Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
420/09.5TTLSB.L1-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: REFORMA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - O regime estabelecido no art. 392.º, nºs 1 e 2, do Cód. Trab. apenas tem aplicação para as situações em que o trabalhador se mantém vinculado à entidade patronal quando atinge a idade da reforma por velhice.
II – Já o regime estabelecido no nº 3 do mesmo preceito é aplicável tanto àquele trabalhador como ao que for admitido ex novo após a reforma.
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

M.I.G.F. instaurou, em 5 de Agosto de 2009, acção declarativa com processo comum contra A. E., Lda pedindo que o Tribunal declare a ilicitude do seu despedimento e que condene a ré a pagar as retribuições, vencidas e vincendas e bem assim, caso não opte pela reintegração, uma indemnização.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- foi admitida ao serviço da ré em 1.09.2003, para desempenhar as funções de copeira, mediante contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de seis meses, que por renovações sucessivas se tornou efectivo;
- em 18.12.2008, a ré comunicou à autora a denúncia do seu contrato com efeitos a partir de 28 de Fevereiro de 2009, invocando o disposto no art. 392.º do Código do Trabalho então vigente, ratificada por outra, com data de 5 de Março de 2009, para produzir efeitos a 23 de Maio de 2009;
- porém, a ré não poderia invocar a reforma por velhice para produzir a caducidade do contrato de trabalho porque quando a autora foi contratada já estava reformada desde 24.11.2002;
- o facto de a autora ter atingido 70 anos também não pode determinar essa caducidade porque o novo contrato foi celebrado com outra entidade empregadora já após a sua situação de reforma.
- a referida comunicação configura um despedimento ilícito, porque não precedido de processo disciplinar.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que ela fez, concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

Para tal alegou, resumidamente, que:
- a autora não foi contratada pela ré mas por outra sociedade, vindo posteriormente a transmitir-se para aquela a posição jurídica de empregador;
- em 24.11.2007, a autora perfez 70 anos de idade e por força do disposto no art. 392.º, nº 3 do Código do Trabalho, tal implica que se não tiver havido caducidade do vínculo por reforma, é aposto ao contrato um termo resolutivo;
- ocorre, assim, a oposição de um termo ope legis que visa evitar a eternização de um contrato que de outra forma não teria fim, sendo legítimo que quem contratou alguém já reformado beneficie também deste regime porque a condição é a mesma: o decurso do tempo;
- além disso, seria injusto que fosse aposto um termo ao contrato de alguém que já estava na empresa há muito tempo e não o fosse ao de um trabalhador que entrasse já após a idade da reforma.
Findos os articulados, foi proferido saneador-sentença, cujo dispositivo se transcreve:
Nestes termos e com tais fundamentos decide este Tribunal julgar procedente, por provada, a presente acção declarativa com processo comum e, em consequência:
a. declarar a ilicitude do despedimento por não ter sido precedido de processo disciplinar;
b. condenar a ré na obrigação de reintegrar a A. ... no seu posto de trabalho com as funções e antiguidade que teria se não tivesse ocorrido o despedimento, respeitando os direitos que lhe foram reconhecidos;
c. condenar a ré no pagamento à A. das retribuições vencidas até ao trânsito em julgado da decisão, e bem assim naquelas que se vencerem até à efectiva reintegração na empresa, sem prejuízo do desconto do montante referido nos n.ºs 2 a 4 do art. 437º do Código do Trabalho.
Custas a cargo da ré.
Inconformada com a decisão, da mesma interpôs a ré, recurso de apelação, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(...)
Termos em que, deverá ser revogada a sentença de fls. (...) ora recorrida e substituída por outra que venha a considerar licito o despedimento da Apelada, por ter sido efectuada no âmbito do n.º 3 do art.º 392.º, (...).

Não foram produzidas contra-alegações.
Nesta Relação o Ex.º Magistrado do Ministério Público teve vista nos autos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 87.º, nº 3 do Cód. Proc. Civil.

Colhidos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
No caso em apreço, verifica-se que não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
A única questão colocada no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684.º, nº 3 e 690.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil – consiste em saber se o despedimento da autora foi ilícito.

