Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2278/2008-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CONDOMÍNIO
ADMINISTRAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1 – O administrador tem legitimidade processual activa, não só na execução das atribuições que a lei ou o regulamento lhe conferem como também quando autorizado pela assembleia, relativamente a todos os actos que, extravasando o âmbito da gestão normal, a lei inclui na esfera de competência da assembleia.
2 – O administrador terá, pois, de se munir da devida autorização da assembleia de condóminos para intentar, seja contra terceiro, seja contra um condómino, a acção destinada à resolução do contrato de arrendamento de uma parte comum do edifício, na medida em que se trata de matéria que extravasa a competência do administrador.
3 – Uma vez aprovadas nos termos legais, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na assembleia ou, participando, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação.
4 – Tendo os condóminos celebrado um contrato de arrendamento de uma parte comum do edifício com um dos demais condóminos, não é admissível a inclusão, nesse contrato, da cláusula, segundo a qual, “se, por qualquer motivo deixar de interessar aos condóminos a cedência das instalações da porteira, a administração vigente comunicará por carta registada, com antecedência mínima de três meses, a data em que as instalações deverão ficar devolutas, não havendo lugar a quaisquer indemnizações”.
5 – Trata-se de uma condição resolutiva que, como tal, colide com a garantia de estabilidade concedida pela renovação automática do contrato, prevista no artigo 1054º do Código Civil, pelo que esta condição inserta pelas partes não invalida ou altera o contrato, devendo, apenas, considerar-se nula, porque contrária à lei, dado tratar-se de um arrendamento urbano.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[L] e [M], na qualidade de administradores da propriedade horizontal do prédio urbano situado em Lisboa, (...), propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra [E], pedindo, a título principal, que seja:
a) - declarado que a cave direita do referido prédio é compropriedade de todos os condóminos;
b) - a Ré condenada a reconhecer tal direito de todos os condóminos, aqui representados pelos autores;
c) - a Ré condenada a restituir, de imediato, aos Autores livre e desocupada a referida cave;
d) - a Ré condenada a pagar aos Autores a quantia de € 10.120, sendo € 2.595 a título de quantias mensais vencidas na vigência do acordo descrito no artigo 5º da petição inicial e € 5.525 a título de indemnização pela não restituição da cave na data em que o referido acordo foi resolvido, devendo acrescer € 175 por cada mês que decorra até à data da restituição da cave.
E a título subsidiário que:
(i) seja declarada a resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, decretado o despejo;
(ii) condenando-se a Ré a restituir, de imediato, aos Autores livre e desocupado o objecto locado
(iii) e ainda a pagar-lhe as rendas vencidas e as que se vencerem até restituição.

Fundamentando a sua pretensão, alegam, em síntese, que, em 1992, os condóminos cederam à Ré o uso da cave direita para arrumos ou habitação dos seus familiares, mediante o aumento da quota parte da responsabilidade da Ré nas despesas comuns, no valor de € 175 mensais.
Os condóminos acordaram ainda que a quantia paga pela Ré seria junta ao restante das receitas provenientes das prestações do condomínio e que, se, por qualquer motivo, deixasse de interessar aos condóminos a cedência das instalações da porteira, a administração comunicaria com a antecedência mínima de três meses a data em que as instalações deveriam ficar devolutas, não havendo lugar a quaisquer indemnizações.
A Ré deixou de pagar a quantia acordada, desde Janeiro de 2002, pelo que, por carta de 22 de Janeiro de 2003, a administração do condomínio lhe solicitou a entrega da cave direita, para o dia 22 de Abril de 2003 mas a Ré recusou e continua a recusar entregar a cave.
A detenção ilícita da cave direita vem provocando ao condomínio prejuízos que equivalem ao rendimento que poderia ser produzido pelo local em causa, se o mesmo tivesse sido restituído, no dia 22 de Abril de 2003, no montante mensal de € 175.

A Ré contestou, começando por invocar a ilegitimidade dos Autores.
Alega, nesse sentido, que a acção vem instaurada, apenas, por dois condóminos e não pela totalidade deles como falsamente se refere.
Ora, como o acordo em causa nos autos foi firmado pelos condóminos, não podem os administradores do condomínio, por si só, estar na presente acção desacompanhados dos restantes condóminos do prédio.
Acrescenta que, tendo-se ausentado para o estrangeiro, cedeu temporariamente a casa da porteira a [J], tendo-se este comprometido comprometido a pagar a quantia a título de contraprestação que foi fixada pelos condóminos enquanto a Ré estivesse ausente, quantias que não tem pago desde Janeiro de 2002, continuando, porém, a utilizar o espaço, impossibilitando a Ré de ter acesso ao mesmo e de o restituir aos condóminos como é sua pretensão.

Requereu a intervenção acessória provocada de J.

Replicaram os Autores, dizendo que o administrador da propriedade horizontal tem legitimidade activa na execução das funções que lhe competem ou quando autorizado pela assembleia de condóminos.
Como a acção tem em vista a reivindicação da casa da porteira, esta questão inclui-se no âmbito das competências da assembleia de condóminos.
Uma vez que os condóminos autorizaram o administrador a propor a presente acção, os Autores podem, dessa forma, representar judicialmente os restantes condóminos.
Quanto ao mais, dizem desconhecer o alegado, acrescentando que, de qualquer forma, a cedência é ilícita e só a Ré é responsável por ela e deduziram oposição à intervenção acessória provocada.

Foi admitida a intervenção acessória provocada. Mas o requerido, citado, não contestou.

Prosseguindo os autos, foi proferido saneador – sentença, tendo sido julgada improcedente a alegada excepção da ilegitimidade activa. Quanto ao mérito, foi a acção julgada procedente, tendo, em consequência, sido:
a) - Declarada a resolução do contrato de arrendamento da cave direita do prédio urbano sito na Rua do Guarda - Jóias, em Lisboa;
b) - Condenada a Ré a entregar imediatamente a referida cave direita ao Condomínio do prédio urbano sito na Rua do Guarda - Jóias, em Lisboa, entrega essa a fazer na pessoa dos seus administradores;
c) - Condenada a Ré a pagar ao Autor (i) a quantia de € 10.120 de rendas vencidas desde Janeiro de 2002 até Novembro de 2006 e ainda (ii) as rendas vincendas, entre Dezembro de 2006 e a data da presente sentença, no montante mensal de € 175.
d) – E condenada a pagar ao Autor, a titulo de indemnização, por cada mês que decorrer até entrega efectiva, a quantia de €175, caso a Ré não entregue o locado identificado supra, imediatamente após o trânsito em julgado da sentença.

Inconformada, recorreu a Ré, formulando as seguintes conclusões:
1ª – A presente acção não foi instaurada, como o devia ser, por todos os condóminos do prédio, uma vez que, constituindo a casa da porteira parte comum do mesmo prédio, os condóminos serão, nos termos da lei, proprietários da sua fracção e comproprietários das partes comuns.
2ª – E tanto assim é que o Autor na acção não é o Condomínio do Prédio, mas antes dois dos seus condóminos e administradores.
3ª – Também do teor da própria petição inicial se retira que a referência é feita sempre aos condóminos do prédio e não ao Condomínio em si mesmo considerado.
4ª – Daí que a acção a instaurar o devesse ter sido em nome de todos os condóminos do prédio (quer aqueles que celebraram o contrato quer aqueles que lhe sucederam em vida ou “mortis causa”).
5ª – Até porque, convertida por iniciativa do Exc. mo Juiz “a quo” a acção de reivindicação em acção de despejo, tem legitimidade para a propositura desta o senhorio, ou senhorios, que o forem ao tempo da instauração da acção.
6ª – Afigura-se-nos, pois, existir litisconsórcio necessário activo para a presente acção pelo que todos os condóminos, sendo comproprietários das partes comuns, devem figurar na aludida acção, sendo que, na própria assembleia de condóminos realizada para alegadamente conferir os tais poderes especiais aos administradores, nem sequer estavam presentes todos os condóminos como iniludivelmente resulta expressa e inequivocamente da aludida acta.
7ª – Mas, ainda que se entendesse, como o faz o Tribunal a quo, que os administradores foram mandatados pela assembleia sem poderes para representar os condóminos nesta situação, ainda assim não ocorreu, a nosso ver, a concessão de poderes ditos especiais aos referidos administradores.
8ª – Ora, como se alcança do teor da aludida acta, logo se vê que a mesma não foi elaborada, tendo em atenção os requisitos essenciais à atribuição dos especiais poderes.
9ª – A vontade das partes não foi celebrar contrato de arrendamento que entendiam de realização impossível.
10ª – Sendo que à luz, quer do RAU, no âmbito do qual o acordo foi celebrado, quer do NRAU, o acordo em causa não configura nenhuma das situações aí previstas.
11ª – A sentença recorrida violou assim o disposto nos artigos 28º e 493º, n.º 3, alínea e) do CPC e os artigos 1095º a 1098º do NRAU.

Os Autores contra – alegaram, defendendo a bondade da decisão recorrida, ampliando, no entanto, o âmbito do recurso para o caso de ser entendido que o acordo celebrado entre as partes não constitui um contrato de arrendamento. A verificar-se tal hipótese, formulam as seguintes conclusões:
1ª – A posse que a apelante exerce não é da vontade dos condóminos, conforme lhe foi comunicado pela referida carta do dia 22/01/03, nem foi, posteriormente, por eles autorizada.
2ª – A posse da apelante não tem qualquer título, já que o referido acordo foi validamente rescindido.
3ª – Assim, deve ser reconhecido aos condóminos, representados pelos administradores da propriedade horizontal, o direito de compropriedade sobre a coisa reivindicada e a mesma a eles restituída, artigos 1305º e 1311º Código Civil.
4ª – De outro lado, ainda, a detenção ilícita que a apelante vem exercendo do local em apreço tem causado ao condomínio graves prejuízos.
5ª – Já que do dito andar não pode usar, nem fruir.
6ª – Prejuízos esses que equivalem ao rendimento que poderia ser produzido pelo local em causa, se o mesmo tivesse sido restituído, no dia 22 de Abril de 2003.
7ª – Tal rendimento equivale, pelo menos, à quantia mensal € 175, que autores e ré acordaram.
8ª – Pelo que devem ser conhecidos os pedidos formulados, a título principal, e julgados procedentes.

Cumpre apreciar e decidir:
2.
Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - Está descrito na 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 00434/220687, um prédio urbano, sito na Rua do Guarda - Jóias, em Lisboa.
2º - No dia 5/12/1980, foi lavrada a escritura de constituição de propriedade horizontal do aludido prédio.
3º - Pela apresentação 07/080181 foi inscrita a constituição da propriedade horizontal, ali constando, no que ora releva, que a “habitação do porteiro é situada na cave, lado direito”.
4º - A 20/05/2005, reuniu a Assembleia Geral de Condóminos do referido prédio, tendo sido deliberado, por unanimidade, eleger a Administração para os anos de 2005/2006, que ficou constituída pelos condóminos do 3º Direito e 5º Esquerdo, [Maria] e [Luís].
5º - A 27/07/2006, reuniu a Assembleia Geral de Condóminos do referido prédio, em que foi pedida autorização para a administração do condomínio pôr uma acção judicial com a finalidade da cave direita ser desocupada, bem como os pagamentos em atraso, tendo sido autorizada pelos condóminos presentes, com excepção do condómino da cave esquerda, a qual, embora concordasse com o despejo da cave direita, casa da porteira, não apoiava a decisão de ser movida uma acção judicial contra o condómino do 4º Esquerdo.
6º - [L] e [M], na qualidade de administradores da propriedade horizontal do prédio situado na Rua do Guarda - Jóias, subscreveram o instrumento junto a fls. 33, denominado “Procuração”, nos termos do qual e na referida qualidade declararam constituir seus procuradores a [Drª R], como Advogado e [M], como Solicitador.
8º - A 30/10/1992, a Ré e os condóminos do prédio sito na Rua do Guarda - Jóias, 36, em Lisboa, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 30, denominado “ Acordo “ tendo ali consignado:
“A Sr.ª (...), proprietária do 4º andar esquerdo do n.º 36 da Rua do Guarda - Jóias, solicitou aos restantes condóminos do prédio a possibilidade de utilizar as instalações da porteira, que neste momento se encontram disponíveis.
Posta à votação tal pretensão, foi votada e aceite por todos os condóminos, tendo sido aceite a cedência nas seguintes condições:
1 - As instalações referidas são cedidas à Sr.ª D. [E] tal qual se encontram.
2 - Pode a Sr.ª D. [E] utilizar as instalações mencionadas para arrumos, ou habitação de seus familiares, mediante um aumento da sua quota nas despesas com o condomínio, no montante de 27 500$00.
3 - Este aumento será revisto anualmente de acordo com a inflação oficial publicada em Portaria.
4 – Se, por qualquer motivo, deixar de interessar aos condóminos a cedência à Sr.ª D. [E] das instalações da porteira, a administração vigente comunicará por carta registada, com uma antecedência mínima de 3 meses (90 dias), a data em que as instalações deverão ficar devolutas, não havendo lugar a quaisquer indemnizações.
5 - (…).
6 – (...).
7 - A receita proveniente da cedência à Sr.ª D. [E] das instalações da porteira será junta ao restante das receitas provenientes das prestações do condomínio e gerida pela administração vigente em conjunto com estas verbas.
8 - (…).
9 - Este acordo entrará em vigor no próximo dia 1 de Novembro de 1992.”
10º - A quantia referida na cláusula 2, foi alterada para € 175.
11º - A Ré deixou de pagar a referida quantia desde Janeiro de 2002.
12º - A Administração do Condomínio endereçou à Ré, que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 32, datada de 22 de Janeiro de 2003, solicitando-lhe a entrega da cave direita para 90 dias depois do envio da carta.
13º - A Ré não entregou a cave direita.
3.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões produzidas nas alegações, não podendo o Tribunal «ad quem» apreciar outras que nelas se não mostrem versadas.

Assim, se a Ré não incluiu determinada matéria nas conclusões da sua alegação, ainda que nesta aflorada, tem de entender-se que dessa forma tacitamente restringiu o objecto do recurso e o tribunal «ad quem» não tem que conhecer de tal matéria (artigos 684º e 690º CPC).

Deste modo, são duas as questões a dirimir. Consiste a primeira em saber se os administradores do condomínio têm ou não legitimidade activa para propor a presente acção. A segunda prende-se com a natureza do contrato celebrado pelas partes.
3.1.
Legitimidade activa dos administradores:

Começa a Recorrente por sustentar, tal como fizera na contestação, que os administradores do condomínio não podem estar por si, na acção, desacompanhados dos restantes condóminos.

Dispõe o artigo 1437º, n.º 1 do Código Civil que “o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia”.
Assim, o administrador tem legitimidade processual activa, não só na execução das atribuições que a lei ou o regulamento lhe conferem como também quando autorizado pela assembleia.
É sabido que tanto a lei, seja ela o Código Civil ou outra legislação avulsa, quanto eventualmente o regulamento do condomínio, atribuem ao administrador determinadas funções que são próprias do respectivo cargo (nomeadamente artigo 1436º e disposições complementares).

Ora, como a todo o direito corresponde, em princípio, a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coactivamente (artigo 2º, n.º 2 CPC), o n.º 1 do artigo 1437º, dando corpo ao referido princípio da correspondência entre direito e acção, estabelece a regra básica e fundamental de que “o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, na execução das funções que lhe pertencem”.

Trata-se de uma competência própria do administrador, cujo exercício não está dependente de qualquer autorização da assembleia de condóminos, e que esta não lhe pode retirar nem condicionar, seja por que forma for, que é por ele exercida em representação dos condóminos em conjunto, e não do condomínio como um ente diverso daqueles.

Há, porém, todo um conjunto de matérias ou situações que, embora não sejam enquadráveis nas funções específicas do administrador, por não respeitarem à gestão corrente do condomínio, caem, no entanto, no âmbito da competência da assembleia por respeitarem a coisas comuns e, por exclusão de partes, o que não está compreendido nas atribuições próprias do administrador, mas que contendem com a compropriedade condominial[1].

Relativamente a todas estas matérias, o exercício do direito de acção pertence à assembleia, eventualmente em concorrência com o direito individual exercitável por cada condómino de per si, devendo aquela exercê-lo através de um representante por si designado, que deverá ser, por via de regra, o administrador, consoante resulta da parte final do n.º 1 do artigo 1437º, conjugado com a alínea e) do artigo 6º do CPC e artigo 22º do mesmo Código, e ainda, a contrario sensu, do n.º 6 do artigo 1433 do Código Civil.

“Caso seja necessário, por exemplo, demandar judicialmente um empregado (verbi gratia, o porteiro), ou o arrendatário de uma parte comum do edifício (suponha-se que os condóminos deram de arrendamento uma garagem comum e pretendem resolver judicialmente o contrato), o administrador carece de autorização da assembleia para intentar as competentes acções. E o mesmo se diga relativamente a todos os actos que, excedendo embora o âmbito da gestão normal, a lei inclui na esfera de competência da assembleia. Dois exemplos: se algum condómino realiza obras de inovação numa parte comum do prédio, sem que haja sido autorizado nos termos do artigo 1425º, n.º 1, só a assembleia tem poderes para decidir as medidas a empreender, podendo incumbir o administrador de intentar uma acção condenatória destinada a conseguir a demolição de tais obras; se, do mesmo modo, for necessário propor (contra um terceiro ou um condómino) uma acção de reivindicação ou uma acção possessória que tenha por objecto partes comuns do edifício, ao administrador não assiste competência para tomar tal iniciativa, mas pode a assembleia atribuir-lhe essa incumbência[2]”.

O administrador terá, pois, de se munir da devida autorização da assembleia de condóminos para intentar, seja contra terceiro, seja contra um condómino, a acção destinada à resolução do contrato de arrendamento de uma parte comum do edifício ou uma acção de reivindicação que tenha por objecto partes comuns do edifício, na medida em que se trata de matérias que extravasam a competência do administrador.

Há, entretanto, um aspecto que importa clarificar: os condóminos lesados no seu direito de compropriedade sobre as partes comuns podem, isoladamente, pleitear em juízo em defesa da integridade daquelas, sem terem de aguardar que o administrador convoque a assembleia e esta decida mandatar/autorizar o administrador a fazê-lo.

Ainda que se entenda que os administradores do edifício em causa pudessem, por hipótese, propor a presente acção contra a Ré, considera esta que, na assembleia de condóminos de 27/06/2006, não lhes foram conferidos poderes especiais para propor a presente acção, razão por que os administradores deixariam de ter legitimidade processual activa para agir em juízo em representação dos condóminos.

Também aqui não assiste razão à Recorrente.

A assembleia de condóminos é o órgão supremo do condomínio e delibera segundo o princípio maioritário, cada condómino dispondo nela (artigo 1430º, n.º 2) de tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem atribuída à sua fracção, nos termos do artigo 1418º CC. Mas a maioria exigida para a aprovação das deliberações não é sempre a mesma. Em primeira convocação, as deliberações são tomadas por maioria dos votos representativos do capital investido (artigo 1432º, n.º 2). Caso não compareça o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, é convocada nova reunião, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria dos votos dos proprietários presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do capital (artigo 1432º, n.º 4).

Uma vez aprovadas nos termos referidos, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na assembleia ou, participando, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação.

É certo que, em casos especificados na lei, as deliberações podem estar sujeitas a quorum deliberativo especial, ora por unanimidade, ora por maioria qualificada de 2/3 do valor total do prédio e, dentro desta, ainda por maioria dos condóminos, ou sem oposição, ora por maioria simultânea de condóminos e de capital, ora por maioria de capital, mas sem oposição.

In casu, não estamos perante qualquer situação que exija quorum deliberativo especial, pelo que seria suficiente a maioria dos votos representativos do capital investido.
Ora, como consta da acta n.o 46, na assembleia extraordinária, realizada a 27/07/2006, à excepção do condómino da cave esquerda, (que embora concordasse com o despejo da cave direita, casa da porteira, não apoiava a decisão de ser movida uma acção judicial contra o condómino do 4º Esquerdo, todos os demais autorizaram os administradores a pôr uma acção judicial, com a finalidade da cave direita ser desocupada, bem como exigir os pagamentos em atraso.
Cremos ter assim demonstrado que os administradores, porque autorizados pela assembleia, tinham legitimidade processual activa para demandar a Ré.
3.2.
Qualificação jurídica do contrato.

Os recursos são meios processuais pelos quais se submetem as decisões judiciais a uma nova apreciação por outro tribunal, ou seja, os recursos de decisão jurisdicionais são meios de impugnação das decisões judiciais , como dispõe o artigo 676º CPC.

O objecto do recurso, qualquer que ele seja, é a decisão do tribunal inferior e não directamente os actos ou questões sobre que se requereu ou emitiu pronúncia na instância a quo, não podendo a Recorrente autonomizar uma parte do fundamento jurídico da decisão, subtraindo-a ao conhecimento do tribunal ad quem.

Pretender que o Tribunal a quo declare que as partes celebraram um contrato inominado e não um contrato de arrendamento, como a sentença qualificou, sem que daí retire a Recorrente, nas suas conclusões, quaisquer consequências que hajam influído na decisão, torna-se um exercício puramente académico que extravasa os objectivos ou finalidade dos recursos, não devendo dessa questão conhecer-se.

Mas ainda que assim não fosse, cremos que não assiste razão à Recorrente.

Alegou o autor, na petição inicial, ter celebrado com a Ré um contrato atípico. Esta, na contestação, não questionou a qualificação jurídica do contrato proposta pelo autor.

Entretanto, o Tribunal a quo considerou que o acordo firmado entre as partes não é um contrato atípico, mas um verdadeiro contrato de arrendamento.

Formalmente nada impedia que o Tribunal a quo alterasse o nomen juris do contrato, pois que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (artigo 664º CPC).

Substancialmente, entendemos que a qualificação está correcta.

Para se saber se estamos em presença de um contrato de arrendamento ou de outro contrato, há que apurar, em cada caso, qual a vontade das partes, vendo-se depois a que tipo se ajusta o contrato que elas quiseram realizar. Não se pode concluir pela celebração de um contrato de arrendamento, quando dos factos provados não é lícito extrair que se tenha tido em vista a constituição de um vínculo locativo.

Nos contratos em geral, há que distinguir a formação do acordo do seu conteúdo.

O contrato de locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (artigo 1022º CC).
A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel (artigo 1023º CC).

No seu conteúdo há elementos que o caracterizam e que permitem distingui-lo dos restantes contratos: são os elementos essenciais, naturais, acidentais e necessários.
Elementos essenciais de um contrato são os que têm de existir, que a lei imperativamente estabelece e sem os quais ele não se forma ou não se forma validamente; dizem-se específicos quando imprimem carácter à convenção como contrato de arrendamento urbano, permitindo diferenciá-lo de outros tipos negociais.
São elementos essenciais do contrato de arrendamento urbano (i) a concessão do gozo de um prédio urbano, no todo ou em parte, (ii) feita por certo tempo, (iii) mediante retribuição.
O fim do contrato não é, em regra, elemento essencial do contrato. Só o é quando esteja em causa a aplicação do locado a fim diferente daquele que contratualmente foi destinado.
Elementos acidentais são as cláusulas acessórias que se tornam necessárias para que o contrato produza os efeitos que elas próprias determinam.

Como refere o Prof. Galvão Telles[3], a lei não os exige, nem sequer os introduz por meio de normas injuntivas ou dispositivas. Quando muito prevê-os e regula-os, mas para que do acordo fiquem a fazer parte é necessário que os contraentes assim o determinem. É o que sucede, por exemplo, com as condições.

Da factualidade provada resultam verificados os elementos essenciais do contrato de arrendamento, já que, por escrito particular, os condóminos do prédio urbano sito na Rua do Guarda - Jóias, 36, em Lisboa declararam ceder à Ré a utilização da casa de porteira, então devoluta, para arrumos, ou habitação de seus familiares, mediante o pagamento da quantia de 27 500$00.

É certo que ali se escreveu «mediante um aumento da sua quota nas despesas com o condomínio, no montante de 27 500$00».

No entanto e pese embora o nomen juris atribuído pelas partes – aumento da sua quota nas despesas com o condomínio – ressalta do instrumento subscrito pelas partes e da presente acção que tal montante era a contrapartida, a retribuição, pela cedência do gozo da cave direita, retribuição essa de natureza pecuniária, fixada em escudos, perfeitamente determinável no seu montante (insusceptível de confusão com a quota de condomínio ) e periódica.

Acordaram também as partes que, “se por qualquer motivo deixar de interessar aos condóminos a cedência à Sr.ª D. ª [E] das instalações da porteira, a administração vigente comunicará por carta registada, com a antecedência mínima de três meses (90 dias), a data em que as instalações deverão ficar devolutas, não havendo lugar a quaisquer indemnizações”.

Trata-se de uma condição resolutiva.

Tem-se discutido sobre a possibilidade de se clausularem condições suspensivas ou resolutivas no contrato de arrendamento.

É sabido que a lei do arrendamento urbano concede certas garantias de estabilidade a determinados arrendamentos, como seja o princípio da renovação obrigatória dos contratos, que os torna incompatíveis com algumas condições.

Relativamente à condição suspensiva nada impede que se clausule que os efeitos do contrato fiquem suspensos até que se verifique certo facto futuro.

No que se refere à condição resolutiva, estando o arrendamento sujeito à renovação obrigatória, a admissibilidade da condição colidiria com a garantia de estabilidade concedida pela renovação automática do contrato, prevista no artigo 1054º CC, pelo que não é viável.

Assim, esta condição inserta pelas partes não invalida ou altera o contrato celebrado, devendo, apenas, considerar-se como nula, porque contrária à lei, tratando-se evidentemente de arrendamento urbano.

Improcedem, pois, igualmente as conclusões da apelante, nesta parte.

Concluindo:
1 – O administrador tem legitimidade processual activa, não só na execução das atribuições que a lei ou o regulamento lhe conferem como também quando autorizado pela assembleia, relativamente a todos os actos que, extravasando o âmbito da gestão normal, a lei inclui na esfera de competência da assembleia.
2 – O administrador terá, pois, de se munir da devida autorização da assembleia de condóminos para intentar, seja contra terceiro, seja contra um condómino, a acção destinada à resolução do contrato de arrendamento de uma parte comum do edifício, na medida em que se trata de matéria que extravasa a competência do administrador.
3 – Uma vez aprovadas nos termos legais, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na assembleia ou, participando, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação.
4 – Tendo os condóminos celebrado um contrato de arrendamento de uma parte comum do edifício com um dos demais condóminos, não é admissível a inclusão, nesse contrato, da cláusula, segundo a qual, “se, por qualquer motivo deixar de interessar aos condóminos a cedência das instalações da porteira, a administração vigente comunicará por carta registada, com antecedência mínima de três meses, a data em que as instalações deverão ficar devolutas, não havendo lugar a quaisquer indemnizações”.
5 – Trata-se de uma condição resolutiva que, como tal, colide com a garantia de estabilidade concedida pela renovação automática do contrato, prevista no artigo 1054º do Código Civil, pelo que esta condição inserta pelas partes não invalida ou altera o contrato, devendo, apenas, considerar-se nula, porque contrária à lei, dado tratar-se de um arrendamento urbano.
4.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 15 de Maio de 2008.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Olindo dos Santos Geraldes
__________________________
[1] Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, 3ª edição, 375.
[2] Henrique Mesquita, Propriedade Horizontal, RDES, ano XXVI, 1979, página 189.
[3] Manual dos Contratos em Geral, 3ª edição, 213.