramente a de prejudicar o relacionamento dos menores com o pai, numa atitude clara de alienação parental, como aliás o comprova o facto de violar reiteradamente o direito de visita do pai em relação aos seus filhos, sem sequer dar qualquer justificação, que aliás não existe.

7.– É assim imperioso, salvo melhor juízo, impedir que consumadamente a aqui recorrida parta com os filhos menores para o estrangeiro, em tais condições.

Conclui, assim, pela revogação do despacho recorrido, determinando-se que se dê seguimento ao processo em curso de regulação das responsabilidades parentais.

A Apelada e o Ministério Público contra-alegaram, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–FACTOS PROVADOS

1.– A 20 de Dezembro de 2018 o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu a seguinte decisão:

“Os menores C., de 11 anos de idade e D., de 8 anos de idade, sempre residiram com a mãe.

O casal separou-se no ano 2012.

Desde então a mãe (...)  já trabalhou e residiu no estrangeiro, com os filhos. Entre 2012 e 2014 esteve a trabalhar em Luanda, residindo os filhos consigo.

A progenitora foi agora colocada (...) em Montevideu, a partir de janeiro de 2019.

A progenitora afirma ter já diligenciado pelo ingresso dos menores em estabelecimento de ensino naquela cidade.

Acresce ainda que o progenitor no verão de 2018 alegadamente terá gerado grande tensão aos menores com incidente que suscitou perante o SEF quanto à saída dos menores para o estrangeiro.

Neste quadro de facto, concorda-se integralmente com a douta promoção antecedente, no sentido de que os menores devem ser autorizados a ir viajar com a mãe.

Pelo exposto, autorizam-se os menores C. e D. a viajar com a mãe para Montevideu, onde passarão a residir, sem prejuízo da decisão que no final destes autos venha a ser proferida, a qual engloba necessariamente a questão da residência das crianças.

Notifique.

Envie cópia ao ISS para efeitos da audição técnica a realizar”.

2.– Esta decisão foi precedida de uma promoção do Ministério Público que se pronunciou no mesmo sentido do decidido.

3.– Os progenitores dos menores C. e D., juntaram ao processo de divórcio sem consentimento do outro Cônjuge, que corre termos entre ambos, um acordo de regulação das responsabilidades parentais referente aos seus dois filhos menores e comuns, que se encontra assinado por ambos, e do qual consta a cláusula 2.ª, n.º 1, que tem o seguinte teor:

“Os menores residirão habitualmente com a mãe, tanto em Portugal quanto no estrangeiro, quando colocada (...) no quadro da sua atividade profissional”.

III.–FUNDAMENTAÇÃO
O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.

O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 608.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto.

Excluídas do conhecimento deste Tribunal de recurso encontram-se também as questões novas, assim se considerando todas aquelas que não foram objeto de anterior apreciação pelo Tribunal recorrido.

No presente recurso está em causa analisar se a decisão provisória proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, que autorizou os menores C. e D. a viajar com a mãe para Montevideu, local onde passarão a residir durante a colocação profissional daquela, deve ser alterada.
 
Desde já gostaríamos de afirmar que nos parece inquestionável – tanto quanto nos pode parecer em situações tão voláteis e sensíveis como o é o das relações humanas -, que ambos os progenitores se preocupam com os dois menores, filhos comuns do desavindo casal.

A solução perfeita, ideal, nos casos de separação do casal, nas situações em que há filhos comuns, sempre seria a de um são e contínuo convívio entre todos, numa preferência indiscutível pela defesa dos direitos próprios dos menores a poderem conviver com os seus progenitores.

Infelizmente essa situação ideal poucas vezes é alcançável, seja por razões diretamente ligadas aos próprios progenitores, seja por razões de trabalho e/ou outras. A situação agrava-se sempre que um dos progenitores deixa de manter a sua residência no mesmo local e/ou em local próximo do outro progenitor, seja dentro do próprio País, seja no estrangeiro.

Nestes casos, a decisão “salomónica” é impraticável e, uma vez mais, terá de haver cedências – quase sempre dolorosas -, entre todos os membros da família, sendo que são os menores os mais diretamente atingidos, sentindo-se temporalmente privados do progenitor que os não pode acompanhar para o “novo” local para onde são deslocados. Esta situação é, também, quase sempre dolorosa para aquele progenitor que fica privado de ver o crescimento diário dos filhos, situação que é a comum numa guarda partilhada.

