Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10356/12.7TCLRS.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: REVELIA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –O réu constituído em revelia absoluta não tem que se notificado da data da realização da audiência final, ou de quaisquer outros atos processuais, apenas impondo a lei a sua notificação da decisão final, desde que o seu paradeiro seja conhecido no processo, sob pena de grave violação do seu direito de defesa, na vertente do direito ao recurso.
As disposições conjugadas dos arts. 429º, 430, 417º, nºs 1 e 2, do CPC/2013, e 344º, nº 2, do CC, não permitem a adoção, pelo tribunal, da solução radical de sancionar com a inversão do ónus da prova a recusa ou a omissão de justificação de apresentação de documentos pela parte que os tem em seu poder.
Uma tal solução apenas é permitida ao tribunal no caso de se verificarem cumulativamente os seguintes pressupostos:
   que a não junção de documentação por uma das partes, determinada pelo tribunal, tenha tornado impossível à parte onerada com o ónus probatório de certo facto, fazer a sua prova, não bastando para o efeito uma eventual maior dificuldade dessa prova;
  que uma tal impossibilidade resulte de um comportamento culposo da parte a quem foi determinada a junção da documentação.
A inversão do ónus da prova nos termos do nº 2 do art. 344º, do CC, para que remete o nº 2 do art. 417º, nº 2, do CPC, pressupõe, assim, que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto.

(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade - art. 663º, nº 7, do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


1–RELATÓRIO:


Massa Insolvente da Sociedade ““V..., Lda"., intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra S. Lopes e Manuel..., alegando, em suma, que a sociedade “V..., Lda"., foi declarada insolvente em 4 de novembro de 2009, na sequência do que a administradora da insolvência procedeu à apreensão de diversas frações autónomas pertença da desta sociedade, entre as quais a identificada pela letra “H”, correspondente ao 3º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua..., freguesia da..., concelho de..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., inscrito na matriz predial urbana respetiva ...

Tal fração tem vindo a ser ocupada pelos réus sem qualquer título que a tal os legitime.

A privação de utilização da fração é causa de prejuízos para a autora, pelos quais pretende ser indemnizada à razão de € 650 a € 700 por mês, desde a data em que foi ocupada pelos réus e até à data em que dela saírem, sendo aquele montante mensal equivalente ao valor médio das rendas praticadas na zona relativamente a frações com características semelhantes àquela que constitui o objeto dos presentes autos.

A autora conclui assim a petição inicial:
«Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, reconhecido à A. o direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 3º Esqº do prédio urbano no regime de propriedade horizontal sito na Rua... (anteriormente designada ...), em..., concelho de ..., serem os RR. condenados à restituição da posse do imóvel correspondente à descrita fracção, livre de pessoas e bens e a pagar à A., uma quantia a título indemnizatório, que se estima poder ser do valor de € 700 mensais, por ser o valor de mercado da fracção autónoma em questão. pela ocupação e fruição do imóvel mensalmente até à data, bem como, do montante de € 700 mensais desde a entrada da presente acção judicial e até à respectiva entrega à A., acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento (…)».
*

Ambos os réus foram citados para os termos da ação.

Foi apresentada contestação a fls. 96-111, na qual figuram ambos os réus como contestantes.

No entanto, a contestação apenas foi considerada válida relativamente à ré S. Lopes, uma vez que o réu Manuel... não juntou procuração a favor do ilustre advogado subscritor daquele articulado.

Nessa contestação a ré S. Lopes pugna para que:
- a ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido;
- a autora seja condenada «no pagamento de uma indemnização à R., por se ter provado ser uma litigante de má fé, tendo-lhe causado prejuízos com a presente acção , o que se estima em € 3000,00 (três mil euros)».
*

Na audiência prévia a que se reporta a ata de fls. 208-211 foi indicado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
*

Realizou-se a audiência final, na sequência do que foi proferida sentença que:
a)- Declarou a autora proprietária da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 3º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia da ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o nº ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
b)- Condenou os réus a restituírem a fração autónoma à autora, livre de pessoas e de bens;
c)- Condenou os réus, a título de indemnização, a pagarem à autora a quantia mensal de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), desde setembro de 2008 até à entrega efetiva do imóvel identificado na alínea a), acrescida de juros de mora a contar da citação;
d)- Absolveu a autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.
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Inconformada com o assim decidido, a ré S. Lopes interpôs recurso de apelação, concluindo as respetivas alegações do seguinte modo:
- (…)
- (…)
- (…)
- Entende a Recorrente existir uma questão prévia que deve ser apreciada pelo (…) tribunal ad quem, desde logo porque o Réu Manuel... não se encontra notificado da data da audiência de julgamento e, bem assim, da decisão decorrente daquela.
Note-se que, em 12 de Maio de 2014, a Recorrida e o Réu apresentaram Contestação à presente acção, tendo junto, naquela altura, Procuração apenas a favor da ora Recorrente.
Em 30/05/2016 o Réu Manuel... foi notificado para, querendo, “(…) ratificar o processado, nos termos e com a cominação prevista no art. 48° nºs 1 e 2 do C.P.C." carta que veio devolvida em 17/06/2016.
Novamente em 13/10/2016, foi o Réu Manuel... notificado da data da Audiência Previa, agendada para o dia 3/11/2016. Novamente, a carta veio devolvida - carta que veio novamente devolvida em 31/10/2016.
Ora, na sequência da realização da Audiência Prévia, foi designado o dia 5/01/2017 para a realização da audiência de Julgamento, sendo que, novamente, o Réu Manuel... não foi notificado, nem se encontrava representada por mandatário judicial.
O mesmo se diga em relação à Sentença proferida em 24/03/2017 e notificada aos mandatários da Ré em 04/04/2017.
Conforme preceitua o artigo 58º, nº 1 do CPC, têm as partes o direito de se fazer representar por advogado em todas as acções de valor superior à alçada do tribunal da relação (€ 15.000,01) - e o presente processo declarativo tem como valor da causa a quantia de € 79.514,00 (setenta e nove mil, quinhentos e quatorze euros).
Razão pela qual não se compreende por que motivo não foi o ora Réu notificado, tando da data da audiência prévia, como da data da audiência de julgamento e correspondente sentença para, querendo, exercer os direitos que a lei processual civil lhe confere.
Acresce que, de acordo com o mesmo normativo legal - artigo 220º, nº 1 do CPC - as partes devem ser notificadas dos despachos que designam dia para qualquer acto em que o Interessado deva estar presente, mas também devem ser notificadas das sentenças, de modo a que, sendo afectados pelas suas decisões, possam delas reagir, exercendo os direitos processuais que a lei lhes confere.
E tais direitos encontram-se precludidos pelo facto de o Réu não ter sido notificado dos actos a que a lei determina a sua notificação, de tal forma que caso a sentença transite em julgado, ter de restituir a fracção que adquiriu e que considera como sua - ou seja, viu-lhe ser negado o princípio do contraditório, ao abrigo do disposto pelo artigo 3º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Ora, in casu, estamos perante uma violação grave ao princípio do contraditório presente no artigo 3º, nº 1 do CPC, uma vez que nenhuma decisão (mesmo interlocutória) pode ser proferida pelo Juiz sem que, previamente, tenha sido permitido quanto à mesma e relativamente ao sujeito processual contra quem é ela dirigida, uma ampla e efectiva possibilidade de discussão (de a discutir, de a contestar e de a valorar).
A ratio do princípio do contraditório consagra que todas as partes devem ser previamente ouvidas antes que o juiz tome uma qualquer decisão - a não ser assim estaríamos perante as chamadas "decisão-surpresa".
Com efeito, tendo-se verificado que este princípio não foi observado, estamos perante uma nulidade que influi directamente sobre a decisão da causa, nos termos do disposto pelo artigo 195º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Face ao que se deixou dito, é imperioso concluir que tal omissão susceptível de Influir na presente decisão, demonstrada que está a gritante violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, expressamente consagrados nos artigos 3º, nº 3º e 4º do Código de Processo Civil e também no artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, só pode conduzir à nulidade da decisão em causa.
Para além desta questão prévia, entende a Recorrida que o tribunal a quo analisou erradamente a recusa da A. em trazer aos autos documentação que lhe pertencia e que era essencial para a descoberta da verdade material.
Isto porque a Recorrida, nos requerimentos enviados em 18/12/2015, 13/07/2016 e também na audiência prévia realizada em 3/11/2016, requereu que a Recorrida viesse juntar aos autos a documentação respeitante ao contrato de promessa realizado entre Sérgio... e a Sociedade “V..., Lda", bem como o documento comprovativo do pagamento da quantia de € 209.495,12 (duzentos e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e doze cêntimos). Requereu, também, que fosse junta a documentação respeitante à contabilidade da Requerida para aquilatar se, efectivamente, foi paga aquela quantia decorrente daquele contrato que foi celebrado.
A Recorrida nunca o veio fazer, pelo que, em sede de audiência prévia, ditou para a acta um requerimento no qual, sinteticamente, se limita a dizer que tais documentos não estão em sua posse.
Desse requerimento respondeu a Recorrido dizendo que, ao abrigo do disposto no artigo 429º do Código de Processo Civil, essa documentação pertencia à parte contrária, sendo que é ela quem tem o ónus da sua junção aos autos.
Para além do mais, resulta do artigo 430º do CPC, que manda aplicar o disposto no nº 2 do artigo 417º, onde expressa se indica que a recusa em apresentar documentação que esteja na posse da parte contrária determina a inversão do ónus da prova (artigo 344º, nº 2 do CC).
Note-se que a junção destes documentos se mostra essencial para demonstrar a posse legítima da Recorrente e, em consequência, o seu direito de retenção do bem imóvel nos termos do disposto pelo artigo 759, do Código Civil.
É que só essa documentação é susceptível de provar, como alega a Recorrida na sua Contestação, que Sérgio...celebrou um contrato promessa com a Recorrida, pagando-lhe o respectivo preço e, como tal, tendo adquirido uma expectativa real de aquisição do referido imóvel.
E que, por via do contrato de cessão de posição contratual celebrado em 25/01/2007, entre o mesmo Sérgio... e a Recorrida, foi transferida para a esfera jurídica da promitente compradora, ora Recorrente, que passou legitimamente a ocupar e usufruir do imóvel, na expectativa de que, com a realização do contrato definitivo, o mesmo se tornasse propriedade sua - o que nunca veio a suceder!
Da mesma forma, a junção aos autos da contabilidade da Recorrida, ao tempo da celebração do contrato de promessa de compra e venda, poderia permitir verificar se Sérgio... havia pago o correspondente preço, tomando-se promitente comprador daquela fracção autónoma - posição que, mais tarde, veio a transmitir à Recorrente.
Com efeito, atenta a Inversão do ónus da prova, caberia à Recorrida a prova das alíneas a., b. e c. da matéria dada como não provada, o que a mesma não logrou provar.
Ou seja, caber-lhe-ia provar que o contrato de promessa de compra e venda não se havia celebrado e que, por tal motivo, Sérgio... não pagou a quantia de € 209.495,12 (duzentos e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco mil euros e doze cêntimos).
Razão pela qual, considera a Recorrente que os supra identificados factos haviam de dar-se como provados, o que certamente influiria no exame e análise da decisão da causa.
Aqui o princípio violado é o do dever de cooperação para a descoberta da verdade que, visando uma sã administração da justiça e a obtenção de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente, vincula todas as pessoas e que se encontra explicitado no artigo 519º, nº 1 do CPC.
(…).
A verdade é que tais documentos são imprescindíveis para prova dos factos alegados pela Recorrente na sua Contestação e que corporizam o seu direito à posse legítima do imóvel em questão.
Sendo certo que nenhuma outra testemunha (à excepção do próprio Sérgio... que, não obstante ter sido expedida notificação, nunca se mostrou notificado) poderia confirmar tais factos.
Nem o actual administrador de insolvência da Recorrida conseguiu dizer nada a este respeito, desde logo porque só iniciou o exercício das suas funções em Junho de 2013.
Assim, mais uma vez andou mal tribunal a quo por ter feito tábua rasa de tais questões, olvidando a necessidade de trazer aos autos documentos que se mostram absolutamente essenciais para a descoberta da verdade material, porquanto comprovariam a existência de um direito de posse legítimo da Recorrente, o que, certamente, levaria a que a decisão recorrida fosse no sentido de absolver a Recorrente do pedido.
Razão pela qual o tribunal de primeira instância decidiu incorrectamente por não considerar tais factos como provados em razão da inversão do ónus da prova (e da falta de prova do contrário pela Recorrida), determinando, em consequência, a absolvição da Recorrente dos pedidos peticionados nesta acção.
Razão pela qual nestes termos e nos demais de Direito deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
Declarar a presente decisão nula, por preterição da notificação da data de julgamento ao Réu Manuel..., anulando-se todo o processado posterior à observância de tal nulidade;
Revogar a decisão recorrida, substituindo-a a por outra que considere os factos a., b. e c. como provados e, em consequência, determine a absolvição da Recorrente dos pedidos formulados.
*

A apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*

Após a apresentação da alegação e da contra-alegação de recurso, o juiz a quo proferiu o despacho de fls. 331, datado de 11 de setembro de 2017, com a Refª 134730362, a ordenar a notificação da sentença ao réu revel, Manuel..., nos termos do nº 5 do art. 249º do CPC.
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Após a notificação da sentença ao réu revel e depois de decorrido o prazo de que o mesmo dispunha para dela interpor recurso, o juiz a quo proferiu o despacho de fls. 336, datado de 24 de novembro de 2017, Refª 135587190, com o seguinte teor:

«Requerimento de Recurso interposto pela Ré S. Lopes:
Embora a questão da nulidade da sentença esteja colocada pela recorrente de uma forma bastante confusa e seja manifestamente infundada, à cautela, pronunciar-nos-emos nos termos conjugados dos arts. 617º, nº 1 e 641º nº 1, ambos do Código de Processo Civil.
Em suma, a recorrente alega que o réu, Manuel..., não foi notificado da data da audiência prévia, nem da data da audiência de julgamento, tal como também não foi da sentença.
É verdade que não tinha sido realizada nenhuma das referidas notificações.
Detetado o único lapso – falta da notificação da sentença – o mesmo já foi entretanto sanado, através da remessa, via postal, da sentença para a morada onde o réu Manuel... havia sido regulamente citado, não tendo comunicado qualquer alteração de morada, pelo que, mesmo tendo o expediente sido devolvido, considera-se notificado da sentença – artº 249º, nºs 2 e 5 do CPC.
Todavia, a omissão de um ato processual (notificação) nunca poderia implicar a nulidade de um ato processual (sentença) anterior.
É o que dita a lógica e está plasmado expressamente no artº 195º, nº 2 do CPC.
Quanto à falta de notificação ao réu revel das datas para a realização da audiência prévia e da audiência de julgamento só ocorreria alguma irregularidade se tais notificações tivessem de ser feitas, mas não têm.
O réu Manuel... foi regularmente citado – fls. 84, 90 e 91.
Por despacho de 21-06-2016, fls. 180, foi declarado sem efeito o que havia sido praticado em seu nome pelo mandatário, Dr. Nuno..., sem que tivesse sido junta procuração forense, nem ratificado o processado.
Como não interveio de qualquer outro modo no processo, significa isto que o réu, apesar de regularmente citado, não teve, até ao momento, qualquer intervenção.
Passou, assim, a estar em revelia absoluta, pelo que é de aplicar o disposto no artº 249º nºs 3 e 5 do CPC, ou seja, enquanto não intervier no processo não mais será notificado, a não ser da sentença, desde que a sua residência seja conhecida.
Logo, não houve qualquer irregularidade, muito menos qualquer nulidade decorrente da não notificação do réu revel, o qual, aliás, considera-se notificado nos termos do nº 4 do artº 249º do CPC.
Pelo exposto, indefere-se a arguida nulidade da sentença».
*

2–ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, é pelas conclusões da recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.

Assim, perante as conclusões da alegação da apelante, são as seguintes as questões a resolver neste recurso:
Saber se a sentença recorrida é nula;
Saber se a não apresentação, pela apelada, de documentação pretendida pela apelante, importa a inversão do ónus da prova relativamente a determinados factos controvertidos.
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3–FUNDAMENTAÇÃO:

3.1–Fundamentação de Facto:
A sentença considerou provados os seguintes factos:
A ““V..., Lda",” apresentou-se à insolvência, tendo sido declarada insolvente em 04-11-2009, pelo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa no Proc. nº 1344/09.1TYLSB;
Em cumprimento da sentença de declaração de insolvência, o administrador de insolvência, para salvaguarda dos interesses dos credores e pagamento dos respetivos créditos abrangidos pelo processo, procedeu, em 29-01-2010, à apreensão de diversos bens imóveis cujo direito de propriedade está inscrito a favor da insolvente;
Entre esses bens encontrava-se a fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 3º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia da..., concelho de..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
Em 25 de janeiro de 2007, Sérgio..., na qualidade de cedente, celebrou um contrato de cessão de posição contratual com a ré S. Lopes, cessionária, relativo ao contrato aí mencionado [e na alínea a) dos Factos Não Provados], pelo preço de € 200.000,00;
No dia 26-07-2007, os réus pagaram ao Sérgio... a quantia de € 150.000,00;
A fração descrita no ponto 3. desde pelo menos setembro de 2008 que tem vindo a ser ocupada pelos réus, sem autorização da insolvente ou da massa insolvente e contra a sua vontade;
No âmbito do processo de insolvência, os RR apresentaram em carta fechada uma proposta de aquisição da fração “H” pelo valor de € 150.000,00, que não foi aceite no momento da abertura, pois, apesar de não ter havido outras propostas, esta estava abaixo do valor mínimo indicado para licitação;
O valor médio de mercado, para a zona onde se localiza a fração referida em iii.) e considerando a sua tipologia, situa-se entre os € 600,00 e os € 700,00;
A sentença recorrida considerou não provados os seguintes factos:
Em 17-10-2002, Sérgio..., casado, NIF ..., celebrou, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de compra e venda da fração referida no ponto 3. dos Factos Provados;
Na vigência do referido contrato, o promitente-comprador pagou à promitente-vendedora a importância de € 209.495,12;
Com a assinatura do contrato-promessa, a A. e promitente-vendedora entregou ao Sérgio... as chaves do imóvel para este poder dispor do mesmo;
À data da celebração do contrato de cessão da posição contratual, 25-01-2007, a ré S.Lopes estava casada com o réu Manuel... sob o regime de comunhão de adquiridos;
O Sérgio... entregou as chaves da fração “H” aos réus.
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3.2–Fundamentação de direito:

3.2.1–Da nulidade da sentença:
As causas de nulidade de uma sentença em processo civil vêm taxativamente elencadas nas als. a) a e) do nº 1 do art. 615º do CPC/2013.
Ora, a nulidade que a recorrente imputa à sentença recorrida, proferida a fls. 253-261, datada de 24 de março de 2017, Refª 132801675, não é fundada em qualquer um dos vícios descritos naquelas alíneas; aliás, a recorrente não faz sequer referência a qualquer uma das mencionadas alíneas.
A apelante argui a nulidade da sentença com o argumento de que o réu Manuel... não foi notificado da mesma, não o tendo sido igualmente da data da realização da audiência final.
São vários, salvo o devido respeito, os equívocos em que a apelante labora, a começar, desde logo, pela alçada do Tribunal da Relação.
É que, em 16 de dezembro de 2012, data da instauração da ação, a alçada do Tribunal da Relação era de € 30.000,00, nos termos do art. 24º, nº 1, da Lei nº 3/99, de 13.01, com a redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24.08, e não de € 15.000,00 (aliás, a alçada do Tribunal da Relação nunca foi de € 15.000,00, pois antes da vigência deste decreto-lei aquela alçada era de € 14.963,94).
O réu Manuel... foi regularmente citado na sua própria pessoa para os termos da presente causa, não tendo, até ao momento, constituído mandatário judicial.
Na parte final da contestação que apresentou em nome de ambos os réus, o ilustre advogado seu subscritor declarou protestar juntar procuração forense passada em seu favor pelo réu Manuel...; no entanto, apesar de notificado para o efeito, não fez.
Por isso, mediante despacho de fls. 180, datado de 21 de junho de 2016, com a Refª 129442486, foi declarado sem efeito tudo quanto por si, até então, havia sido praticado em nome do réu Manuel....
Por conseguinte, réu Manuel..., por si ou através de mandatário judicial por si constituído, não teve, até ao momento, qualquer intervenção no processo.
Está, por isso, em situação de revelia absoluta.
Conforme decorre do nº 3 do art. 249º do CPC/2013, ao réu constituído em revelia absoluta não são feitas notificações no decurso do processo.
Nas situações em que o réu é citado pessoalmente, como foi o caso, o desinteresse por ele aparentemente manifestado não contestando a ação, nem constituindo mandatário, nem de outra forma intervindo no processo, dispensa a prática de atos ulteriores que a lei presume inúteis, pelo que só quando intervier no processo, fazendo cessar a situação de revelia absoluta, lhe passam a ser feitas notificações, nos termos gerais.
Por isso, encontrando-se o réu Manuel... em situação de revelia absoluta, não tinha que ser notificado da data da realização da audiência final, nem, claro está, da data da realização da audiência prévia.
Tinha, no entanto, de ser notificado da sentença nos termos impostos pelo art. 249º, nº 5, do CPC/2013.
Conforme salientam Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, tratar-se-ia de uma grave violação do direito de defesa, na vertente do direito ao recurso, a não notificação ao réu, desde que possível, por ser conhecido o seu paradeiro, da decisão final, a qual lhe é sempre notificada, salvo se for desconhecida a sua residência e o seu local de trabalho.
No caso concreto, proferida a sentença, o réu Manuel... não foi dela imediatamente notificado, como deveria ter sido, por imposição do mencionado art. 294º, nº 5, do CPC/2013.
A não notificação da sentença ao réu Manuel... significa a omissão de um ato prescrito no referido preceito legal, configurando, por isso, uma irregularidade produtora de nulidade, suscetível de influir na decisão final da causa, por cerceadora do direito ao recurso por parte daquele réu (art. 195º, nº 1, do CPC/2013).
Foi na sequência do recurso de apelação interposto pela ré S. Lopes..., que o juiz a quo se apercebeu que a sentença não havia sido notificada ao réu Manuel....
Sucede que, assim que se apercebeu da ocorrência de tal nulidade, invocada que foi pela ré S. Lopes na sua alegação de recurso, o juiz a quo fez o que se lhe impunha, ou seja, tratou de a sanar, o que fez através do despacho de fls. 331, datado de 11 de setembro de 2017, com a Refª 134730362, do qual consta, além do mais, o seguinte: «Notifique o réu Manuel... da sentença, nos termos do nº 5 do art. 249º do CPC, ou seja, considerando que não constituiu mandatário».
Notificado da sentença para a sua morada constante do processo, o réu Manuel..., uma vez mais, nada disse, não intervindo no processo, por si ou através de mandatário judicial.
Nos termos expostos, está sanada a nulidade processual produzida pela irregularidade consistente na omissão de notificação da sentença ao réu Manuel... imediatamente após a sua prolação.
Importa, no entanto, esclarecer algo mais, para que dúvida alguma subsista, uma vez que, como se afirmou, são vários os equívocos em que incorre a apelante S. Lopes...
A recorrente arguiu a nulidade decorrente da omissão de notificação do réu revel, Manuel...:
a) quer da data da realização da audiência final;
b) quer da sentença.
No que respeita à omissão de notificação do réu Manuel... para a realização da audiência final, já se viu que o mesmo, encontrando-se em situação de revelia absoluta, não tinha que ser notificado para tal diligência.

Suponhamos no entanto:
- que aquele réu, apesar da situação de revelia absoluta em que se encontrava, e ainda encontra, deveria ter sido notificado da data da realização da audiência final;
- que a omissão dessa notificação configurava uma nulidade;
- que a omissão decorrente da falta de notificação da sentença não se encontrava sanada.

Teríamos, então, duas nulidades:
a)- a decorrente da omissão de notificação da data da realização da audiência final;
b)- a decorrente da omissão de notificação da sentença.
Ambas configurariam nulidades processuais ou de procedimento, previstas e arguíveis nos termos do art. 186º ss do CPC/2013, por não terem por base qualquer um dos vícios taxativamente descritos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 615º do CPC/2013, estes sim suscetíveis de fulminarem a sentença com o vício de nulidade.
Nenhuma delas de conhecimento oficioso (art. 196º do CPC/2013).
Ambas sujeitas às regras dos arts. 197º e 199º do CPC/2013.
Nos termos do art. 197º, nº 1, fora dos casos previstos no artigo anterior, «(…) a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato».
Conforme referem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, «só a parte interessada na observância da formalidade preterida, na prática ou na repetição do ato ou na sua eliminação pode invocar a nulidade,quer constitua parte principal,quer seja parte acessória».

Não se vislumbra o interesse da apelante S. Lopes... na arguição de qualquer uma daquelas nulidades.

A omissão de notificação do réu Manuel..., tanto da data da realização da audiência final, como da sentença, não cercearia à apelante S. Lopes... qualquer direito processual, nomeadamente, nas vertentes:
- do direito à defesa;
- do direito à prova;
- do direito ao contraditório; ou quer
- do direito ao recurso,
donde a ausência de legitimidade da apelante S. Lopes... para a arguição de tais nulidades.

No que ao direito ao recurso concretamente diz respeito, importa referir que, conforme decorre do art. 638º, nº 9, do CPC/2013, a tramitação do recurso interposto pela apelante S. Lopes..., sempre seria autónoma de um eventual recurso interposto pelo réu Manuel....

Nos termos do art. 199º, nº 1, do CPC/2013, quanto às nulidades não previstas no art. 198º, «(…) se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência».

Assim, ainda que:
- a omissão de notificação do réu Manuel... da data da realização da audiência final constituísse uma nulidade (e não constitui);
- a apelante S. Lopes tivesse legitimidade para arguir tal nulidade (e não tem):
há muito se encontrava esgotado o prazo de dez dias (art. 149º, nº 1, do CPC/2013) de que dispunha para o efeito.
Termos em que, por ser destituída de todo e qualquer fundamento, se julga improcedente a arguição de nulidade da sentença recorrida.
*

3.2.2–Da inversão do ónus da prova em consequência da não apresentação, pela apelada, de documentação pretendida pela apelante:
Afirma a apelante que «em 18/12/2015 a Ré S.Lopes... enviou requerimento aos autos, no qual requeria que fosse a A. notificada para "vir juntar aos autos o Contrato de Promessa celebrado entre esta e Sérgio... a 17/10/2002, bem corno o documento comprovativo do pagamento da quantia de € 209.495,12 (duzentos e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e doze cêntimos), respeitante ao imóvel sito no lote ..., Freguesia da..., Concelho de ..., a fim de comprovar a posse legítima do RR. e bem assim aquilatar do direito de retenção, por força do artigo 759º do Código Civil”.
Requereu também que a A. fosse notificada para juntar aos autos "toda a documentação respeitante à contabilidade da Vidal" Veríssimo - Construção Civil, Lda., ao tempo da celebração do Contrato de Promessa realizado entre esta e Sérgio... a 17/10/2002, para prova dos factos alegados na Contestação.
Por despacho de 28/03/2016, veio o Tribunal ordenar a notificação da A. para dar cumprimento ao requerido pela Recorrente.
Novamente em 13/07/2016, a Recorrente voltou a enviar requerimento aos autos, no qual insistia para que a A. viesse juntar a documentação solicitada e que estaria em sua posse.
O que a A. não veio fazer, limitando-se, em sede de audiência previa, a ditar para a acta o seguinte requerimento:
“A Massa Insolvente não dispõe de qualquer documento, quer relativo ao contrato de promessa invocado pela R., quer relativo a um suposto pagamento efetuado pela mesma. Por não ter na sua posse esses documentos, não poderá, por isso, os juntar aos autos. Considera, ainda, que invocando a Ré a existência do referido contrato de promessa a seu favor, deveria isso sim a Ré proceder à junção do mesmo e ao do referido comprovativo de pagamento”.
E, no âmbito da audiência previa realizada a 3/11/2016, a Ré respondeu dizendo, em síntese, que a documentação requerida não está na posse da ora Ré, porquanto não interveio, nem era parte em tais negócios, sendo completamente alheia aos mesmos, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 429º do Código de Processo Civil, essa documentação pertencia à parte contrária, sendo que é ela quem tem o ónus da sua junção aos autos.
Ora, dispõe o artigo 429º do Código de Processo Civil que aquele que pretenda obter documento que esteja em posse da parte contrária, deve requerer que ela seja notificada para vir aos autos juntar tal documento, especificando quais os factos que este se propõe a provar.
E, se o notificado não os apresentar, ensina-nos o artigo 430º do CPC, que lhe é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 417°, ou seja, a livre apreciação pelo tribunal da recusa em juntar tais documentos, bem com a inversão do ónus da prova decorrente do disposto pelo artigo 344º, nº 2 do Código Civil.
Com efeito, a Recorrente veio requerer a junção aos autos do contrato promessa celebrado entre Sérgio... e a Recorrida, em 17/10/2002 e, bem assim, o comprovativo do pagamento da quantia de € 209.495,12 (duzentos e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e doze cêntimos), porquanto tais documentos demonstrariam a posse legítima da Recorrente e, em consequência, o seu direito de retenção, nos termos do artigo 759º do Código Civil.
É que só essa documentação é susceptível de provar, como alega a Recorrida na sua Contestação, que Sérgio... celebrou um contrato promessa com a Recorrida, pagando-lhe o respectivo preço e, como tal, tendo adquirido uma expectativa real de aquisição do referido Imóvel.
Expectativa essa que, por via do contrato de cessão de posição contratual celebrado em 25/01/2007, entre o mesmo Sérgio...e a Recorrida, foi transferida para a esfera jurídica da Recorrente, que passou legitimamente a ocupar e usufruir do imóvel, na expectativa de que, com a realização do contrato definitivo, o mesmo se tomasse propriedade sua - o que nunca veio a suceder!
Ora, tal documentação tem cabal importância para a descoberta da verdade material, porquanto pode alterar por completo a decisão da causa.
Da mesma forma, a junção aos autos dos elementos de contabilidade da “V..., Lda", ao tempo da celebração do contrato promessa (em 17/10/2002) poderia permitir concluir que, afinal, Sérgio... havia pago o correspondente preço pela celebração de tal contrato, tornando-se promitente comprador daquela fracção autónoma - posição que, mais tarde, veio a transmitir à Recorrente.

Não obstante, se atentarmos na matéria de facto dada como não provada, o Tribunal de 1ª instância acaba por concluir como não provado que:
“a.– Em 17-10-2002, Sérgio..., casado, NIF 144951347, celebrou, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de compra e venda da fração referida no ponto iii.) dos Factos Provados;
b.– Na vigência do referido contrato, o promitente-comprador pagou à promitente-vendedora a importância de € 209.495,12;
c.– Com a assinatura do contrato-promessa, a A. e promitente-vendedora entregou ao Sérgio... as chaves do Imóvel para este poder dispor do mesmo”.
Ora, uma vez que a Recorrida não apresentou os documentos solicitados pela Recorrente, tendo sido notificada para o fazer, entende-se existir, nos termos do disposto pelo artigo 344º, nº 2, do Código Civil, inversão do ónus da prova».
Conclui a recorrente no sentido de que «atenta a inversão do ónus da prova, caberia à Recorrida a prova das alíneas a., b. e c. da matéria dada como não provada, o que a mesma não logrou provar.
Ou seja, caber-lhe-ia provar que o contrato de promessa de compra e venda não se havia celebrado e que, por tal motivo, Sérgio... não pagou a quantia de € 209.495,12 (duzentos e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco mil euros e doze cêntimos).
Razão pela qual, considera a Recorrente que os supra identificados factos haviam de dar-se como provados, o que certamente influiria no exame e análise da decisão da causa.
Aqui o princípio violado é o do dever de cooperação para a descoberta da verdade que, visando uma sã administração da justiça e a obtenção de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente, vincula todas as pessoas e que se encontra explicitado no artigo 519º, nº 1 do CPC.
(…)
A verdade é que tais documentos são imprescindíveis para prova dos factos alegados pela Recorrente na sua Contestação e que corporizam o seu direito à posse legítima do imóvel em questão.
Sendo certo que nenhuma outra testemunha (à excepção do próprio Sérgio...que, não obstante ter sido expedida notificação, nunca se mostrou notificado) poderia confirmar tais factos.
Nem o actual administrador de insolvência da Recorrida conseguiu dizer nada a este respeito, desde logo porque só iniciou o exercício das suas funções em Junho de 2013.
Assim, mais uma vez andou mal o tribunal a quo por ter feito tábua rasa de tais questões, olvidando a necessidade de trazer aos autos documentos que se mostram absolutamente essenciais para a descoberta da verdade material, porquanto comprovariam a existência de um direito de posse legítimo da Recorrente, o que, certamente, levaria a que a decisão recorrida fosse no sentido de absolver a Recorrente do pedido.
Razão pela qual o tribunal de primeira instância decidiu incorrectamente por não considerar tais factos como provados em razão da inversão do ónus da prova (e da falta de prova do contrário pela Recorrida), determinando, em consequência, a absolvição da Recorrente dos pedidos peticionados nesta acção.

Razão pela qual nestes termos e nos demais de Direito deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
(…)
b)– Revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere os factos a., b, e c. como provados e, em consequência, determine a absolvição da Recorrente dos pedidos formulados».

Na sentença, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, o juiz a quo fez constar o seguinte:
«O contrato-promessa a que se referem as alíneas a) e b)dos Factos Não Provados, para além das formalidades a que alude o n.º 3 do art.º 410.º do Código Civil, tem de constar de documento assinado pelas partes, conforme decorre da conjugação do n.º 2 do citado preceito com o disposto no art.º 875.º do CC.
Ora, como não foi junto tal documento, como exigido por lei, o tribunal teve de considerar tais factos – e, pelos mesmos motivos, o casamento entre os réus e o regime de bens - como não provados por força do estatuído pelo art.º 364.º do CC.
Esta ausência de suporte probatório legal não pode ser ultrapassada por meras presunções judiciais que se pretendessem deduzir do facto de ter sido celebrado e estar comprovado nestes autos (fls. 237 a 239 – junção oficiosamente determinada, após apresentação pela testemunha Agostinho... em audiência de julgamento) um contrato-promessa entre a ““V..., Lda",” e Sérgio... relativo a uma outra fração autónoma do mesmo prédio.
De resto, também não sabemos se a ““V..., Lda",” alguma vez esteve na posse de um contrato-promessa como o referido na alínea a), pelo que, como se pode ler na ata da audiência prévia, tendo a autora declarado que não o tinha, caberia aos réus provarem que tal declaração não correspondia à verdade, o que não lograram.
Para além de tudo o que ficou dito, ainda acresce, quanto à alínea b), que o Sr. Administrador de Insolvência disse em sede de audiência que não havia quaisquer comprovativos de entrada daquele montante ou de outro, na ““V..., Lda",” e relativamente àquela fração.
Sobre as alíneas c)e e)não se fez qualquer prova, sendo que quando as entregas de chaves foram alegadas nos arts. 5.º e 13.º da Contestação, já estavam em contradição com o art.º 5.º da petição inicial, pelo que, atenta a primeira ressalva prevista no n.º 2 do art.º 574.º, aplicável por força do art.º 587.º, n.º 1 do CPC, teve que ir integrar o elenco dos factos não provados».

Dispõe:
- o art. 429º do CPC/2013:
«1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação».

- o art. 430º do CPC/2013:
«Se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no nº 2 do artigo 417º».

- o art. 417º, nºs 1 e 2, do CPC/2013:
«1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil».

- o nº 2 do art. 344º do CC:
«Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações».
O citado nº 2 do art. 344º do CC «prevê a inversão do ónus da prova no caso de a prova se ter tornado impossível para o onerado, sendo essa impossibilidade causada por uma atitude culposa da parte contrária».
Por detrás desta inversão encontra-se, «para além de uma intencionalidade sancionatória para aquele que culposamente impossibilitou a prova, a regra empírica de que aquele que destrói culposamente um meio de prova receará o seu resultado.
Chama-se a atenção para dois aspectos. Em primeiro lugar, há que demonstrar, em juízo, a efectiva impossibilidade da prova, bem como a atitude culposa da parte contrária como causa desse facto. Só nessa circunstância ocorre a inversão. Todavia, embora apenas a atitude culposa da parte que impossibilite a prova gere a inversão do ónus da prova, qualquer atitude da parte não onerada com o ónus da prova que constitua violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade, pode acabar por conduzir a resultados semelhantes na medida em que, nos termos do artigo 417.°, n." 2, do CPC, "o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios"».
Temos, assim, que as citadas disposições legais não permitem a adoção, pelo tribunal, da solução radical de sancionar com a inversão do ónus da prova a recusa ou a omissão de justificação de apresentação de documentos pela parte que os tem em seu poder.
Uma tal solução apenas é permitida ao tribunal no caso de se verificarem os referidos pressupostos da inversão do ónus da prova, ou seja, cumulativamente:
- que a não junção de documentação por uma das partes, determinada pelo tribunal, tenha tornado impossível à parte onerada com o ónus probatório de certo facto, fazer a sua prova, não bastando para o efeito uma eventual maior dificuldade dessa prova;
- que uma tal impossibilidade resulte de um comportamento culposo da parte a quem foi determinada a junção da documentação.
No Ac. do STJ de 25.06.2009, Proc. nº 08S3369 (Cons. Sousa Peixoto), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «a simples recusa da parte em apresentar os documentos que judicialmente foi notificado para juntar não acarreta, só por si, a inversão do ónus da prova».
E no acórdão do mesmo Alto Tribunal, datado de 01.03.2007, Proc. nº 06S3210 (Cons. Pinto Hespanhol), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344.º do Código Civil, para que remete o n.º 2 do artigo 519.º do Código de Processo Civil, pressupõe que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto».
No caso concreto, não estão verificados os pressupostos para a ocorrência da inversão do ónus da prova nos termos pretendidos pela apelante.
Em primeiro lugar, não está demonstrado que a não junção aos autos pela apelada, da documentação pretendida pela apelante, tenha impossibilitado a prova, por esta, dos enunciados descritos em «a. a c. dos Factos Não Provados».
Não está demonstrada, por exemplo, a impossibilidade de obtenção do contrato-promessa em causa através de Sérgio...
Mas, sobretudo, não está demonstrada qualquer conduta culposa da apelada, através do administrador da insolvência da sociedade “V..., Lda", na não junção aos autos da documentação pretendida pela apelante.
É verdade que o tribunal a quo notificou a apelante, na pessoa do administrador da insolvência da sociedade “V..., Lda", para juntar a documentação pretendida pela apelante.

Sucede que, na audiência prévia, a apelada justificou assim a não junção da documentação:
«A Massa Insolvente não dispõe de qualquer documento, quer relativo ao contrato de promessa invocado pela R., quer relativo a um suposto pagamento efetuado pela mesma. Por não ter na sua posse esses documentos, não poderá, por isso,os juntar aos autos».

Na sentença, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, o juiz a quo a apreciou livremente a não junção aos autos, pela apelada, da documentação pretendida pela apelante, ao afirmar: «De resto, também não sabemos se a ““V..., Lda",” alguma vez esteve na posse de um contrato-promessa como o referido na alínea a), pelo que, como se pode ler na ata da audiência prévia, tendo a autora declarado que não o tinha, caberia aos réus provarem que tal declaração não correspondia à verdade, o que não lograram.

Para além de tudo o que ficou dito, ainda acresce, quanto à alínea b), que o Sr. Administrador de Insolvência disse em sede de audiência que não havia quaisquer comprovativos de entrada daquele montante ou de outro, na ““V..., Lda",” e relativamente àquela fração».

Termos em que, inverificados que se mostram os pressupostos de cuja verificação as disposições conjugadas dos arts. 429º, 430, 417º, nºs 1 e 2, do CPC/2013, e 344º, nº 2, do CC, fazem depender a inversão do ónus da prova, terá a presente apelação de ser julgada improcedente.
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4–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 9 de janeiro de 2018



(José Capacete)
(Carlos Oliveira)
(Maria Amélia Ribeiro)