Fundamentação de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto não objecto de impugnação e que aqui se acolhe:
1. Com data de 1 de Setembro de 2003, a autora e a empresa G.L. – S.H., Lda subscreveram um documento intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” mediante o qual aquela se obrigou a prestar a esta, sob a sua autoridade e direcção, as funções inerentes à sua categoria profissional de copeira, mediante a remuneração mensal de € 449,44, nas instalações da G. L., sitas na Rua (...), n.º (...), freguesia da Sé, concelho do Funchal e ainda nos locais onde a G.L. tenha trabalho a efectuar (documento de fls. 11 a 16).
2. De acordo com a cláusula 1ª, 1.3 e 1.4 do contrato referido em 1., a autora foi admitida pelo prazo de seis meses, com início a 1 de Setembro de 2003, com fundamento em abertura de um novo estabelecimento, cuja continuidade é de difícil aferição devido ao grau de incerteza quanto à sua permanência no mercado, sendo renovado por igual período, até ao limite máximo de duas vezes, desde que a G. L. não comunique ao trabalhador até oito dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o não renovar (documento de fls. 11 a 16).
3. A autora auferia recentemente a remuneração mensal no valor de € 513,51 (documento de fls. 17 e por acordo).
4. O estabelecimento onde a autora prestava funções veio a ser trespassado para a sociedade D. P., Lda, detentora do restaurante (...), que, por sua vez, a 5 de Novembro de 2008, celebrou um contrato de trespasse desse estabelecimento com a sociedade ré (por acordo).
5. Com data de 18 de Dezembro de 2008, a ré dirigiu à autora uma carta com o seguinte teor:
“Serve a presente, para lhe comunicar a nossa intenção de denunciar o contrato de trabalho celebrado com V.Exa. a 1 de Setembro de 2003, nos seguintes termos:
Dispõe a lei, no art. 392º do Código do Trabalho, que aos contratos de trabalho dos trabalhadores reformados será aposto um termo legal, com um período de duração de 6 meses, renovável automaticamente. Tal termo, não carece de forma escrita.
Nestes termos, cumpre-nos informá-la que iremos denunciar o seu contrato de trabalho, com efeitos a 28 de Fevereiro de 2009. Pelo que, a partir de tal data, deixará de fazer parte dos quadros desta empresa.” (documento de fls. 18).
6. Posteriormente, com data de 5 de Março de 2009, a ré dirigiu nova carta à autora com o seguinte teor:
“No seguimento da nossa última carta, na qual denunciamos o seu contrato para dia 28 de Fevereiro, vimos informar que tal data foi preenchida incorrectamente, devendo aí ler-se dia 23 de Maio. Uma vez que não faz sentido voltar ao serviço após tal carta, informamo-la que iremos proceder ao pagamento do período de tempo compreendido entre dia 1 de Março e dia 21 de Abril de 2009, como se estivesse ao serviço. No período compreendido entre 22 de Abril e 22 de Maio, gozará as férias que se venceram a 1 de Janeiro de 2008. []” (documento de fls. 19).
7. A autora nasceu no dia 24 de Novembro de 1937 (documento de fls. 37).
8. A autora encontra-se na situação de reformada do regime da segurança social desde 24.11.2002 (documento de fls. 20).

