Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2883/14.8TTLSB.L2-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: COMPLEMENTO DE PENSÃO
ACORDO DE EMPRESA
ORÇAMENTO DO ESTADO
INCONSTITUCIONALIDADE
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I- A norma do art.º 75º da LOE para 2014, ao fazer cessar a eficácia do conteúdo de uma norma da convenção colectiva de trabalho livremente negociada no âmbito da autonomia colectiva (se bem que temporariamente, com a condição da cessação da suspensão que a torna praticamente definitiva no horizonte de cada um dos ex-trabalhadores reformados atingidos), viola a garantia da contratação colectiva referida na parte final do nº 3 do art.º 56º da Constituição.
II- Embora seja indiscutível que é o interesse público (na redução da despesa com pessoal nas empresas do sector empresarial do Estado, com vista à redução do défice e do endividamento públicos) que subjaz à estipulação dessa norma, sendo a estimativa da diminuição dos encargos das empresas públicas reclassificadas no ano de 2014 resultante da medida de suspensão dos complementos de pensões integralmente suportados pelas próprias empresas, de 11,3 milhões de euros, há que reconhecer que é muito pouco significativo, no contexto geral do Orçamento de Estado, quando ponderado - cada um à sua escala, evidentemente - com o corte que representa para cada um dos ex-trabalhadores reformados a supressão do complemento de pensão que vinha a ser pago pela R. e com o qual, juntamente com a reforma paga pela Segurança Social, fazem face às despesas do dia a dia, pela sobrevivência em condições de dignidade, numa fase das respectivas vidas em que não é expectável que consigam obter novas fontes de rendimento e em que as despesas, em especial com a saúde, em geral aumentam significativamente.
III- Como direito emergente dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, reconhecido há mais de 40 anos, o enorme grau de confiança que essa circunstância lhe confere foi seguramente determinante para levar os trabalhadores a passarem à situação de reformados, passando o direito ao complemento, à medida que cada um deles foi passando à reforma, a integrar a respectiva esfera jurídica, conferindo-lhes a legítima expectativa de continuarem a dela beneficiar e permitindo-lhes assumirem compromissos e responsabilidades que não assumiriam se não contassem com essa prestação.
IV- A medida orçamental de suspensão dos complementos de pensão (exceptuados aquelas cujo valor, juntamente com a pensão, seja igual ou inferior a € 600 mensais) dos ex- trabalhadores das empresas do sector empresarial do Estado que apresentem resultados líquidos negativos nos últimos três anos apurados, que não sejam integralmente financiados pelas contribuições ou quotizações dos trabalhadores, só sendo retomado o respectivo pagamento após verificação de três anos consecutivos de resultados líquidos positivos, não observa a “justa medida” na restrição da garantia constitucional do direito à contratação colectiva, ferindo o princípio da confiança inerente ao Estado de Direito Democrático, desrespeita a garantia da efectivação dos direitos e mostra-se excessiva e desproporcionada no sacrifício imposto aos ex-trabalhadores reformados por ele atingidos, quando balanceado com o diminuto valor de poupança na despesa pública que tal medida permite (segundo o cálculo dos recorrentes, cerca de 0,007 ou 0,008 do PIB). Viola, pois, o princípio de proporcionalidade ou da proibição do excesso consagrado no art.º 18º nº 2.
V- Embora a questão essencial que integra o objecto do processo seja a discussão da questão de direito que consiste em saber se deveria ser rejeitada a aplicação das normas contidas no art.º 75º da LOE de 2014 que determinaram que a R. deixasse, a partir de Janeiro de 2014, de pagar aos AA. o complemento de reforma, por serem desconformes a diversas normas constitucionais, porque nos encontramos perante a dedução de vários pedidos respeitantes aos vários AA., sendo a causa de pedir constituída pelos factos que individualizam o interesse de cada um dos AA. na causa, ou seja, os relativos à repercussão da decisão da R. de, em obediência às mencionadas normas da LOE, deixar de pagar os complementos de pensão, nas relações existentes entre ela e cada um dos AA. (relações que emergem da passagem dos mesmos à situação de reforma bem como do estabelecido, em matéria de complementos de pensão, nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que vigoraram no decurso das extintas relações laborais entre a R. e cada um dos AA.), são tantas quanto o número de AA. as relações materiais controvertidas, pelo que o caso dos autos configura uma situação de coligação de AA. e não de litisconsórcio voluntário.
VI- Na fixação do valor da causa há que atender à utilidade económica imediata dos diversos pedidos. Sendo um dos pedidos deduzidos o de pagamento dos complementos de pensão vencidos e vincendos até à sentença, não pode ter-se por arbitrário considerar para o efeito o valor correspondente a 30 meses de complemento devido a cada um dos AA.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


1- AA,
2- BB,
3- CC,
4- DD,
5- EE,
6- FF,
7- GG,
8- HH,
9- II,
10- JJ,
11-  LL,
12-  MM,
13-  NN,
14- OO,
15-  PP,
16- QQ,
17-  RR,
18-  SS,
19-  TT,
20-  UU,
21-  VV,
22-  XX,
23-  ZZ, e
24- AAA, intentaram a presente acção declarativa de condenação contra Metropolitano de Lisboa, E.P., formulando os seguintes pedidos:

a.-A fazer terminar de imediato a cessação do pagamento dos complementos de reforma dos autores, retomando o seu pagamento nos termos oportunamente acordados e praticados até Dezembro de 2013;
b.-A pagar a cada um dos autores o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma a partir de Janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar a cada um dos autores, nos valores supra indicados, acrescidos de juros de mora desde a data de vencimento de cada um até integral pagamento;
c.-A pagar a cada um dos autores, a título de indemnização por danos morais, o montante que vier a ser liquidado e decidido na sentença, igualmente acrescido dos competentes juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Alegaram como fundamento do pedido a inconstitucionalidade material do art. 75º da Lei do Orçamento de Estado de 2014 que determinou a suspensão do pagamento dos complementos de pensão previstos no AE, por violação o direito à contratação colectiva (art. 56º nº 3CRP), do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica ínsito na ideia de Estado de Direito consagrada no art. 2º, pela ausência de necessidade de adequação e de proporcionalidade de tal medida e por violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP).