Sobre esta questão, e como já afirmamos no âmbito do Proc. 764/11.6TMLSB-A.L1, decisão proferida a 03 de Fevereiro de 2015, nesta Secção: “Trata-se, porém, de “custos” da sociedade moderna e em relação aos quais os Tribunais apenas podem responder com medidas que acautelem, o mais possível, os designados “superiores interesses dos menores”, entre os quais se integra o exercício das responsabilidades parentais.

Este conceito, porém, é um conceito indeterminado e a determinar, não só no âmbito dos artigos 1874.º, 1877.º a 1879.º, 1885.º, 1886.º e 1906.º do Código Civil, como também de acordo com regras que nem sempre são as estritamente legais mas que partem do bom senso que deve ser aferido pelo homem comum. Todos nós, juristas ou não, podemos opinar sobre o que é melhor para cada criança, num determinado contexto. Mas aos Tribunais pede-se que julguem tendo por paradigma alcançar o bem-estar da criança ou, numa linguagem mais jurídica, encontrar qual é o “superior interesse da criança” que se deve defender.

A incontestável importância do tema justifica que se tenha em atenção o seu acompanhamento e sinalização em termos mundiais, nomeadamente na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, em 26 de Janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, publicada no Diário da República n.º 211/90, Iª. Série, 1.º Suplemento, de 12 de Setembro de 1990, e onde se estabelece no seu artigo 3.º, n.º 1, que:

“(…) todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” – sublinhado nosso.

Estabelecendo-se no artigo 9.º desta mesma Convenção, que:

“1.– Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo (…) no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada”.
(…)

3.– Os Estados partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança”.

Também da conjugação dos artigos 1874.º, 1877.º a 1879.º, 1885.º, 1886.º e 1906.º do Código Civil e do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 da Convenção acima mencionada, resulta claro que a procura da solução mais adequada para a criança deve ser aquela que melhor salvaguarde o “superior interesse do menor” sendo o mesmo entendido como aquele que promova o seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como a estabilidade emocional, tendo em conta a idade, o seu enraizamento ao meio sócio-cultural e a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais objetivos.

Consagra também a Constituição da República Portuguesa - nos seus artigos 13.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 36.º, n.ºs 5 e 6, 68.º, n.º 2, 69.º e 70.º -, os princípios jurídico-constitucionais estruturantes da Família e dos Menores protegendo os direitos fundamentais da Criança e estabelecendo que a restrição de tais direitos, a ocorrer, terá sempre de obedecer às exigências de proporcionalidade e da adequação.

Mas, para a prolação de uma decisão neste tipo de conflitos, devemos ter presente que não há direitos absolutos a observar. Todos os direitos, sejam da criança, sejam dos pais, devem convergir para alcançar a decisão adequada a cada menor e aquela que melhor se lhe aplica em cada momento da sua vida.

É assim que, sendo certo que o “superior interesse da criança” é um dos objetivos a preservar, é também certo que o mesmo deve, naturalmente, ser apreciado em conjunto com outros direitos, nomeadamente, o direito dos seus progenitores. Um pai ou uma mãe que esteja privado da sua liberdade de ação e realização pessoal, profissional ou outra, não pode ser uma figura parental de referência para uma criança. Dito de outra forma, não podemos esperar que pais infelizes e diminuídos possam ser a figura parental de referência para uma criança. Assim como não podemos afirmar, em termos absolutos, que um progenitor é “bom” para a criança se viver num determinado espaço geográfico e já não o será, se alterarmos esse espaço.

Para nós é indiscutível que o bem-estar da criança é o fim primordial a alcançar na ação e na vida. Mas esse fim tem de ser encontrado na família a que a criança pertence, com os concretos progenitores em causa e com os contornos de cada situação familiar encerra”.

No presente caso, estamos perante uma decisão provisória, proferida no âmbito de uma ação em que foi pedida a alteração da regulação das responsabilidades parentais, e numa altura em que não tinha ainda ocorrido a ali determinada audição técnica especializada.