Fundamentação de direito
Dado que o vínculo estabelecido pelas partes teve início em 1.09.2003 e cessou em 23.05.2009, por força da carta enviada à autora no dia 18.12.2008 – na segunda carta a ré limitou-se a rectificar a data da cessação -, a disciplina legal aplicável é a do regime consignado no Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003, rectificado nos termos da declaração de rectificação no 15/2003, de 28 de Outubro e alterado pela Lei nº 9/2006, de 20 de Março e pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro – arts. 3.º, nº 1 e 8.º, nº 1 daquela Lei nº 99/2003 -, diploma aquele a que pertencem as disposições que de ora em diante viermos a citar sem indicação de origem.
Efectivamente, a Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro que veio rever o Código do Trabalho, revogando a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto não se aplica ao conteúdo das situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor, relativas a (...) procedimentos para a cessação do contrato de trabalho – art.º 9º alínea c) da mesma Lei.
Examinando a petição inicial, verifica-se que a autora impugna a validade da denúncia contratual operada pela ré através da referida carta subscrita em 18.12.2008.
Essa carta reporta o termo do contrato de trabalho, vigente entre as partes, para 23.05 2009, aí se invocando o disposto no art. 392.º do Cód. Trab..
A assinalada impugnação arrima-se, por sua vez, a dois fundamentos:
- não poder a ré invocar a reforma por velhice para produzir a caducidade do contrato de trabalho porque quando a autora foi contratada já estava reformada desde 24.11.2002;
- o facto de a autora ter atingido 70 anos também não determina essa caducidade porque o novo contrato foi celebrado com outra entidade empregadora já após a sua situação de reforma.
Defende a ré que o decidido pela 1.ª instância no sentido de que o regime estabelecido nos nºs 1 e 2 do referido art. 392.º não tem aplicação ao caso dos autos uma vez que a autora já se encontrava reformada por velhice na data em que foi contratada pela ré e tal regime apenas tem aplicação para as situações em que o trabalhador se mantém vinculado à entidade patronal quando atinge a idade da reforma por velhice e não se compadece com o disposto na lei e na Constituição. E fá-lo por entender que tendo a autora sido contratada já na situação de reformada por velhice, aplica-se o regime estabelecido no art. 392.º do Cód. Trab., querendo, com isso, significar que o contrato de trabalho esteve sempre sujeito a termo.
Sobre esta questão pronunciaram-se, expressamente, os Acs. do STJ da 4.ª Secção de 07.02.2007 (doc. SJ200702070033204) e de 27.04.2010 (Proc. nº 684/07.9TTSTB.S1) ambos disponíveis em www.dgsi.pt, não havendo fundamento para divergir do aí consignado.

Vejamos, então.
Sob a epígrafe “Reforma por velhice”, dispõe o citado art. 329.º do Cód. Trab.:
1 – A permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice determina a aposição ao contrato de um termo resolutivo.
2 – O contrato previsto no número anterior fica sujeito, com as necessárias adaptações ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, ressalvadas as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de sessenta dias se for da iniciativa do empregador, ou de quinze dias, se a iniciativa pertencer ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 – Quando o trabalhador atinja os setenta anos de idade sem ter havido caducidade do vínculo por reforma é aposto ao contrato um termo resolutivo, com as especificidades constantes do número anterior.
Como se vê, o preceito transcrito regulamenta à semelhança do que sucedia no regime emergente da LCCT aprovada pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro – art. 5.º - as modificações que o legislador entendeu deverem ocorrer no vínculo laboral, logo que o trabalhador obtenha a reforma por velhice ou atinja os 70 anos de idade.
Assim:
- se o trabalhador se mantiver ao serviço da sua entidade patronal, decorridos que sejam 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice, o respectivo contrato de trabalho transforma-se automaticamente em contrato a termo resolutivo pelo prazo de seis meses, mas sem os constrangimentos plasmados no art. 139.º nº 2 do Cód. Trab.;
- se o contrato não caducar entretanto pela obtenção da reforma (por velhice ou invalidez), tal contrato transforma-se também, nos mesmíssimos moldes, em contrato a termo resolutivo, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade.
Como se reconheceu nos citados arestos, o regime transcrito foi pensado, em qualquer das suas vertentes, para os trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa aquando dos eventos que condicionam a disciplina vertida nos seus nºs 1 e 2.
Mas, como As pensões de velhice são acumuláveis com rendimentos do trabalho – art.º 5º do Decreto-Lei nº 41/89, de 2 de Fevereiro – nada impede a eventual contratação, por terceiros, de trabalhadores já reformados: nesse caso, o respectivo vínculo ficará sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo, que constitui a regra basilar.
E, de facto, não faria qualquer sentido – de acordo com a opção do legislador, afirmada naquele art. 392.º - que um trabalhador, contratado nessas condições, permanecesse indefinidamente ao serviço da nova entidade patronal, sem que a esta fossem concedidos mecanismos para também fazer cessar sumariamente o contrato.
Por isso, também nós estamos em crer que:
- a aplicabilidade do preceito, nos termos restritos acima enunciados, só é inteiramente válida para as situações que integram a previsão do nº 1;
- em contrapartida, o nº 2 enuncia um princípio geral, que é necessariamente aplicável a todos os trabalhadores – com natural excepção daqueles a quem seja imposta a reforma por limite de idade – independentemente de terem ou não, obtido já a reforma e de se acharem, ou não, ao serviço da mesma entidade patronal.