A ré contestou por impugnação, concluindo pela absolvição do pedido.

Foi proferido saneador sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.

Inconformados, apelaram os AA., cujas alegações culminam nas seguintes conclusões:
(…)

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, deve a sentença recorrida ser revogada e assim:

a)Ser a presente acção julgada procedente com a consequente condenação da Ré no pedido e respectivas custas;
b)Quando assim se não entender, deve ser proferido despacho saneador seleccionando todos os factos relevantes segundo as diversas soluções plausíveis de Direito e seguindo-se depois para a fase de julgamento;
c)Em qualquer caso, deve ser fixado o valor de 30.000,01 à presente causa, com as respectivas consequências legais.

A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência e no mesmo sentido se pronunciou a digna PGA junto deste tribunal.

São questões colocadas no recurso a reapreciação, por um lado, da inconstitucionalidade do art. 75º da LOE de 2014, bem como da respectiva conformidade à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, por outro, do valor atribuído à causa.

Na 1ª instância foram considerados provados, por acordo nos articulados ou documento e com relevância para a discussão da causa, os seguintes factos:

1.-O autor AA recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 693,71.
2.-O autor BB recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.150,72.
3.-O autor CC recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.102,42.
4.-O autor DD recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.384,49.
5.-O autor EE recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 626,94.
6.-O autor FF recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 665,16.
7.-O autor GG recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 684,24.
8.-O autor HH recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 605,28.
9.-O autor II recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.199,03.
10.-O autor JJ recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 652,32.
11.-O autor LL recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 708,55.
12.-O autor MM recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.285,95.
13.-A autora NN recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 370,08.
14.-O autor OO recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 373,01.
15.-O autor PP recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 860,44.
16.-A autora QQ recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 2.166,73.
17.-O autor RR recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.436,84.
18.-O autor SS recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.485,30.
19.-O autor TT recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.071,48.
20.-O autor UU recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 793,47.
21.-O autor VV recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.150,95.
22.-O autor XX recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 546,73.
23.-O autor ZZ recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.510,59.
24.-O autor AA recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.181,80.
25.-A ré vinha pagando aos seus trabalhadores que passaram à situação de reforma e respectivas famílias os complementos de pensões referidos nos números supra.
26.-Com a publicação da Lei do Orçamento de Estado de 2014, Lei n.º 83-C/2013 de 31.12 e entrada em vigor desta, a ré suspendeu o pagamento dos complementos de pensão aos seus ex-trabalhadores em situação de reforma e familiares, beneficiários deste abono.
27.-A ré apresentou nos três últimos exercícios apurados de 2011, 2012 e 2013 resultados líquidos negativos assim como resultados operacionais em 2011 e 2012 igualmente negativos.

Apreciação:

Os recorrentes, ex-trabalhadores da recorrida na situação de reformados, que vinham sendo pagos por esta, desde a passagem à reforma, de um complemento de pensão, em conformidade com o estabelecido nos instrumentos de regulação colectiva de trabalho aplicáveis na empresa, desde, pelo menos, 1971[1], perante a suspensão desse complemento - que a R. deixou de pagar desde Janeiro de 2014 em obediência ao disposto pelo art. 75º da L. 83-C/2013, de 31/12 que aprovou o Orçamento do Estado para 2014[2] - reclamam da R., nesta acção, a respectiva reposição, invocando a inconstitucionalidade da norma em causa, por violação do direito à contratação colectiva, do princípio da protecção da confiança e do princípio da igualdade.

A sentença recorrida não lhes deu razão, baseando-se para tanto essencialmente no acórdão do Tribunal Constitucional nº 413/2014, proferido no âmbito de recurso de fiscalização abstracta sucessiva que, entre o mais, decidiu “d) não declarar a inconstitucionalidade das normas do art. 75º da L. 83-C/2013, de 31/12”.

Contra a sentença se insurgem os recorrentes, começando por sustentar que a mesma não analisou todas as vertentes da problemática, referindo-se em especial a princípios e direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), uma vez que, tratando-se de uma medida de consolidação orçamental, de redução de despesas com pessoal, que se insere, entre outras obrigações assumidas pelo Estado Português no pedido de assistência financeira, no quadro regulamentar para o reforço da governança económica da União (denominação do TJUE), e, porque susceptível de lesar direitos fundamentais, teria de estar sujeita a validação jusfundamental decorrente daqueles princípios - da igualdade e proibição de discriminação (art. 2º do Tratado[3], art. 20º e 21º da CDFUE[4]), direito de negociação e acção colectiva (art. 28º CDFUE[5]) e direito a condições de trabalho justas e equitativas, que tem na base o respeito pela dignidade humana (art. 31º CDFUE[6]).

Na verdade, as normas do mencionado art. 75º da LOE para 2014 (nº 83-C/2013, de 31/12) inserem-se no esforço de consolidação orçamental e redução de níveis de dívida pública visados pelo programa de ajustamento económico e financeiro acordado entre o Governo Português, o FMI, a Comissão Europeia e o BCE.

Como se lê no ponto I (Introdução) da anotação de Teresa Freixes[7] ao Preâmbulo da CDFUE[8] “… apesar de o Tratado de Lisboa (com a Carta dos Direitos Fundamentais) não ser formalmente uma constituição em sentido estrito, tanto o Tratado como a Carta se inserem no denominado constitucionalismo multinível. Por um lado, os Tratados comunitários (o próprio direito comunitário inclui a Carta dos Direitos Fundamentais com valor de Tratado) constituem a ordem jurídica superior, fundada no princípio da primazia sobre o direito interno que com eles não seja compatível. Por outro lado, as Constituições dos Estados-Membros da União formam um conjunto normativo que se relaciona com os Tratados comunitários através do artigo 6º do TUE (…) o entramado de normas e competências que se configurou na União não se pode conceber nem entender sem uma interrelação harmoniosa e coerente deste constitucionalismo multinível”.

As coordenadoras da obra acabada de citar consideram, por sua vez, na apresentação do livro, ser o termo interconstitucionalidade, introduzido entre nós por Francisco Lucas Pires, mais feliz que a expressão de origem saxónica constituição multinível por exprimir “a ideia de um modelo de interconexão onde não há espaço para níveis, que pressupõem hierarquia”.Segundo as mesmas autoras “Interconstitucionalidade, no âmbito da União Europeia, corresponde à interacção reflexiva entre normas constitucionais de distintas fontes que convivem naquele espaço político – e implica a actuação em rede para a solução de problemas jusfundamentais comuns.”

Como os próprios recorrentes referem, existe efectivamente sobreposição dos direitos fundamentais referidos consagrados na CDFUE com os previstos na CRP, não existindo qualquer conflito entre uns e outros. Daí que, em nosso entender, a apreciação à luz de um desses catálogos de direitos fundamentais, valha igualmente à luz do outro. 

Vejamos então se a apreciação efectuada pela 1ª instância é ou não de confirmar, uma vez que na fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas ínsitas no art. 75º da LOE para 2014, o Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade das mesmas, não estando, portanto, os tribunais judiciais vinculados a essa apreciação, podendo, em sede de fiscalização concreta, seguir orientação diversa.

Cabe salientar que no mencionado acórdão nº 413/2014 do Tribunal Constitucional, no que se refere à decisão sobre o art. 75º da LOE, contida na al. d), votaram vencidos seis conselheiros. Não obstante o muito respeito que nos merecem os Conselheiros subscritores da posição vencedora, entendemos ser mais conforme à nossa lei fundamental (assim como à CDFUE, atenta a identidade em substância, no que se refere aos direitos e princípios em causa), a posição que ficou vencida, de que destacamos o voto do Conselheiro Sousa Ribeiro, que passamos a transcrever:

“Fiquei vencido quanto à alínea d) da decisão, pois entendo que as normas do artigo 75.º, referente a complementos de pensão, violam o artigo 56.º, n.º 3, da Constituição e, em conexão, o princípio da protecção da confiança.
Quanto ao primeiro, as razões são substancialmente as mesmas que expendi no ponto 3 da declaração que emiti no Acórdão n.º 602/2013. Como aí se disse, colocar os efeitos vinculativos de uma convenção colectiva de trabalho, «sob condição resolutiva imprópria de livre revogação [ou suspensão] por lei posterior é destruir a garantia institucional que o reconhecimento constitucional do direito à contratação colectiva subentende». Está em causa a violação, pelo legislador, do dever de respeitar os efeitos normativos resultantes de um anterior exercício da autonomia colectiva. Por isso, passam ao lado da questão todas as considerações, apoiadas no Acórdão n.º 517/98, que intentam demonstrar que a matéria dos complementos de pensão está fora do conteúdo essencial ou da reserva de contratação colectiva. Essa colocação do problema é falseadora da sua natureza, pois não está em causa a matéria regulada, mas antes a perduração da eficácia de uma anterior regulação. Para este efeito, basta que a matéria seja objecto possível de contratação colectiva, não se requerendo que seja reservada a convenção colectiva de trabalho ou de regulação necessária por este instrumento. E se há qualquer dúvida quanto à validade dos acordos colectivos, a questão é para ser dirimida na esfera judicial e não pelo exercício do poder legislativo.
Sobretudo no que diz respeito aos trabalhadores que já beneficiam dos complementos de pensão, a destruição da garantia que uma convenção colectiva disponibiliza representa também uma lesão particularmente grave da confiança legitimamente depositada na aplicação do regime acordado. Com a passagem à reforma, os trabalhadores tornam-se titulares do direito de crédito às prestações correspondentes aos complementos de pensão, o que outra coisa não significa, para o que aqui interessa, do que o direito a confiar que elas lhes serão pagas. A intervenção do legislador retira-lhes (pelo menos temporariamente) esse direito, numa fase em que esses trabalhadores já não estão em condições de ajustar a sua conduta ao novo quadro legal, ficando definitivamente presos a opções tomadas no passado, por investimento na confiança, agora irremediavelmente frustrado. E nem se diga, como argumenta o Acórdão, que foram as empresas e não o Estado a celebrar os acordos coletivos, pelo que não pode ser imputada ao Estado a criação de uma situação de confiança. A promiscuidade, existente no passado, entre as empresas públicas do tipo das envolvidas e o Estado-Administração não autoriza semelhante separação, no quadro da tutela constitucional da confiança, legitimando, pelo contrário, a “desconsideração da personalidade jurídica” das entidades empresariais outorgantes.”.

Bem como o seguinte excerto do voto do Conselheiro Fernando Ventura:

«Neste contexto, partilhado por outras empresas do sector público empresarial no domínio dos transportes, entre as quais o Metropolitano de Lisboa, não comungo da ideia de que o distanciamento - na forma - face à “entidade pública mãe” será por si só idóneo a afastar o preenchimento do primeiro teste do princípio da confiança. Ao invés, entendo que a medida em apreço atinge expectativas de estabilidade do regime jurídico relativos ao quadro normativo dos benefícios pós laborais relativos a complementos de pensões induzidas e alimentados por comportamentos dos poderes públicos, nas vestes de Estado Administrador. Do ponto de vista material, entendo existir fundamento para imputar aos poderes públicos a criação nos trabalhadores e ex-trabalhadores de tais empresas da convicção de que os acordos que estipularam tais benefícios obedeceram à vontade estadual, sendo compagináveis tanto com as orientações estratégicas executadas, como com a viabilidade dos entes que assumiam tais responsabilidades, atenta a dimensão de interesse económico geral e o relevo social do respetivo objecto empresarial.
Por outro lado, entendo que as expectativas de continuidade dos trabalhadores e ex-trabalhadores relativamente a tais benefícios são legítimas, justificadas e assentes em boas razões.
Os complementos de pensão integram a política de remunerações de uma empresa, constituindo mecanismos de atracção e de retenção de colaboradores, na medida em que asseguram aos membros da organização produtiva segurança económica, removendo o receio de perda de poder de compra na velhice. Nessa medida, representam uma forma de investimento da empresa no “capital humano”, que proporciona aos seus servidores um maior desempenho e uma maior produtividade, cujo retorno é refletido positivamente nos respetivos resultados operacionais. Acolhendo uma visão jurídico-constitucional da actividade empresarial pública que não tenha como vector único a maximização do retorno do capital investido, e integre na sua racionalidade de gestão políticas responsáveis do ponto de vista social, incluindo na dimensão (interna) de resposta a necessidades sociais dos seus colaboradores - contributo essencial para o desenvolvimento sustentável e comprovadamente gerador de resultados positivos a longo prazo para qualquer empresa, como se sublinha no Livro Verde Promover um Quadro Europeu para a Responsabilidade Social das Empresas, COM(2001) 366 Final, e na resolução do Parlamento Europeu que sobre ele incidiu, onde se afirma que “há um consenso global cada vez maior, no seio das empresas e nos círculos de investidores, de que têm uma missão mais vasta do que apenas a de gerar lucros e que o desafio do seu sucesso consiste na combinação entre rentabilidade, sustentabilidade e responsabilidade” (JO C187E de 07/08/2003, pp. 180-188) - entendo que os complementos de pensão em apreço não estão à margem do sistema de recompensas pecuniárias pela laboração em empresa do SEE, sendo nessa medida indissociáveis da sua operacionalidade.
A sua racionalidade poderá encontrar-se no seio da estratégia remuneratória, não como uma espécie de cláusulas de repartição de lucro, ou como benefícios contingentes, mas como compensação em prestações futuras pelos serviços dos trabalhadores, sendo por estes interiorizados como integrando responsabilidades a respeitar e a satisfazer em condições não inferiores àquelas assumidas pela empresa para com os demais credores. O trabalhador comum do universo empresarial abrangido será naturalmente impressionado pela natureza e dimensão das empresas envolvidas, compondo uma garantia de solvabilidade que, em todo o caso, não está em condições plenas de avaliar. Essa avaliação cabe, em primeira linha, aos órgãos de gestão e aos poderes públicos com posição de influência e de tutela, agindo o trabalhador beneficiário na convicção, de boa fé, de que não é celebrado acordo que se sabe não poder ser cumprido.
Face à particular intensidade da posição de confiança criada, que atinge uma opção de vida crucial – a passagem à reforma – e irreversível – o trabalhador não pode mais completar a sua carreira contributiva de forma a diminuir, quando possível, o diferencial entre a remuneração no activo e na reforma - considero que as razões de interesse público invocadas para a edição da norma não atingem peso prevalecente sobre o investimento de confiança legítima em presença, ponderando o leque limitado de sujeitos e o concreto valor envolvido, que do ponto de vista das empresas não atinge montantes de gastos com o pessoal muito significativos, enquanto na perspectiva dos trabalhadores e ex-trabalhadores amputa uma percentagem considerável dos rendimentos respectivos. Sendo verdade que, ao reduzir os gastos com pessoal das empresas públicas visadas, a medida em apreço contribui para a redução das transferências do Orçamento de Estado que lhes são destinadas, a fim de compensar situação deficitária, existem razões para considerar não justificada a opção do legislador. Mesmo considerando a reclassificação de algumas das empresas em causa, e a consequente integração no perímetro de consolidação das contas públicas, com efeitos diretos sobre o défice e a dívida pública, essa condição não é imputável, de forma alguma, aos seus trabalhadores ou ex-trabalhadores.
Releva para o balanceamento entre a afectação desfavorável dos interesses particulares e as razões de interesse público invocadas pelo legislador que deparamos, em termos práticos, com uma verdadeira ablação, e não perante mera suspensão. As condições de retoma dos pagamentos – em que não basta o equilíbrio, exigindo-se três anos consecutivos de resultados líquidos positivos - à luz dos resultados de exercício anteriores e do grau de dependência financeira externa de tais empresas, tornam muito improvável, no horizonte de vida dos actuais beneficiários, que o pagamento dos complementos de pensão volte a ter lugar.”

Na realidade, embora seja indiscutível que é o interesse público (na redução da despesa com pessoal nas empresas do sector empresarial do Estado, com vista à redução do défice e do endividamento públicos) que subjaz à estipulação da norma ora em causa, sendo, conforme vem referido no ac. do TC, segundo o próprio relatório do OE 2014, a estimativa da diminuição dos encargos das EPR (empresa pública reclassificada) no ano de 2014 resultante da medida de suspensão dos complementos de pensões integralmente suportados pelas próprias empresas, de 11,3 milhões de euros, temos de reconhecer que é muito pouco significativo, no contexto geral do Orçamento de Estado, quando ponderado - cada um à sua escala, evidentemente - com o corte que representa para cada um dos ex-trabalhadores reformados a supressão do complemento de pensão que vinha a ser pago pela R. e com o qual, juntamente com a reforma paga pela segurança Social, fazem face às despesas do dia a dia, pela sobrevivência em condições de dignidade, numa fase das respectivas vidas em que não é expectável que consigam obter novas fontes de rendimento e em que as despesas, em especial com a saúde, em geral aumentam significativamente.

Embora não tenha sido alegado, relativamente a cada um dos AA., qual a percentagem do valor global (pensão e complemento) que correspondia ao complemento suprimido desde 2014, sendo apenas referido que nalguns casos ultrapassa os 60%, a própria R. refere (art. 53º a 55º da contestação) que o valor percentual do complemento pode nuns casos ser inferior a 10% da pensão, só em casos extremos atingindo o valor percentual alegado pelos AA. Admite, assim, que nalguns casos essa percentagem ande próxima dos 60%. Seja, porém, qual for, trata-se de um direito emergente dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, reconhecido há mais de 40 anos, o que desde logo confere um enorme grau de confiança, tendo seguramente sido determinante para levar os trabalhadores a passarem à situação de reformados e que, à medida que isso sucedeu com cada um deles, passou a integrar a respectiva esfera jurídica, conferindo-lhes a legítima expectativa de continuarem a dela beneficiar, permitindo-lhes assumirem compromissos e responsabilidades que não assumiriam se não contassem com essa prestação.

A norma da LOE em apreço, ao fazer cessar (é certo que temporariamente, mas em que a condição da cessação dessa suspensão a torna praticamente definitiva no horizonte de cada um dos ex-trabalhadores reformados atingidos) a eficácia do conteúdo de uma norma da convenção colectiva de trabalho livremente negociada no âmbito da autonomia colectiva, viola a garantia da contratação colectiva referida na parte final do nº 3 do art. 56º da Constituição. Como escreve o Conselheiro Fernandes Cadilha no seu voto de vencido “não parece possível descontratualizar os montantes das prestações e afastar a competência privada de autorregulação para realizar objectivos de consolidação orçamental das empresas contratantes, em detrimento dos próprios interesses dos trabalhadores.”

Nos termos do nº 2 do art. 18º da Constituição “A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Em anotação a este artigo, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira[9] “Um dos pressupostos para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, que se desdobra em três subprincípios: o princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.”.

Ora, afigura-se-nos que a medida orçamental de suspensão dos complementos de pensão (exceptuados aquelas cujo valor, juntamente com a pensão, seja igual ou inferior a € 600 mensais) dos ex- trabalhadores das empresas do sector empresarial do Estado que apresentem resultados líquidos negativos nos últimos três anos apurados, que não sejam integralmente financiados pelas contribuições ou quotizações dos trabalhadores, só sendo retomado o respectivo pagamento após verificação de três anos consecutivos de resultados líquidos positivos, não observa a “justa medida” na restrição da garantia constitucional do direito à contratação colectiva, assim ferindo o princípio da confiança inerente ao Estado de Direito Democrático. Desrespeita a garantia da efectivação dos direitos e mostra-se excessiva e desproporcionada no sacrifício imposto aos ex-trabalhadores reformados por ele atingidos, quando balanceado com o diminuto valor de poupança na despesa pública que tal medida permite (segundo o cálculo dos recorrentes, cerca de 0,007 ou 0,008 do PIB). Viola, pois, o princípio de proporcionalidade  ou da proibição do excesso consagrado no art. 18º nº 2.

Como se refere no acórdão deste tribunal do passado dia 2/3/2016, proferido no processo 2906/14.0TTLSB.L1 “Constata-se, … , um elevado desequilíbrio entre o benefício alcançado para a prossecução do referido interesse público, e a restrição dos direitos dos autores em função do contratualizado no AE em vigor. Por outro lado, e com a maior relevância, para os autores que já beneficiavam dos complementos de pensão, a destruição da garantia de uma convenção colectiva representa uma lesão particularmente grave da confiança no Acordo de Empresa que haviam celebrado com Ré, pois suspende-lhes o pagamento dos complementos de pensão numa fase da vida em que já não estão em condições de ajustar a sua conduta a um novo quadro legal, ficando presos a opções tomados no passado que, inclusive, podiam ter condicionado a sua passagem à reforma, o que configura uma manifesta violação do princípio constitucional da confiança inerente a um Estado de direito democrático por constituir um clara intromissão na eficácia de um conteúdo que foi livre e legalmente contratualizado.

Deste modo, afigura-se-nos que a referida suspensão dos complementos de pensão, atento à desproporção entre o reduzido contributo do valor correspondente à poupança em causa na prossecução do interesse colectivo, por um lado, e aos pesados prejuízos que a suspensão acarreta para cada um dos trabalhadores atingidos com tal medida, constitui uma clara intromissão na eficácia de uma cláusula contratual do AE em vigor entre as partes, e assim concluímos, ao abrigo do n.º 2 do art.º18 da CRP, pela violação do princípio da proporcionalidade na restrição do direito à contratação colectiva, garantido no n.º3 do art.º 56 da CRP, e do princípio da confiança do Estado de direito democrático, contemplado no art.º 2 da CRP, pelo que tal suspensão mostra-se contrária aos referidos princípios constitucionais e ao direito à garantia constitucional da contratação colectiva.”

Entendemos, conforme decorre do que antecede, que as normas constantes do art. 75º da L. nº 83-C/2013, de 31/12, que aprovou o OE para 2014, padece de inconstitucionalidade material por violação das normas dos art. 56º nº 3, 18º nº 2 e 2º da Constituição e, como tal, em conformidade com o disposto pelo art. 204º de lei fundamental deve ser recusada a respectiva aplicação.

Assiste pois razão aos AA. ao exigirem da R. o pagamento dos complementos de pensão que desde Janeiro de 2014 deixaram de lhes ser pagos, devendo a R. ser condenada a proceder ao respectivo pagamento, acrescido dos juros de mora desde a data de vencimento de cada prestação (dado tratar-se de obrigações líquidas e de prazo certo – cfr. art. 805º, 806º e 559º CC).

Não pode, no entanto proceder o pedido de pagamento de indemnização por danos não patrimoniais porquanto, tendo a R. omitido o pagamento em obediência a uma lei aprovada pela Assembleia da República, nunca essa actuação poderia ser considerada culposa, sendo  a culpa um dos requisitos da responsabilidade civil em que assenta o pedido de indemnização (art. 483º e 496º CC).

Debrucemo-nos agora sobre a questão do valor da causa, fixado na sentença por remissão para o despacho de fls. 304,  podendo este ser impugnado no recurso da decisão final, conforme permitido pelo nº 3 do art. 79º-A do CPT.

É o seguinte o teor do referido despacho “Ao abrigo do disposto pelo art. 296º nº 1, 300º e 306º nº 3, todos do CPC e porquanto peticionam os AA. prestações vencidas e vincendas, por se afigurar ser o período de 30 meses o tempo expectável de resolução do litígio e por referência à utilidade económica do pedido para cada um dos AA., fixo à causa o valor de €648.346,30 (seiscentos e quarenta e oito mil, trezentos e quarenta e seis euros e trinta cêntimos) que corresponde à soma do resultado da multiplicação do complemento de reforma de cada um dos AA. por trinta meses.”.

Está pressuposto neste despacho que os AA. se encontram na situação de coligação activa, conforme aliás fora explicitamente referido no despacho de fls. 107, que ordenou que cada um dos AA. procedesse ao pagamento da taxa de justiça que havia sido paga unitariamente.

Os recorrentes, por sua vez, sustentam que se trata antes de uma situação de litisconsórcio voluntário.
Vejamos:Sob a epígrafe “litisconsórcio voluntário” dispõe o art. 32º do CPC.

“1-Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas se a lei ou o negócio for omisso, a acção pode ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso conhecer apenas da respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
2-Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.

Por sua vez sobre a coligação, dispõe o art. 36º.

“1-É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência.
2-É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
(…)”.

Segundo Remédio Marques[10] “No litisconsórcio a pluralidade de partes exprime a existência de uma relação ou situação material controvertida, e logo, de um único pedido formulado contra ou por vários réus: então a esta unicidade da relação corresponde uma pluralidade de pessoas (e, logo, de partes) Na coligação, a pluralidade de partes traduz a existência de várias (mais do que uma) relações materiais controvertidas. Seja como for, a lei exige que na coligação haja “pluralidade de pedidos” – questão diferente, que não foi obviamente resolvida pela lei, é saber se esta pluralidade de pedidos traduz várias relações materiais controvertidas ou apenas uma.”

Pode ler-se, por sua vez em Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[11] “No litisconsórcio, há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida, na coligação, à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos, ou da conexão substancial entre os fundamentos destes”.
Como salientava o Prof. Castro Mendes[12], a dificuldade da distinção decorre de a própria lei usar critérios diferentes, pois que define a coligação pela unidade da relação material controvertida e a coligação pel2  pluralidade dos pedidos.

Também Miguel Teixeira de Sousa[13], mencionado por Remédio Marques, na obra e local citados, sustenta que “no litisconsórcio ocorre uma pluralidade (ou cumulação) subjectiva e unicidade de objecto processual, ou seja, um único pedido (ou, ainda, quando os vários pedidos são formulados por todos os autores ou contra todos os réus), mesmo que haja pluralidade de relações jurídicas (v.g., o credor demandar simultaneamente o devedor e o fiador). Já na coligação, a mais da pluralidade de partes, ocorre uma ‘cumulação objectiva diferenciada’, ou seja, existem vários pedidos formulados por cada um dos autores ou contra cada um dos réus.”

Ora, no caso vertente, sendo os pedidos formulados pelos AA. de condenação da R.:

“a.-A fazer terminar de imediato a cessação do pagamento dos complementos de reforma dos autores, retomando o seu pagamento nos termos oportunamente acordados e praticados até Dezembro de 2013;
b.-A pagar a cada um dos autores o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma a partir de Janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar a cada um dos autores, nos valores supra indicados, acrescidos de juros de mora desde a data de vencimento de cada um até integral pagamento;
c.-A pagar a cada um dos autores, a título de indemnização por danos morais, o montante que vier a ser liquidado e decidido na sentença, igualmente acrescido dos competentes juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.”,
não cremos, atentos os pedidos formulados sob as alíneas b) e c), que possa considerar-se estarmos perante uma única relação material controvertida.

Embora a questão essencial que integra o objecto do processo seja a discussão da questão de direito que consiste em saber se deveria ser rejeitada a aplicação das normas contidas no art. 75º da LOE que determinaram que a R. deixasse, a partir de Janeiro de 2014, de pagar aos AA. o complemento de reforma estabelecido há décadas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis na empresa, por serem desconformes a diversas normas constitucionais, encontramo-nos perante a dedução de vários pedidos respeitantes aos vários AA., sendo a causa de pedir constituída pelos factos que individualizam o interesse de cada um dos AA. na causa, ou seja, os relativos à repercussão da decisão da R. de, em obediência  às mencionadas normas da LOE, deixar de pagar os complementos de pensão,  nas relações existentes entre ela e cada um dos AA. (relações que emergem da passagem dos mesmos à situação de reforma bem como do estabelecido, em matéria de complementos de pensão, nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que vigoraram no decurso das extintas relações laborais entre a R. e cada um dos AA.).

São pois, a nosso ver, tantas quanto o número de AA. as relações materiais controvertidas, pelo que o caso dos autos configura uma situação de coligação de AA. e não de litisconsórcio voluntário.

Assim, nessa parte, nada temos a censurar ao despacho ora recorrido, maxime quando na fixação do valor da causa entende ser de atender à utilidade económica imediata dos diversos pedidos, conforme dispõe o art. 296º do CPC, bem como quando entende ser aplicável o disposto pelo art. 300º, uma vez que o pedido deduzido na al. b) diz respeito a prestações periódicas vencidas e vincendas, não sendo de aplicar o disposto na parte final do art. 297º nº 2, porque o pagamento dos complementos de pensão não é um mero acessório do pedido principal, mas um dos pedidos deduzidos por cada um dos AA., não podendo deixar de ser considerado na fixação do valor da causa.

Se bem atentarmos no despacho recorrido, é manifesto que o valor da causa não foi fixado como se afirma na conclusão 78º, mas apenas pela soma do resultado da multiplicação do complemento mensal de cada um dos AA. por trinta, o que corresponde, afinal, à utilidade económica imediata do pedido (não atribuindo sequer qualquer valor ao pedido de indemnizações por danos não patrimoniais). Não esqueçamos que estão pedidos os valores devidos desde Janeiro de 2014 até à data da sentença (ao seu trânsito em julgado, entenda-se). E, bem vistas as coisas o prazo considerado pela Srª Juíza como o expectável para a resolução do litígio nada tem de arbitrário, assentando num juízo de razoabilidade, à luz das regras da experiência, não podendo ser tido por excessivo, uma vez que se esgotará no final do mês em curso.

Ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não há que aplicar a parte final do nº 2 do art. 300º do CPC, porque não é impossível determinar o número de anos, já que os próprios recorrentes delimitaram o pedido até à data da sentença.

Conforme dispõe o art. 11º do Regulamento das Custas Processuais a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo. No caso, no despacho recorrido o valor da causa foi fixado em conformidade com as normas aplicáveis do CPC, ou seja, dos art. 296º e 300º, carecendo de fundamento a pretensão dos recorrentes de que fosse fixado como se tratasse de uma acção sobre valores imateriais (art. 303º CPC). 

Por se tratar de uma situação de coligação, de harmonia com o preceituado pelo art. 13º nº 7 al. a) do Reg. Custas Processuais a taxa de justiça é fixada pela tabela I-B.

Os recorrentes sustentam na conclusão 85.ª que os preceitos atrás referidos, quando interpretados conjugadamente, são inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade, invocando, para tanto, o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, 101.º, 103.º e 266.º. n.º 2, da lei fundamental. Acrescentam que os autores não se encontram “pública e notoriamente” “em condições de suportar os custos de uma acção de tão astronómico valor”, vendo-se “impossibilitados, por tal incapacidade, de fazerem valer os seus direitos”.

Quanto a esta última afirmação há que dizer que, em cumprimento do imposto pelo citado artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, o legislador instituiu um sistema de acesso ao direito e aos tribunais (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) através do qual pretende «assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos».

Podem, portanto, os autores lançar mão dos instrumentos previstos neste diploma para fazer face aos encargos resultantes da instauração da presente acção e do valor que lhe foi atribuído.
Entendem os recorrentes que o valor global das custas “nada tem a ver com o custo efectivo do serviço prestado”, como se o valor daquelas dependesse primordialmente do montante das despesas suportadas pelo Estado com a administração da justiça em cada caso concreto.

Sem descurar a onerosidade do serviço prestado, o valor das custas atende a muitos outros factores e é calculado para um universo alargado de acções e procedimentos, estabelecendo a lei mecanismos que permitem, até certo ponto, atender à situação concreta. É o que acontece, nomeadamente, com os casos de coligação, para os quais o legislador estabeleceu uma tabela própria para determinação da taxa de justiça.

A alegada violação do princípio da proporcionalidade só existiria se o valor das custas devidas representasse um excesso. Um tal juízo tem de ser feito tendo por base o que é devido por cada um dos autores e não por todos, como se a cada um viesse a ser exigido o pagamento da totalidade desse valor. Não é isso que decorre do preceituado pelo art. 530º nº 5 do CPC, de acordo com o qual, nos casos de coligação, cada autor é responsável pela respectiva taxa de justiça, ou seja, apenas por aquela que corresponde ao respectivo pedido e não pela que corresponde aos pedidos dos seus co-AA..

Ora, assim sendo, não há violação do princípio da proporcionalidade, improcedendo a alegada inconstitucionalidade.

Decisão:

Pelo exposto se acorda em:
-julgar parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença e em substituição da mesma, julgar procedentes os pedidos formulados sob as al. a) e b), condenando consequentemente a R. a retomar o pagamento aos AA. dos complementos de reforma em conformidade com o estabelecido no Acordo de Empresa e a pagar-lhes as prestações vencidas desde Janeiro de 2014 até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescidas de juros de mora à taxa supletiva legal até integral pagamento e improcedente quanto ao pedido formulado na al. c), absolvendo a R. dos pedidos de indemnização por danos não patrimoniais.
-julgar improcedente o recurso na parte relativa à fixação do valor da causa, confirmando o despacho recorrido.
Custas quanto ao recurso do despacho que fixou o valor da causa, pelos AA. e  quanto ao recurso da sentença, por ambas as partes, na proporção de 1/5 pelos AA e 4/5 pela R..


Lisboa, 15 de Junho de 2016

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
Filomena Manso


[1]Vide Boletim do Ministério das Corporações e Previdência Social nº 12 de 29/3/1971
 2 -Que dispõe:
1-Nas empresas do sector público empresarial que tenham apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados, à data de entrada em vigor da presente lei, apenas é permitido o pagamento de complementos às pensões atribuídas pelo Sistema Previdencial da Segurança Social, pela CGA, I. P., ou por outro sistema de proteção social, nos casos em que aqueles complementos sejam integralmente financiados pelas contribuições ou quotizações dos trabalhadores, através de fundos especiais ou outros regimes complementares, nos termos da legislação aplicável.
1-O disposto no número anterior aplica-se ao pagamento de complementos de pensão aos trabalhadores no activo e aos antigos trabalhadores aposentados, reformados e demais pensionistas.
2-O pagamento de complementos de pensão pelas empresas a que se refere o n.º 1, fora das condições estabelecidas nos números anteriores, encontra -se suspenso.
3-Exceptua-se do disposto nos números anteriores o pagamento de complementos de pensão pelas empresas que já os realizavam em 31 de Dezembro de 2013, nos casos em que a soma das pensões auferidas pelo respetivo beneficiário do Sistema Previdencial da Segurança Social, da CGA, I. P., e de outros sistemas de proteção social seja igual ou inferior a € 600 mensais.
4-Nos casos a que se refere o número anterior, o valor mensal do complemento de pensão encontra-se limitado ao valor mensal de complemento de pensão pago a 31 de Dezembro de 2013 e à diferença entre os € 600 mensais e a soma das pensões mensais auferidas pelo respetivo beneficiário do Sistema Previdencial da Segurança Social, da CGA, I. P., e de outros sistemas de proteção social.
5-O pagamento de complementos de pensão é retomado num contexto de reposição do equilíbrio financeiro das empresas do setor público empresarial, após a verificação de três anos consecutivos de resultados líquidos positivos.
6-O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, enquanto se verificarem as condições nele estabelecidas, prevalecendo sobre contratos de trabalho ou instrumentos de regulação colectiva de trabalho e quaisquer outras normas legais, especiais ou excecionais, em contrário, não podendo ser afastado ou modificado pelas mesmas.
[3]-art. 2º- A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do estado de Direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.
[4]-Art. 20º (igualdade perante a lei) - Todas as pessoas são iguais perante a lei.
Art. 21º (não discriminação)
1-É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, reça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.
2-No âmbito da aplicação dos tratados e sem prejuízo das suas disposições específicas, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade.
[5]-Art. 28º (direito de negociação e acção colectiva) – Os trabalhadores e as entidades patronais, ou as respectivas organizações, têm, de acordo co o direito da União e as legislações e práticas nacionais o direito de negociar e de celebrar convenções colectivas aos níveis apropriados, bem como de recorrer, em caso de conflito de interesses, a acções colectivas para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve.
[6]-art. 31º (condições de trabalho justas e equitativas)
1-Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas.
1-Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.
[7]-In Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia comentada, coordenadoras Alessandra Silveira e Mariana Canotilho, Almedina, 2013.
[8]-Solenemente proclamado pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão, publicado no JOUE C 326, de 26/10/2012
[9]Constituição da República Portuguesa, Anotado, 3ª edição, pag 151.
[10]A acção declarativa à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2ª ed., pag. 371/372.
[11]Manual de processo Civil, Coimbra Editora, 2º ed. Pag.161.
[12]Direito Processual Civil, II, edição policopiada, da Associação Académica da FDL, 1980, pag. 202
[13]As partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa, ed. Lex,1995, pag. 59-60.
Decisão Texto Integral: