Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3208/04.6TBBRR.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
USUCAPIÃO
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE
REGISTO PREDIAL
ACÇÃO CONSTITUTIVA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
FALTA DE FORMA
POSSE
INVERSÃO DE TÍTULO
ANIMUS
CORPUS
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I - A reapreciação das provas não almeja uma nova convicção relativamente à prova produzida, antes se cinge a saber se na apreciação das provas e na fixação dos factos ocorreu manifesto e patente erro, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal recorrido encontra suporte na prova produzida.
II - A acção de impugnação de escritura de justificação notarial tem uma dupla configuração e integra uma causa de pedir complexa: acção declarativa condenatória do réu de reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre o imóvel e acção declarativa de simples apreciação negativa quanto à escritura de justificação notarial, em que o autor diz não ser verdade o que os justificantes exararam na escritura.
III - Compete ao réu, na contestação, a alegação dos factos constitutivos do direito que se arroga na dita escritura de justificação notarial (art. 343.º, n.º 1, do CC).
IV - Uma vez que na presente acção a autora não peticionou a nulidade da escritura de justificação notarial, mas sim a nulidade do registo (por duplicidade de inscrições), não se está perante uma acção de simples apreciação negativa relativa àquela escritura, mas perante uma acção declarativa constitutiva de nulidade de registo com base no art. 16.º do CRgP.
V - Resultando da matéria de facto que a partir da outorga do escrito de 1982 os réus se passaram a comportar como se proprietários do terreno fossem, não obstante não terem pago a totalidade do preço e não obstante a invalidade da compra e venda do imóvel por mero escrito particular, passaram os mesmos a partir de tal data a ter, não apenas o corpus, correspondente à posse, como ainda o animus, posse essa que se deve considerar pacífica, pública e de má fé (por não ser titulada).
VI - Assim sendo, a usucapião deu-se a fim de 20 anos (art. 1296.º do CC), isto é, em 15/06/2002, razão pela qual deverá ser julgado parcialmente procedente o pedido reconvencional dos réus.
VII - Não obstante existir uma duplicação matricial do mesmo terreno não pode o tribunal proceder ao cancelamento de descrições prediais, dado o disposto no art. 87.º, n.º 1, do CRgP, por não ter ficado claro qual das duas inscrições ocorreu primeiro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/RÉ: “A” (Representada inicialmente em juízo juntamente com outro pela ilustre advogada “B”, com escritório em C..., conforme instrumento de procuração de fls.121  dos autos).

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APELADA/AUTORA: “C” (Representada inicialmente em juízo pela ilustre advogada “D”, com escritório no B... , conforme instrumento de procuração de fls.54 dos autos, que renunciou à procuração em 13/01/06 que se tornou efectiva, tendo a Autora passado procuração à ilustre advogada “E” com escritório em S... aos 26/01/06 conforme instrumento de fls. 173);

APELADO/CO-RÉU: “F” (não contestante, representado em juízo, com outros, pela ilustre advogada “B” conforme procuração de 29/01/07 de fls. 451 co-réu, entretanto falecido, tendo-lhe sucedido na acção os filhos “G” e “H”, conforme decisão no Apenso A de 31/05/2010 de fls. 21/22
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Todos com os sinais dos autos.
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A Autora propôs contra os Réus “F” e “A” acção declarativa, sob a forma de processo sumário a que deu o valor de 11.853,23 € e que aos 16/12/04 foi distribuída ao 1.º juízo cível do Tribunal da Comarca do B... e onde pede:
a) Seja declarada a nulidade do registo de aquisição a favor dos Réus;
b) E consequentemente ordenado o cancelamento do registo com a descrição .../...;
c) Sejam os Réus condenados à restituição do imóvel objecto da presente demanda nos termos constantes do art.º 289 do CCiv
d) Sejam os Réus condenados em custas e condigna procuradoria.
Em suma alega:
· A sua tia “I” consagrou-a por testamento sua universal herdeira, deixando-lhe por morte todos os seus bens entre os quais uma parcela de terreno para construção com a área de 690 m2 sito na Rua do ..., em Vale ..., freguesia do B..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (art.ºs 1 e 2);
· Na posse da escritura de habilitação de herdeiros, a A. registou em seu nome o identificado imóvel, o qual corresponde à descrição 989/010..., tendo sido inscrita a seu favor a respectiva aquisição (art.º 3);
· Depois de um exame ao local, e porque algumas pessoas garantiam que o imóvel pertenceria a outrem, veio a constatar que a parcela de terreno também se encontra registada a favor dos Réus sob o n.º 00.../..., estando na base da aquisição uma escritura pública de justificação aquisitiva por usucapião a favor dos Réus celebrada em 21/01/97, em que os Réus justificaram o direito referindo tê-lo adquirido verbalmente à tia da Autora, no ano de 1989, mais declarando que o lote de terreno não está descrito na conservatória do registo predial (art.ºs 4 a 12);
· Parte dessas declarações são falsas: em Julho de 1964 a tia da Autora, ainda casada em primeiras núpcias com “J” celebrou uma escritura pública de compra e venda com “L” e “M”, tendo por objecto o terreno aqui em causa, referindo-se que os vendedores não estavam definitivamente inscritos como titulares do imóvel e que o lote era a destacar do prédio descrito sob o número ... a fls. 83 v.º do Livro B 1, o que não foi objecto de concretização e deste modo, quando “J” falece corre termos um inventário em que era cabeça-de-casal, face à morte do marido, a tia da Autora, a quem foi adjudicado o identificado imóvel que, na altura, permanecia omisso na Conservatória do Registo Predial; tendo a tia casado em 2.ªs núpcias permaneceu titular do imóvel e em 1969 os Réus celebraram arrendamento com a tia da Autora, em Fevereiro de 1981 os Réus pagaram a última renda tendo o Réu emitido em 15/02/81 uma declaração de compra do imóvel, razão pela qual não eram os Réus possuidores do mesmo desde 1969, por serem arrendatários, sendo certo que a tia da Autora nunca foi notificada da pendência da justificação (art.ºs 13 a 29);
· A cada prédio só pode corresponder uma descrição, a aquisição da Autora está em concordância com o art.º 49 do CRgP que permite uma 1.ª inscrição com base na escritura de habilitação de herdeiros, afastando a necessidade de prévia inscrição a favor do falecido. A inscrição a favor dos Réus fere o princípio do trato sucessivo, pois à data da celebração da escritura de justificação estava inscrito na matriz predial a favor da tia da Autora, tendo os Réus participado às Finanças a existência do lote mencionando serem titulares do mesmo, abrindo novo artigo matricial, o que era essencial à escritura de justificação notarial, nos termos do art.º 92 do CRgN. O justificante ao efectuar as buscas nas Finanças teria de imediato constatado a sua prévia inscrição a favor da tia da Autora, sendo nulo o registo nos termos dos art.ºs 16/c e 17 do CRgP (art.ºs30 a 43);
A Ré “A”, divorciada, veio contestar, impugnando os factos e reconvindo, reconvenção a que deu o mesmo valor da acção e pede:
a) Seja declarado que os Réus são os únicos e exclusivos proprietários do prédio em questão, por o terem adquirido por usucapião, por compra e venda, feita por documento particular à tia da Autora em 15/02/1981, e, portanto, sem o requisito de forma legalmente previsto, mantendo-se o registo e matriz prediais a seu favor, nos precisos termos em que já se encontravam;
b) Seja declarada a nulidade do registo de aquisição a favor da Autora, por sucessão hereditária, pela inscrição G1 – Apresentação 57/010...;
c) Seja ordenado o cancelamento do registo acima referido bem como a extinção da descrição 989/010...;
d) Seja ordenada a anulação da matriz predial urbana n.º ... da freguesia de P... cujo prédio se encontra, indevidamente, na titularidade da tia da Autora, em virtude de estar duplicado com o art.º 613 da mesma freguesia.
Em suma alegou:
· Não tem obrigação de conhecer os factos constantes dos art.ºs1.º, 3 a 5, 1.ª parte, 6, 14 a 22, sendo falso o art.º 2.º da p.i,, sendo verdadeiros os factos constantes da 2.ª parte do art.º 5.º, 7 a 12 da p.i. (art.ºs 1 a 3);
· Em 1969 acordaram verbalmente com a tia da Autora a compra da parcela em causa nos autos e como os Réus não tinham, à data, dinheiro para a aquisição foi acordado que iriam pagando uma mensalidade pela ocupação do mesmo e quando estivessem em condições de concretizar o negócio, pagando ou começando a pagar o preço acordado, dir-lhe-iam a fim de formalizar a venda, e não obstante no documento 9 junto da p.i, se utilizar a expressão de que o Réu marido “trazia de renda” o lote, nunca os Réus se sentiram nem actuaram como inquilinos entre 1969 e 1981, sendo falso os factos de 23 e 24, actuando sempre como se proprietários fossem, de boa fé, de forma pública e pacífica com a intenção de o fazer por forma correspondente ao direito de propriedade que possuem desde 1969 (art.ºs 4 a 14);
· Quando se sentiram em condições de começar a pagar o preço devido e previamente acordado de 60.000$00 deram início ao pagamento da compra e assim, em 15 de Janeiro de 1981 formalizaram o negócio por documento particular, sendo nulo o negócio por preterição de forma legal e, já então, a proprietária explicou aos ora Réus que não podia celebrar a escritura pública de compra e venda do lote porque o prédio não estava registado a seu favor, explicação que os Réus aceitaram tendo pago o preço de 60.000$00 em 24 prestações com o acordo da tia da Autora, tendo, após essa data, como o já fazia antes continuado a amanhar prédio a colher os frutos, fazendo obras tendentes à sua delimitação, à vista de toda a gente sem oposição de quem quer que fosse ininterruptamente e em 1997, auxiliados por advogado, os Réus decidiram registar a seu favor na Conservatória, o lote que já possuíam há longos anos e que há muito que estava pago e que à falta de título bastante interveio na concretização da escritura de justificação e com base nessa escritura registaram, por usucapião em 03/04/1997, a seu favor na Conservatória do Registo Predial competente pela inscrição G1, Ap 09/970... e, só 4 anos mais tarde é que a Autora veio a inscrever o mesmo prédio a seu favor por sucessão hereditária pela inscrição Ap57/0110... dando origem à descrição 989/010... (art.ºs 15 a 37);
Os autos passaram a correr sob a forma de processo ordinário e, por despacho de 29/11/05 foi admitido o pedido reconvencional assim ratificando-se o acto da secretaria; o Réu citado aos 23/05/05 não contestou.
Em Réplica diz a Autora em suma:
· É falso que em 1969 ou em qualquer outra altura tenham comprado o lote de terreno aqui em causa, sendo certo que o contrato de 1969 foi de arrendamento, conforme recibos 1 a 6, não passando a escritura de justificação notarial de uma habilidade dos Réus para se apropriarem do lote sendo falsos os factos 3 a 14 da contestação (art.ºs 1 a 33);
· Os Réus enquanto arrendatários, amanharam o mesmo terreno e colheram os respectivos frutos, nunca os tios da Autora tendo consentido que o fizessem enquanto proprietários (art.ºs 34 a 37);
· Proprietários do referido terreno são os tios da Autora – e hoje a Autora- que mediante escritura compraram esse lote, há mais de 30 anos a “L” e mulher, dando-o de arrendamento, promovendo a sua conservação, pagando os respectivos impostos, colhendo os respectivos frutos, tudo fazendo de modo ininterrupto com conhecimento de vizinhos e de outras pessoas, por forma correspondente ao exercício do seu direito de propriedade e na convicção da respectiva titularidade, pertencendo o prédio à herança de “I”, sendo a Autora a herdeira testamentária dela (art.ºs 38 a 42)
· Os Réus acabaram por desistir do negócio que efectuaram com a tia da Autora em 1981 quando manifestaram, de má fé, a intenção de adquirir esse lote e que como não tinham dinheiro entregariam à tia da Autora letras que ficariam na sua posse, sendo que, das 24 letras, apenas honraram 7, razão pela qual a tia da Autora devolveu aos Réus as restantes 17 letras juntas aos autos e compensou com o dinheiro entregue pelos Réus, no montante de 14.000$00 as rendas atrasadas (art.ºs 43 a 61);
· A acção visa atingir o conteúdo do direito de propriedade afirmado na escritura de justificação notarial (art.º 371 do CCiv) e não a própria escritura, sendo falsas as declarações prestadas quer pelos justificantes quer pelas testemunhas, que bem sabiam que o lote pertencia à falecida “I”, pelo que, embora não tenha sido cumprido o disposto no art.º 101 do Código do Notariado, requer-se a imediata comunicação da pendência da presente acção, julgando-se improcedente a reconvenção e procedente a acção declarando-se impugnados os factos justificativos da escritura com o consequente cancelamento dos registos efectuados pelos reconvintes (art.ºs 62 a 69);
Em Tréplica diz a Ré em suma:
· Deve ter-se por extemporânea a apresentação da Réplica e ordenado o desentranhamento da mesma e se assim for entendido também deve ter-se por não escrita esta Tréplica (art.ºs 1 a 10);
· Nos termos do art.º 367 do CPC apenas deve ter-se por confessado pela Ré nos art.ºs 5 a 7 da contestação que no ano de 1969 os Réus não tinham dinheiro para comprar o prédio, devendo o mais constante dos art.ºs 5 a 7, ter-se por controvertido e que o documento de 8/02/1981 corporiza um negócio bilateral de compra e venda (art.ºs 11 a 22);
· Impugna os canhotos supostamente representativos de recibos de renda mencionados no art.º 30 da Réplica, sendo que, em consonância com o alegado pela Autora no art.º 24 da p.i. se, em Fevereiro de 1981 os Réus deixaram de pagar a renda só podem ser falsos esses documentos, litigando a Autora de má fé devendo ser condenada em multa e indemnização a favor dos RR em quantia não inferior a 2.000,00 € para cada um (art.ºs 23 a 37);
· Não nega a Ré que após a escritura pública de 1964 a tia da Autora, enquanto proprietária e possuidora de boa fé de forma pacífica e pública o tenha dado de arrendamento, e que com os tios da Autora acordaram que o terreno seria adquirido pelos Réus e que enquanto não estivessem em condições de o fazer e pagar o preço iam cultivando o terreno, amanhando-o e entregando uma contrapartida aos tios muitas vezes em géneros, como batatas, ervilhas, favas etc, sendo que desde 1969 a tia da Autora deixou de se comportar como proprietária, passando os Réus a comportar-se como proprietários, fazendo melhoramentos no terreno, murando-o à volta para dividir dos vizinhos e feito um poço em condições, porque o que havia dava muita pouca água e era muito baixo, criando bezerros e porcos (art.sº 38 a 43);
· Foi o senhor “N”, segundo marido da tia da Autora que perguntou aos Réus porque não faziam umas letras para pagar o terreno uma vez que a situação económica dos Réus já era melhor do que 10 anos antes tendo prometido falar com a esposa e quando voltou trazia uma folha escrita e subscrita pela tia da Autora onde esta aceitava o pagamento do preço através das letras escrevendo as condições do negócio conforme doc 1, o que os Réus aceitaram, adquirindo as letras, tendo-se encontrado com a tia para reduzir o negócio a escrito o que aconteceu a 15/2/1981, data em que fizeram um apanhado do que fora entregue e do que podiam entregar naquela altura o que totalizou 14.000$99, juntando a 1.ª letra, ficando o restante preço de ser pago por letras de 2.000$00 cada, letras que a própria tia preencheu e assinou e à medida que os Réus iam reunindo o dinheiro iam resgatando as letras, nunca tendo acordado que se nunca reunissem o dinheiro desistiriam do negócio da compra e que o dinheiro entregue ficaria por conta das rendas; não é verdade que das 24 letras apenas tenham honrado 7, tendo pago a última prestação em Janeiro de 1982, data em que acabaram de entregar à tia da Autora os 60.000$00, e logo nessa altura manifestaram à tia da Autora a intenção de fazer a escritura logo que possível como acordado um ano antes e quando a tia da Autora comparece em 15/06/1982 com a intenção de fazer a escritura, faltando documentação, a mesma confirma ter já recebido os 60.000$00s, tendo devolvido as restantes 7 letras ainda na sua posse nessa data ou sejam as letras datadas de 1/1/1982 e de 1/7/1982 a 1/12/1982, e por isso escreveu no verso dessas letras liquidado (art.ºs 44 a 84);
· Nunca, após 1969. os tios da Autora praticaram quaisquer actos de posse sobre o terreno e não era certamente intenção da tia da Autora deixar-lhe o terreno pois se o fosse teria feita um legado, e ao invés apenas fez um testamento genérico onde a institui herdeira universal e se a Autora, acreditasse que de boa-fé se dirigiu à Conservatória do Registo Predial e registou o imóvel a seu favor fê-lo sem título de aquisição propriamente dito e apenas por sucessão por morte, tendo por base uma escritura de habilitação de herdeiros e o testamento, não sendo possível ser ordenado e cumprido o art.º 101 do CNot por ser extemporâneo e incompatível com o pedido e causa de pedir iniciais não alterados e não foi o facto justificado que o Autor impugnou na sua p.i., mas sim o registo de aquisição do lote a favor dos Réus e por isso não pediu a Autora e por isso não se cumpriu o art.º 101 do CNot (art.ºs 85 a 96);
Em articulado, por sinal extenso, veio a Autora contraditar os factos que suportam o pedido feito pela Ré da sua condenação como litigante de má fé.
Já depois de ter sido ordenada uma tentativa de conciliação veio a Ré requerer a junção das originais 24 letras juntas como docs 2 a 25 na contestação a declaração de compra e ainda 2 outros documentos.
Foi ordenado o registo da acção por despacho de fls. 302 de 7/9/06, o que foi cumprido pela Ap 25/10/06 no prédio descrito sob o n.º 00989/010... (cfr. fls. 312) e pela Ap31/061025 no prédio descrito sob o n.º 000.../... (fls. 314)
Aos 16/11/06 foi proferido despacho saneador e condensados os factos assentes e os controvertidos na Base Instrutória em número de 32 a que foram aditados mais 4 na sequência de reclamação da Ré parcialmente deferida.
Instruídos os autos, veio a ser junta uma procuração por parte do co-réu “F” na pessoa dos ilustres advogados “O” e “B” e “P”, com data de 29/01/07 conforme instrumento de fls. 451. Em sede instrutória e porque foi requerida a respectiva certidão aos serviços de Finanças encontra-se certificado o termo de declaração do falecimento de”I” e a respectiva relação de bens onde consta o prédio urbano sito na freguesia de P..., concelho do B..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art.º U-00..., conforme fls. 466/467 do II volume.
Designado dia para julgamento a ele se procedeu nos dias 12/06/08, 2/7/08, com observância de forma legal e gravação dos depoimentos.
Na sequência de requerimento da Ré intitulado de articulado superveniente da 27/06/08 de fls. 509/512 onde amplia o pedido reconvencional, ao qual se opôs a Autora dizendo não ser possível a ampliação do pedido nesse articulado, foi por despacho proferido em audiência de 16/07/08 admitido o articulado superveniente “uma vez que se trata de um desenvolvimento lógico do pedido reconvencional primitivo e que em nada contende com a selecção da matéria de facto já efectuada e mais com a prova já produzida, não prejudicando assim a posição de nenhuma das partes”; termina o articulado superveniente com uma ampliação do pedido reconvencional, no seguintes termos:
a) Sejam declarados nulos, por vício de forma, os contratos escritos de compra e venda celebrados entre a tia da Autora e os Réus, respectivamente em 15/02/1981 e 15/06/1982;
b) Seja declarado que os Réus são os únicos proprietários do prédio em questão, por o terem adquirido por usucapião, por compra e venda escrita, feita por documento particular, à tia da Autora em 15/06/1982 e portanto sem o requisito de forma legalmente previsto (escritura pública), mantendo-se o registo e matriz prediais a seu favor, nos precisos termos em que se encontram;
c) Seja declarada a nulidade do registo de aquisição a favor da Autora por sucessão hereditária pela inscrição G1 Ap 57/010...;
d) Seja ordenado o cancelamento do registo acima referido na alínea b), bem como a extinção da descrição com o n.º 989/010...;
e) Bem como seja ordenada a anulação da matriz predial urbana n.º ..., da freguesia de P..., cujo prédio se encontra, indevidamente, na titularidade da tia da Autora, em virtude de estar duplicado com o art.º 613, da mesma freguesia;
Foi junto o original do documento de 15/06/1982 a fls. 522, originais dos recibos da Sisa e do pagamento do Imposto Sobre Sucessões e Doações a fls. 523 e 524 documentos cuja junção foi admitida na sessão de 2/7/08.
No dia 24/07/08 foi proferido despacho sobre a matéria de facto controvertida, conforme fls. 555 a 560 em sessão a que esteve presente apenas a ilustre advogada da Autora que nada reclamou, tendo aos 4/09/08 e por fax reclamado, reclamação a que se opôs por extemporânea a Autora e que por despacho de 10/10/08 não foi admitida
Inconformada com a sentença de 28/10/09 de fls. 602/613 que, julgando a acção parcialmente procedente, por provada, declarou nulo e de nenhum efeito o registo da parcela de terreno inscrito na matriz predial urbana sob o nº 613 descrito na Conservatória do Registo Predial do B... sob o n.º 00.../... a favor dos Réus, ordenando o cancelamento de todos os registos que incidam sobre o prédio e que respeitem à aquisição a favor dos Réus a que corresponde a Ap09/940..., absolveu a Autora do pedido reconvencional e do pedido de litigância de má fé, dela apelou a Autora em cujas alegações conclui:
1. O Tribunal errou na apreciação das provas produzidas e, bem assim, no enquadramento legal que fez do caso subiudice.
2. Os quesitos 7, 9, 10 11, 12, 13, 14, 15, 21, 22, 24, 25, 28, 29, 31, 32 e 35 mereciam e deveriam ter tido respostas diferentes face aos depoimentos prestados e documentos constantes dos autos.
3. O modo como os quesitos 7, 31 e 32 da Base Instrutória foram dados como provados contraria os próprios documentos juntos aos autos, os quais, analisados no seu conjunto, e conjugados uns com os outros, indicam que, na verdade, foi celebrado um negócio definitivo entre os Réus e a Tia da Autora – contrariamente ao referido na fundamentação da resposta aos quesitos devendo, na opinião dos Réus, o Quesito 7 ser declarado Provado; a resposta ao quesito 31 ser não Provado e a resposta ao Quesito 32 ser Provado.
4. Pelo facto de os Réis sempre terem actuado convictos de que aquele era “o seu terreno”, acrescido do uso que davam ao mesmo e ao modo como o conservaram, valorizaram e pagaram, os Quesitos 9, 10, 11 e 12 deveriam ter merecido a resposta de Provado.
5. No documento de fls. 522, a Tia da Autora declara, não só vender à Primeira por sessenta mil escudos o prédio, mas declara, também, “que já recebeu” e MAIS IMPORTANTE, DECLARA, na Cláusula 2, QUE “A COMPRADORA PODE ENTRAR A PARTIR DE HOJE NA POSSE DAQUELE TERRENO E PRATICAR NELE ACTOS DE POSSE COMO DONA.”
6. O documento de fls. 522, deveria ter sido relevado para apreciação da existência ou não em definitivo de compra e venda (ainda que formalmente incorrecto)… e não foi;
7. Todo o conteúdo deste documento deveria, como tal, ter sido ainda considerado, desde logo, por força do art.º 659, n.º 3, do CPC que manda atender, na sentença, entre outros, aos factos “provados por documentos”
8. A resposta ao quesito 13 é contraditória com o próprio Facto L Assente e deveria ter sido incluído, aquando da sua resposta, à menção aos dois contratos (o contrato-promessa e o contrato definitivo), devendo ter sido dado como provado que:
a) em 15 de Fevereiro de 1981 fora celebrada uma promessa de compra e venda do imóvel reduzida a escrito (Facto Assente L), pelo preço de 60.000$00, pago em 24 prestações mensais sendo a primeira de 14.000$00 e as restantes 23 de esc. 2.000$000 cada uma;
b) em 15 de Junho de 1982, foi celebrado um contrato, também reduzido a escrito, de venda do terreno, pelo preço de 60.000$00, para a compradora, a partir daquele momento, entrar na posse do mesmo.
9 O quesito 35 deveria ter sido declarado provado na totalidade, bem como o quesito 14 e o quesito 22 merecia resposta de Não Provado.
10 O Quesito 21 não podia ter sido provado na totalidade e deveria ter merecido resposta diferente, ou seja, provado apenas que entre 1985 e 1998 (já que, tendo falecido em Fev/1999, os impostos deste ano já não foram pagos por si) foi paga a contribuição autárquica relativa ao Art.º urbano ..., da freguesia de P....
11 Tendo ficado demonstrado que todas as letras estiveram inicialmente, na posse da falecida “I”, as quais as foi devolvendo aos Réus à medida que estes iam pagando o preço nelas titulado, os Quesitos 24 e 25 mereciam a resposta PROVADO;
12 Também a resposta ao quesito 28 deveria ter sido PROVADO e ao Quesito 29, “que a Tia da Autora devolveu todas as (24)letras aos Réus, os quais estavam em poder dessas 24 letras”, já que, a não ser assim, são respostas contraditórias com os documentos juntos aos autos.
13 Na sua petição inicial, a Autora configurou a relação controvertida, sendo em função dela que o processo se deve desenrolar, porquanto a relação controvertida, a causa de pedir e o pedido são, e estão, definidos na petição inicial.
14 A causa de pedir é a nulidade do registo a favor dos Réus e o seu consequente cancelamento, e não a própria escritura – pois a Autora não pediu a anulação da escritura de justificação – e, muito mesmos o seu conteúdo.
15 A matéria exposta na p.i. não permitia, de modo algum, considerar procedente a impugnação da referida escritura de justificação, pois não foi o facto justificado que a Autora impugnou na sua p.i., mas sim o registo de aquisição do lote a favor dos Réus.
16 O presente caso não se enquadra em nenhuma das alíneas do art.º 16 do CRgP, na redacção anterior ao D.L. 116/2008, que prevê as causas de nulidade.
17 A pretensa nulidade da escritura derivaria da falsidade das aludidas afirmações e, como essa circunstância (falsidade das afirmações dos outorgantes) NÃO FIGURA entre as causas típicas de nulidade dos Actos Notariais, não poderia ter sido declarada a nulidade da Escritura de Justificação (até porque, e como já referido), nem sequer esse pedido foi formulado na p.i.
18 O que deveria ter sido pedido -.E NÃO FOI – era que fosse declarado que os Réus não adquiriram a propriedade do prédio pela forma declarada.
19 A presente acção não é (ou não deveria ser) de mera apreciação negativa, mas sim uma acção condenatória, não se justificando a inversão do ónus da prova que ditou o êxito da acção, assim, também, sido violado os art.ºs 342 do CCiv e 316 do CPC.
20 Nunca se poderia anular uma escritura pública através da prova testemunhal pelo que sempre foi violado o art.º 371 do CCiv;
21 É extraordinariamente importante o conteúdo do documento de fls. 522 denominado “Contrato” celebrado em 15/06/1982, devendo, o seu conteúdo, ter sido dado como provado em sede de sentença, mormente que o preço da venda foi de Esc 60.000$00; que, àquela data, o preço estava pago; que, a partir daquele data, a compradora podia tomar posse do terreno e praticar actos de posse como dona; que a ora Recorrente aceitou os termos daquela venda;
22 Os Acordos outorgados pelas partes, vendedora e compradores, mormente o último, denominado de “Contrato”, insere uma confissão extrajudicial da Tia da Autora. Dirigida aos Réus, que produz prova plena contra a declarante (art.º 352, 355, n.º 4, 358, n.º 2, 375, n.º 1, 376, n.º 1 e 377, todos do Código Civil).
23 Embora do contrato promessa celebrado em 15/02/1981 não resulte a transferência do direito de propriedade, o mesmo já não se pode dizer do “CONTRATO” outorgado em 15/06/1982 –pelo que a posse decorrente da entrega em que se traduz o acordo de TRADITIO, constante deste 2.º Contrato, subsequente e em razão do mesmo, passou a ser exercida pelos Réus, em nome próprio e titulada.
24 Em 15/06/1982, com a efectiva entrega do bem pela Tia da Autora, o Tribunal a quo tinha que ter concluído terem, os Réus, nesta data, adquirido a posse do bem (que traziam de arrendamento) ou seja, nesta data, os Réus obtiveram o corpus, pela tradição, a coberto da pressuposição de ter ocorrido o cumprimento do contrato definitivo (ainda que deficientemente formalizado), bem como o corpus da posse daquele terreno, que conduziu à sua aquisição por usucapião.
25 A Posse, efectivamente iniciada pelos Réus como precária, foi apta a produzir à usucapião mediante a inversão do título da posse, ocorrido na referida data (15/06/1982) – e, daí, o pedido subsidiário formulado pela ora Recorrente no seu Articulado Superveniente, deveria ter sido julgado procedente.
26 À data da entrada da acção em juízo, já haviam decorrido mais de 20 anos sobre a outorga de qualquer daqueles documentos assinados pela Tia da A. e pelos Réus, pelo que sempre estes últimos teriam adquirido a propriedade do lote de terreno em discussão, por usucapião.
27 O título de posse dos Réus entronca não propriamente no contrato-promessa de 15/02/1981, mas sim no Acordo negocial de fls. 522, datado de 15/06/1982 e na efectiva entrega do bem pela promitente-vendedora – a Tia da Autora – aos Réus, todos com a consciência de que estavam a celebrar um Contrato definitivo de venda (ainda que sem a forma legalmente exigida).
28 Invocada como título de aquisição da propriedade, a USUCAPIÃO e provados os respectivos factos integradores, o direito não poderia ter deixado de ser reconhecido à ora Recorrente.
29 A prova dos elementos da Posse – Corpus e Animus - impede sobre quem invoca a qualidade de possuidor, se bem que estabelece o n.º 2 do art.º 1252 do CCiv que “em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art.º 1257 do CCiv”
30 Ora, a Autora não ilidiu a presunção que a Lei concede aos Réus (por serem eles que exerciam, e exercem, o poder de facto sobre o terreno) –Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14/05/1999, publicado no DR, II Série, de 24 de Maio.
31 A posse dos Réus, ainda que iniciada como precária, foi apta para conduzir à usucapião mediante a inversão do título de posse, ou seja, demonstrado que está, documentalmente, que os Réus passaram a deter e a fruir o bem como donos (Art.º 1290 do CCiv) na pior hipótese, após 15/06/1982
32 Os Réus adquiriram a posse pelas mãos da própria vendedora, Tia da Autora, que lhes autorizou e declarou, por escrito, que lhes dava a posse a partir daquele momento – Cfr. Cláusula 2 do Contrato de fls. 522 – que a ora Ré aceitou – CFR. Cláusula 3 do mesmo Contrato, pelo que a oposição dos detentores contra aquela em cujo nome possuíam fez-se da mesma forma natural, através dos actos positivos e inequívocos – e tanto assim é que os Réus vieram a outorgar a Escritura de Justificação, arrogando-se donos daquele terreno e praticados na presença, ou com o consentimento daquela aquém os actos se opõem, e sem que tal oposição possa ter sido repelida pela possuidora.
33 Tudo indica que, tacitamente, foi revogado o contrato de arrendamento que, em tempos, subsistia entre a Tia da Autora e os Réus e, tanto assim é que, não mais pagaram quaisquer rendas, como aliás está provado.
34 A transformação da posse precária em pose em nome próprio – com a cooperação da vendedora – dá-se com a traditio brevi manu que consistiu em o possuidor e detentor terem substituído o negócio jurídico ou o facto que deu origem à detenção (arrendamento inicial), por um novo negócio jurídico (compra e venda ainda que celebrada por documento particular, datado de 15/06/1982, de fls. 522), em virtude do qual a relação material até ali existente entre os detentores e o objecto, passou a ser uma relação possessória, pelo que, desde o momento da outorga daquele contrato de compra e venda, em 15/06/1982, os Réus adquiriam sobre o terreno uma verdadeira posse passando a actuar como verdadeiros donos.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que dê provimento ao pedido reconvencional.
Em contra-alegações conclui a Autora:
1- O Tribunal “ a quo” fez uma correcta apreciação da matéria de facto, integrou-a muito bem no direito e assim proferiu uma boa decisão, sem violação de nenhum preceito legal, senão vejamos:
2- O falecido “F” sempre foi inquilino até à sua morte, mas desde 2004 que deixou de cultivar o terreno como costumava, apenas apanhava alguns frutos;
3- Aliás, prova disso é a foto que se junta;
4- Ambos os Réus passaram a vida a mentir, mas querem o terreno e nem se percebe com que fundamento legal;
5- Pois se sempre agiram “convictos de que aquele terreno era “o seu terreno”” deviam ter comprado o mesmo, mas não o fizeram, usaram de mentiras para o registarem em seu nome, cujo registo é nulo;
6- Os Senhores Juízes são soberanos nas suas interpretações e decisões e perante este entendimento, nunca por nunca violam o artigo 659º, nº3 do C.P.C. e claro que este artigo foi atendido;
7- Se os contratos tivessem o valor que a Ré “A” lhe atribui, para que precisaram então de tamanha mentira na escritura de justificação?;
8- As escrituras de justificação só resultam se ninguém dentro do prazo legal impugnar;
9- Esta até foi feita fora de horas de expediente do Cartório, em segredo;
10- Se a Documentação que possuíam era boa, então, porque não registaram o bem com esse documento particular e não passaram o mesmo artigo matricial para seu nome?;
11- Não o fizeram, porque os tais contratos são escritos que valem o que valem e não servem para nada, apenas para se concluir que sempre foi inquilino e que não comprou, porque “trazia de renda” e porque aproveitando o artigo anterior a proprietária tinha obrigatoriamente que ser notificada e comparecer;
12- A “10” conclusão, também, só revela mesquinhez da Ré, porque nem é importante a questão que levantou, o que interessa é que os impostos sempre foram pagos;
13- As conclusões 24º e 25º tinha a Ré que fazer prova dos mesmos e não fez nenhuma, e teve oportunidade nos termos do artigo 342º do C.C., como a mesma até afirma.
14- A conclusão “12” da Ré não tem razão de ser, porque não ficou provado, apenas pagaram 7 letras, e que os Réus tinham em seu poder 17 letras, o que está claro, sem contradição nenhuma.
15- Veja-se que a conclusão “13” não tem razão de ser, pois a realidade e a faculdade que a lei permite é diferente daquela que é invocada pela Ré e se assim fosse, também a mesma não tinha entregue a tréplica, nem tinha andado a fazer pedidos sucessivos sem parar.
16- Estamos em presença de uma acção de impugnação de escritura notarial, proposta nos termos do artigo 101º do Cod. Notariado e 116º do Cód. de Registo Predial. Trata-se sem contestação de uma acção de simples apreciação negativa, cuja estrutura nuclear assente na regra do artigo 343, nº1 do C.Civil, recaindo sobre os Réus o ónus da prova de propriedade justificada.
17- Não tem razão nenhuma a Ré do que afirma nas conclusões 14, 15, 16 e 17, pois a mesma se ler correctamente a página 6ª da Sentença conclui que não tem razão, vejam-se os acórdãos citados.
18- O registo é que é nulo e o acto notarial ineficaz.
19- E competia à Ré provar a veracidade das declarações prestadas na escritura, o que não conseguiu, aliás, a própria ao juntar os tais documentos até se conseguiu provar que “trazia de renda”, porque afinal era inquilino.
20- Também, escreveu “quantas vezes pagou em géneros”, então pagava renda;
21- O artigo 371º do C. C. não foi violado, pelo contrário foi respeitado na integra, e os próprios documentos juntos pela Ré até foram úteis à Autora, pois ficou o Tribunal logo, com certeza de que o falecido “F” era inquilino e que o mesmo tinha mentido às testemunhas que de boa fé acreditaram.
22- A escritura SEMPRE VAI EXISTIR, não VAI SER anulada, o registo é que é NULO, a escritura de nada lhes valeu, só para gastarem dinheiro, tempo, mas vai ficar sempre no Cartório sem ser eficaz;
23- Os documentos valem o que valem, mas não são escrituras públicas de compra e venda, porque se o fossem, não estávamos a discutir a questão;
24- A conclusão “20” não é verdadeira, porque se tivesse aceitado os termos da venda tinha pago tudo, mas só pagou 7 letras, por isso, a escritura de compra e venda não foi outorgada;
25- A CONCLUSÃO “21” NÃO SE PODE ACEITAR- É demais -, VEM A RÉ FALAR EM “palavra”, quando passou o tempo a mentir e veja-se como bem escreve para tentar enganar o Tribunal.
26- O tal “contrato” invocado pela Apelante não tem a força de escritura pública e nada foi vendido, porque o preço não foi pago.
27- Se o Réu “F” tivesse chamado a falecida “I” para estar presente na escritura de justificação, talvez até lhe fosse vendido o tão apreciado e desejado terreno, se o mesmo pagasse a totalidade e fosse honesto;
28- A conclusão “22 “ , também não é verdadeira, porque o conteúdo desse acordo, conjugado com todos os outros factos e depoimentos das testemunhas leva à conclusão que nada foi vendido, porque o preço não foi pago e não foi outorgada escritura pública de compra e venda, por isso os artigos citados não são relevantes para o caso em concreto;
29- O que foi outorgada foi uma escritura de justificação, sem ninguém saber, porque à hora que foi outorgada já o Notário estava com a porta encerrada, veja-se…. E este tipo de escritura só opera se não for impugnada, o que é o caso;
30- Primeiro os RR. Invocaram uma data(69) , depois 81 e mais tarde 82, afinal para a Apelante já todas as datas servem para tentar ficar com o terreno, veja-se a verdade disto;
31- A Conclusão 25ª também não é verdadeira, porque o preço do bem não foi pago;
32- A tia da Autora não morreu há 20 anos e até à sua morte teve a posse, pois sempre lá foi receber as rendas do terreno;
33- A conclusão 26ª não é verdadeira, pois se o acordo negocial fosse assim tão bom, não era preciso o Tribunal decidir tal questão, nem a escritura de justificação com mentiras;
34- A Apelante passou o tempo a mentir, nomeadamente à tia da Autora, que morreu sem saber o que o inquilino fez, ele dava-lhe flores, mas teve esta ousadia;
35- A Apelante invoca artigos e acórdãos interpretados à sua maneira, veja-se…
36- O contrato de arrendamento nunca foi revogado, aliás já caducou com a morte, a Apelante está esquecida do que as testemunhas disseram na Audiência de Discussão e Julgamento, “até ao dia da morte que a Senhora D. “I” Sempre se deslocou ao terreno, e sempre lá foi com o intuito de receber as rendas”;
37- Não está provado que não pagaram rendas, pelo contrário está provado que por diversas vezes a tia da Autora se dirigiu ao terreno a fim de receber as rendas;
Conclui a Autora pela improcedência a apelação e confirmação da sentença
Recebido o recurso foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-Adjuntos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mérito do mesmo.
Questões a resolver:
1- Saber se ocorre erro de julgamento da decisão de facto no que concerne aos quesitos 7, 9 a 15, 21, 22, 24, 25, 28, 29, 31, 32 e 35, merecendo os quesitos, 7, 9, 10, 11, 12, 14, 24, 25, 28, 32, 35, a resposta de provados na sua totalidade, o quesitos 13, 15, 21, 29 ,respostas diferentes e 22,  e 31 não provado;  saber se ocorre erro de julgamento relativamente aos documentos de 1981 e de 15/06/1982, devendo considerar-se que este último contém uma confissão extrajudicial da tia dos Autores dirigida aos Réus que faz prova plena nos termos dos art.ºs 352, 355/4, 358/2, 375/1 e 376/1 e 377 do Cciv de que houve transferência da posse a partir dessa data.
2- Saber se ocorre erro de julgamento ao julgar nulo o registo da parcela a favor dos Réus por aquisição por usucapião, na medida em que não se verifica nenhuma das condições do art.º 16 do CRgP; ocorrendo, então a inversão da posse precária para posse tendente à usucapião (art.º 1290 do CCiv) que ocorreu a favor dos Réus.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos:
1. “I”, tia da Autora, instituiu-a, por testamento, sua herdeira universal, deixando-lhe, por sua morte, todos os seus bens (alínea A) dos FACTOS PROVADOS);
2. Após ter efectuado a respectiva habilitação de herdeiros, a Autora efectuou, a seu favor, na Conservatória do Registo Predial do B..., pela apresentação 57/010..., o registo de uma parcela de terreno para construção, com a área de690 m2, sita na Rua do ..., em Vale ..., freguesia do B..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ... (al. B dos FACTOS PROVADOS, completada com o teor de fls. 23 – Certidão da Conservatória do Registo Predial do B...);
3. Nessa altura reparou que a mesma parcela de térreo correspondente à descrição 989/010..., se encontrava, também, registada a favor dos Réus, sob o n.º 00.../... (alíneas C) e D) dos FACTOS PROVADOS);
4. Registo esse efectuado com base numa escritura de justificação aquisitiva por usucapião celebrada em 21 de Janeiro de 1997, no 2.º Cartório Notarial do B... (alínea e) dos FACTOS PROVADOS);
5. No acto da escritura de justificação os Réus declararam serem donos, com exclusão de outrem, da parcela de terreno supra identificada, por a terem adquirido verbalmente a “I” “não tendo nunca chegado a ser celebrada a respectiva escritura pública, adquirido cerca do ano de mil novecentos e sessenta e nove” e ainda que o imóvel não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial do B... (cfr. cópia certificada da escritura de justificação junta a fls. 25 a 29. Esta factualidade corresponde aos quesitos 2 a 5, a que forma dadas respostas positivas e que aqui se têm por não escritos, dado tratar-se de matéria constante de documento autêntico, cuja falsidade não foi arguida);
6 e 7  A tia da Autora “I”, casada, na altura em primeiras núpcias com “J”, em 16 de Julho de 1964, celebrou escritura pública de compra e venda mediante a qual “L” e mulher “M”, declaram vender a “J” casada com “I” “pelo preço de quinze mil escudos, uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de seiscentos e noventa metros quadrados, sita na Rua ..., à ..., em Vale ..., freguesia de P... (…) a destacar do terreno compreendido na descrição predial número cento e vinte e sete a folhas oitenta e três verso, do livro B um, da Conservatória do Registo Predial do B..., e inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo catorze, do qual é parte (…) Declarou depois o segundo outorgante que aceita este contrato nos termso exarados (…) Preveni os outorgantes de que este acto não pode ser admitido a registo definitivo, sem que o terreno de que vai ser destacada a fracção vendida se encontre definitivamente inscrito a favor dos vendedores, bem como do alcance desta limitação(…)” (teor da certidão de fls. 30 a 32 v.º, documento autêntico não impugnado e não arguido de falso, tendo-se por não escrito o quesito 6);
8 Quando “J” faleceu, correu termos pela 3.ª secção do 7.º juízo Cível de Lisboa – Proc.º 3/75, inventário obrigatório, no qual era cabeça-de-casal a tia da Autora, por óbito de seu marido (alínea G) dos FACTOS PROVADOS);
9 Naquele inventário foi adjudicado à tia da Autora a referida parcela de terreno, constando daquele inventário que a parcela se encontra omissa na Conservatória do Registo Predial (al. H) dos FACTOS PROVADOS);
10 A tia da Autora casou em segundas núpcias e permaneceu titular do imóvel (al. I) dos FACTOS PROVADOS)
11 E não procedeu ao registo do mesmo (al. J) dos FACTOS PROVADOS);
12 Em 1969 os Réus celebraram com a tia da Autora um contrato de arrendamento relativamente ao prédio em causa (al. K) dos FACTOS PROVADOS);
13 Em 15 de Fevereiro de 1981, a tia da Autora e os Réus celebraram uma promessa de compra e venda do identificado imóvel reduzida a escrito (al. L) dos FACTOS PROVADOS);
14 Naquele documento, que aqui se dá para todos os efeitos por integralmente reproduzido, referiram que os Réus traziam de renda o referido imóvel e ainda que: “…o negócio foi fechado por 60.000$00, sendo de 24 letras, uma por sinal de 14.000$00 e 23 letras de 2.000$00 cada, sendo uma por mês, se houver algum mês que eu possa pagar duas a proprietária aceita…” (al. M) dos FACTOS PROVADOS completada com o teor de fls. 53 e quesito 13.º, onde só por mero lapso pode ter sido referido que “reduziram a escrito a compra e venda do terreno, dado que tal afirmação não só entra em colisão com o teor da mencionada al. M) como não retrata o conteúdo do próprio documento onde se refere o sinal e ainda que a escritura “é feita no fim da última letra”);
15 Os Réus em 1969 não tinham meios económicos para adquirir o terreno à tia da Autora e decidiram tomá-lo de renda (resposta ao quesito 1.º da Base Instrutória);
16 Entre Janeiro de 1981 e Junho de 1981 os Réus pagaram rendas à tia da Autora no valor de 400$00 por mês (resposta ao quesito 7.º da Base Instrutória);
17 A tia da Autora, quando efectuou o testamento a favor desta, em 22 de Setembro de 1998, desconhecia que os Réus tinham celebrado escritura pública de aquisição do imóvel (resposta ao quesito 8.º da Base Instrutória);
18 Os Réus continuaram, como sempre fizeram, a amanhar a terra e a colher os seus frutos (resposta ao quesito 16.º da Base Instrutória)
19 Fazendo obras tendentes à delimitação do terreno (resposta ao quesito 17.º da Base Instrutória);
20 À vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse (resposta ao quesito 18.º da Base Instrutória);
21 Ao celebrarem em 1997 a escritura de justificação notarial, as testemunhas actuaram convictas de que o direito pertencia aos Réus (resposta ao quesito 19.º da Base Instrutória);
22 Só quatro anos mais tarde, após o registo do terreno a favor dos Réus é que a Autora registou a parcela de terreno a seu favor (resposta ao quesito 20.º da Base Instrutória);
23 A tia da Autora, ao longo dos anos, sempre promoveu a conservação do terreno e pagou os seus impostos (resposta ao quesito 21º da Base Instrutória);
24 Fazendo-o de modo contínuo e com conhecimento dos amigos (resposta ao quesito 21º da Base Instrutória)
25 Os Réus apenas pagaram sete das vinte e quatro letras (resposta ao quesito 28.º da Base Instrutória);
26 Existe um documento denominado “contrato”, datado de 15.06.1982, assinado pela Ré “A” e pela tia da Autora, em que este declara vender à primeira, por sessenta mil escudos, o prédio (resposta ao quesito 35º da Base Instrutória);
27 Sete das letras juntas aos autos, com datas entre Julho de 1982 e Janeiro de 1983, estão assinadas pela tia da Autora e têm aposta a palavra liquidado (resposta aos quesito 36º da Base Instrutória).
*
O Tribunal recorrido dá como “Não Provados” os factos constantes dos quesitos 9, 10, 11, 12, 15, 23, 24, 25, 26, 27, 30, 21, 32, 33, 34.
*
A recorrente impugna o julgamento feito dos factos constantes dos quesitos 7, 9 a 15, 21, 22, 24, 25, 28, 29, 31, 32 e 35, o que sertã apreciado em III.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

São as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto salvo as questões que são de conhecimento oficioso, e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.ºs 660, n.ºs 1 e 2, 288, 514, 684/3, 690/4, 713/2 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12, pelo DL 180/96 de 25/09, 183/2000, de 10/08, pelo DL 38/2003 de 8/3 e 199/2003 de 10/09[1]).
Não havendo questões de conhecimento oficioso o objecto do recurso é delimitado pelas questões contidas nas conclusões de recurso e enunciadas em I.

1 -Saber se ocorre erro de julgamento da decisão de facto no que concerne aos quesitos 7, 9 a 15, 21, 22, 24, 25, 28, 29, 31, 32 e 35, merecendo os quesitos, 7, 9, 10, 11, 12, 14, 24, 25, 28, 32, 35, a resposta de provados na sua totalidade, o quesitos 13, 15, 21, 29 respostas diferentes e 22 e 31 não provados; saber se ocorre erro de julgamento relativamente aos documentos de 1981 e de 15/06/1982, devendo considerar-se que este último contém uma confissão extrajudicial da tia dos Autores dirigida aos Réus que faz prova plena nos termos dos art.ºs 352, 355/4, 358/2, 375/1 e 376/1 e 377 do Cciv de que houve transferência da posse a partir dessa data.


Pergunta-se no quesito 9 da B.I.: “Desde a data da celebração do acordo com a tia da Autora, ano de 1969, que os Réus se sentiam donos do terreno?”
Pergunta-se no quesito 10 da B.I.: “E a partir dessa data passaram a actuar sobre o terreno como se fosse seu?”
Pergunta-se no quesito 11da B.I.: “O que fizeram de boa fé?”
Pergunta-se no quesito 12 da B.I.: “À vista de toda a gente e de forma pacífica?”
Pergunta-se no quesito 14 da B.I.:Tal venda (de 15 de Janeiro de 1981 referida no quesito 13) foi celebrada pelo preço de 60.000$00, paga em 24 prestações mensais, sendo a primeira de Esc. 14.000$00 e as restantes 23 de 2.000$00 cada?”
Pergunta-se no quesito 15 da B.I.: “Foi paga a primeira prestação em 15 de Fevereiro de 1981 e a última em 1 de Janeiro de 1982?”
Pergunta-se no quesito 24 da B.I.: “Mas como não tinham dinheiro assinariam letras que ficavam na sua posse?”
Pergunta-se no quesito 25 da B.I.: “E à medida que fossem pagando tais letras seriam resgatadas?”
Pergunta-se no quesito 31 da B.I.: “A partir de Fevereiro de 1981 deixaram de ser emitidos recibos de renda?”
Pergunta-se no quesito 32 da B.I.: “Os canhotos dos recibos de rendas juntos com a réplica, a partir daquela data, não correspondem a rendas pagas pelos Réus?

A Todos esses quesitos o Tribunal respondeu: Não Provados.

Pergunta-se no quesito 7: “Em Fevereiro de 1981, os Réus pagaram a última renda à tia da Autora no valor de 400$00/mês?”
O Tribunal respondeu: “Entre Janeiro de 1981 e Junho de 1981 os Réus pagaram rendas à tia da Autora no valor de 400$00 por mês”
Pergunta-se no quesito 13 da B.I.: “Em 15 de Janeiro de 1981 os Réus e a tia da Autora celebraram, por escrito, a apalavrada compra e venda?”
Alínea M) e o Tribunal respondeu: “Naquele documento, que aqui se dá para todos os efeitos por integralmente reproduzido, referiram que os Réus traziam de renda o referido imóvel e ainda que: “…o negócio foi fechado por 60.000$00, sendo de 24 letras, uma por sinal de 14.000$00 e 23 letras de 2.000$00 cada, sendo uma por mês, se houver algum mês que eu possa pagar duas a proprietária aceita…” (al. M) dos FACTOS PROVADOS completada com o teor de fls. 53 e quesito 13.º, onde só por mero lapso pode ter sido referido que “reduziram a escrito a compra e venda do terreno, dado que tal afirmação não só entra em colisão com o teor da mencionada al. M) como não retrata o conteúdo do próprio documento onde se refere o sinal e ainda que a escritura “é feita no fim da última letra”);
Pergunta-se no quesito 21 da B.I.: “A tia da Autora, ao longo dos anos sempre promoveu a conservação do terreno e pagou os seus impostos?”
O Tribunal respondeu: “A tia da Autora, ao longo dos anos, sempre promoveu a conservação do terreno e pagou os seus impostos.”
Pergunta-se no quesito 22 da B.I.: “Fazendo-o de modo contínuo e com conhecimento de vizinhos e amigos?”
Respondeu o Tribunal: “Fazendo-o de modo contínuo e com conhecimento dos amigos”
Pergunta-se no quesito 28 da B.I.: “Já que os Réus apenas pagaram sete das vinte e quatro letras?”
Respondeu-se: “Provado”
Pergunta-se no quesito 29: “A tia da Autora devolveu aos Réus 17 letras não pagas?”
O Tribunal respondeu: “Provado apenas e com a explicação que os Réus tinham em seu poder 17 letras” (Só por evidente lapso este facto não consta dos elencados na fundamentação de facto da sentença).
Pergunta-se no quesito 35 da B.I.: “Nessa data (15/6/1982), a tia da Autora declarou já ter recebido a totalidade do preço acordado pela compra e venda no valor de Esc.60.000$00?
Respondeu o Tribunal: “provado apenas e com a explicação que existe um documento denominado “contrato”, datado de 15-06-1982, assinado pela Ré mulher e pela tia da Autora em que esta declara vender à primeira por sessenta mil escudos o prédio.”
O Réu recorrente que, para tanto, cumpriu o ónus processual previsto nos art.ºs 690-A e 522-C, pretende a alteração da decisão de facto proferida em relação a esse concretos pontos da Base Instrutória. Constando dos autos todos os elementos de prova, cumprido que está o ónus processual, a decisão de facto em causa pode ser alterada (art.º 712/1/a), o que implica a reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão face às alegações de recorrente e recorrido (art.º 712/2). Todavia, e conforme tem vindo a ser o entendimento deste colectivo, a reapreciação das provas não almeja uma nova convicção relativamente à prova produzida, antes se cinge a saber se na apreciação das provas e na fixação dos factos em causa, ocorreu manifesto e patente erro, ou se, pelo contrário, a convicção do Tribunal recorrido encontra suporte na prova produzida.
No que toca aos factos que o Tribunal recorrido deu como não provados a motivação foi a seguinte: “No que concerne à matéria de facto dada como não provada a convicção do tribunal resultou de não ter sido produzida prova testemunhal ou documental suficientemente esclarecedora ou convincente no sentido de criar a convicção que a realidade ocorreu da forma descrita na escritura de justificação que se impugna. Muito pelo contrário, os documentos já juntos aos autos infirmaram essa versão, corroborando a versão dos factos apresentada pela Autora – na verdade o facto de existirem sucessivos documentos relativos a uma compra e venda entre os Ré indica que na verdade não foi celebrado nenhum negócio definitivo, o que aliás, é comprovado não só pela existência de recibos de renda posteriores a Janeiro de 1981 como pelo facto de apenas sete letras terem aposta a palavra liquidada. O facto de as testemunhas arroladas pelos Réus terem dito que sempre os viram enquanto donos do terreno em nada contraria a tese ora exposta, pois que nenhuma das testemunhas revelou uma proximidade para além daquela derivada da superficial convivência social entre vizinhos e conhecidos. Pelo que não poderia ser outras a resposta à matéria de facto controvertida.”
Discorda o recorrente que em suma diz:
· Dos depoimentos das testemunhas “Q”, “R”, “S”, “T”, “U” (esta uma das testemunhas da escritura de justificação) resulta que os Réus sempre referiram que o terreno era deles, e davam mostras de conhecerem os actos de posse como o cultivo do terreno, a criação de animais, melhoramentos, todo à vista de toda a gente.
· Isso conjugado com os documentos juntos resulta o que as testemunhas depuseram.
Foi ouvido o suporte áudio.
A testemunha “Q”, pescador, que conhece o Réu marido desde pequeno prestou um testemunho muito vago: “Sempre o vi lá, se é dele ou não, não sei, criou umas vaquitas, não sei se alguém disse que o terreno era dele(…)”
A testemunha “R”, morador em P..., a uns 500 metros do terreno foi igualmente vago: “(…) Ele trabalhava para mim depois de 25/4/74, ía fazer uns biscates de pedreiro, o negócio dele relativo ao terreno não sei (..) o Réu marido dizia que era dele e que o tinha comprado a uma senhora que eu não conheci (…) disse que tinha comprado o terreno a prestações com letras, cheguei a ver algumas… vi as letras há pouco tempo (…) não sei mais nada da compra(…)Comprou-me umas bezerras e criou-as lá, tinha batatas(..)já não conversamos há um certo tempo, vejo-o engravatado, deixei de o ver a passar para baixo e para cima há uns 10 anos (…)”
A testemunha “S” residente em P..., declarou ser amigo do Réu, mostrou-se desconhecedor do alegado negócio de compra e venda e entre o mais disse: “(…) Cheguei a comprar hortaliça aos Réu (…) sempre conheci os Réus  no terreno a fazer horta (…) o senhor “F” diz que é dele eu não sei (…)”
A testemunha “T”, embora desconhecedora dos negócios feitos pelos Réus e relativos ao terreno, mostrou-se conhecedora dos actos praticados pelos Réus no terreno. Entre o mais disse: “(…)Fui vizinha dos Réus, conheço o terreno que é ao pé da praia, ao pé do convento, na correnteza da “seca do bacalhau”, onde eu trabalhei (…) Em solteira morava ao pé de mim, isso há 40 anos, só depois de casada é que comecei a conhecer melhor os Réus, na altura em que mudei para o pé do terreno, os Réus para irem para o terreno tinham de passar pela minha casa, isto ainda antes de 25/4/74 (…) sei que o terreno tem duas casotas, não sei quem as fez, o Réu anda sempre a arranjá-las, foram sempre de tijolo, parece-me (…) Ía lá com eles buscar hortaliça, outras estavam lá eu passava por lá e comprava-lhes feijão verde, batatas, também tinham e têm árvores de fruto (…) Se perguntarem a P... inteiro a quem pertence o terreno toda a gente lhes diz que o terreno é deles (…).
A testemunha “U”, outorgante da escritura de justificação, que conhece os Réus há mais de 40 anos, mostrou-se conhecedora de muitos dos factos referidos e, entre o mais, disse e com interesse “(…)Quando se fez a escritura de justificação a D. “A” disse-me que já tinha pago as letras todas (…) cada vez que pagava recebia a letra (…) Eu fui para lá depois do 25/4/74, o senhor “F” já lá estava, tinha perus, íamos aos ovos, íamos a azinhaga, conversava com a D. “A” no terreno dela (…) ela disse-me sempre que tinha comprado o terreno, mas que estava a pagar a prestações e eu convenci-me e estou convencida que o terreno era deles (…)Perguntava-lhes sempre “Quando é que fazem aqui uma casinha para não estar aqui sozinha, pelo Natal faz 32 anos que lá estou (…) estava muitas vezes com eles no quintal (…) Não conheço a senhora da fotografia (a fotografia da tia da Autora)”
Nunca li as letras, mas vi-as e a D. “A” disse-me; já paguei mais uma (…) a D. “A” disse-me que já tinha pago tudo(..)”
A testemunha “V” que tem um terreno próximo daquele que aqui se discute conhece os Réus, desde há cerca de 35 anos (o filho dos Réus, então com cerca de 2 anos ficava em casa da depoente a brincar com o filho deles), conhecendo bem o que os Réus faziam no terreno desconhece, porém, se arroteavam o terreno como arrendatários se como proprietários, disse também, e com interesse, ter conhecido a D. “I” (anterior proprietária do terreno que reconheceu pela fotografia) por se ter deslocado ao seu supermercado na companhia de uma outra pessoa. Entre o mais disse:
“(…)Morei dos 6 aos 12 anos ao pé do terreno na “casa dos frades” (…)Os Réus cultivavam couves e hortaliça e vendiam-mas a mim que vendia no supermercado, sempre amanharam o terreno(…) falavam do terreno como sendo deles,(…) nunca falámos sobre se tinham tomado o terreno de renda ou se era deles (…) não associo a D. “I” ao terreno (…)” A contra-instância da ilustre advogada da Autora esclareceu: “(…)Nunca lhes perguntei se eram inquilinos se eram proprietários(…) o senhor “F” tomava conta de obras e tinham dinheiro, têm dinheiro, não sei se o snr. “F” é dono da casa que habita (…) a D. “I” era simpática e educada (…) não sei nada de 60.000$00”
A testemunha “X”, irmão da anterior, igualmente residente em P..., prestou um testemunho algo vago, também contraditório com os documentos juntos aos autos relativos à alegada venda do terreno aos Réus que seria de 1981 e nunca antes; produziu, contudo um testemunho directo e consistente em relação aos actos praticados pelos réus no terreno e entre o mais disse e com relevância, testemunha de ouvir dizer: “(…) Em 1973 tomei conhecimento que os Réus tinham comprado um terreno em P... (trabalhávamos juntos na mesma firma)… Nunca ouvi nada de pagar rendas, nunca ouvi falar de outros nomes, só no de “F” que falava como se aquilo fosse dele (…) o senhor “F” tinha lá hortaliça, eu nunca lá entrei, nunca vi este desprezado, não distinguia se era couve, se era feijão-verde e até alguma vendia lá no supermercado da minha irmã.
A testemunha “Z” que conhece a D. “A” desde há 30 anos, do tempo da “seca do bacalhau”, onde estavam empregadas, desde então ficando amigas que manteve conversas com a D. “A” sobre o terreno, produziu um testemunho indirecto, com base naquilo que a “A” lhe disse imediatamente após o negócio no que toca aos negócios em questão nos autos, produzindo um testemunho directo e consistente em relação aos actos praticados pelos réus no terreno, e entre o mais disse: “(…) A “A” dizia que tinha comprado um bocado bom de terreno e esta conversa foi desde o princípio do relacionamento(…)uma vez disse-lhe que tinha feito a escritura… como dona do terreno só a conheci a ela…nunca lá vi mais ninguém a não ser a D. “A”…não conheço a senhora da fotografia(fotografia dos autos da D. “I”) … os réus tinham vacas, galinhas, porcos, coelhos, amanharam sempre como proprietários…ela disse que tinha ido fazer a escritura do terreno que até faltou ao trabalho, tinha pago 60.000$00 pelo terreno e que tinha a escritura feita, disse-mo ela, foi pagando aos bocadinhos…chegou-me a dizer que tinha ido pagar a letra para ir pagando a compra do terreno (…) não assisti a nenhum pagamento… não sei quando é que ela pagou os resto do preço…fizeram poço, barraca primeiro em madeira, depois melhorando, ficavam lá às vezes, tinham lá de tudo, batatas, feijão, tudo da horta, era mais cultura de chão e flores, coisas que vendiam…tinham dificuldades…”. A contra-instância da ilustre advogada da Autora esclareceu: (…) Tudo o que sei é aquilo que a D. “A” me contou. (…)”
A testemunha “Y”, igualmente residente em P..., conhece o Autor, depôs igualmente sobre os actos que os Réus praticavam no terreno de que tem conhecimento directo e sobre a alegada compra do terreno prestou um depoimento de ouvir dizer:
“(…)Desde 1963 que lá moro, o terreno dos Réus,  fica um terreno ao meio do que eu moro, do mesmo lado da estrada…nunca conheci lá ninguém a não ser os Réus…eles compraram o terreno, tenho a certeza, nunca conheci as pessoas que lhes venderam o terreno(…)nunca vi a senhora da fotografia)…os réus faziam daquilo a sua casa, passavam lá os dias…a D. “A” estava lá todos os dias, o “F” é que não que tinha que trabalhar…tinha um muro, estava vedado de outros terrenos, tem poço, fizeram um contra poço (afundaram), altearam o muro, semearam couves, batatas, feijão verde, vi lá bezerros…está agora tudo parado há 2, 3 anos por causa de problemas de saúde do Réu…chegaram vender hortaliça, a mim não…eu e a “A” não tínhamos conversas sobre se tinham o terreno de renda…não sei como compraram o terreno, se foi com letras, se como foi, sei que foi a prestações…comentava com outras pessoas e ouvia(…). A contra-instância da ilustre advogada da Autora esclareceu: “(…) Em 1963 o senhor “F” já amanhava o terreno…”
“W”, que reside em A..., tem um terreno em P..., “colado” ao dos Réus e é daí que os conhece, declarou-se amiga dos Réus prestou um testemunho directo e consistente, sobre o arroteamento do terreno e indirecto sobre a compra. Entre o mais, com interesse disse: “(…)Os terrenos estão divididos por lotes naquela zona, tenho lá o meu terreno, há mais de 50 anos, muito antes do vinte e cinco de Abril, morava em casa do meu pai, lá no terreno e há cerca de 40 anos fui para A..., e continuo a ir ao terreno que é meu…depois de ir para A... ía lá todas as semanas ver o meu pai e depois da morte do meu pai continuo a semear. No terreno dos Réus vi lá sempre batatas, couves, pimentos, tiveram criação, têm marmeleiros, pessegueiros…disseram-me que tinham comprado a um casal de Lisboa…tem umas casitas fracas no terreno, não sei se lá dormiam iam para lá cedo, almoçavam no terreno(…)”
A testemunha “AA”, marido da anterior, revelou igualmente um testemunho directo e consistente, sobre os actos de arroteamento do terreno e indirecto sobre a alegada compra do terreno pelos Réus e entre o mais disse: “(…)Desde 1970 que conheço os Réus lá no terreno,…tinham morada cá em cima em P... mas passavam o tempo no terreno…há tempos o Réu deixou de poder ir ao terreno e só lá vai de vez em quando…ouvi dizer ao “F” e à D. “A” que o tinham comprado…não sei como compraram…nunca vi pagar, eles diziam que iam pagando…depois de o meu sogro ter falecido há 16/17 anos passei a tratar do terreno que é ao lado do dos Réus…eles melhoraram aquilo, fizeram poço
A testemunha “BB”, igualmente residente em P..., declarou-se amigo dos Réus, não conhecendo a Autora; revelou-se um testemunho directo e consistente sobre os actos de arroteamento e indirecto sobre a alegada compra do terreno pelos Réus. Com interesse, entre o mais disse: “(…) Há 60 anos que estou em P...…vivo a 600 metros do terreno dos Réus…eu e o réu marido íamos ao Convento quando tínhamos 6, 7 anos em 1962…sempre ouvi dizer que o terreno era dos réus, eu via-o passar muitas vezes, ele ía para o terreno, agora anda adoentado, mas há uns anos atrás, nos anos 70, 80, 90 ele ía ao terreno…via-os em P..., o “F” trabalhava não sei se por conta própria se por conta de outrem…ele dizia: vou ate ao meu terreno fazer qualquer coisa..deduzi que era dele…nunca me falou da forma como comprou o terreno(…)”
Também a testemunha “CC”, vizinha dos Réus revelou um testemunho directo sobre o arroteamento do terreno e indirecto sobre a compra. Entre o mais disse: “(…) O meu pai tinha um terreno mesmo pegado ao terreno do senhor “F”, agora que os meus pais faleceram (ele tinha comprado em 1963 e tinha lá casa), a minha irmã foi viver para casa e o terreno é meu…não conheço a senhora (da fotografia)…sempre ouvi dizer ao meu pai que o terreno era do “F”…antes do 25/4/74 o senhor “F” estava lá e semeava batatas e fazia a horta…estive a ver a papelada do meu pai e ele comprou em 1963…nunca entrámos em pormenores quanto a rendas ou compra…sempre os vi lá..agora é que a D. “A” me explicou isso das letras, da compra, sempre pensei que aquilo fosse deles…nunca ouvi falar em senhoria, nem entrámos nesses pormenores.
A contra-instância da ilustre advogada da Autora esclareceu: “O meu pai comprou o terreno dele…conheceu os donos na quinta, emprestou seis mil escudos ao senhor, passou o tempo da devolução e ele propôs-lhe a venda do terreno por mais 3 mil escudos, tendo comprado o bocado por nove mil escudos…não sei quando comprou…os lotes foram vendidos mais ou menos nessa altura de 1963,1964 e só depois de 1974 passei a ter mais confiança com o senhor “F”…o meu pai comprou por escritura pública…era do mesmo dono inicial…agora será dos herdeiros, não os conheço…não sei se os réus eram ou não inquilinos o que eu sei é aquilo que o meu pai dizia que o terreno era do senhor “F”…”.
Dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora temos os de “DD”, amiga da Autora, “EE” com conhece a Autora e conheceu a falecida e “FF” nora da Autora.
O testemunho de “DD” é vago quanto baste, não assistiu a nenhumas conversas entre o “F” e a falecida, apenas acontecimentos, situados no tempo com pouco rigor, pouco ou nada esclarecedores; entre o mais e com interesse disse com esclarecimentos e a contra-instância:
“…Julgo que a D. “I” não vendeu o terreno de P...…uma ocasião fomos ao Algarve eu, a D. “C” e o marido e um neto, a D. “I” tinha falecido, passámos pelo terreno, isto em Janeiro ou Fevereiro de há 4 ou 5 anos…não vimos ninguém…a tia da Autora era pessoa activa e gostava de cuidar das suas coisas…julgo que em 1981/1982 a tia não tivesse querido vender…os únicos bens que a tia da Autora lhe deixou foi o terreno e o recheio da casa…a tia da Autora não tinha filhos e era incapaz de enganar a sobrinha…a tia insistia para que a sobrinha fosse ao terreno…a tia dizia que o inquilino lhe levava umas flores, uma batatas tinha que resolver aquele assunto com ele…o que eu si é que a Autora depois de pagar as autárquicas ficou admirada com o factos de os RR terem posto o terreno em nome dos Réus…quando lá fomos daquela vez que viemos do Algarve estivemos a ver se víamos o senhor, o inquilino…vi para lá umas barracas, saíram de lá pessoas, umas eram crianças…acho que sim a barraca estava no terreno, acho que o inquilino morava em frente…olharam para nós e nós para eles e nada dissemos…o que eu sei é das conversas que eu ouvi à D. “C”, e sou visita da casa de D. “C”…no Natal ou na Páscoa, ainda a D. “I” era viva e ouvia conversas entre a D. “I” e a D. “C” a propósito de rendas…”
A testemunha “EE”, funcionária do lar onde a falecida D. “I” esteve nos últimos anos de vida, teve algumas conversas com a falecida sobre o terreno e chegou a acompanhá-la numa deslocação ao terreno; contudo, nada presenciou e tudo quanto sabe é daquilo que a D. “I” dizia. Entre o mais e com interesse disse: “…Conhecia a tia da Autora desde que foi para o lar e depois tratei da Autora; a tia estava muito lúcida e chamou-me a dizer que tinha um terreno aqui no L..., que o senhor não pagava as rendas, pediu-me para ir com ela ao terreno…fiquei dentro do táxi e ela foi ter com o senhor, trouxe umas flores, umas batatas “lá vou sem dinheiro outra vez, ele não me pagou!” disse a D. “I”…a tia tinha um testamento para a sobrinha…”
A testemunha “FF”, nora da Autora, não presenciou nenhum negócio, tudo o que sabe é de ouvir à sogra e à falecida “I” e no que toca ao negócio da venda e das letras um tanto confuso, ouviu falar de um testamento da falecida “I” mas nunca o viu. Em suma o que disse foi, após esclarecimentos da contra instância:
“… Fui com a minha sogra e a minha “tia” “I” há menos de 15/16 anos ao terreno e o senhor usufruída da terra e plantava árvores de fruto e ía receber rendas, às vezes trazia fruta flores…a “tia” dizia que o terreno era dela…não vendeu o terreno…houve uma altura em que pensou vender…havia umas letras, sei que o senhor as não pagou a todas e passou a existir uma renda e por não ter pago as letras todas compensou com a rendas…a minha tia queria deixar o terreno à minha sogra e depois da morte apresentou um documento comprovativo de que tinha adquirido o terreno com uma escritura…fui uma vez com a minha sogra e a minha “tia” há 15 anos receber a renda, isto logo após eu ter casado…a minha sogra é a única sobrinha da D. “I”…nunca vi o testamento…nunca assisti às conversas da D. “I” com a D. “A”…”
O que se pode, com toda a certeza, concluir, destes depoimentos, é que os Réus já antes do 25 de Abril, recuando até 1963 ou 1964, arroteavam o terreno aqui em causa, colhiam os frutos e legumes que inclusivamente vendiam, não se sabe se na totalidade ou não, isto de forma contínua, à frente de toda a gente; nenhuma das pessoas que depuseram sabia de fonte directa se esses actos praticados pelos Réus o eram como arrendatários se como proprietários isto na medida em que nenhuma das testemunhas assistiu aos negócios celebrados entre os Réus e a mencionada “I”, pessoa que só uma das testemunhas dos Réus pessoalmente conheceu, sem nada de relevante adiantar e o convencimento que tinham e têm de que os Réus agiam como se proprietários fossem advém do facto de os Réus, pelo menos em relação a algumas testemunhas, terem referido que o tinham comprado (a uma certa testemunha até referiu a existência de uma escritura, que aparentemente nunca chegou a ser realizada, pois se o tivesse sido não haveria este processo). Vem provado que, não tendo, então, dinheiro para adquirir o terreno à tia da Autora, em 1969, os Réus tomaram-no de arrendamento à mesma tia, a mencionada D. “I” (pontos 13 e 10 da decisão de facto correspondentes à resposta ao quesito 1.º da Base Instrutória e alínea K) dos factos provados). Ora, se os Réus celebraram com a tia da Autora um arrendamento sobre o terreno em 1969, resultando inclusivamente das respostas dadas a alguns quesitos que foram pagas rendas relativas a esse arrendamento, não é possível dar como provado que desde 1969 os Réus praticavam esses actos de posse como se proprietários fossem, qualidade que não possuíam. Os actos que praticaram foram desde 1969 na qualidade de arrendatários. Contudo em 1981 os Réus celebraram por simples escrito particular uma promessa de compra e venda desse terreno e depois em 1982, conforme alteração que se vai introduzir na resposta ao quesito 35, a respectiva venda. Pergunta-se: ao terem celebrado por simples escrito particular em 1982 uma compra e venda do terreno que a lei exigia fosse feita por escritura pública (art.º 875 do CCiv), negócio esse nulo, nulidade essa de conhecimento oficioso e que tem de ser declarada, salvo situação de abuso de direito, por força das disposições conjugadas dos art.ºs 210, 220, 289 do CCiv, terá ocorrido a inversão do título de posse em conformidade com o disposto no art.º 1265 do CCiv? isto é, terá, a partir de então, a posse em nome de outrem, passado a posse em nome próprio, contando-se a partir de então o tempo da prescrição aquisitiva necessária à aquisição da propriedade? Tal é matéria de direito a ser apreciada oportunamente.
Contudo, do cotejo dos documentos com os depoimentos das testemunhas decorre que as respostas dadas a alguns dos quesitos padeceram de patente e inequívoco erro da apreciação quer dos documentos juntos aos autos quer dos próprios depoimentos das testemunhas.
Isto implica, por um lado, a análise dos documentos que serviram de base às respostas aos quesitos, sem perder de vista o disposto nos art.ºs 392 e 393 do cCiv.
Em relação à alegada venda temos:
· Um documento manuscrito, datado de 15/02/1981, assinado pela tia da Autora e pelos Réus, o qual se encontra a fls. 53 e que vem especificado como sendo “uma promessa de compra e venda do identificado imóvel reduzida a escrito”-alínea L e no qual os Réus referiram que “traziam de renda o referido imóvel”. É o mesmo documento que vem referido na resposta ao quesito 13. Esse documento é igual no seu teor à cópia que os Réus juntaram com a contestação de fls. 91 e original a fls. 273, só que este é dactilografado, com as assinaturas sobre selos fiscais. Com base neste documento alegavam os Réus terem formalizado o negócio de compra e venda e que tinham pago o preço mediante as alegadas letras uma de 14.000$00 e as outras 23 de 2.000$00 cada
· Estão juntas a fls. 274 a 297 originais de 24 letras a primeira de 15/02/1981, no valor de 14.000$00, as 23 restantes dos dias 1 de cada um dos meses seguintes no valor unitário de 2.000$00 cada, a última com data de 1/01/1983, todas elas com aceite de “F” onde se faz referência a cada uma das prestações “valor de um lote de terreno coma área de 690 m2 por o valor de 60.000$00 na Rua ... à ... em Vale ... P...”. Sete delas, mais especificamente as de 1/07/1982 a 1/01/1983 têm no verso a expressão liquidadas e uma assinatura de”I”. A parte contrária foi notificada destes documentos e sobre eles nada disse.
· Existe um outro documento que a Ré juntou com o seu articulado superveniente onde dá conta da superveniência do conhecimento do mencionado documento sob a epígrafe “contrato” que está junto como original a papel azul a fls. 522 assinado por “A” e “I” em que esta declara vender à primeira por sessenta mil escudos o prédio (resposta ao quesito 35);
Nela também declara “I” que já recebeu o preço. Relativamente ao articulado e à junção do documento a Autora no seu articulado de resposta de 8/7/07 a Autora, impugnando os factos entre o mais diz no seu art.º 5/a  “Não foi escrito pela tia da Autora, foi assinado, porque confiou na Ré “A”” e no seu art.º6 “Se os Réus tivessem pago a tia da Autora tinha outorgado escritura antes de ter falecido, não a outorgou porque os mesmos não pagaram” 21 “O artigo 5.º não reza a verdade, assinou, mas não recebeu o preço integral, nem escreveu o conteúdo do documento, verifique-se a letra assinou porque confiou que lhe pagassem, sejam-se os documentos que hoje se juntam, que se encontraram:..”
Entende a Ré recorrente que nos termos do art.º 374 se deve dar como provado o teor desse documento.
Ora relativamente ao documento “contrato” em que outorgam a tia da Autora e a Ré “A”, a Ré não impugna propriamente a autoria da letra, atribui-a, implicitamente à “A” em quem a falecida confiaria, reconhecendo a assinatura da falecida; impugna-o, quanto ao seu teor, dizendo que o preço não foi pago, ao invés do que aí se diz. Para que a declaração da falecida “I” valesse como confissão, seria necessário que a Autora não pusesse em causa que a letra do documento fosse toda ela da autoria da falecida “I”; por outro lado, a Autora diz não ser verdade o que na declaração se contém quanto ao preço ter sido integralmente recebido. Por essa razão não pode o documento em causa valer como confissão que teria de ser integral quanto ao que lá se diz, uma vez que a confissão é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão (art.ºs 347, n.sº 1 e 2, 375 e 376, n.º 2 do CCiv). O elemento perturbador nas respostas dadas pelo Tribunal recorrido em relação aos quesitos em causa, para além da forma como foram respondidos os quesitos 13 e 35 (com pura e simples remessa para o teor dos documentos), reside na resposta que o Tribunal recorrido deu ao quesito 28 onde o Tribunal recorrido dá como provado, com o advérbio “já” constante do quesito, “que os Réus pagaram 7 das 24 letras”
Nenhuma especial referência a esta resposta ao quesito na motivação que o Tribunal recorrido proferiu.
No entanto o Tribunal convenceu-se que os Réus pagaram sete das 24 letras e nenhum erro nesse convencimento, aparentemente, ocorre.
 E que letras são essas, pergunta-se?
 Pois são as letras a que se referem os quesitos anteriores e têm a ver com a alegação da Autora, na Réplica que é a seguinte: “Em 1981 os Réu referiram à tia da Autora que gostariam de comprar aquela parcela de terreno(23)?, mas como não tinham dinheiro assinariam letras que ficavam na sua posse(24)?, e à medida que fossem pagando tais letras seriam resgatadas(25)? E que caso desistissem do negócio o valor ficava para pagamento de rendas pela utilização do coitado terreno(26)?, o que veio a acontecer(27)? Curiosamente, o Tribunal recorrido deu como não provados os quesitos 23 a 27, alegação da Autora, relativamente à “interpretação” que a Autora na Réplica fez do negócio de 1981 cujo documento selado se encontra a fls. 273.
Ora já vinha especificado, sem mácula, da alínea L) que em 15 de Fevereiro de 1981 a tia da Autora e os Réus celebraram uma promessa de compra e venda do identificado imóvel.”

Na alínea M consta “Naquele documento referiram que os Réus traziam de renda o referido imóvel”. Ora se já na alínea L) se dizia que o documento em questão consubstancia uma promessa de compra e venda, a resposta adequada ao quesito 13 em conjugação com a alínea M) e em conformidade com os depoimentos acima transcritos altera-se a resposta ao quesito 13, que passa a ser: “Em 15 de Fevereiro de 1981 os Réus e a tia da Autora celebraram uma promessa de compra a venda do identificado imóvel, que foi reduzida a escrito conforme consta de fls. 273 no qual os Réus dizendo que trazem de renda o imóvel, o prometem comprar a “I” pelo preço de 60.000$00, representado por 24 letras, uma de sinal de 14.000$00 e 23 de 2.000$00 sendo uma por mês e se houver algum mês em que promitente comprador possa pagar duas a proprietária aceita, sendo a escritura feira no fim da última letra, conforme documento de fls. 273 dos autos”.
Em conformidade altera-se a decisão relativa ao quesito 14 que passa a ser: “Provado apenas o que consta da resposta dada ao quesito 13, acima alterada.
No que diz respeito aos quesito 7, 31 e 32 e que têm a ver com as rendas, o Tribunal convenceu-se que entre Fevereiro de 1981 e Junho de 1981, os Réus pagaram rendas à tia da Autora no valor de 400$00 por mês, baseando-se nos canhotos de recibos de rendas juntos a fls. 167 a 172 dos autos, documentos juntos com a Réplica que a Ré na Tréplica impugna dizendo até não ter quaisquer recibos de rendas desse período. As testemunhas da Autora ouvidas sobre a matéria das rendas não se pronunciaram sobre o período em causa e até a alegação da Réplica entra em contradição com a alegação do art.º 24 da p.i onde a Autora diz que “Em Fevereiro de 1981 os Autores pagaram a última renda no valor de 400$00”, o que estava em consonância com a dita promessa de 1981. Desconhecendo-se se a falecida tia da A. a partir de Fevereiro de 1981 deixou de emitir recibos de rendas (quesito 31), resulta provada a matéria do quesito 7 e 32, pois nenhuma outra testemunha foi capaz de referir qualquer outro pagamento de renda a partir de Fevereiro de 1981.

Assim sendo altera-se a resposta aos quesitos 7 e 32 que devem considerar-se “provados”.
Relativamente à matéria dos quesitos 9 a 12, entende o recorrente que se deve alterar no sentido de se considerarem provados na sua totalidade na medida em que dizem respeito ao momento a partir do qual os Réus começaram a praticar no terreno os referidos actos como proprietários. Já vem provada da alínea K) que em 1969 os Réus celebraram com a tia da Autora um contrato de arrendamento relativamente ao prédio em causa e resulta das alíneas L), M) e resposta alterada ao quesito 13 que a em 15 de Fevereiro de 1981 a tia da Autora e os Réus celebraram contrato promessa de compra e venda no terreno nas condições mencionadas no documento de fls. 273 altura em que os Réus deixaram de pagar a renda do imóvel. Há depois o documento de fls. 522 de cujo teor o Tribunal recorrido apenas dá como provado que a tia da Autora declara vender à Ré mulher o referido terreno por 60.000$00. Em relação ao quesito 35 os Réus entendem que se deve ter por integralmente provado face à prova que juntou.
O Tribunal recorrido fundamenta a sua resposta “restritiva” ao quesito 35 no documento de fls. 522. Ora, o documento de fls. 522, como acima se disse, não pode valer como confissão da falecida “I”, pelas razões referidas. Contudo, a Autora, na resposta ao articulado superveniente, não diz que tudo o que consta do documento seja falso. O que a Autora diz, entre o mais, é que o preço não foi pago, mas que a falecida “I” confiaria que o fosse. As testemunhas acima referidas e cujos depoimentos foram transcritos, igualmente, suportam o entendimento de que em 1982, a intenção era a de fazer a escritura pública de compra e venda que não foi efectuada por razões que se desconhecem, mas suportam a conclusão de que foi elaborado o referido documento que está junto a  fls. 522 em que a falecida vende o imóvel à mencionada “A” pelo preço de 60.000$00. Fica por demonstrar que tenha havido o pagamento integral do preço.
Não obstante o que consta como provado que na escritura de justificação notarial de 1997 foi declarado (respostas incólumes aos art.sº 1 a 5, o certo é que em 15/06/1982 a falecida vendeu o terreno por 60.000$00, tal como declarou no documento de fls. 522, nada mais se podendo dar como provado do mesmo.
Assim sendo a resposta ao quesito 35 deve ser alterada como se segue: “Por documento particular, datado de 15/06/1992, integralmente manuscrito, assinado pela tia da Autora e pela Ré mulher, aquela vendeu a esta por sessenta mil escudos um terreno em causa nestes autos.”
No tocante aos art.ºs 9 a 12, do que resulta do contrato-promessa de compra e venda e da venda de 15/06/1982 em conjugação com os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento é que pelo menos a partir da venda de 15/06/1982 os Réus, passaram a actuar sobre o terreno, à vista de toda a gente e de forma pacífica como se proprietários dele fossem. Deu, ainda o Tribunal como provado que a tia da Autora ao longo dos anos sempre promoveu a conservação do terreno, pagou os seus impostos, fazendo-o de modo contínuo e com conhecimento de amigos, o que não é compatível com aquela forma de actuação dos Réus. Ora, relativamente aos actos em questão o Tribunal recorrido baseou-se nos documentos de fls. 336 e ss nos comprovativos do pagamento da contribuição autárquica de 1995 a 2003. A tia da Autora faleceu em 2/2/1999 e em 24/02/2000, por escritura de habilitação notarial a Autora é habilitada como herdeira universal da falecida “I”. Ora o que se pergunta nos quesitos 21 e 22 é se a tia da Autora sempre ao longo dos anos promoveu a conservação do terreno e pagou os seus impostos, isto de modo contínuo com conhecimento de vizinhos e amigos. O Tribunal deu como provado que a tia da Autora praticava aqueles actos de modo contínuo e com conhecimento de amigos. Ora, relativamente à falecida tia da Autora, os depoimentos prestados foram muito esclarecedores. Nenhuma testemunha alguma vez viu a senhora no terreno. Pontualmente, a funcionária do lar acompanhou a falecida numa deslocação ao terreno, supostamente, para cobrar rendas, facto de que não existe nenhuma prova concreta nem sobre o pagamento nem sobre o recebimento; também a nora da Autora referiu uma deslocação ao terreno com esse intuito, mas também não assistiu a referida testemunha a quaisquer conversas entre a Autora e/ou a tia da Autora com o réu. Nenhuma prova palpável da recepção de rendas, nenhuma demonstração inequívoca de actos de conservação daquele terreno. Estão juntas a fls. 336 e ss avisos de contribuição autárquica e documentos comprovativos dos respectivos pagamentos. Assim, o que temos é que dos anos de 1995 a 1998 a falecida pagou as contribuições autárquicas do terreno e dos anos de 1999 a 2002 a Autora pagou as respectivas contribuições.
Assim alteram-se as respostas dadas aos quesitos 21 e 22. Ao quesito 22 deve ser dada a resposta de “Não provado” e ao quesito 21 a resposta restritiva: “A Tia da Autora pagou a contribuição autárquica, referente ao terreno, dos anos de 1995 a 1998 e a Autora pagou a contribuição autárquica referente ao mesmo terreno de 1999 a 2002”
A resposta ao quesito 9 passa a ser a seguinte: “Desde a venda referida na resposta ao quesito 35 que os Réus se sentiam donos do terreno
As respostas aos quesitos 10, 11, 12 são alteradas para “Provado”.

Procede, assim, o recurso, em parte, quanto à impugnação da decisão de facto como acima se refere, mantendo-se a decisão de facto quanto aos outros quesitos.
2-Saber se ocorre erro de julgamento ao julgar nulo o registo da parcela a favor dos Réus por aquisição por usucapião, na medida em que não se verifica nenhuma das condições do art.º 16 do CRgP; ocorrendo, então a inversão da posse precária para posse tendente à usucapião (art.º 1290 do CCiv) que ocorreu a favor dos Réus.
A sentença recorrida entendeu em suma:
· A Autora veio impugnar a escritura de justificação notarial de 21/01/1997 em que os Réus declaram ter adquirido por usucapião, por entender que a as declarações nela exaradas não correspondem à verdade e que por isso o registo que os Réus efectuaram do imóvel a seu favor deve ser declarado nulo e ordenado o seu cancelamento;
·  A acção em que se impugna a escritura de justificação notarial tem a natureza de acção de simples apreciação negativa e o registo que tem por base uma escritura de justificação notarial perde o benefício da presunção do art.º 7 do CRgP face à impugnação da escritura, conforme Ac Uniformizador de Jurisprudência 1/08 publicado no DR 1.ª série de 31/03/2008
· Não está em causa a fé pública da escritura de justificação que constitui um documento autêntico mas sim a veracidade das declarações que são transmitidas pelo outorgante ao documentador que apenas garante terem sido feitas essas declarações perante si nesses precisos termos mas não a sua veracidade.
· Não conseguindo os RR demonstrar a veracidade das declarações que fizeram ao outorgar a escritura de justificação, nomeadamente que se sentiam donos do terreno desde 1969, passando a actuar desde essa data como terreno fosse seu, o que fizeram de boa fé, à vista de toda a gente e de forma pacífica, apenas se provando o contrato de arrendamento em 1969 que aparentemente não caducou, o acto notarial é ineficaz e o registo que tenha sido levado a cabo com base nesse instrumentos terá de ser declarado nulo e ordenado o seu cancelamento
· Tendo o registo sido lavrado com base numa escritura de justificação em que se encontram exaradas declarações que não são verdadeiras, o mesmo está ferido de inexactidões que alteram a realidade material do objecto da relação jurídica, devendo, por isso, ser declarado nulo e ordenado o seu cancelamento (art.º 16 do CRgP na redacção anterior ao DL 116/08).
Sustenta a recorrente o erro de julgamento, seja de indagação, interpretação e aplicação ao caso concreto do art.º 16 do CRgP, na medida em que a falsidade das afirmações dos outorgantes da escritura não figura como causa típica de nulidade dos actos notariais, nem ela poderia ser declarada porque nem sequer foi pedida.
A Autora não pede efectivamente a declaração de nulidade da escritura de justificação, antes a nulidade do registo de aquisição a favor dos RR desse terreno. E como seu fundamento com base nos art.ºs 16 e 17 do CRgP invoca:
· A cada prédio só pode corresponder uma descrição (art.º 79/2 do CRgP)
· A aquisição da A. está em concordância com o art.º 49 do CRgP que permite uma primeira inscrição com base na escritura de habilitação de herdeiros, afastando a necessidade de prévia inscrição a favor do falecido;
· A inscrição a favor dos RR fere o princípio do trato sucessivo e altera a realidade das inscrições e descrições prediais e à data da escritura de justificação o prédio estava inscrito na matriz a predial a favor da Autora e os RR foram abrir novo artigo matricial nas Finanças criando a situação que o art.º 92 do CRgP exigia para a feitura da escritura de justificação; havia assim inexactidão quanto ao art.º matricial que acarreta a nulidade do registo em conformidade com o disposto no art.º 16 do CRgP
A acção interposta de impugnação de escritura de justificação notarial tem uma dupla configuração e integra factos de causa de pedir complexa: acção declarativa condenatória do Réu de reconhecimento do direito de propriedade do Autor sobre o imóvel e acção declarativa de simples apreciação negativa quanto à escritura de justificação notarial, em que o Autor diz não ser verdade o que os justificantes exararam na escritura.
A acção de impugnação da escritura notarial de justificação notarial configura-se como uma acção declarativa de simples apreciação negativa, competindo ao Réu na contestação a alegação dos factos constitutivos do direito que se arroga na dita escritura (art.ºs 343/1 do CCiv) e por terem subsistido dúvidas na jurisprudência foi a questão alvo de acórdão uniformizador de jurisprudência de 04/12/07, publicado no D.R. I Série de 31/03/2008 e cuja doutrina é a seguinte:

Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe -lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial.

Embora com alguns votos de vencido, não se vêem, por ora razões para discordar da doutrina nele exarada, contrária ao parecer do Ex.mo Procurador Geral-Adjunto no STJ e cuja fundamentação básica é a seguinte: na acção de simples apreciação negativa os declarantes da escritura de justificação notarial não podem beneficiar da presunção da titularidade derivada do registo do prédio a que procederam a seu favor na Conservatória do Registo Predial, nos termos do art.º 7.º do CRgP, porque o registo foi feito com base na escritura cuja impugnação se pretende na acção, o que significa a impugnação dos factos com base nas quais o registo foi efectuado, abalando a credibilidade do registo e a sua eficácia prevista no art.º 7.º citado, que é a presunção de que o direito existe, existência essa posta em causa com a acção que é de simples apreciação negativa.

Como se vê a acção da Autora não é uma acção de simples apreciação negativa relativa à escritura de justificação notarial, é uma acção declarativa constitutiva de nulidade de registo com base no art.º 16 do CRgP; nulidade do registo porquanto o justificante foi inscrever o imóvel na matriz quando o mesmo já se encontrava inscrito na matriz a favor da Autora com o artigo matricial n.º ...; a descrição predial do mesmo lote de terreno a favor dos Réus com base na referida escritura de justificação tal como decorre de fls. 19/21 refere que o lote de terreno está inscrito na matriz sob o art.º 613 (o mesmo artigo que consta da escritura de justificação a fls. 27 onde se refere que foi exibida a fotocópia da caderneta predial passada pela Repartição de Finanças. É aqui que surgiu a dúvida da Autora que, na p.i. alegou factos relativos à abertura do novo artigo matricial (art.ºs 34 e 35 da p.i.), porquanto resulta da caderneta junta como documento n.º 2 da p.i. que o prédio urbano com 690 m2 sito no ..., ..., Vale ..., P..., está inscrito nas matriz predial urbana do concelho do B... sob o n.º ... em seu nome (o nome da tia da Autora está riscado). Acontece que o prédio não estava descrito no Registo Predial em nome da tia da Autora e que só veio a ser em 14/09/2001 em nome da Autora com base na sucessão por óbito da falecida tia. Acontece que toda esta questão da dupla inscrição matricial do mesmo prédio urbano e o seu eventual reflexo na 1.ª inscrição do prédio não descrito no registo[2], não foi abordada pela decisão da primeira instância que apenas analisou a questão da nulidade do registo subsumindo a questão das falsas declarações prestadas na escritura de justificação à alínea c) do art.º 16 do CRgP.
O Tribunal de recurso reaprecia as questões colocadas pelas partes e objecto de apreciação do Tribunal de recurso, salvas as questões de conhecimento oficioso. Ora, em matéria de indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas o Tribunal não está sujeito à alegação das partes (art.º 664), mas está limitado pelo debate de facto travado pelas partes. Ora esse debate de facto da petição sugerido na p.i. acabou por não ser feito e nem sequer foi objecto de análise na sentença recorrida, pelo que estando este Tribunal de recurso quanto aos factos delimitado por aqueles que constam dos autos, não será a questão da nulidade do registo conhecida naquela perspectiva inicialmente desenhada. No que toca à possibilidade de subsunção da matéria de inveracidade do que consta da escritura de justificação notarial de 1997 (provou-se que os Réus desde 1969 tomaram de arrendamento o prédio em causa que passaram a arrotear e que apenas a partir de 1982 os Réus passaram a frui-lo como se donos dele fossem, o que está em desacordo com o que os Réus declararam na escritura em causa) às causas de nulidade do registo do art.º 16 dir-se-á que é duvidoso que as causas de invalidade previstas nas alíneas a) e b) do art.º 16 do CRgP seja causas de invalidade substantiva.[3] Temos por inaplicável a alínea a) do art.º 16 que se deve ter por recondutível à falsidade que não é a falsidade substantiva que ora nos ocupa e a alínea c) pois não há nenhuma incerteza quanto aos sujeitos ou ao objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere. A insuficiência dos títulos a que se refere a alínea b) é a relativa ao título principal, como é o caso de ter sido apresentada uma certidão de escritura de partilha desacompanhada da certidão da escritura de habilitação de herdeiros.[4]
De todo o modo, não sendo verdade que a aquisição se deu verbalmente (antes por mero documento particular) e não no ano de 1969, antes em 1982, não ocorre fundamento bastante para se considerar que o título com base foi lavrado registo é falso (art.º 16/a do CRgP)
Por outro lado, face à matéria de facto dada como provada, é evidente que a partir da outorga do escrito de 1982 os Réus passaram a comportar-se como se proprietários do terreno fossem não obstante não terem pago a totalidade do preço e não obstante a invalidade da compra e venda de imóvel por mero escrito particular; têm os Réus a partir de então não apenas o corpus correspondente à posse como ainda o animus da posse, invertendo-se o título de posse, na medida em que possuindo até então o terreno em nome da falecida em razão do arrendamento do mesmo, comprando-o, muito embora por documento formalmente inválido, passaram a partir daí a agir como dele proprietários fossem (cfr. art.ºs 1251, 1253/c, 1258, 12591265 do CCiv), posse essa que se deve considerar pacífica e pública e de má fé por não ser titulada; assim sendo a usucapião deu-se ao fim de 20 anos em conformidade com o disposto no art.º 1296 do CCiv ou seja deu-se em 15/06/2002.
No tocante ao pedido reconvencional formulado pela Ré deve o mesmo ser julgado procedente na versão da sua ampliação, à excepção do cancelamento da descrição n.º 989, uma vez que não se pode proceder ao cancelamento de descrições prediais, dado o disposto no n.º 1 do art.º 87 do CRgP e porque não obstante existir uma duplicação matricial do mesmo terreno não ter ficado claro qual das duas inscrições ocorreu primeiro.


IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar parcialmente procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e, consequentemente:
a) alterar parcialmente a decisão de facto recorrida tal como de III decorre com os respectivos fundamentos;
b) julgar improcedente a acção e absolver os Réus dos pedidos formulados pela Autora;
c) julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional quanto a que:
· Seja declarado nulo, por vício de forma, o contrato escrito de compra e venda celebrado entre a tia da Autora e os Réus, em 15/06/1982;
· Seja declarado que os Réus são os únicos proprietários do prédio em questão, por o terem adquirido por usucapião, por compra e venda escrita, feita por documento particular, à tia da Autora em 15/06/1982 e portanto sem o requisito de forma legalmente previsto (escritura pública), mantendo-se o registo e matriz prediais a seu favor, nos precisos termos em que se encontram;
· Seja declarada a nulidade do registo de aquisição a favor da Autora por sucessão hereditária pela inscrição G1 Ap 57/010...
· Seja ordenado o cancelamento do registo acima referido;
d) julgar no mais improcedente o pedido reconvencional;
 
Regime de Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da Autora e da Ré na proporção de 80% para a Autora e 20% para a Ré em razão do decaimento e em conformidade com o disposto no art.º 446, n.sº 1 e 2

Lisboa, 14 de Abril de 2011
 
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Henrique Antunes
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[1] A acção foi inicialmente distribuída na 2.ª espécie sumária ao 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do B... aos 16/12/04, por isso antes da entrada em vigor do DL 303/07 de 24/08, que alterou o Código de Processo Civil, entrou em vigor conforme art.º 12/1 no dia 1/1/08 e não se aplica aos processos pendentes por força do art.º 11/1 do mesmo diploma; ao Código de Processo Civil na mencionada redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL 303/07, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Como refere Mouteira Guerreio in Noções de Direito Registral, 2.ª edição, Coimbra editora, 1994, pág. 262 a admissibilidade da justificação notarial tem sido condicionada na matriz dos respectivos direitos; o CRP de 1959 dizia que só poderia ter lugar em relação a direitos inscritos na matriz em nome do justificante (art.º 209), o CRP de 1967  restringiu a indicada possibilidade aos direitos que nos termso da lei fiscal devessem constar da matriz (art.º 215), redacção essa que passou a constar do art.º 102 do Código de Notariado; o CRP aprovado pelo DL 224/84 com a redacção do DL 60/90 procurou simplificar a verificação do cumprimento das obrigações fiscais dando mais um passo ao estabelecer as presunções do art.º 117 e assim se o direito estiver inscrito na matriz em nome do justificante presume-se terem sido cumpridas as demais obrigações fiscais (n.º 1)
[3] Isabel Pereira Mendes no se Código de Registo Predial, 16.ª edição, 2007, pág. 198 diz que a alínea a) se refere a nítida invalidade substantiva, não obstante a posição contrária de eminente catedrático;
[4] Isabel Pereira Mendes, obra citada pág. 199.