Em suma:
- o disposto no art. 392.º do Cód. Trab. apenas se aplica aos trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa, o que decorre da sua própria redacção e do regime específico ali contemplado;
- quanto à natureza do vínculo estabelecido com trabalhadores já reformados à data da contratação, sendo as pensões de velhice acumuláveis com rendimentos de trabalho, nada impede a eventual contratação, por terceiros, desses trabalhadores, ficando o respectivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo;
- contudo, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o contrato caduque, o mesmo converte-se em contrato de trabalho a termo resolutivo de seis meses.
Defendeu a ré que esta interpretação ofenderia os princípios legais e o art. 13.º e alínea b) do nº 1 do art. 70.º da Constituição mas também aqui falece a sua argumentação.
O Tribunal Constitucional já teve ensejo de se pronunciar sobre esta questão, concluindo pela adequação constitucional do art. 5º da LCCT (correspondente ao art. 392.º Cód. Trab.), no âmbito dos procs. nºs 581/95, de 31.10.95, e 747/95, de 19.12.95.
E, por se acolher inteiramente a fundamentação neles aduzida, respiga-se a sua síntese basilar, tal como se acha enunciada no primeiro daqueles arestos:
A reforma por velhice – como as demais vertentes da Segurança Social – funda-se nos princípios da dignidade humana e da solidariedade (…).
É assim que a Constituição, no artigo 63º, garante a todos o direito à Segurança Social (n.º 1) e a criação de um sistema de protecção dos cidadãos na doença, velhice, invalidez (…) (n.º 4). E a lei, no que à reforma por velhice respeita, determina que “integra a eventualidade velhice a situação em que o beneficiário tenha atingido a idade mínima, legalmente presumida como adequada, para a cessação do exercício da actividade profissional idade que é, em regra, de 65 anos (…).
(…) Se ao trabalhador foi criada uma alternativa digna ao contrato de trabalho, não seria razoável que, a partir da criação do pressuposto de facto que justifica aquela alternativa – a idade da reforma – a entidade empregadora fosse obrigada a manter ao seu serviço, por tempo indeterminado, trabalhadores com mais de 65 anos.
Por mais que o contrato de trabalho se constitua em terreno adequado de formas de paternalismo legítimo (C.S.Nizo), existe aqui uma lógica de proporcionalidade, que aponta para a relevância, em certos termos, dos valores da “equivalência” de prestação do contrato.
(…) Haverá de concluir-se que a “estabilidade condicionada de emprego”, para que apontou a Lei n.º 108/88 – e que o Decreto-Lei 64-A/89 concretizou - tem aquela justificação necessária para que se limite a pretensão de optimização que, como em todas as garantias fundamentais, vai envolvida na norma constitucional do artigo 53º. O trabalho como meio de realização, a retribuição como condição de dignidade, e a equivalência das prestações do contrato estão numa relação de equilíbrio, aqui onde o trabalhador atinge a idade de reforma, pode obtê-la e se abre um espaço de “renegociação do trabalho”.
(…) Assim, as normas em apreço ordenam-se também às directivas metódicas do artigo 18º da Constituição e, porque justificadas, não afrontam o princípio da igualdade.
Perante uma relação laboral pré-existente com a reforma do trabalhador, verifica-se a caducidade do vínculo, o qual traduz uma forma de cessação do contrato fundamentada na circunstância de o trabalhador ter direito ao descanso e poder já não estar apto para continuar a desenvolver a sua actividade, não se impondo à empregadora uma prestação que pode já não lhe interessar.
Situação bem diferente é aquela em que o trabalhador é já contratado na situação de reformado, em que a empregadora, sabendo-o, pondera a capacidade de trabalho do mesmo e opta por o admitir ao seu serviço, não se impondo qualquer razão para que este vínculo não fique sujeito às regras gerais da contratação laboral, independentemente da idade concreta do trabalhador.