Sendo escassa a informação global para uma decisão de fundo – ainda não proferida -, certo é que a circunstância de a mãe dos menores ter sido “colocada” no estrangeiro – Urugai -, em Janeiro do corrente ano e o facto de os menores C. e D., com 11 e 8 anos de idade, respectivamente, se encontrarem a residirem com esta, sempre impunham ao Tribunal a prolação de uma decisão que, em tempo útil, acautelasse os direitos destes últimos, mormente, para poderem viajar e assim acompanharem a sua progenitora, em conformidade, aliás, com o que consta da cláusula 2.ª, n.º 1, do Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais vigente, junto a fls. 20/ss dos presentes autos – alcançado por acordo entre os progenitores -, em que se dispõe:

“Os menores residirão habitualmente com a mãe, tanto em Portugal quanto no estrangeiro, quando colocada ... no quadro da sua atividade profissional”.

E foi respeitando essa mesma diretiva dos progenitores, que o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu a decisão provisória aqui em apreciação, ao abrigo do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, tendo-o feito num contexto muito especial: proferiu uma decisão provisória (a vigorar até ser proferida decisão final do processo, sem prejuízo de poder ser proferida uma outra decisão provisória que altere aquela que presentemente estamos a analisar), o que, como já acima referimos, permitiu que os menores pudessem acompanhar a sua progenitora para o novo local de trabalho desta, no exercício de funções públicas ao serviço do Estado Português.

A situação das visitas a processarem-se entre pai e filhos não foi regulada, ainda que provisoriamente, mas nada impede – antes se impõe -, que também o possa ser, em qualquer momento do processo, a pedido e/ou oficiosamente, tendo sempre como objetivo a proteção dos interesses dos menores na preservação e manutenção do convívio com o seu progenitor e aqui Apelante. Este direito de visitas constituiu, assim, também uma das formas para se tentar esbater as tensões existentes entre os progenitores que, de forma contínua, acabam por se refletir negativamente na vida dos menores.

Entendemos realçar que, neste campo do convívio entre os progenitores e os seus filhos, deve ser acautelada a garantia de um direito de visitas o mais alargado possível, sem prejuízo das atividades escolares dos menores e do poder económico dos seus progenitores para proporcionarem e/ou efetivarem essas mesmas visitas. Na era digital em que nos encontramos, estes inconvenientes são muitas vezes contornados com as vídeo chamadas, skipe e outros meios de comunicação que ajudam a “encurtar as distâncias e as saudades”.

Esta questão, porém, não está aqui em apreciação, apenas se fazendo a sua menção como uma chamada de atenção para uma futura alteração/regulação do regime de visitas, em discussão no processo principal.

No mais, verifica-se que o Apelante não foi surpreendido com esta decisão, tanto mais que se encontra provado que o mesmo foi previamente notificado pela própria Apelada, que lhe deu conhecimento da pretendida alteração de local do trabalho e consequente mudança de domicílio, o que lhe facultou, assim, a possibilidade de poder responder a estas alterações.

Questão distinta é a de o Apelado ter ou não sido ouvido, por determinação do Tribunal, realidade que não aconteceu. Independentemente, porém, de se concordar ou não com esta prática, certo é que se estava perante uma situação que exigia uma decisão urgente e que, nos moldes que acima já se deixaram referidos, teve se ser proferida nesse limite temporal e tendo sempre por base o facto de nos encontrarmos perante um processo de jurisdição voluntária.

A decisão proferida, em si mesma, não está suportada em qualquer comportamento menos correto de qualquer um dos progenitores dos menores, apenas se tendo destinado a regular provisoriamente uma situação em que não havia/há espaço físico para uma guarda partilhada.

Neste contexto, e sendo certo que os menores já se encontram há vários meses a residir com a mãe em Montevideu, no Uruguai [desde 03 de Fevereiro de 2019], sempre seria de se manter a decisão aqui em apreciação por, neste quadro de provisoriedade – até à prolação da decisão final neste processo -, ser aquela que, face à idade dos menores e à sua anterior situação familiar, melhor protege os seus interesses, em termos de estabilidade emocional e de respeito pela manutenção da sua continuidade escolar que, segundo refere a mãe, foi previamente assegurada naquele País no qual passaram a residir – fls. 30 dos autos.

Deve, assim, ser mantida a decisão aqui em apreciação.

IV.–DECISÃO

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, mantendo-se a decisão provisória proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pelo Apelante.



Lisboa, 18 de Junho de 2019


Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
Maria da Conceição Saavedra