Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2661/2005-6
Relator: URBANO DIAS
Descritores: DÍVIDA COMERCIAL
INJUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1 - O D.-L. 32/2003, de 17 de Fevereiro transpôs a Directiva nº 2000/35/CE que estabeleceu medidas contra os atrasos de pagamentos em transacções comerciais, excluindo a sua aplicação às transacções com os consumidores.
2 - Daí que no seu art. 2º, al. a) tivesse expressamente excluído da sua aplicação os contratos celebrados com os consumidores.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


1 – J. C. dirigiu ao tribunal judicial do Funchal processo de injunção contra M. J. com vista a obter o pagamento de 19.965,45 € e juros, relativamente a fornecimento de bens e serviços.

2 – Citada a requerida, deduziu oposição, arguindo a sua ilegitimidade e a prescrição da dívida e impugnou a factualidade vertida no requerimento.

3 – De seguida, o Mº juiz da Vara Mista do Funchal, para onde o processo foi remetido por mor da oposição deduzida, considerando que do requerimento apresentado não resulta a qualidade de comerciante da R., julgou incompetente o tribunal para conhecer do pedido e competente o tribunal judicial do Funchal.

4 – Após o trânsito em julgado da decisão proferida, o processo foi remetido para o tribunal judicial do Funchal, mas o Sr. juiz titular acabou por absolver a R. da instância com fundamento em erro na forma do processo.
Em seu entender, o que está em causa não é uma questão de competência, mas sim “uma questão de não ser o processo próprio para o autor reclamar o que pretende”.
É que – continuou – do requerimento de injunção não resulta que estamos perante uma transacção comercial, sendo que o processo aplicável ao caso é o previsto no art. 460º, nº 2 do C.P.C..

5 – Com esta decisão não se conformou a requerente que interpôs recurso para esta instância, pedindo a sua revogação, tendo, para o efeito, produzido alegações que rematou com as seguintes conclusões:
- a decisão recorrida considerou que do requerimento apresentado estavam excluídos os contratos celebrados com os consumidores finais;
- a R. não é uma consumidora final;
- está inscrita no R.N.P.C.;
- é sabido que o R.N.P.C. atribuía aos empresários em nome individual o início da numeração começada por 811 e às sociedades a numeração começada por 511;
- a dívida pedida emerge de um acto de comércio celebrado entre a A. e a R., aquela na sua qualidade de grossista e esta na sua qualidade de empresária em nome individual.
6 –
A recorrida não apresentou contra-alegações.
(...)

9 – Resulta do já exposto que a ora recorrente apresentou no tribunal judicial do Funchal requerimento de injunção contra a ora recorrida, pretendendo ver satisfeito o pedido de pagamento de 19.965,45 € e juros relativamente a fornecimento de bens e serviços.
Louvando-se no facto de no requerimento em causa não resultar a qualidade de comerciante da R., o Sr. juiz da Vara Mista julgou-se incompetente e remeteu o processo para o tribunal judicial; mas, o Sr. juiz titular deste entendeu que em causa não estava um problema de competência, mas sim uma questão relacionada com a forma de processo.
De que lado estará a razão, tendo em conta a impugnação da última decisão, à luz das conclusões apresentadas pela recorrente?
O D.-L. 32/2003, de 17 de Fevereiro transpôs a Directiva nº 2000/35/CE que estabeleceu medidas contra os atrasos de pagamentos em transacções comerciais, excluindo a sua aplicação às transacções com os consumidores.
Daí que no seu art. 2º, al. a) tivesse expressamente excluído da sua aplicação os contratos celebrados com os consumidores.
Por outro lado, no art. 7º estatuiu que o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito de recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”.
No caso presente, a requerida deduziu oposição à injunção, razão pela qual o processo passou a seguir os trâmites previstos no art. 3º do D.-L. 269/98, de 01 de Setembro.
Constatou-se que o requerimento de injunção era omisso quanto à qualidade da requerida e daí que os Srs. juízes tivessem tirado as conclusões apontadas.
O que está em causa aqui é, a nosso ver, uma questão relacionada com a forma do processo, como mui bem observou o Mº juiz recorrido.
Na verdade, se em causa estão dívidas da R. enquanto comerciante, a forma do processo é a regulada pelo D.-L. 269/98 supra referido; mas, se tais dívidas dizem respeito à R. enquanto consumidora, então, a forma do processo é a comum, como resulta do nº 2 do art. 460º do C.P.C..
Não sabemos se a ora recorrida é demandada na qualidade de comerciante ou de consumidora final: o requerimento de injunção é omisso a este respeito.
Para se poder valer da forma simplificada prevista no diploma legal já referido, incumbia à ora recorrente alegar que a dívida reclamada era de natureza comercial sendo a ora recorrida devedora enquanto comerciante.
Não tendo explicitado tal pormenor, temos de concluir que a via escolhida pela ora recorrente não foi a correcta.
Não resultando, com não resulta, do requerimento de injunção, se a dívida diz respeito a um comerciante, forçoso é concluir por erro na forma de processo.
O erro na forma de processo determina, em princípio, apenas a anulação dos actos que não possam ser praticados.
Mas, in casu, o erro determina a anulação de todo o processado na justa medida em que a própria petição não pode ser aproveitada por não obedecer aos requisitos previstos nos arts. 467º, nº 1 e 151º, nº 2 do C.P.C., como é devidamente sublinhado na decisão impugnada.

Vem a recorrente, em recurso, alegar que a recorrida é comerciante e que está inscrita como tal no R.N.P.C. e que a dívida em causa resultou de transacções havidas entre ela enquanto grossista e esta na qualidade de empresária em nome individual.
A 1ª não está provada; quanto à 2ª, importa dizer que a inscrição no R.N.P.C. não determina automaticamente a qualidade em que uma pessoa intervém num negócio.
De qualquer forma, o ora invocado traduz a apresentação de questões novas que, como tais, não podem ser apreciadas pelo tribunal ad quem que apenas tem por finalidade a apreciação das decisões colocadas no tribunal a quo, sendo certo, ainda, que a alegada inscrição no R.N.P.C. não determina automaticamente a qualidade em que cada pessoa intervém num negócio.
As referências feitas nas conclusões deveriam ter tido lugar no requerimento inicial de molde a que o processo de injunção tivesse perfeito cabimento.

A tese da recorrente não pode, desta forma, ter cabimento em sede de recurso e daí que a decisão proferida pelo Mº juiz do tribunal judicial do Funchal não mereça a mínima censura.

10 – Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão impugnada, com custas pela recorrente.

Lisboa, aos 14 de Abril de 2005

Urbano Dias
Gil Roque
Arlindo Rocha