Nos presentes autos, a autora foi contratada pela ré quando já se encontrava na situação de reformada por velhice, facto que era do conhecimento da ré. Foi assim estabelecido entre as partes um vínculo ex novo, pelo que não tem aplicação o disposto no art. 392.º, nº 1 do Cód. Trab., norma especial que apenas abrange as situações em que o trabalhador, mantendo um vínculo laboral com determinada empregadora, atinja, na mesma (aí permaneça, nos termos da lei) a idade para a reforma por velhice.
Fora dessas situações, o vínculo laboral estabelecido segue o regime da lei geral.
No caso em apreço, a autora, já em situação de reforma por velhice, foi admitida ao serviço de uma empresa em cuja posição jurídica a ré veio a suceder, razão pela qual a autora é trabalhadora da ré desde 1.09.2003.
Uma vez que a autora foi admitida ao abrigo de um contrato de trabalho a termo pelo prazo de seis meses e sabendo-se que esse contrato veio a renovar-se, sucessivamente, por iguais períodos, importa concluir que a autora adquiriu a condição de trabalhadora efectiva da ré após o decurso de duas renovações, isto é, em 1 de Março de 2006 – arts. 139.º, nº 1, 140.º, nº 2 e 141.º do Cód. Trab..
Vimos, porém, que, em 24 de Novembro de 2007, a autora completou 70 anos de idade.
Como resulta do disposto no nº 3 do art. 392.º, do Cód. Trab., o facto de o trabalhador atingir os 70 anos de idade sem que tenha ocorrido caducidade do vínculo por reforma, acarreta que seja aposto ao contrato um termo resolutivo segundo o regime constante do nº 2 do mesmo preceito. Ou seja, o contrato subsiste após o trabalhador atingir os 70 anos de idade, embora transformado automaticamente em contrato a termo de seis meses, indefinidamente renovável, podendo as partes fazer operar a respectiva caducidade mediante aviso prévio (60 dias para a entidade empregadora e 15 dias para o trabalhador).
No sentido acabado de expor podem ver-se os dois referidos arestos do STJ.
Não se acompanha, pois, nesta aspecto a decisão sindicada, sendo de salientar que a controvérsia doutrinária de que a mesma dá conta, optando pela tese defendia por Júlio Gomes (“Direito do Trabalho”, vol. I – “Relações Individuais de Trabalho” pág. 932) à semelhança do que se fez no Ac. desta Relação de 1.10.2008 (proc. nº 5842/2008-4, www.dgsi.pt), parcialmente transcrito naquela decisão, gira em torno da aplicação do nº 2 do art. 392.º do Cód. Trab. a trabalhadores contratados ex novo, sendo certo que o que está aqui em causa é a aplicação do nº 3 a trabalhadores que atinjam os 70 anos de idade, não fazendo este dispositivo qualquer distinção entre trabalhadores admitidos ex novo, após a reforma e aqueles que se mantêm vinculados à primitiva entidade patronal quando atingem aquela idade.
A tese defendida na decisão sindicada não é facilmente enquadrável com a ausência no preceito em análise de quaisquer limitações ao âmbito da sua aplicação (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus - o interprete não deve distinguir), não se devendo esquecer que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art. 9.º, nº 3, do Cód. Civil – bem com o carácter imperativo daquele preceito que resulta do art. 383.º do Cód. Trab..
No caso em apreço, o contrato converteu-se em contrato a termo por seis meses no dia 24.11.2007, contrato este sucessivamente renovável, tendo a ré operado a respectiva caducidade por carta datada de 18.12.2008 para o termo do prazo que ocorreria no dia 23.05.2008, em conformidade com o disposto no art. 392.º, nº 2, alínea c) ex vi nº 3, do Cód. Trab..
Procedem, pois, as conclusões da apelação.

Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando a decisão sindicada e absolvendo a ré do pedido.
Custas pela apelada.

Lisboa, 20 de Outubro de 2010

Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas
Albertina Pereira
Decisão Texto Integral: