Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3552/2007-3
Relator: CARLOS DE SOUSA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
RENÚNCIA AO RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: I - Se o arguido renunciou, em audiência, ao recurso em matéria de facto (arts. 389.º n.º 2 e 428.º, n.º 2, do CPP), não pode, em recurso da decisão final condenatória, pôr em causa a certificação e homologação do alcoolímetro utilizado no respectivo teste de pesquisa de álcool no sangue, pois estar-se-ia no âmbito da impugnação da matéria de facto, mais concretamente, da prova ou da fiabilidade do meio de aquisição de prova.
II - O arguido teve oportunidade de pôr em causa a fiabilidade do referido alcoolímetro quando foi efectuado o respectivo teste, declarando não desejar ser submetido ao exame de contraprova.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa:
I A) No processo sumário nº 451/06.7GTLRA do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, por sentença de 11 de Setembro de 2006, foi condenado o arguido (G) (id. nos autos) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artºs 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), ambos do C.Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 3,00 (três euros), perfazendo a quantia de €270,00 (duzentos e setenta euros); e ainda na pena acessória de inibição, rectius, proibição de conduzir veículos, pelo período de 3 (três) meses – factos de 10/09/06, TAS de 1,21 g/l (fls. 8-17).
B) Inconformado, recorre o arguido para esta Relação, deduzindo as seguintes conclusões:
« 1ª - O arguido, apesar de ter confessado os factos de que vinha acusado, não sabia nem podia saber qual a efectiva taxa de alcoolemia que apresentava por haver uma margem de erro não especificada que impossibilita que a leitura retirada do aparelho DRAGER seja a correcta.
2ª - O Tribunal tomou como correcta a leitura que lhe foi apresentada de 1,21 g/l, só 0,02 g/l acima do que é considerado contra-ordenação muito grave e não crime.
3ª - Não foi tomada em conta a possibilidade de avaria do aparelho que mediu o teor de álcool no sangue através do ar expirado, não tendo sido junta ao processo a certidão da certificação do alcoolímetro de marca DRAGER, modelo 7110 MKIII P Nº ARPN-0056, efectuada pelo Instituto Português da Qualidade.
4ª - Sem tal certidão não se pode saber se tal aparelho específico está devidamente certificado e verificado.
5ª - Do facto de esse modelo de aparelho Drager estar aprovado para uso na fiscalização do trânsito pela Direcção- Geral de Viação desde 06/08/1998 (publicação do despacho nº 8036/2003, 2º série, D.R. nº 98, de 28/04/2003) não se pode dar como certo de que estaria devidamente homologado e certificado.
6ª - Com efeito, a certificação e verificação feitas ao aparelho Drager em causa deverão ser efectuadas anualmente e competem ao IPQ.
7ª - Sem a certidão do IPQ não se sabe se tal aprovação existe e é válida.
8ª - Ora, como só a verificação por esta entidade seria válida e não se sabendo se o aparelho fora verificado há menos de um ano, a dúvida daí resultante tem de presumir-se, necessariamente, em benefício do ora arguido.
9ª - E, tal omissão põe em causa, até prova em contrário, a fiabilidade da leitura fornecida pelo equipamento.
10ª - Para que se possa respeitar o princípio do contraditório (artº 18º/1 e 2, da CRP), é necessário dar a conhecer ao arguido “todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito (in Assento 1/2003 do STJ – DR, I s. A, nº 21, de 25/1/2003, pp. 547 e ss)”, sob pena de o processo ficar afectado de nulidade, o que aqui se invoca.
11ª - Com efeito não foi dada a conhecer ao arguido a verificação e certificação do aparelho que mediu a TAS pela qual foi acusado e condenado.
12ª - Só os factos contam e deles, como nos parece, não colhe que o aparelho Drager que mediu a TAS esteja devidamente verificado e certificado, em suma, homologado e isento de avaria.
13ª - Com o que se cometeu a nulidade prevista no artº 119º, al. c) do Código do Processo Penal.
14ª- Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deverão V. Exc.ªs Venerandos Desembargadores, declarar a invocada nulidade insanável, ou outra, revogando a sentença recorrida.

Nestes termos, e nos melhores de Direito aplicável, que V. Exc.ªs Venerandos Desembargadores muito doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada ou modificada ou ser o julgamento anulado e reenviado o processo para novo julgamento, a efectuar pelo Tribunal que, nos termos do art.º 426º-A do C.P.C., for o competente.

COM O QUE SE FARÁ

JUSTIÇA! »
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C) A Ex.ma Procuradora Adjunta, por sua vez, respondeu concluindo (como se transcreve):
« I. O crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artº 292º, do Código Penal, implica no seu tipo objectivo a existência de um grau alcoolemia igual ou superior a 1,2 g/l, sendo que o exame de pesquisa do álcool é realizado por agente de autoridade mediante material aprovado para essa finalidade.
II. Os analisadores quantitativos de álcool no ar expirado obedecem a características técnicas, metrológicas e físicas legalmente fixadas, devendo a sua marca e modelo ser aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos mencionados no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
III. O instrumento de medição que realizou a medição da concentração de álcool ao recorrente denomina-se Drager, modelo Alcotest 7110-MKIII, tendo este sido aprovado pelo Instituto Português da Qualidade em 27 de Junho de 1996 e aprovada a sua utilização no dia 06 de Agosto de 1998 por despacho da Direcção Geral de Viação (despacho nº 001.DGV/ALC/98), sendo que a aprovação deste modelo é válida pelo período de 10 anos.
IV. Ora, o controlo metrológico do alcoolímetros tem de obedecer a diversas operações, nomeadamente a verificação periódica anual deste instrumentos, com vista a que os mesmos possam registar leituras da taxa de álcool no sangue o mais fiáveis possíveis, consabido que é que, a qualquer resultado de medição está sempre associada um certo grau de incerteza, uma vez que não existem instrumentos absolutamente exactos.
V. Atendendo a que não existem instrumentos de medição que revelem resultados correctos e absolutos, são considerados os erros máximos admissíveis (EMA) que representam um intervalo dentro do qual, com toda a certeza o valor da indicação se encontra, as vulgarmente denominadas “margens de erro”.
VI. O tribunal “ad quo” deu como provado que nas circunstâncias de tempo e lugar mencionados no auto de notícia o arguido conduzia um veículo automóvel sendo portador de, pelo menos uma TAS de 1,21 g/l, sendo que este valor foi o resultado da dedução do valor de erro máximo admissível e correspondente à TAS de 1,31 g/l registada no talão do alcoolímetro, de marca e modelo legalmente aprovados.
VII. No data da prática dos factos, o arguido foi notificado para realizar a respectiva contraprova e declarou não pretender efectuar tais exames. Este comportamento leva-nos a concluir que aceitou os resultados do teste de pesquisa de álcool, sendo que este seria o momento ideal para verificar a veracidade do valor obtido pelo alcoolímetro utilizado em sede de fiscalização de trânsito, recorrendo para o efeito a novo teste de ar expirado ou a análise do sangue.
VIII. Por outro lado, o arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, estava devidamente representado por defensor oficioso e confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, implicando tal posição a renúncia à produção de prova.
IX. Os comportamentos do arguido, atrás enunciados revelam de forma inequívoca que este aceitou de plena consciência os resultados da leitura fornecida pelo equipamento alcoolímetro, não podendo agora alegar que não foi assegurado o contraditório, em virtude de não possuir todos os elementos relevantes para garantia da sua defesa.
X. Aliás, tendo o aparelho utilizado no teste de álcool no sangue sido previamente aprovado e sendo adequado para o efeito e não tendo ainda decorrido o aludido prazo de 10 anos de validade do modelo de aprovação, tal basta, na nossa opinião, para considerar que obedeceu aos requisitos legais, uma vez que estes testes fazem fé sobre os resultados obtidos e estes são livremente apreciados pelo julgador.
XI. Pese embora não tivesse requerido a contraprova, se o arguido entendesse que o valor da TAS indicado pelo alcoolímetro não era fidedigno deveria ter solicitado em sede de julgamento, as diligências que entendesse por convenientes, mormente requerendo ao Instituto Português da Qualidade informação sobre a data da verificação periódica do alcoolímetro Drager Alcotest 7110MKIII utilizado na pesquisa de álcool, uma vez que é este o local privilegiado de produção de prova
XII. Assim sendo, não se pode considerar que a inexistência de menção ao certificado de verificação periódica anual por parte do I.P.Q., põe em causa a aprovação e a fiabilidade do aparelho Drager Alcotest 711MKIII, bem como os seus resultados.
XIII. Em face de tal entendimento, muito menos se compreende que entenda o ora recorrente que esteja em causa a nulidade insanável prevista no artº 119º, alínea c), do Código de Processo Penal.
XIV. Acresce ainda que, o recorrente não menciona os pontos de facto que considera incorrectamente julgados sendo que ao referir a prova que imporia decisão diversa da recorrida, não indica a prova que no seu entender deveria ser renovada, o que determinaria, por si só, a rejeição do presente recurso.
XV. Nesta conformidade, considera o Ministério Público o recurso não deverá merecer provimento, uma vez que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo”, respeitou o princípios e normas aplicáveis à valoração da prova, não sendo merecedora de qualquer reparo, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos. ...»
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D) Nesta Relação, o Ex.mo PGA relegou para a audiência as suas alegações (fls. 52).
O ora relator, no exame preliminar, constatou que houve renúncia ao recurso em matéria de facto (artºs 389º, nº 2 e 428º, nº 2, ambos do CPP) – cfr. acta de audiência de fls. 11 –, pelo que é de rejeitar, em conferência, o presente recurso, por manifesta improcedência – cfr. artºs 417º, nº 3, 419º, nº 4, al. a), e 420º, nº 1, todos do CPP.
II – Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
1. Como resulta das conclusões do recorrente – as quais delimitam o âmbito do recurso (como é jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores) – este, em síntese, pretende impugnar a matéria de facto.
Assim sendo, é evidente que o recurso está votado ao insucesso.
Na verdade, pretende o arguido, ora recorrente, impugnar a matéria de facto, mais concretamente a TAS de 1,21 g/l, dada como provada na sentença recorrida quando, como se salientou já, tal pretensão não pode, aqui e agora, proceder, exactamente por, em audiência de julgamento, ter renunciado ao recurso em matéria da facto (cfr. acta de audiência de fls. 11) – cfr. artºs 389º, nº 2 e 428º, nº 2, ambos do CPP.
2. Vejam-se os Factos provados:
« No dia 10 de Setembro, cerca das 03:44 horas, na Rotunda de Salir do Porto – Caldas da Rainha, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula 44-26-FG sendo portador duma taxa de alcoolemia de 1,21 g/l;
O arguido sabia que era portador de taxa de alçoolemia, sabia que não podia circular em tais condições, agindo de forma livre e voluntária ...»
3. Acresce que pretende o recorrente pôr em causa a certificação e/ou homologação do alcoolímetro utilizado no presente caso, o aparelho Drager, modelo 7110 – MKIII P, aliás aprovado pelo Despacho nº 8036/03 (2ª Série) D.R. de 28/04/2003 – como bem consta do auto de notícia de folhas 4.
Mesmo neste aspecto está-se ainda no âmbito da impugnação da matéria de facto, mais concretamente, da prova ou melhor da fiabilidade do meio de aquisição de prova (o alcoolímetro utilizado nos autos).
É, assim, evidente que, tendo prescindido do recurso nesta matéria, não pode, aqui e agora, dar o dito pelo não dito.
Por outro lado, como consta do auto de notícia, é evidente que o arguido teve a oportunidade de pôr em causa a fiabilidade do referido alcoolímetro, mormente quando, efectuado o teste, declarou não desejar ser submetido ao exame de contraprova – cfr. auto de folhas 4 verso.
Veja-se ainda o talão de registo do teste, a folhas 6.
Como bem refere a digna Magistrada do MºPº, na resposta ao recurso (v.g. conclusão III): « O instrumento de medição que realizou a medição da concentração de álcool ao recorrente denomina-se Drager, modelo Alcotest 7110-MKIII, tendo este sido aprovado pelo Instituto Português da Qualidade em 27 de Junho de 1996 e aprovada a sua utilização no dia 06 de Agosto de 1998 por despacho da Direcção Geral de Viação (despacho nº 001.DGV/ALC/98), sendo que a aprovação deste modelo é válida pelo período de 10 anos
4. Finalmente, o recorrente invoca a existência de nulidade insanável, mais concretamente da alínea c) do artº 119º do CPP.
Mais uma vez é manifesta a sua improcedência.
Neste caso, alega o recorrente que “...não foi dada a conhecer ao arguido a verificação e certificação do aparelho que mediu a TAS pela qual foi acusado e condenado...” (cfr. sua motivação), para daí inferir que se verificou a alegada nulidade insanável.
Não tem qualquer fundamento (veja-se 3. supra) pois, desde logo, ignora que, nesta matéria, vigora o princípio da legalidade – consagrado no artº 118º do CPP.
Mas, sobretudo, o que importa, é que não se está, no presente caso, perante qualquer situação que integre (ou sequer que se assemelhe) a aludida nulidade insanável.
Em suma, no caso, não se verificou a arguida ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exige a respectiva comparência – cfr. al. c), a contrario, do artº 119º do CPP.
5. Por último, não se percebe o pedido de reenvio para novo julgamento (cita o recorrente o artº 426º-A do CPP) na parte final do recurso.
Na verdade, não se alega nem se constata nenhum dos seus pressupostos (os vícios do artº 410º, nº 2, cfr. artº 426º, ambos do CPP).
6. Concluindo:
São manifestamente improcedentes as pretensões do recorrente, pelo que vai ser rejeitado o recurso – cfr. artº 420º, nº 1 do CPP. O que implica a condenação do recorrente não só no pagamento da taxa de justiça e custas, mas acresce ainda a importância prevista no nº 4 deste artº 420º do CPP (cfr., entre outros, o Ac. STJ de 24/01/89, BMJ, 393, 294).
III - DECISÃO:
Nos termos expostos, acordam em rejeitar o recurso.
Condena-se o recorrente em 2 UCs de taxa de justiça (ou seja, 4 UCs reduzida a metade – cfr. artº 87º nºs 1-b) e 3 do CCJ); acrescida da importância de 3 UCs (nº 4 do artº 120º do CPP); ou seja, vai condenado no total de: 5 UCs.
Lisboa, 20 de Junho de 2007.
(Carlos de Sousa – relator)
(Mário Manuel Varges Gomes)
(Maria Teresa Féria de Almeida)