Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA INCOMPETÊNCIA RELATIVA PRIORIDADE PROVIDÊNCIA CAUTELAR DIREITO AO REPOUSO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/06/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Sendo invocadas a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e a incompetência territorial, e entendendo o tribunal que é materialmente competente e territorialmente incompetente, não viola, ao conhecer as duas excepções, qualquer regra de prioridade de conhecimento de excepções que o obrigasse a apenas se declarar territorialmente incompetente, reservando o conhecimento da excepção de incompetência em razão da matéria para o tribunal territorialmente competente. II - Sendo requerida providência cautelar que determine a cessação imediata de ruído produzido por um vizinho com violação do direito ao repouso do vizinho requerente, o facto deste se ter queixado na Câmara Municipal e desta ter feito medições de ruído concluindo pela ilegalidade, e não ter conseguido obrigar o vizinho relapso a cumprir, não transforma a relação controvertida desenhada pelo requerente autor numa relação jurídica administrativa, não determinando a competência dos tribunais administrativos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório M, residente em Oeiras, veio propor procedimento cautelar não especificado contra A, Ldª., com sede em Unhos, requerendo que, sem audição desta, seja decretada intimação da requerida para: “1. O encerramento imediato do estabelecimento da requerida, sendo ordenado que todos os aparelhos sejam desligados até a adoção de medidas efetivas que permitam o descanso e sossego da requerente e a emissão de ruídos e vibrações dentro dos parâmetros da Lei; 2. Caso assim não se entenda, o cessar de imediato o ruído e vibração acima do permitido por lei e incomodativo para a requerente. 3. A adoção de medidas para reduzir os níveis de ruído e vibração para os permitidos legalmente e de modo a não prejudicar o sossego e sono da requerente, no prazo máximo de 10 dias. 4. O pagamento de uma sanção pecuniária no valor diário de €500,00 (…) enquanto não encerrar o estabelecimento ou reduzir o ruído e vibração, conforme vier a ser ordenado”. Alegou em síntese que é proprietária dum 1º andar no prédio que se situa imediatamente por cima das fracções em que a requerida explora, desde 1997, o seu estabelecimento de frutaria e mercearia, e do local de cargas e descargas, existindo diversas arcas frigoríficas e um equipamento de frio de grandes dimensões. Logo aquando da instalação do estabelecimento da requerida se verificou que o mesmo emite ruídos e vibrações que não deixam a requerente dormir. Confrontada a requerida, nada fez, até à data, apesar das inúmeras reclamações em que a Câmara Municipal interveio. Logo em 1998, a Câmara realizou uma medição acústica, revelando que o ruído produzido em 95% do tempo era de 17dB(a), quando não poderia exceder os 10dB(a), e notificou a requerida para “proceder no prazo de 15 dias a obras de insonorização no estabelecimento, bem como a remover os carrinhos que se encontram no exterior do estabelecimento.” Nada sendo feito, em dezembro de 1999 a Câmara fez outra medição, voltando a concluir por ruído de valor superior ao permitido. Nada sendo feito, a requerente foi diagnosticada com um quadro depressivo entre 1998 e 2004. Passados 6 anos e 2 publicações do Regulamento Geral do Ruído sobre 1997, nova mediação acústica entre 17/12/2002 e 20/01/2003, concluiu novamente que “a fonte predominante de ruído provinha do movimento do porta paletes e outras não identificadas, nomeadamente pancadas fortes; - Que o ruído continuava a exceder o permitido por lei, mas desta vez cifrava-se em 16,7 dB(a)”. Novas medições foram feitas entre 23/01/2004 e 12/02/2004, concluindo que “a fonte predominante de ruído provinha do movimento do porta paletes e outras não identificadas, nomeadamente pancadas fortes; - Que com o novo RGR o ruído deveria ser inferior a 8dB(a) e agora situava-se a 13,5dB(a)”. A Câmara notificou a requerida para tomar as devidas providências e esta nada fez. “Em 2013 a requerente volta a ganhar forças para continuar a sua batalha”, apresentando nova queixa, quando já “havia entrado em vigor o terceiro diploma referente ao ruído, o Dec.-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro”. Foi feita 5ª medição entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, que concluiu até por um agravamento dos ruídos. A Câmara realizou nova notificação, e a requerida nada fez. Entre julho e agosto de 2015 a 30 setembro de 2015 é feita a 6ª medição acústica, que conclui que “no período noturno das 23h00 às 7h00, (…) durante esse período o ruído apresentava um valor de 19dB(a) para um máximo legal de 3dB(a)” “56º Mas a CM continua sem nada fazer, e a requerida sem nada corrigir”. Em outubro de 2018 intervém a Polícia Municipal, sem resultados, e entre agosto de 2022 e setembro de 2023 é feita a 7ª medição acústica, concluindo que “no período diurno o ruído excede em 16 dB(a) o valor máximo (5 dB(a)) e no noturno em 7 dB(a) o valor máximo de (3dB(a))”. Em julho de 2024, a requerente recebe carta da Câmara referindo que “rececionou a informação da parte infratora que está a envidar esforços que vista a sanar a questão do ruído…”. “68º Volvidos 27 anos de perfeita tortura, a requerente, vendo-se totalmente desamparada pela (Câmara) que nada fez, mesmo tendo 7 relatórios em que todos eles apontavam para um ruído muito acima do permitido, tanto em período noturno como diurno, decide dizer basta”. “73º A requerente mantém um quadro depressivo, diagnosticado desde 1998 até aos dias de hoje, motivado pelo constante ruído e vibração, o que tem vindo a ser agravado pelos seus problemas de articulações e lombares, sendo impossível conseguir o seu descanso e sono na sua habitação, enquanto a requerida mantiver a funcionar os seus equipamentos”. A requerente justificou o perigo na mora alegando: “A requerente encontra-se à beira da exaustão, não conseguindo ter uma noite tranquila há 27 anos. (…) A continuação da violação dos seus direitos continua a causar-lhe danos irreversíveis que serão objeto de demanda após a apreciação da presente providência. (…) São sobejamente conhecidos os malefícios que a exposição ao ruído e vibração provocam nas pessoas, bem como as suas consequências de privação de descanso e sono”. * A requerida deduziu oposição, excepcionando a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, nos seguintes termos: “(…) 5º. E em lado algum do requerimento, são invocados de forma concreta e especifica, outros factos, suscetíveis de constituírem uma causa de pedir, conexionada com o pedido, que não se reconduzam à violação dos limites de emissão de ruido, estabelecidos no citado regulamento, e que estará na origem do incomodo causado à requerente”. O “legislador decidiu atribuir a competência de fiscalização em matéria de “ruído”, às Câmaras Municipais e Polícia Municipal, nos termos da al. d) do art. 26. ° do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, que aprovou o Regulamento Geral de Ruido”. “Atividade fiscalizadora essa que está sujeita aos princípios vertidos no Capítulo II do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, “De acordo com a generalizada e assente jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a competência dos tribunais em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida, ou seja, em função dos termos em que é formulada a pretensão do Autor, incluindo os seus fundamentos (…)” “temos como certo que incumbe aos tribunais administrativos o julgamento de ações, ou omissões, que tenham por objeto todos os litígios originados no âmbito da atividade de administração pública globalmente considerada, com exceção dos que o legislador ordinário atribua expressamente a outra jurisdição”. “(…) detendo-nos nos factos alegados, na causa de pedir, respetiva legislação invocada, e no pedido formulado, todos nos presentes autos, não poderemos deixar de considerar que a mesma reveste índole puramente administrativa”. “Tendo inclusive, a Câmara Municipal de…, instaurado um processo administrativo para averiguar o ruído no estabelecimento da requerida, conforme resulta do próprio Requerimento Inicial”. “Sucede que, nos termos do disposto no art.º 1º n.1 e 4º n.º1 als. a), b) e k) do ETAF, (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), a decisão sobre a presente relação material controvertida, caberá assim aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal”. “Na verdade, o processo administrativo em curso na CM é o meio adequado para a análise e eventual imposição de medidas corretivas” (…) “Devendo a questão em apreço ser tratada no âmbito administrativo e, em última instância, no tribunal administrativo, caso haja necessidade de impugnação de uma decisão final da” Câmara. “Sendo, por isso, este tribunal judicial incompetente para se pronunciar diretamente sobre questões regulamentadas e administradas pela autoridade municipal”. Mais arguiu a requerida a incompetência relativa do tribunal em razão do território, sustentando a competência do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Cível de Loures, em função da sua sede. Mais invocou a “litispendência – causa prejudicial” relativamente ao processo administrativo pendente na Câmara. Mais peticionou “o indeferimento do pedido cautelar por ininteligibilidade e falta de concretização, uma vez que não permite à requerida compreender o que deverá ser alterado, comprometendo o seu direito de defesa”. Finalmente, defendeu-se por impugnação. * A requerente respondeu à excepção de incompetência material, alinhando: “(…) Não se pediu nenhuma intimação para a prática de ato, nem muito menos algumas das partes é entidade pública; 4 – Não é pelo simples facto de se alegar uma inércia de entidade administrativa e se juntar processos contraordenacionais de que a requerida é arguida que faz com que o pedido ou a causa de pedir recaia na competência de Tribunais Administrativos (…)”. Respondeu ainda à excepção de incompetência territorial, negando-a, e de litispendência, negando-a, e de ininteligibilidade do pedido, voltando a negá-la. * O tribunal de primeira instância proferiu, para o que interessa a este recurso, a seguinte decisão: “(…) A competência afere-se pela forma como o autor configura a ação, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes [vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.04.2008 (processo n.º 08B845) e de 13.03.2008 (processo n.º 08A391)] citados no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de outubro de 2018, processo n.º 6352/17.6T8BRG.G1, Relatora EUGÉNIA CUNHA, in www.dgsi.pt). Sumário (elaborado pela relatora): 1. A competência do tribunal constitui um pressuposto processual que traduz o modo como entre os Tribunais se faz a repartição do poder jurisdicional e revela a medida de jurisdição de cada um deles; 2. A competência absoluta em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela causa de pedir, pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o Autor; 3. Os tribunais judiciais têm competência residual, apenas lhes cabendo as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. consagração constitucional do nº1, do art. 211º, da Constituição da República Portuguesa e, ordinariamente, o nº1, do art. 40º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26/01, e o art. 64º, do CPC); 4. Aos tribunais administrativos e fiscais compete dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (cfr. consagração constitucional do nº3, do art.º 212º, da Constituição da República Portuguesa e, ordinariamente, o nº1, do art.º 1º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e v., ainda, al. o), do nº1, do art. 4º, fazendo-se nas restantes alíneas do referido nº1 uma enumeração exemplificativa de litígios da competência de tais tribunais); 5. A repartição de competências entre estes e aqueles tribunais faz-se em função de o litígio emergir ou não de uma relação jurídica administrativa; 6. Relação jurídica administrativa é a relação jurídica regulada pelo direito administrativo com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração. É uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, a todos ou a alguns dos intervenientes, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada; (…)". Notoriamente que o litígio entre as partes não emerge de uma relação jurídica administrativa, por estar em causa uma relação entre partes que não têm qualquer vínculo administrativo e o pedido e a causa de pedir se circunscrevem a direitos de personalidade, constitucionalmente consagrados. O facto de fazer apelo a medições e a valores que vão para além dos limites fixados pela lei do ruído não faz da questão uma relação de natureza administrativa. Nestes termos e com tais fundamentos improcede a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria”. O tribunal de primeira instância julgou procedente a excepção de incompetência relativa, declarando “o presente Juízo Local Cível (…) incompetente em razão do território. Considerando o domicílio da Ré (…) declaramos competente o correspondente Juízo Local Cível de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte”. * Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: I. O douto Despacho/ Sentença, padece de nulidade, nos termos do disposto nas al. c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, quanto à parte que decide sobre a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, II. Na medida em que, ao ter decidido pela procedência da exceção dilatória de incompetência relativa e, em consequência, ter-se declarado incompetente para decidir a acção em razão do território, III. Não poderia, simultaneamente, ter-se julgado competente para decidir a questão da exceção dilatória da sua própria incompetência absoluta em razão da matéria, como veio a suceder e a decidir, a final, pela improcedência de tal exceção. IV. Independentemente da ordem indicada pela R, na sua oposição/ contestação, relativamente às exceções por si invocadas, a partir do momento em que o tribunal a quo se considera incompetente para decidir a matéria trazida à discussão nos autos, decorra ela, da incompetência territorial, como é o caso, decorra ela da incompetência material, estará sempre prejudicada a apreciação de qualquer outra exceção, verifique-se esta ou não. V. Dito de outro modo, invocadas várias exceções de incompetência do tribunal, este deverá cuidar de averiguar e decidir em primeiro lugar, aquela que seja suscetível de impedir a sua apreciação dos autos, ficando imediatamente prejudicada a apreciação de toda a demais matéria aí invocada, VI. Sob pena de se constituir uma oposição entre os fundamentos da decisão e esta própria decisão, quando o tribunal, ao mesmo tempo que se considera incompetente territorialmente para decidir a acção, vem decidir sobre matéria atinente à sua competência material VII. O que, será passível de constituir também, uma ambiguidade da própria decisão que torna a sua lógica interna ininteligível. VIII. Sendo certo que o tribunal a quo, ao decidir sobre a sua incompetência territorial nos presentes autos, perde a capacidade para conhecer da questão da sua competência material, não podendo já, efetivamente, tomar conhecimento de tal questão. IX. Assim, e conforme o acima explanado, a decisão sob recurso, pelo facto de evidenciar uma manifesta oposição com os seus próprios fundamentos, a qual constituí, aliás, uma ambiguidade que, torna essa mesma decisão ininteligível quanto à lógica de raciocínio do julgador, X. E também, por, na avaliação lógica e única possível, do raciocínio, presumivelmente, formulado pelo julgador, levar a que se tenha de considerar que este se pronunciou sobre questão de que já não poderia tomar conhecimento, XI. Torna-se claro que, o despacho sentença em causa, está irremediavelmente, ferido de nulidade parcial, quanto à parte que decidiu sobre a improcedência da exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, XII. Não devendo, nem podendo, esse mesmo tribunal, decidir sobre tal exceção, a partir do momento em que considerou procedente a alegada exceção dilatória de incompetência desse mesmo tribunal, mas em razão do território, XIII. Devendo assim ser declarada a nulidade parcial da sentença no que concerne à parte decisória sobre a improcedência da exceção dilatória de incompetência material. XIV. Tudo, isto nos termos dos art.ºs , 576, nº 2 e 577 al. a) do C. P. Civil . XV. Mas, independentemente da nulidade parcial da decisão quanto à improcedência da exceção dilatória de incompetência material, e ainda que esta não se verificasse, salvo o devido respeito que é muito, também esta decisão sobre tal matéria, se encontra incorretamente julgada, XVI. Na verdade, o tribunal a quo não terá apreciado, enquadrado e ajuizado da forma mais correta a matéria de facto alegada pela A, o respetivo enquadramento jurídico da mesma feito também pela A, respetiva causa de pedir, e consequente pedido. XVII. Entende-se a este respeito na decisão, no que concerne à análise da alegada exceção dilatória de incompetência material, que a A, terá circunscrito o seu pedido e a causa de pedir a direitos de personalidade, constitucionalmente consagrados. XVIII. Sendo que o litígio entre as partes nos presentes autos não emerge de uma relação jurídica administrativa, dado estar em causa apenas uma relação entre partes que não têm qualquer vínculo administrativo XIX. E que o facto de a A, / requerente fazer apelo a medições e a valores que vão para além dos limites fixados pela lei do ruído não faz da questão uma relação de natureza administrativa. XX. E por isso mesmo, a competência para julgar os presentes autos não cai na alçada de um tribunal administrativo, mas sim na de um tribunal judicial, ficando assim afastada a procedência da alegada exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria. XXI. Mas tal entendimento e decisão, salvo o devido respeito, não é o correto, uma vez que a A estriba toda a sua acção, o que equivale a dizer, o seu pedido e respetiva causa de pedir, num conjunto de medições realizadas no âmbito de ensaios acústicos, que se encontram conformados pelo disposto no Decreto-Lei n.° 9/2007, de 17 de janeiro, que aprovou o Regulamento Geral de Ruído. XXII. Invocando a A, unicamente, ao longo dos autos que, o ruido de que se queixa e está a ser produzido pela R, estará a violar os limites atualmente estabelecidos no Decreto-Lei n.° 9/2007, de 17 de janeiro, que aprovou o Regulamento Geral de Ruido, XXIII. Sem nunca ter alegado, efetivamente, isto é, sem nunca ter alegado de forma concreta, clara e objetiva, factos, (que estejam para além da violação do citado regime legal) que, indiquem nos presentes autos, estarem em causa violações de quaisquer outros direitos, nomeadamente os direitos fundamentais de personalidade naquilo que concerne ao descanso e qualidade de vida XXIV. Pedindo o encerramento imediato do estabelecimento da R, sendo ordenado que todos os aparelhos sejam desligados até à adoção de medidas efetivas que permitam o seu descanso e sossego e a emissão de ruídos e vibrações dentro dos parâmetros da Lei. XXV. Ou em alternativa que, a R. cesse de imediato o ruido e vibração acima do permitido por lei, XXVI. Ou ainda, como segundo alternativa, que a R adote as medidas necessárias para reduzir os níveis de ruido e vibração para os permitidos legalmente. XXVII. Ou seja, remetendo, sempre e em qualquer um deste pedidos, inicial e alternativos para a lei que regulamenta a emissão de ruido, isto é, para o Decreto-Lei n.° 9/2007, de 17 de janeiro. XXVIII. Sucede que, o legislador decidiu atribuir a competência de fiscalização em matéria de “ruído”, às Câmaras Municipais e Policia Municipal, nos termos da al. d) do art. 26.° do Decreto-Lei n.° 9/2007, de 17 de janeiro, que aprovou o Regulamento Geral de Ruido XXIX. Atividade fiscalizadora essa que está sujeita aos princípios vertidos no Capítulo II do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro, XXX. Ora, a competência dos tribunais em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida, ou seja, em função dos termos em que é formulada a pretensão do Autor, incluindo os seus fundamentos XXXI. Portanto, a competência do tribunal afere-se essencialmente pela causa de pedir e pelo pedido. XXXII. Assim, detendo-nos nos factos alegados, na causa de pedir, respetiva legislação invocada, e no pedido formulado, todos nos presentes autos, não poderemos deixar de considerar que a mesma reveste índole puramente administrativa, XXXIII. Posto isto, nos termos do disposto no art.º 1º n.1 e 4º n.º1 als. a), b) e k) do ETAF, (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), a decisão sobre a presente relação material controvertida, caberá assim aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal. XXXIV. Estando-se assim perante uma incompetência material deste tribunal para conhecimento da presente acção, uma vez que a matéria objeto dos autos é incompatível com a competência deste Juízo Local Cível, XXXV. Por isso, em face do exposto, não pode a recorrente concordar com a interpretação vertida pelo tribunal a quo no seu douto despacho / sentença, naquilo que concerne à decisão sobe a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, XXXVI. Nomeadamente, quanto à análise, enquadramento e ajuizamento da matéria de facto, alegada pela A, seu pedido e causa de pedir, que se mostram julgados de forma incorreta XXXVII. E tão pouco, quanto à interpretação que dai resulta, dos artigos 576, nº 2, 577 al. a) do C. P. Civil e artigo 4º do ETAF, e que levou a julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal recorrido, quanto à matéria; XXXVIII. Vislumbrando-se assim, no caso concreto, e em face da natureza jurídica da relação material controvertida, que o Tribunal competente será o Administrativo e não o Tribunal Judicial, nos termos do artº 80º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), em conjugação com os artigos 64º, 65º e 96º do C.P.C. XXXIX. Devendo, na eventualidade de não ser considerada desde logo a nulidade parcial da sentença, quanto a sua parte decisória sobre tal matéria de exceção dilatória de incompetência material absoluta, ser essa mesma decisão revogada e substituída por uma outra que venha a declarar verificada tal incompetência material. Termos em que, deve a presente sentença proferida, em primeira linha, ser declarada nula, em relação à parte que decidiu sobre a improcedência da exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria, Paralelamente e assim não se entendendo, sempre se estando em face de um nítido erro na apreciação da matéria alegada, com inevitáveis consequências ao nível do direito aplicado, deverá a sentença ser revogada com posterior alteração dos seus termos (…)”. Não foram apresentadas contra-alegações. * O recurso foi admitido, pronunciando-se o tribunal pela inexistência da nulidade invocada, pois que “O conhecimento da exceção dilatória de incompetência absoluta precede o conhecimento da exceção dilatória relativa, sendo que julgada improcedente a exceção de incompetência absoluta deduzida pela Apelante tal significa que o Tribunal se julgou competente em razão da matéria para conhecer do procedimento cautelar. Mas ao conhecer da exceção dilatória relativa que julgou procedente, tal tem como efeito a remessa dos autos para o tribunal declarado competente, inexistindo, desta forma, qualquer oposição na decisão quanto às exceções dilatórias que foram conhecidas”. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil – as questões a decidir são a nulidade da decisão e saber se o tribunal é materialmente incompetente. * III. Matéria de facto A constante do relatório que antecede. * IV. Apreciação 1ª Questão: - da nulidade nos termos do artigo 615º nº 1 c) e d) do Código de Processo Civil. Não há qualquer ambiguidade na decisão que julga improcedente a incompetência absoluta em razão da matéria e procedente a incompetência relativa em função da infracção das regras de competência territorial. Defende a recorrente que há contradição entre os fundamentos e a decisão, pois que quem considera não ser competente (fundamento) não pode decidir (qualquer outra questão do processo, incluída a) da sua competência por outra razão. Doutro modo, pode conceber-se que se o tribunal não é competente a um título, então não tem de conhecer da sua competência ou incompetência a outro título, é-lhe vedado o conhecimento desta outra questão. O título IV do Livro I do Código de Processo Civil começa por enumerar as disposições gerais sobre competência indicando, primeiro, a competência internacional, seguidamente, analisando a repartição de competência na ordem interna, pronuncia-se pela competência em razão da matéria (secção I) e só na secção IV é que se pronuncia pela competência em razão do território. No Capítulo seguinte, sobre as garantias da competência, o Código analisa em primeiro lugar a incompetência absoluta (secção I), procedente da violação das regras da competência em razão da matéria, da hierarquia e internacional, e só na secção segunda a incompetência relativa. Se a primeira incompetência em razão da matéria é sempre de conhecimento oficioso, já a segunda só o é nos casos previstos no artigo 104º do CPC. E é por isso que, sendo ambas excepções dilatórias (artigo 577º al. a) o regime de conhecimento ressalva os casos não previstos no artigo 104º. Destas noções decorre evidentemente, o maior valor, por assim dizer, ou na realidade o maior vício a evitar, da incompetência em razão da matéria: - se o tribunal não está vocacionado, segundo a regra de repartição de competência, para conhecer da matéria da causa, não pode mesmo conhecer dela. Se o tribunal não é territorialmente competente, mas o caso não é o previsto no artigo 104º, então o tribunal, mesmo não sendo competente, “passa” a sê-lo. Em que preceito encontramos a ordem de conhecimento? Não havendo preceito próprio para o caso dos procedimentos cautelares, encontramo-lo no lugar do saneamento do processo (artigo 595º nº 1 al. a) do CPC), que nos manda conhecer das excepções dilatórias – isto é, e por referência ao artigo 577º al. a) do CPC “A incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal”. Note-se a ordem de indicação, em coerência com o maior valor de que acima falávamos. E no mesmo sentido, no artigo 278º nº 1 al. a) do CPC – “1. O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância: a) Quando julgue procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal; b) (…); e) Quando julgue procedente qualquer outra excepção dilatória. (…)”. Certo é assim existir uma ordem de conhecimento da excepção de incompetência material que a coloca à frente do conhecimento da excepção de incompetência relativa. Em abstracto. Em concreto, a ordem altera-se nos termos do nº 2 do mesmo artigo 278º do CPC: - se num mesmo processo são invocadas as duas excepções, então “Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal (…)”, consequência típica da incompetência em razão do território. E se o caso não é o do tribunal se considerar incompetente em razão, neste caso, da matéria, mas precisamente o contrário? Já não tem aplicação o nº 2 do preceito, posto que reportado ao nº 1 em que só se prevê a incompetência e não a competência. Mas se atendermos ao tempo de conhecimento das duas excepções, posto que a incompetência absoluta pode ser conhecida no despacho saneador ou depois dele – artigo 98º do CPC – mas a incompetência relativa é decidida antes do despacho saneador – artigo 104º nº 3 do CPC, não encontramos aqui a lógica que nos diz que o conhecimento da incompetência relativa, num processo em que também seja suscitada a incompetência absoluta, é sempre a do não conhecimento desta última em função da procedência da primeira? Não, o artigo 98º do CPC também admite o conhecimento da incompetência absoluta imediatamente após a sua arguição – e no caso concreto as duas excepções foram arguidas na oposição. Onde encontramos então a regra que impõe que o tribunal que se julgue territorialmente incompetente não pode simultaneamente conhecer da excepção da sua incompetência absoluta, julgando-a improcedente? Com o devido respeito, até pela jurisprudência citada pela recorrente - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no Processo nº 2559/07.2TVLSB.L1-2 de 10 Setembro 2009 - em lado nenhum. Em suma, improcedem as nulidades de decisão arguidas. * 2ª Questão: - a competência é da jurisdição administrativa? Todos de acordo quanto à determinação da competência em função da causa de pedir invocada pelo autor. Estabelece o artigo 64º do CPC que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Estabelece o artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos; e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo; g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso; h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público; i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime; j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal; k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas; l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias; m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal; n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração; o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores. 2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade. 3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de: a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa; b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal; c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões. 4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso; b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público; c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente; d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; e) A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”. (sublinhados nossos). Como é manifesto, o caso dos autos não cabe em nenhuma das situações previstas no artigo 4º do ETAF. Trata-se, vamos sintetizar, da invocação do direito da Requerente ao seu repouso e consequentemente à sua saúde, direito que ela entende violado pela Requerida, sua vizinha. Estamos no âmbito das relações entre vizinhos, concretamente, entre pessoas (singulares e colectivas) de natureza privada. A mera referência às sete medições de ruído e às queixas que a Requerente fez na Câmara, e bem assim aos relatórios dessas medições e ao que seja que a Câmara haja feito à Requerida, tudo apenas ilustra a situação entre dois vizinhos, privados, em que um se queixa do ruído que o outro faz. Se, para averiguar os níveis de ruído é preciso recorrer à Câmara, se para concluir se tais níveis de ruído são lícitos ou ilícitos é preciso recorrer ao Regulamento Geral do Ruído, nada disto transforma a relação entre estes vizinhos – e a relação, tal como descrita no requerimento inicial, não é a relação entre a Requerente e a Câmara, mas entre a Requerente e a Requerida, ao longo de 27 anos em que a Câmara, segundo a Requerente, não conseguiu obrigar a Requerida a cumprir – em relação administrativa. A relação entre estes vizinhos não é regulada pelo direito administrativo, não havendo qualquer atribuição de prerrogativas de autoridade a nenhum dos sujeitos, muito menos, claro, à recorrente. Nem há imposição de deveres por via de razões de interesse público: - o uso que a recorrente faz da sua propriedade ou locado não é de interesse público, mas apenas de interesse privado. Basta atentar nos sublinhados que fizemos ao artigo 4º, para perceber que o caso não quadra nas alíneas a), b) e k) citadas pela recorrente. Não se vê assim qualquer razão para censurar a decisão recorrida. Improcede, pois, o recurso. Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil. * V. Decisão Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 06 de Março de 2025. Eduardo Petersen Silva Nuno Lopes Ribeiro Adeodato Brotas |