Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
Descritores: | DOAÇÃO PARA CASAMENTO DIVÓRCIO PRÉDIO RÚSTICO ALTERAÇÃO PARA PRÉDIO URBANO DOAÇÃO CADUCIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. A doação para casamento é a “doação feita a um dos esposados ou a ambos, em vista do seu casamento”, pelo que se traduz numa doação em sentido técnico ( cf. artº 940º) não se confundindo com “as prendas do casamento”, donativos conformes aos usos sociais. II. Com o regime actualmente previsto no artº 1791º, alterado em 2008, com o divórcio, caducam sempre as doações para casamento, sem prejuízo do bem doado puder reverter para os filhos do casamento, por vontade do doador. III. Não pode ser considerado como alteração do imóvel doado, de rústico para urbano, quando é o próprio réu que no inventário para separação de bens na sequência do divórcio com a ré elenca na relação de bens como imóvel a partilhar o prédio rústico doado pelos AA., relacionando autonomamente a casa construída nesse mesmo prédio, mas como benfeitoria e não como constituindo um prédio autónomo ou distinto do doado. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: A… e A… intentaram a presente acção declarativa com processo comum, contra M… e L…, pedindo que seja declarada a caducidade da doação do prédio rústico, que identificam, efectuada pelos Autores aos Réus em 23/01/2008, que seja reconhecido que os Autores são os únicos donos e proprietários do referido prédio e que seja ordenado o cancelamento do registo do prédio a favor dos Réus, na respectiva Conservatória do Registo Predial. Para o efeito, alegam, em síntese que por escritura outorgada em 23/01/2008 no Cartório Notarial da Lourinhã, doaram aos Réus (sua filha e genro) o prédio rústico composto de terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, denominado “Carvalhais”, sito na referida freguesia de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o número …, e inscrito na matriz rústica da União das freguesias de Lourinhã e Atalaia sob os nºs …, com o valor patrimonial global de € 15.694,11. A referida doação foi outorgada apenas tendo em conta o estado de casados dos Réus, de modo a que o imóvel integrasse o património conjugal do casal, com vista a aí construírem a sua casa de morada de família, como efectivamente aconteceu. Mais alegam que jamais teriam feito tal doação ao Réu se este não estivesse casado com a sua filha, naquela data. Por fim, alegam que os Réus se divorciaram em 14/02/2013, pelo que a referida doação caducou com o divórcio, o que pretendem ver reconhecido com a presente acção. Regularmente citados, os Réus não apresentaram contestação, tendo o Réu apenas constituído mandatário, pelo que se consideraram confessados os factos alegados pelos Autores. Os Autores apresentaram as suas alegações, pugnando pela procedência total da acção, sendo que o Réu permaneceu silente. Foi assim, proferida sentença com o seguinte dispositivo decisório: «Face a todo o exposto, julga-se a acção totalmente procedente por provada e, em consequência disso: a) Declara-se a caducidade da doação outorgada pelos Autores a favor dos Réus, através de escritura pública datada de 23/01/2008, tendo por objecto o prédio rústico composto de terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, denominado “Carvalhais”, sito na referida freguesia de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o número …. b) Condenam-se os Réus a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o referido prédio. c) Determina-se o cancelamento do registo de aquisição do referido prédio a favor dos Réus, na Conservatória do Registo Predial. d) Condenam-se ambos os Réus no pagamento das custas judiciais, em partes iguais.». Perante tal condenação veio o réu recorrer, formulando as seguintes conclusões: 1. O presente recurso visa discutir a decisão proferida nos autos, visando a reapreciação da mesma, requerendo-se a respectiva revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue totalmente improcedente o pedido deduzido pelos Autores. 2. Entende o Recorrente, salvo melhor entendimento, que os autos contêm elementos, nomeadamente documentais, que impunham à situação vertente a alteração da decisão proferida, estando tal situação ao alcance da 2.ª instância. 3. Estabelece a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que: “É nula a sentença quando: d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” 4. Consta da sentença ora recorrida, no ponto IV que: “Atenta a confissão, pelos Réus, dos factos alegados pelos Autores na petição inicial que não carecem de ser provados por documento escrito, que se encontram na disponibilidade das partes e sobre os quais é admissível confissão, conjugados, quanto aos factos relativos ao casamento, divórcio, doação e descrição do prédio em causa, com o teor dos assentos de nascimento da Ré e de casamento dos Rés, com o divórcio averbado e, ainda, da escritura de doação, da caderneta predial rústica e da certidão permanente do imóvel objecto dos autos, consideram-se demonstrados todos os factos alegados pelos autores na sua petição (…). Não há factos não provados”. 5. Por efeito da revelia operada pelos Réus, nomeadamente pelo ora Recorrente, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, foram todos os factos alegados pelos Autores tidos como assentes. 6. Tal situação consubstancia uma revelia operante, na qual se faz presumir/ficcionar a confissão dos factos. 7. O Tribunal a quo proferiu a sentença ora recorrida ao abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ou seja, que atenta a manifesta simplicidade da causa, a sentença poder-se-ia limitar à parte decisória, o que sucedeu. 8. Contudo, teve conhecimento o Tribunal a quo de que o imóvel objecto dos presentes autos já não é mais um prédio rústico, conforme havia sido descrito. 9. O imóvel objecto dos presentes autos e do qual se pronunciou a decisão do Tribunal a quo é o seguinte: “Prédio rústico composto por terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, denominado “Carvalhais”, sito na freguesia de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o número …, com o valor patrimonial IMT global de € 15.694,11”. 10. O imóvel que foi doado pelos Autores, ora Recorridos, e do qual pretendem os mesmos obter a caducidade da doação registada, era um imóvel rústico. 11. Era um imóvel rústico. 12. O referido imóvel já não é um imóvel rústico, porquanto os Réus da acção da qual se recorre construíram nele uma casa de habitação. 13. E tinha disso conhecimento o Douto Tribunal a quo. 14. Tanto que tal situação foi, inclusive, alegada na Petição Inicial dos Recorridos, no artigo 22.º daquela, do qual se pode ler que: “Aliás, o imóvel doado destinou-se a que o casal aí construísse a casa de morada de família, como efectivamente aconteceu”. 15. Por efeito da confissão dos factos operada no presente processo, o Tribunal a quo, conforme melhor referido supra, deu tal facto como provado, como não poderia deixar de ser. 16. Atente-se para o Documento n.º 4 junto com a Petição Inicial, para a Verba identificada com o n.º 2, a qual faz referência ao imóvel objecto dos presentes autos, e refere, nomeadamente que: “prédio rústico (…) no qual se encontra construída pelo dissolvido casal uma casa de habitação de rés-de-chão para habitação, com uma área de construção de 360,50 m2 e com cerca de 3,70m, a que atribui o valor de €360.000,00 e que vai relacionado como benfeitorias por não ter sido obtida licença de utilização dondo o prédio ser omisso na matriz”- destaque nosso. 17. Dever-se-á concluir que o Tribunal a quo tinha, efectivamente, conhecimento da construção de um imóvel para habitação no prédio rústico objecto dos presentes autos, sem que, contudo, tivesse tomado o mesmo em consideração. 18. No mesmo sentido, seguia o Documento n.º 11 junto com a Petição Inicial, do qual se pode ler que: “Da relação de bens constante dos presentes autos consta como verba n.º 2 “o prédio rústico composto por terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, denominado “Carvalhais”, sito na freguesia de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o número …, a qual se encontra construída a casa de habitação, embora ainda não participada, a que atribuem o valor de € 150.000,00 (…)”. 19. Nos presentes autos havia informação de que no imóvel objecto de discussão se encontrava construída uma casa de habitação. 20. O referido imóvel deixa, obrigatoriamente, de ser considerado como rústico, porquanto no mesmo já não existe apenas “terra de cultura arvense”, como bem se compreenderá. 21. Tal facto foi dado como provado. 22. O Tribunal a quo, à revelia daquilo que consta dos próprios autos, veio a decidir, nomeadamente, i) pela caducidade da doação outorgada pelos Autores a favor dos Réus; ii) pela condenação dos Réus no reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre o prédio rústico; e bem assim iii) pela determinação do cancelamento do registo de aquisição do referido prédio a favor dos Réus na Conservatória do Registo Predial. 23. Resta questionar o Recorrente: deverá operar-se a caducidade da doação de um prédio que já não existe naqueles termos, de um prédio que já não é sequer rústico? 24. Deverá operar-se o reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre um prédio rústico que já nem existe naqueles termos? 25. O reconhecimento do direito de propriedade dos Autores, ora Recorridos, deverá abranger apenas o terreno que foi doado? E o prédio urbano, a casa de habitação que lá foi construída? 26. Deve reconhecer-se o direito de propriedade sobre o quê em específico? 27. Mais se questiona: o registo da presente sentença será possível junto da Conservatória do Registo Predial, sobre um prédio que já não existe naqueles termos? 28. Todas estas questões ficaram por responder pelo Tribunal a quo. 29. Tal situação consubstancia uma nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), porquanto o juiz deixou de se pronunciar sobres questões das quais devia ter tomado em consideração por terem as mesmas sido trazidas para os autos. 30. Atente-se para o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, do qual se pode ler que: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (…)”. 31. Assim já decidiu o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na data de 08/05/2019, no âmbito do processo n.º 1211/09.9GACSC-A.L2-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt, do qual se pode ler que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito (…)”. 32. Sempre se deverá decidir pela nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por omissão de pronúncia sobre questões com relevância para a decisão do mérito da causa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. 33. Sempre se deverá também referir que o Tribunal a quo, inclusive, se pronunciou sobre uma questão da qual não se poderia ter pronunciado ou tomado conhecimento. 34. O Tribunal a quo decidiu sobre um objecto do qual é impossível decidir, porquanto o mesmo já não existe- o dito imóvel rústico. 35. A realidade fáctica já não existe naqueles termos. 36. Aquele imóvel já não é sequer rústico. 37. Neste sentido, vide o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, na data de 01/10/2015, no âmbito do processo n.º 11789/15, do qual se pode ler que: “I - Pretensão ou pedido juridicamente impossível é o efeito jurídico pretendido pelo autor que seja irrelevante ou impossível para o Direito. II - A instância é inútil quando o efeito jurídico pretendido, através do meio processual utilizado, foi plenamente alcançado. Se o efeito pretendido foi alcançado durante a instância, haverá inutilidade superveniente, com absolvição do demandado da instância”. 38. Vide ainda a este respeito o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, na data de 26/09/2002, no âmbito do processo n.º 0663/02, disponível para consulta em www.dgsi.pt, do qual se pode ler que: “I - São de objecto impossível os actos cujos efeitos na situação concreta, sejam jurídica ou fisicamente impossíveis.” 39. Tal situação ocorre nos presentes autos. 40. Deverá decidir-se pela nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto se verificou pronúncia indevida deste, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. 41. Sempre se deverá entender como verificada, também, uma oposição entre os fundamentos e a decisão proferida na sentença ora recorrida. 42. O Tribunal a quo dá como assente, por confessado, o facto segundo o qual foi construído no imóvel rústico uma casa para habitação por parte do Réus. 43. Tal facto deveria ter conduzido a uma outra decisão a proferir pelo Tribunal a quo, diversa da que foi efectivamente proferida. 44. Não foi tomado em consideração esse mesmo facto, diga-se, importante para os presentes autos. 45. Tendo sido proferida uma decisão em si contraditória, uma vez que não foi tomada em consideração a construção de uma casa para habitação, tendo sido tomada uma decisão sobre um objecto impossível. 46. Há uma contradição da decisão ora recorrida. 47. Neste sentido, vide o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, na data de 03/11/2016, no âmbito do processo n.º 1774/13.4TBLLE.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, do qual se pode ler que: “A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos”. 48. Sempre se deverá entender como verificada a nulidade da sentença ora recorrida, por oposição dos fundamentos com a decisão proferida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. 49. Por tudo o supra exposto, deverá entender-se que a decisão enferma de nulidade, devendo a mesma ser anulada, e baixando os autos ao Tribunal a quo para que se proceda à reforma da decisão, o que desde já se requer.». Os Autores responderam em sede de contra alegações, concluindo que: « 1) O R. L… interpôs recurso da douta sentença que julgou procedente a acção por entender que a sentença é nula. 2) Mas sem qualquer razão como a seguir se demonstrará: É que 3) A alínea d) do nº 1 do artº 615 do C.P.C. estatui que se verifica nulidade da sentença quando “ o Juíz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhecer questões de que não podia tomar conhecimento “ 4) Tem sido entendimento unanime da nossa doutrina e jurisprudência que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum” ou que dele se afastam, constituem questões que o Tribunal tem o dever de conhecer para a decisão da causa ou de não conhecer, sob pena de nulidade. 5) São estes assuntos os relacionados com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas sendo que os outros argumentos e as razões jurídicas alegadas pelas partes não constituem questões no sentido do artº 651 nº 1 al. d), pelo que o facto de o julgador não se pronunciar sobre elas não constitui qualquer nulidade. 6) O Juiz deve resolver todos os assuntos que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes … “ ( artº 608 nº 2 do C.P.C. ) 7) Aplicando estes conceitos ao caso sub judice sublinhe-se que o recorrente não apresentou contestação. 8) Não foi assim suscitada pelo Réu qualquer questão que tivesse de ser apreciada pelo Sr. Juíz “a quo”, nomeadamente a que agora defende nas suas alegações. É que, 9) “Os recursos são um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso ( Acordão do T.R.C. de 15-02-2011 – Proc. Nº 706/09.9TBLRA.C1) 10) Assim o Sr. Juíz a quo – e bem – apreciou o pedido formulado na petição inicial pelos AA., bem como a respectiva causa de pedir e proferiu a sentença. 11) Quer isto dizer que não tendo o Réu suscitado nos autos qualquer questão, nomeadamente a que levanta agora nas suas alegações, o Sr. Juíz não se podia pronunciar sobre ela. 12) E não pode agora o recorrente suscitar, no recurso, questões novas, que não foram apreciadas nem tratadas – nem podiam ser – na decisão de que recorre. 13) E nos autos o recorrente não defendeu a tese de que o imóvel – prédio rústico – já não existe e que não podia ser objecto da presente acção! 14) E não o tendo feito não pode agora fazê-lo, em sede de recurso! Sem conceder 15) No entanto sempre se dirá que não tem qualquer razão na posição que agora vem defender nas suas alegações. Se não, vejamos: 16) Como resulta da d. sentença recorrida foram considerados “demonstrados todos os factos alegados pelos AA. na sua petição …”( cfr. d. sentença recorrida ) 17) Assim foi dado como provado: a) Nesse inventário consta na verba da relação de bens o seguinte i móvel: “ Prédio rústico composto de terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, denominado Carvalhais sito na referida freguesia de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o número …, com o valor patrimonial global de € 15.694,11 ( artº 4º da p.i.) – Doc. nº 4, 5 e 6. b) Este prédio havia sido doado pelos AA. a sua filha M… e ao então seu marido, o Réu L…, aqui 2º Réu, por escritura outorgada em 23.01.2008 no Cartório Notarial da Lourinhã … ( artº 5º da p.i.) 18) Encontra-se também provado que o imóvel doado se destinou a que o casal aí construísse a casa de morada de família como efectivamente aconteceu. Ora, 19) No doc. nº 9 junto com a p.i ( certidão da Conservatória do Registo Predial) consta que a área total do prédio referido no artº 4º da p.i é de 21.400 m2 e que o prédio se encontra inscrito na matriz sob os nºs … da freguesia da Lourinhã. 20) E analisando o doc. nº 5 junto com a p.i constata-se que o artigo matricial 10 tem a área de 1.340.000 (ha) e é composto por duas parcelas de vinha, uma dependência agrícola e uma parcela de cultura arvense. 21) O artº 11 ( doc. nº 6) tem uma área de 0,400000 ha de vinha e o artº 12 ( doc. nº 7) tem também a área total de 0.400000 ha e é composto por vinha e cultura arvense, tendo nela sido implantado uma dependência agrícola. 22) É óbvio que estamos a falar de um terreno agrícola, constituído por uma extensa vinha e alguma cultura arvense. Acresce que, 23) O doc. nº 4 junto com a p.i é uma cópia da relação dos bens comuns do casal que foi apresentado pelo recorrente no inventário para separação de bens subsequente ao divórcio. 24) Nessa relação de bens consta na verba nº 2 um “ Prédio rústico composto por terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, com a área de 21.400 m2, denominada Carvalhais, sita em Casal Vale Frade, União das Freguesias da Lourinhã e Atalaia, concelho de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o nº … com o valor patrimonial para efeitos de IMT de 15.694,11 € ( doc. nº 3 a 6 ) no qual se encontra construída pelo dissolvido casal uma casa de habitação de rés-do-chão para habitação com a área de construção de 360,50 m2 e com cerca de 3,70m, a que atribui o valor de 360.000,00 e que vai relacionado como benfeitoria por não ter sido obtido licença de utilização donde o prédio ser omisso na matriz “– Doc- nº 7 e 8. 25) E o recorrente, cabeça de casal no aludido inventário relacionou como verba nº 3 o seguinte: “ Benfeitoria constituída pela construção na verba nº 2 de uma casa de habitação de rés do chão com uma área de construção de 360,50 e com cerca de 3,70 que vai relacionado como benfeitorias por não ter sido obtida licença de utilização dondo o prédio ser omisso na matriz, a que atribui o valor de 360.000,00 €.” 26) Resulta também do doc. nº 11 junto com a p.i que o inventário prossegue seus termos com a relação de bens aí apresentada pela cabeça de casal, onde constam as aludidas verbas nº 2 e 3. 27) Quer isto dizer que é o próprio recorrente a reconhecer que o facto de ter sido implantado uma construção na verba nº 2 não transforma o prédio rústico em prédio urbano! 28) Assim o recorrente reconheceu expressamente no processo de inventário que o terreno ( verba nº 2 ) mantem a sua natureza rústica e que a construção não existe como prédio urbano, sendo uma mera construção sem existência legal nem fiscal. 29) Está omissa na matriz não possuindo licença de habitabilidade razão pela qual não pode ser habitado nem utilizado de qualquer forma, ignorando-se se reúne as condições para obter a aludida licença. Constitui assim uma mera construção sem autonomia económica, e não m prédio urbano. 30) Por outro lado o terreno rústico é composto por uma extensa vinha –com mais de 20.000 m2 e alguma cultura arvense - tendo a construção apenas a área de 360 m2. 31) Mas mais: o conceito de prédio rústico – e logo de prédio urbano – é um conceito meramente jurídico e não constitui matéria de facto. 32) Quer isto dizer que independentemente do modo como se queira classificar o prédio em causa, certo é que estamos a falar da mesma realidade factual. 33) E a construção erguida sobre o terreno é efectivamente uma benfeitoria feita sobre um prédio pertencente aos ora alegantes !. 34) Não houve qualquer alteração na realidade física que foi doada, excepto a ocupação de 360 m2 por uma benfeitoria, quando todo o prédio, de natureza rústica, tem uma área de 21.400 m2 ! 35) É óbvio que nunca se poderia considerar uma vinha de 21.000 m2 como logradouro de um prédio urbano! 36) O que existe é um terreno de vinha e cultura arvense, onde está implantada uma construção de 360 m2 que não afecta a natureza do terreno, sendo uma mera benfeitoria, tal como descrita no inventário. 37) Não faz qualquer sentido afirmar-se – como faz o recorrente – que o prédio já não existe, uma vez que 38) Existem efectivamente 21.400 m2 de terreno, quase totalmente ocupado por uma vinha. 39) Assim a decisão recorrida teve por objecto uma realidade fáctica existente, sendo perfeitamente desadequado falar-se em “decisão sobre objecto impossível” 40) Não se vislumbra também qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão proferida. 41) Na douta sentença recorrida não tinha de ser “tomada em consideração “ a construção existente sobre o prédio rústico, porque essa construção não existia à data da doação, constituindo uma benfeitoria construída pelo ex-casal dissolvido sobre o prédio objecto de doação, sendo apenas este prédio que está em causa na presente acção! 42) A douta sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade, nem por omissão de pronúncia ou por pronuncia indevida ( al. d) do nº 1 do artº 615 do C.P.C.) nem por oposição dos fundamentos com a decisão ( alínea c) do nº 1 do artº 615 do C.P.C.) 43) Assim deverá manter-se 44) É o que se pede e espera desse Alto Tribunal assim se fazendo Justiça.». Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questões a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim, saber, no caso concreto: - Da nulidade da sentença recorrida, quer por omissão de pronúncia, quer por oposição dos fundamentos com a decisão proferida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d). - Se a doação na sequência do casamento e não obstante o divórcio, se mantém válida por alteração da natureza do imóvel doado de rústico a urbano, com a construção pelos Réus da casa de morada de família em tal imóvel. * II. Fundamentação: O Tribunal recorrido, ao abrigo do disposto no artº 567º nº 3 do Código de Processo Civil e por razões de economia processual, absteve-se de reproduzir os factos, entendemos, porém, que face ao recurso interposto, haverá que considerar os factos que advém da confissão dos Réus, por ausência de contestação, bem como da documentação junta: 1. A primeira Ré, M… é filha dos AA. ( cf. Assento de nascimento junto como doc. nº 1); 2. Os RR. contraíram casamento entre si em 28.04.2001, sob o regime de comunhão de adquiridos (cf. Assento de casamento junto como doc. nº 2); 3. O casamento veio a ser dissolvido por divórcio em 14.02.2013, transitada na mesma data, por decisão proferida na Conservatória do Registo Civil da Lourinhã, tendo tal divórcio sido averbado ao Assento de nascimento da ré sob o nº 2 ( cf. doc. 1 e acta junta como doc. nº 3); 4. Após o divórcio correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo de Família e Menores de Torres Vedras) o processo de inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal dissolvido (Proc. nº 263/13.1TBLNH), intentado a 2/4/2013; 5. Nesse inventário, no qual figura o réu como cabeça de casal, foi junto pelo mesmo a relação de bens da qual consta além do mais, descrito sob a verba nº 2 o seguinte imóvel: “Prédio rústico composto de terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, denominado “Carvalhais", sito na referida freguesia de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o número …, com o valor patrimonial IMT global de € 15.694,11” e mais referiu relativamente a tal prédio que “(no qual se encontra construída pelo dissolvido casal uma casa de habitação de rés-do-chão para habitação, com uma área de construção de 360,50m2 e com cércea de 3,70m, a que atribui o valor de 360.000,00€ e que vai relacionado como benfeitoria por não ter sido obtida licença de utilização donde o prédio ser omisso na matriz”( cf. Doc. na 4, 5, 6 e 7); 6. Tal Benfeitoria foi posteriormente numa nova relação de bens relacionada como verba nº 3 ( cf. doc. nº 11 ) 7. O prédio rústico descrito sob a verba nº 2 havia sido doado pelos AA. a sua filha a ré M…, e ao então seu marido, o Réu L…, por escritura de doação outorgada em 23.01.2008 no Cartório Notarial da Lourinhã.( cf. doc. nº 8); 8. Tendo sido registada a aquisição a favor dos RR. na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã ( cf. doc. nº 9); 9. No texto da doação supra referida consta que esta foi feita pelos AA. a "sua filha e genro" sendo que, tal doação foi efectuada tendo em consideração que o 2º Réu era casado com a filha dos AA.( teor da escritura e confissão); 10. A Ré M… apresentou no supra referido processo de inventário a reclamação sobre o bem relacionado sob a verba nº 2, invocando a caducidade da doação feita ao 2º réu, requerendo a eliminação de tal verba quanto ao acevo a partilhar entre o ex-casal, e requerendo que se mantenha como verba nº 3 a benfeitoria efectuada no prédio ( cf. doc. 10 e confissão); 11. Tal prédio havia sido doado pelos AA. aos RR, apenas porque a M... era sua filha e os RR. estavam casados um com o outro ( confissão); 12. Sobre o requerimento apresentado pela 1ª ré no inventário recaiu despacho no qual se entendeu remeter as partes para os meios comuns com vista a verificar se hou ou não caducidade da doação da verba nº 2; 13. A doação em causa foi feita ao R. L...pelo facto de este ter casado com a filha dos AA./doadores, de modo a que o imóvel integrasse a comunhão conjugal, pelo que a razão do beneficio foi apenas o casamento celebrado entre os dois RR.; 14. Se a 1ª ré não fosse casada com o 2º Réu L...nunca o imóvel teria sido doado também a este, uma vez que tal doação foi efectuada no pressuposto da constância do casamento. 15. Os AA. nem sequer conheciam o Réu antes de este se ter casado com a M.... 16. Tal imóvel doado destinou-se a que o casal aí construísse a casa de morada de família, como efectivamente aconteceu. * III. O Direito: O recorrente assaca à decisão recorrida o vício da nulidade, quer por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, quer ainda tendo por base a alínea c) do mesmo preceito. Perpassa de todas as suas conclusões que no entender do recorrente o Tribunal ao tomar conhecimento que o imóvel objecto de doação deixou de ser rústico e passou a ser urbano, como resulta do facto de os AA, terem alegado que aí foi construída a casa de morada de família dos actuais ex-cônjuges, ora réus, não poderia ter concluído pela caducidade da doação. E com base nessa premissa entende que a sentença está ferida de nulidade, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), “porquanto o juiz deixou de se pronunciar sobre questões das quais devia ter tomado em consideração por terem as mesmas sido trazidas para os autos”. Afirmando ainda que “o Tribunal a quo, inclusive, se pronunciou sobre uma questão da qual não se poderia ter pronunciado ou tomado conhecimento”, decidindo “sobre um objecto do qual é impossível decidir, porquanto o mesmo já não existe- o dito imóvel rústico.”. Concluindo que sempre se deverá decidir pela nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por omissão de pronúncia sobre questões com relevância para a decisão do mérito da causa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. Convoca ainda a alínea c) do artº 615º do Código de Processo Civil ao afirmar que se deverá entender como verificada, também, uma oposição entre os fundamentos e a decisão proferida na sentença ora recorrida, mas assente na mesma ideia, ou seja, o Tribunal a quo dá como assente, por confessado, o facto segundo o qual foi construído no imóvel rústico uma casa para habitação por parte dos Réus, mas tal facto deveria ter conduzido a uma outra decisão a proferir pelo Tribunal a quo, diversa da que foi efectivamente proferida, tendo “sido proferida uma decisão em si contraditória, uma vez que não foi tomada em consideração a construção de uma casa para habitação, tendo sido tomada uma decisão sobre um objecto impossível”. Pede assim, que seja declarada a nulidade da decisão “baixando os autos ao Tribunal a quo para que se proceda à reforma da decisão, o que desde já se requer”. Os AA. nas suas contra alegações pugnaram pela improcedência das nulidades apontadas, defendendo que tem sido entendimento unanime da nossa doutrina e jurisprudência que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum” ou que dele se afastam, constituem questões que o Tribunal tem o dever de conhecer para a decisão da causa ou de não conhecer, sob pena de nulidade. Logo, concluem que são estes assuntos os relacionados com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas sendo que os outros argumentos e as razões jurídicas alegadas pelas partes não constituem questões no sentido do artº 651 nº 1 al. d), pelo que o facto de o julgador não se pronunciar sobre elas não constitui qualquer nulidade. Ora, sustentam, que não foi suscitada pelo Réu qualquer questão que tivesse de ser apreciada pelo Sr. Juiz a quo, nomeadamente a que agora defende o recorrente nas suas alegações. Por outro lado, defendem que razão não assiste ao réu pois não há qualquer conversão do prédio rústico em urbano, mas sim um prédio rústico onde foi construída pelo dissolvido casal uma casa de habitação que o próprio recorrente, cabeça de casal no inventário, relacionou como tal. Apreciando. O Recorrente na defesa das invalidades que aponta à decisão recorrida acaba por entrar em contradição, pois tanto defende que o Tribunal não conheceu de matéria que deveria ter conhecido –a alteração da natureza do prédio objecto da doação- como defende que no conhecimento que fez entrou em contradição, por entender que está confessado que existe uma habitação no prédio, pelo que a caducidade operou-se num objecto impossível – o prédio rústico. Acresce que a consequência da(s) nulidade(s) apontada(s) não seria a reforma da decisão pelo Tribunal recorrido, mas sim por este Tribunal de recurso em substituição daquele, por força do regime previsto no artº 665ºdo Código de Processo Civil. Mas que dizer das nulidades apontadas? O artigo 615º do CPC, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe: «1. É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido». As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções. A nulidade, por omissão de pronúncia, prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” Terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, etc. - e todos os factos em que assentam, bem como todos os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia, exceptuadas aquela cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Todavia, as questões a resolver para os efeitos do n.º 2 do artigo 608º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, ambos do CPC, são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor aos quais o tribunal não tem de dar resposta especificada. Por outro lado, importa ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito. É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito ( Cf. acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., disponível, como os demais, em www.dgsi.pt ): as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal(Cf. acórdão STJ, de 23.3.2017, Procº nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1), trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento ( error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei (cf. Acórdãos do STJ, de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. e 10.9.2019, Procº nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2), consiste num desvio à realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. Ora, manifestamente a decisão recorrida não enferma do vício que lhe é apontado, bem pelo contrário, pois pronunciou-se sobre todas as questões relevantes que importava conhecer, tendo por base alegação dos AA. e a confissão que advém da ausência de contestação dos réus, pois a consideração da construção existente no prédio doado foi igualmente considerada, porém, a mesma por si só em nada alterou o objecto da doação. Porém, tal questão apenas pode ser abordada em sede de subsunção dos factos ao direito e no acerto ou não deste labor e não como nulidade qua tale. No que concerne à invocada nulidade assente na alínea c), ou seja, a contradição, mas assente na mesma ideia – a desconsideração da construção de uma casa de habitação no prédio doado - sendo este classificado na doação como rústico, classificando o recorrente a sentença contraditória por assentar num objecto impossível, também não colhe. Na consubstanciação da coerência lógica da sentença haverá que considerar que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. Na análise da sentença nenhum dos vícios se verifica, sendo a questão da consideração da possibilidade ou não da declaração da caducidade da doação uma questão jurídica a atender na sentença, considerando na mesma todos os factos considerados. Logo, o eventual enquadramento diferenciado em termos jurídicos não determina a verificação de qualquer nulidade, mas sim uma diferente aplicação das normas jurídicas. Donde, inexiste quer omissão de pronúncia, quer contradição, na sentença recorrida, sendo a questão apenas de apreciação jurídica da questão, considerando os factos alegados e que resultam provados por ausência de contestação. Em suma, a decisão sob recurso não enferma das nulidades apontadas. Quanto à questão jurídica, como bem evidenciam os recorridos em momento algum resulta dos factos que o prédio doado tenha sofrido uma alteração que o tenha descaracterizado como tal. Aliás, o que resulta da factualidade provada é que efectivamente o prédio foi doado aos Réus pelos AA., quer na sequência e por força do matrimónio destes, quer ainda para aí poderem construir a casa de morada de família, o que fizeram. Na verdade, é o próprio réu, ora recorrente que no inventário para separação de bens na sequência do divórcio com a ré que elencou na relação de bens como imóvel a partilhar o prédio rústico doado pelos AA., relacionou autonomamente a casa construída nesse mesmo prédio, mas como benfeitoria e não como constituindo um prédio autónomo ou distinto do doado. É certo que poderíamos discutir a benfeitoria e a sua relevância no âmbito desta acção, porém, o réu não contestou os factos em que basearam os AA. a caducidade da doação – a doação para e tendo em vista o matrimónio – nem sequer veio trazer à colação a eventual alteração do prédio, cuja discussão apenas surge neste recurso. Logo, perante os factos alegados e provados o que resulta é que no prédio rústico doado foi construída uma habitação, a qual constitui, no dizer do réu, uma benfeitoria, pelo que o eventual valor da mesma e a sua repercussão no âmbito da relação jurídica entre AA. e réus está arredada desta acção, por inexistência quer de contestação, quer eventualmente de reconvenção. Com efeito, o que resulta dos autos é que primeira Ré, M... , filha dos AA., e o réu contraíram casamento entre si em 28.04.2001, sob o regime de comunhão de adquiridos. Tal casamento veio a ser dissolvido por divórcio em 14.02.2013, transitada na mesma data. Por escritura de doação outorgada em 23.01.2008 no Cartório Notarial da Lourinhã, os AA. declararam doar a sua filha a ré M..., e ao então seu marido, o Réu L…, o Prédio rústico composto de terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola, denominado “Carvalhais", sito na referida freguesia de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o número…. No texto da doação supra referida consta que esta foi feita pelos AA. a "sua filha e genro" sendo que, tal doação foi efectuada tendo em consideração que o 2º Réu era casado com a filha dos AA. Mais se provou que tal prédio havia sido doado pelos AA. aos RR, apenas porque a M... era sua filha e os RR. estavam casados um com o outro, pelo que a doação em causa foi feita ao R. L...pelo facto de este ter casado com a filha dos AA./doadores, de modo a que o imóvel integrasse a comunhão conjugal, pelo que a razão do beneficio foi apenas o casamento celebrado entre os dois RR.. Acrescentando-se que se a 1ª ré não fosse casada com o 2º Réu L...nunca o imóvel teria sido doado também a este, uma vez que tal doação foi efectuada no pressuposto da constância do casamento, pois os AA. nem sequer conheciam o Réu antes de este se ter casado com a M.... É certo que tal imóvel doado destinou-se a que o casal aí construísse a casa de morada de família, como efectivamente aconteceu. Porém, o réu no âmbito da partilha na sequência do divórcio que corre seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo de Família e Menores de Torres Vedras) no processo de inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal dissolvido (Proc. nº 263/13.1TBLNH), intentado a 2/4/2013, no qual figura o réu como cabeça de casal, este relacionou o prédio rústico nos termos doados, como verba nº 2, sendo que relativamente à casa indicou que relativamente a tal prédio “se encontra construída pelo dissolvido casal uma casa de habitação de rés-do-chão para habitação, com uma área de construção de 360,50m2 e com cércea de 3,70m, a que atribui o valor de 360.000,00€ e que vai relacionado como benfeitoria por não ter sido obtida licença de utilização donde o prédio ser omisso na matriz”. Posteriormente na mesma acção tal benfeitoria foi, numa nova relação de bens, relacionada como verba nº 3. A Ré M... apresentou no supra referido processo de inventário a reclamação sobre o bem relacionado sob a verba nº 2, invocando a caducidade da doação feita ao 2º réu, requerendo a eliminação de tal verba quanto ao acervo a partilhar entre o ex-casal, e requerendo que se mantenha como verba nº 3 a benfeitoria efectuada no prédio. Sobre o requerimento apresentado pela 1ª ré no inventário recaiu despacho no qual se entendeu remeter as partes para os meios comuns, com vista a verificar se houve ou não caducidade da doação da verba nº 2. Do elenco dos factos a considerar nada nos leva a pôr em causa o juízo levado a cabo pelo Tribunal recorrido, o qual não nos merece qualquer reparo. Senão vejamos. A doação para casamento é a “doação feita a um dos esposados ou a ambos, em vista do seu casamento” ( artº 1753º nº 1 do CC). Traduz-se numa doação em sentido técnico ( cf. artº 940º) não se confundindo com “as prendas do casamento”, donativos conformes aos usos sociais que estão subordinadas, nomeadamente, ao disposto nos artº 1592º e 1593º( ver Jorge Duarte Pinheiro in “O Direito da Família contemporâneo” págs. 507 e ss. ). Logo, sendo feita em vista do casamento, a doação em apreço tem como causa jurídica o casamento, do qual depende ( cf. artº 1760º nº 1 alíena a) do CC). No que concerne ao seu regime específico as doações para casamento, nas quais se insere as doações feitas por terceiro a ambos os conjuges ( artº 1754º do CC), como é o caso, é formado pelos artº 1753º a 1760º do CC, pois ainda que lhe sejam aplicáveis as regras gerais relativas ás doações ( artº 940º a 979º ex vide artº 1753º) o regime especial consagra desvios motivada pela ideia do favor matrimonii. Pois na doação para casamento pretende-se remover eventuais obstáculos patrimoniais à decisão nupcial, dada a dificuldade em desenvover uma vida a dois sem recursos económicos ou sem a perspectiva de os vir a obter, ou, por vezes, devido à disparidade de condições materiais entre potenciais cônjuges. Pelo que os sinais de favorecimento matrimonial manifestam-se no regime em causa, nomeadamente na possibilidade de doações por morte ( em regra proibidas pelo artº 946º), nas restrições à revogação ( cf. artº 1758º) e, na parte que nos ocupa, nas causas de caducidade conexa com o próprio casamento. Porém, as doações a que vemos aludindo e o regime especial apenas pode ser aplicado se as partes tiveram cumprido as exigências de forma, ou seja, as doações para casamento só podem ser feitas na convenção antenupcial – cf. artº 1756º, celebrada quer por escritura, quer por declaração prestada perante o funcionário do registo civil, e a consequência de tal inobservância de forma está estabelecida no nº 2 do artº 1756º, sendo que neste caso podemos discutir tal ausência, pois a doação ocorre em momento posterior ao casamento, mas claramente na sequência deste, como vimos. Porém, a doutrina tem entendido que desde que a doação conste de escritura e figure o casal qua tale, se considera parte da convenção antenupcial, mesmo que não seja celebrada nenhuma outra por os conjuges adoptarem o regime supletivo (neste sentido Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito da Família”, pág. 471). No caso a questão é que tal doação já ocorre em momento posterior ao casamento, pelo que tal ausência de forma poderia ser invocada, nomeadamente para se poder afastar o regime próprio da caducidade relativamente a esta doação. No entanto, haverá que considerar a alteração legislativa operada no âmbito do direito da família, com repercurssões também neste regime. O regime especial a que temos vindo fazendo referência prevê expressamente a caducidade da doação no caso de divórcio, quando o donatário tenha sido considerado único ou principal culpado – cf. artº 1760 alínea b). Dada a abolição da declaração do cônjuge culpado por força da Lei nº 61/2008, haverá que considerar o disposto no artº 1791º que prevê neste caso a perda dos benefícios em vista do casamento, na sequência do divórcio, independentemente da culpa que possa ser ter cabido ao beneficiário da ruptura da vida em comum, prevendo o nº 2 do mesmo preceito que o autor da liberalidade determine que o benefício perdido pelo cônjuge, na sequência do divórcio, reverta para os filhos do casamento. Dada a alteração das normas relativas ao direito da família operada pela Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, defende Jorge Duarte Pinheiro ( in ob. cit. pág. 512) que “há uma incompatibilidade entre o que consta no artº 1760º nº 1 alínea b) e o nº 2 da versão de 1977, com o que se estatui no artº 1791º, alterado em 2008, o que implica a revogação tácita dos dois primeiros preceitos pelo último. Ou seja, agora, com o divórcio, caducam sempre as doações para casamento, sem prejuízo do bem doado puder reverter para os filhos do casamento, por vontade do doador”. Na verdade, no que concerne aos efeitos específicos do divórcio estabelece-se no artº 1791º do CC que cada conjuge perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro conjuge ou de terceito em vista do casamento ou em consideração do estado de casado. Manifestamente a doação em causa foi feita em vista do casamento, e ainda que a forma da mesma não tenha sido cumprida – por não constar ou se considerar integrante da convenção antenupcial – a caducidade da mesma ocorre não por aplicação das regras especiais dos artº 1753º a 1760º, mas sim por força do artº 1791º do Código Civil. Com efeito, encontrando-nos perante uma doação de terceiro efectuada após a celebração do casamento e em consideração do estado de casado, tal situação não se encontra abrangida pelo âmbito do artigo 1760º, mas sim pelo artigo 1791º, caducando por força desta norma, revertendo o bem automaticamente para o património dos doadores ( Ver por todos Rita Lobo Xavier, “Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro”, pág. 36, Acórdão do STJ de 03-03-2016, disponível in www.dgsi.pt., e Parecer do Instituto dos Registos e Notariado (IRN),disponível http://www.irn.mj.pt) Como aludem Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira “Falando em benefícios, a lei quer referir-se às liberalidades. O artigo 1791º abrange pois as doações entre esposados, entre vivos ou por morte, feitas em vista do futuro casamento, e as doações feitas por terceiro em vista do casamento; as doações entre cônjuges, as doações feitas a ambos os cônjuges por familiar de um deles em consideração do estado de casado do beneficiário e as deixas testamentárias, em forma de instituição de herdeiro ou de legado, com que um cônjuge tenha beneficiado o outro cônjuge”( “Curso de Direito de Família”, Vol. I, 5ª ed., 2016, pág. 769, e, em igual sentido, Tomé d’Almeida Ramião, “O Divórcio e Questões Conexas, Regime Jurídico Actual”, QUID JURIS 2010, pág.172). Afirmando ainda os mesmos autores no comentário ao artigo 1791º, que a Lei nº 61/2008 ao optar pela caducidade dos benefícios atribuídos a ambos os cônjuges, parte da ideia que o casamento não deve ser um meio para adquirir património, acolhendo o princípio geral de que a cessação da causa dos efeitos jurídicos deve fazer cessar esses efeitos ( in ob. cit. pág. 768-769; no mesmo sentido entre outros Acórdão da Relação de Coimbra de 12/07/2017 proc. nº2884/16.1T8CBR.C1, in www.dgsi.pt/trc). Daí o disposto no artº 1790º e 1791º do CC, agora desligados da noção de culpa. Eliana Gersão, Estudos em Homenagem ao Professor Figueiredo Dias, Coimbra Editora, volume IV, pág. 347, debruçando-se sobre os efeitos patrimoniais do divórcio, sustenta que «subjaz à nova formulação dos artigos 1790º e 1791º do CCivil o reforço do movimento de “despatrimonialização” do casamento, ou seja, da ideia de que o casamento não é um meio eticamente legítimo de adquirir património … Hoje os casamentos tornaram-se contingentes, mesmo os de pessoas mais velhas, pelo que não faz sentido manter normas que podiam ter sentido outrora, mas hoje são vistas como fonte de locupletamento de um dos cônjuges à custa do outro». Por seu lado Rita Lobo Xavier, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra Editora, vol. I, pág. 528, defende que a ideia hoje subjacente à imposição inscrita nos arts.1790º do CCivil – e que é perfeitamente aplicável ao artº 1791º - « já não é a de sancionar o cônjuge culpado mas, como se pode ler, na “exposição de motivos” do projecto inicial, a de evitar que o divórcio “se torne um modo de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu pelo esforço comum na constância do matrimónio”. Com efeito, no regime anterior um dos efeitos patrimoniais do divórcio consistia na “perda de benefícios que os cônjuges tenham recebido ou hajam de receber do outro cônjuge ou de terceiros, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado”, perda esta que só afectava “o cônjuge declarado único e principal culpado” (nº1 do artigo 1791º do Código Civil). E, por benefício a lei queria referir-se às liberalidades recebidas ou a receber pelo cônjuge culpado ou principal culpado, pois só quanto a elas tinha fundamento a ideia de que o cônjuge se mostrou indigno de as receber. Esse artigo 1791º abrangia as doações entre casados, entre vivos ou por morte, e as doações de terceiro aos cônjuges ou de qualquer outra liberalidade feita em consideração do estado de casado do beneficiário, como era o caso de uma doação feita a ambos os cônjuges por familiar de um deles em consideração do estado de casado do beneficiário. Ora, é este precisamente o caso dos presentes autos, no qual a doação, mesmo que efectuada a ambos os cônjuges foi efectuada tendo em conta o casamento, pelo que subjaz à norma em causa e constitui o seu ratio evitar que o divórcio se traduza num enriquecimento para além da justa partilha daquilo que se adquiriu com o esforço conjunto durante o casamento. Deste modo, face ao divórcio entre as partes e tendo em conta que a doação em causa foi efectuada por familiares de um deles em consideração do estado de casados dos beneficiários é evidente que terá de caducar por efeito do divórcio. Acresce que, frise-se, quando a Lei fala em “benefícios” deverá entender-se todas as liberalidades efectuadas a qualquer um dos cônjuges, quer anteriormente, quer posteriormente à celebração do casamento, desde que a liberalidade se relacione causalmente com o casamento em consideração. Isto é, desde que, o casamento tenha sido a causa daquela liberalidade (neste sentido ainda Rute Teixeira Pedro, “Anotação ao art. 1791.º” in Código Civil Anotado, coord. Ana Prata, vol. II, 2016, pág. 697; no mesmo sentido ainda Acórdão do STJ de 3/3/2016, proc. nº 1808/13.2TBMTS-A.P1, in endereço da net a que vemos fazendo referência). Considerando a discussão operada pelo réu apenas em sede de recurso haverá, contudo, que trazer à colação o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães datado de 28/06/2018, proferido no proc. nº318/16.0T8VPA.G1( inwww.dgsi.pt/trg), no qual depois de concluir que o artº 1791º do CC aplica-se no caso em que a doação tenha sido efectuada antes do casamento e motivada pela sua realização, por força da revogação tácita do artº 1760º, nº 1, alínea b) e nº 2) do CC, como no caso em que a doação tenha sido efectuada posteriormente, já depois do casamento, desde que tenha sido feita, tendo em conta esse estado de casado e por causa do mesmo, acaba também por preconizar que: ”Tendo sido doado um prédio rústico que ingressou no património comum do casal e construída nele uma casa de habitação, o prédio rústico doado perdeu autonomia e transformou-se num prédio urbano.”. Não obstante tal decisão a matéria factual que foi tida em conta naquele Acórdão e a que ora se discute são diferenciadas, pois ainda que se discuta a eventual alteração do bem doado e, logo, a perda de benefício porque, entretanto, nele foi edificada uma casa. No caso resultava que o prédio doado era uma parcela de terreno com aptidão construtiva. No caso em apreço é o próprio réu que assume que a construção erigida no prédio rústico é uma benfeitoria “por não ter sido obtida licença de utilização”. Pois não há que olvidar que na descrição do prédio resulta como sendo composto de terra de cultura arvense, vinha e dependência agrícola. Na classificação dos prédios os mesmos podem ser rústicos ou urbanos. Para o Código Civil são prédios rústicos uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica e são prédios urbanos qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (artº204º, nº1, al. a) e nº 2 do CC). Por outro lado, para efeitos fiscais deixam de ser classificados como prédios rústicos aqueles que passarem a reunir as condições referidas no n.º 3 do artigo 6.º do CIMI e que passarão a ser classificados como «terrenos para construção», requisitos que não foram alegados nos autos e logo, não podem ser considerados. Aliás, confessadamente, o réu não classifica o prédio como urbano, pois o que resulta é inclusive a ausência de licença de utilização do imóvel, sem que resulte sequer a autonomização para efeitos fiscais deste. Acresce que para o CIMI são prédios urbanos: os habitacionais; os comerciais, industriais ou para serviços e os terrenos para construção (alíneas a) a c) do nº 1 do artº 6º), os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3 (artº 6º, nº 4). São considerados terrenos para construção, os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos (artº 6º, nº 3 do CIMI). Ora, o terreno doado é um prédio rústico para efeitos cíveis, pois a construção no mesmo existente no entender do próprio réu não tem autonomia (artº 204º, nº 2, 1ª parte). Logo, em nada releva a construção edificada no terreno para efeitos da presente decisão, pois face ao disposto no artº 1791º na sua versão actual a intenção do legislador, foi obstar a que cônjuges obtivessem vantagens pelo casamento que, entretanto, se dissolveu, para além da partilha do que se adquiriu pelo esforço comum na constância do matrimónio. De tudo o exposto somos em concluir como a bem fundamentada sentença, a qual não nos merece reparo, confirmando-se na íntegra e improcedendo a apelação. * IV. Decisão: Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pelo apelante. Registe e notifique. Lisboa, 14 de Setembro de 2023 Gabriela de Fátima Marques Jorge Almeida Esteves Teresa Soares |