Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3414/15.8T8OER-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DOMICÍLIO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Cláusulas gerais que constam de uma folha, sem qualquer rubrica ou assinatura, ou sinal de ligação ao contrato celebrado, não podem ser invocadas como sendo parte desse contrato.
II – Actua de má-fé processual, uma empresa de telecomunicações ‘grande litigante’, predisponente de um contrato de adesão, que invoca uma cláusula contratual geral de domicílio convencionado, num requerimento de injunção, sabendo, naturalmente, que, assim, o executado seria considerado notificado mediante depósito de carta simples na morada indicada, e depois, na execução subsequente, em que o executado alega que tal cláusula não faz parte do contrato, persiste em dizer que o contrato engloba tal cláusula, apesar dessa cláusula constar de uma folha sem qualquer rubrica ou assinatura ou sinal de ligação ao contrato celebrado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

1. A-SA (= requerente), fez no Balcão Nacional de Injunções (= BNI) um requerimento de injunção contra B (= requerido), para que lhe fosse pago 386,20€ de capital, 7,48€ de juros, 76,50€ de taxa de justiça paga e 44,97€ a título de outras quantias, com a seguinte causa de pedir: contrato de fornecimento de bens ou serviços, com data de 18/09/2012.
2. No requerimento fez constar a existência de domicílio convencionado, indicando como tal: Av. C, em Lisboa.
3. Em 13/09/2013 o BNI procedeu à expedição de notificação do requerimento de injunção, por via postal simples, para a morada referida em 2, a qual foi depositada no respectivo receptáculo postal em 16/09/2013. Não tendo sido deduzida oposição, o BNI conferiu força executiva ao requerimento.
4. A 23/06/2015, a D-SA (= exequente), com base nesse requerimento de injunção instaurou a execução contra o requerido (= executado), indicado como residente na Rua D, Estoril [que consta de um relatório de um procedimento extrajudicial pré-executivo obtido em 2015] visando obter dele o pagamento daqueles 515,15€, acrescido de (i) juros de mora vencidos e vincendos, e (ii) juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre o título executivo desde a data de aposição da fórmula executória até efectivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 21 e 13/-d do DL 269/98, de 01/09, os quais revertem em partes iguais para a exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art. 33/4 da Lei 32/2014, de 30/05 [art. 5/-c-vi-vii do mesmo diploma] e art. 26/3-c do Regulamento de Custas Processuais, no valor total de 749,€
5. Alegou e documentou que até 02/11/2007 tinha como designação E-SA, e nessa data incorporou, por fusão na modalidade de transferência global do património, a A-SA, alterando a denominação social para F-SA, e em 02/01/2009, incorporou a G-Lda, em 01/07/2010 alterou a sua designação social: de H-SA, para A-SA, e no dia 16/05/2014 incorporou, por fusão na modalidade de transferência global do património, a I-SA, e alterou a denominação social para D-SA.
6. O requerido foi citado para a execução na morada indicada em 4, por via postal registada com aviso de recepção, em 06/08/2015.
7. Veio então deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, na parte que importa, a inexequibilidade do título decorrente da falta de notificação para o procedimento injuntivo; concluiu pela procedência da oposição e consequente extinção da execução, bem como pela condenação da exequente por litigância de má-fé.
Alegou, entre o mais, na parte que interessa, em síntese, que a exequente não poderia ter indicado no seu requerimento de injunção a existência de “domicílio convencionado”, pois tal circunstância é falsa; sendo que a mesma não juntou qualquer comprovativo de tal circunstância, pela simples razão de inexistir; a alegação da exequente foi efectuada com má-fé, pois a mesma não pode desconhecer tal circunstância, que lhe é pessoal; em consequência da referida falsa alegação em sede de injunção, a notificação do executado para aquele processo injuntivo nunca chegou ao seu conhecimento e por isso não teve oportunidade de apresentar tempestivamente defesa naquele processo.
Dizia também que a prestação de serviços foi acordada em 10/11/2011, presencialmente e por intermédio de um colega do executado, J, vindo posteriormente [a ser] transferida para nome do executado; nunca foi facultada qualquer cópia do contrato quer ao executado, quer ao prévio titular do contrato, apenas tendo sido facultado o duplicado da “proposta de subscrição da fibra óptica AC” (doc.1 [as partes manuscritas estão quase apagadas; das duas páginas não consta qualquer assinatura, tanto quanto se consegue ver]); não foi facultada a documentação correcta e indispensável à celebração válida de um contrato, dado que aquela “proposta” não foi minimamente explicada, nem a pág. 2, verso, foi assinada, onde constam uma série de condições gerais que o executado não tomou conhecimento e de que agora ilegítima e deliberadamente [a exequente] se pretende fazer valer; como se não bastasse, aparentemente tal proposta encontra-se incompleta, porquanto aquando de uma das visitas técnicas, segundo informou o técnico visitante, o “contrato” consistiria em duas folhas; o subscritor não foi informado das “condições específicas do serviço de comunicações electrónicas através da fibra óptica” e, enquanto tal, naturalmente não apôs a sua assinatura, não tendo sido, por esse motivo, expressado qualquer consentimento.
8. A exequente contestou pugnando pela improcedência dos embargos e do pedido de condenação por litigância de má-fé.
Entre o mais alegou que o contrato foi inicialmente celebrado, em 10/11/2011, com J – cfr. doc. 1; em 13/09/2012 foi solicitada à exequente uma cessão da posição contratual – cfr. doc. 2 – [que a aceitou]; tendo sido, por conseguinte, devidamente cedida ao requerido; conforme se verifica pelo teor do doc. 2, o requerido assinando a cedência de posição contratual, assumiu conhecer e ter sido esclarecido de todas as condições inerentes ao contrato, nomeadamente a cláusula 19.1 das suas condições gerais: que ”em caso de litígio, e para efeitos de citação ou notificação, o domicílio convencional do cliente será o que por este indicado para efeitos de facturação” (cfr. doc. 1, fl. 5); o requerido não comunicou à exequente qualquer alteração de morada; faltando à verdade o alegado pelo executado em 5 dos embargos deduzidos; pelo que carece de fundamento legal a [alegação/conclusão de] falta de notificação da injunção, a qual, deverá ser julgada improcedente.
Apresentou uma digitalização da proposta de subscrição da fibra óptica AC datada de 10/11/2011, tendo por cliente J residente na Av. C, em Lisboa, assinada por J, que se vê ser a mesma que a apresentada pelo executado.
Nesta página, antes da assinatura de J consta o seguinte: “Proponho à A a celebração de um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas, caso a mesma aceite a presente proposta de subscrição. Declaro conhecer e aceitar as condições gerais e especificas de serviço, as quais fazem parte integrante da presente proposta de subscrição e em relação às quais fui esclarecido. Declaro conhecer e aceitar, nomeadamente as condições de preço, de pagamento, de duração do contrato, bem como as consequências associadas ao seu incumprimento.”
Segue-se uma outra página de onde constam “condições específicas do serviço de comunicações electrónicas de fibra óptica”, também assinada, no fim, por J. Nas primeiras linhas de texto consta o seguinte: 1. Serviço-1.1. Para os efeitos das Condições Gerais (adiante "Condições"), nomeadamente, da cláusula 1.1., o Serviço corresponde a […]. E no fim, consta: 16. Anexos - Ao Contrato onde se inserem as presentes Condições Gerais e Especificas poderão ser anexados documentos que, desde que previamente aceites pela A-SA, dele passarão a fazer parte. Torna-se conhecimento e declara-se que foram devidamente explicadas as presentes Condições, que se aceitam plenamente.
Estas condições específicas constam de 86 linhas seguidas de texto numa única página (o verso da folha) que, com a formatação deste acórdão, ocupariam 5 páginas e meia.
Depois – sempre digitalizadas - uma outra folha, com duas páginas, intitulada “condições gerais para a prestação de serviços de comunicações electrónicas e serviços conexos”. Esta folha não tem sequer um risco manuscrito, nem furos de agrafos, ou quaisquer outros sinais, nem tem qualquer numeração ou referência ao contrato.
Consta ainda uma outra folha, com duas páginas, com fotocópia (rosto e verso) do cartão de cidadão de J.
A exequente apresentou ainda um documento (n.º 2) intitulado pedido de alteração de titular / cedência de posição contratual com o seguinte texto:
Eu, J, venho por este meio solicitar a cedência da minha posição contratual no contrato de prestação dos serviços AC associado ao número de telefone AC […], para [o requerido – com todos os elementos de identificação do mesmo].
O novo titular declara que pretende e aceita a posição de Titular no contrato de prestação dos serviços AC a que se refere o número acima indicado, assumindo as condições comerciais em vigor, nomeadamente tarifários, o prazo de permanência e as normas de utilização dos serviços AC, tudo de acordo com as condições de serviço constantes da Proposta de Subscrição, de que declara ter tomado conhecimento, ter entendido e aceitar e declarando ter sido devidamente esclarecido sobre o conteúdo e alcance dessas condições de serviço.
Seguem-se as assinaturas do titular e do novo titular (conforme constam do documento de identificação)
Lisboa, 13/09/2012
9. Depois de dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador em que se julgaram procedentes os embargos de executado e, em consequência, declarou-se extinta a execução com levantamento imediato da(s) penhoras realizada(s) e devolução ao executado de quaisquer valores penhorados, e condenou-se a exequente  por litigância de má fé no pagamento de multa de valor equivalente a 20 UC.
10. A exequente interpôs recurso da condenação como litigante de má-fé.
11. O executado não contra-alegou.
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Questão que importa decidir: se a exequente não devia ter sido condenada em multa por litigância de má fé.
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A decisão recorrida considerou como provados os factos que constam dos pontos 1 a 6 do relatório que antecede.
E depois, na fundamentação de direito da decisão disse o seguinte:
Quanto à regularidade da notificação do executado para a injunção.
A falta ou nulidade da citação constitui fundamento de oposição à execução que, a provar-se, determina a inexequibilidade do título (cfr. art. 729/1-a-2 do CPC).
No caso, conforme resulta dos actos relativos à notificação do requerimento de injunção constantes de tal procedimento, a notificação foi efectuada apenas e só por via postal simples, sem qualquer outra formalidade, porquanto a requerente fez constar do respectivo requerimento a existência de domicílio convencionado.
Ora, citando Salvador da Costa (A injunção e as conexas acção e execução, Almedina, 2005, p. 49), por domicílio convencionado deve entender-se “o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes.”
Da análise dos mencionados documentos resulta que as condições gerais juntas aos autos para prova da existência da invocada convenção de domicílio não se mostram assinadas ou sequer rubricadas pelas partes, resultando desde logo a dúvida quanto ao seu efectivo conhecimento por parte do executado, não podendo concluir-se pela existência de “convenção” de domicílio, já que tal pressupõe um acordo reduzido a escrito.
Por outro lado, a análise desse documento não permite sequer concluir que se reporte à proposta de subscrição junta com a contestação.
Por último, das segundas vias de facturas juntas aos autos não consta qualquer registo de comunicações realizadas pelo embargante.
Ora, a convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, vale para o efeito de receber a citação ou a notificação no âmbito dum concreto processo.
No caso, em face da informação constante do requerimento de injunção quanto à existência de domicílio convencionado, o BNI procedeu à notificação do requerido nos termos do artigo 2/1 do Diploma Preambular e 12-A/1 do anexo ao DL 269/98, ou seja, mediante via postal simples, considerando a notificação realizada com a certificação, pelo distribuidor postal, do depósito da carta na caixa de correio do notificando.
Contudo, os elementos documentais juntos aos autos não permitem concluir pela existência de domicílio convencionado, pelo que foi indevidamente aplicado aquele regime de notificação.
Ora, a prova da celebração do contrato, da prestação dos serviços e de tal convenção incumbia à exequente, enquanto requerente da injunção e que como tal indicou a existência de domicílio convencionado.
No caso, atenta a documentação junta pela exequente para sustentar a sua posição forçoso se torna concluir que a notificação do requerido tinha que ser feita por carta registada com aviso de recepção, o que não aconteceu.
Pelo que fica dito, forçoso se torna concluir que a notificação efectuada na injunção ao requerido, não observou, como devia, as formalidades constantes do artigo 12 do anexo ao DL 269/98 o que, nos termos do artigo 191 do CPC acarreta a sua nulidade, não sendo possível afirmar que a ausência de tais formalidades, não prejudicaram a sua defesa.
Na verdade, só com as diligências de penhora e citação para a execução, tomou o requerido conhecimento quer da injunção quer da própria dívida.
Não resulta demonstrado que o requerido haja recebido a carta simples nem existe presunção nesse sentido a qual só relevaria se a notificação levada a cabo nos termos do artigo 12-A fosse a correcta, o que não era e tal irregularidade influi de modo decisivo no direito de defesa do requerido.
Nos termos do artigo 195/2 do CPC deverão ser anulados todos os actos subsequentes à apresentação do requerimento de injunção, na medida em que todos eles dependem da aposição da fórmula executória, a qual só se tornou possível devido a tal nulidade de notificação.
A informação incorrecta prestada pela exequente em sede de procedimento injuntivo viciou esse mesmo procedimento e a constituição do próprio título executivo, uma vez que, em face da nulidade da notificação do embargante na injunção, não pode o mesmo ser executado na acção a que estes autos estão apensos e, consequentemente, não lhe podiam ser penhorados quaisquer bens.
Em face de todo o exposto, importa julgar procedentes os presentes embargos de executado.
Da litigância de má-fé da exequente
Na sua conduta processual as partes estão sujeitas, além do mais, aos deveres de verdade e aos princípios da boa-fé processual e da cooperação para a descoberta da verdade (cfr. artigos 8, 417 e 542/2 do CPC).
Estatui o artigo 542 do CPC que “1 - Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da Justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
A litigância de má-fé pressupõe uma intervenção na lide consubstanciada numa actuação dolosa ou negligente grave que preencha, objectivamente, a previsão de alguma das situações elencadas no citado normativo.
A má-fé traduz-se na violação do dever de probidade que o artigo 266-A CPC impõe às partes.
Este instituto consubstancia, por conseguinte, uma responsabilidade processual das partes.
A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada em Junho de 2015, fundada em requerimento de injunção para pagamento da quantia global de 749,47€.
Recebida a execução, a AE levou a cabo a penhora de IRS do executado, no montante de 1400€.
No caso, em face da posição assumida pela exequente relativamente aos fundamentos de oposição apresentados pelo requerido, forçoso se torna concluir que a exequente agiu de forma temerária ao instaurar o procedimento injuntivo e consequente execução, conduzindo à realização de diligências e despesas absolutamente desnecessárias e desproporcionadas por parte do AE daí resultando indubitavelmente claros prejuízos na vida e património do executado.
Por outro lado, mostrando-se a exequente dotada de meios humanos qualificados e condições suficientes para gerir os seus créditos, inexiste qualquer justificação para que não tivesse atentado com maior rigor na instrução e consequente fundamento quer do procedimento injuntivo quer da execução.
Mostra-se assim preenchida a previsão do artigo 542/2-a do CPC.
Nos termos do disposto no art. 542/1 do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e indemnização à parte contrária se esta o pedir.
No caso, veio o executado requerer a condenação da exequente em montante não inferior a 20.000€.
A multa aplicável pode ser fixada entre 2 UC e 100 UC (cfr. art. 27/3 do RCP).
Ponderando a censurabilidade da conduta da exequente, o dolo com que agiu e o acréscimo de actividade processual que daí resultou afigura-se adequado o sancionamento em 20 UC.
Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, condenar a exequente em multa de montante equivalente a 20 UC
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A exequente diz o seguinte contra isto:
Sem prejuízo da clara contradição entre os fundamentos e a decisão – a sentença recorrida enunciou que a recorrente “agiu de forma temerária”, mas condenou em 20 UC por referência ao “… dolo com que agiu” -, decidiu o tribunal a quo que a recorrente fez constar do requerimento injuntivo informação incorrecta sobre a existência de domicílio convencionado e, com esse fundamento, condenou em litigância de má-fé e multa.
No entanto, nem o tribunal recorrido poderia concluir pelo incorrecto preenchimento do requerimento injuntivo relativamente à informação sobre o domicílio convencionado, nem (consequente-mente) tinha motivo para condenar em litigância de má-fé.
Com efeito, da prova documental apresentada pela requerente na resposta aos embargos consta: a cláusula de domicílio convencionado (cfr. doc. 1, cláusula 19.1); a declaração de conhecimento e aceitação das cláusulas do contrato (cfr. doc. 1, 1ª página, imediatamente antes da assinatura do contraente; e doc. 2).
O tribunal recorrido, (a) confundindo “cláusulas do contra-to” com “prova do seu conhecimento” e depois de ter reconhecido que o contrato junto aos autos pela embargada continha a cláusula de domicílio convencionado, mas [dizendo] que se suscitavam dúvidas sobre o seu conhecimento por parte do requerido; (b) incompreensivelmente, concluiu oficiosamente pela inexistência de domicílio convencionado, sem designar audiência de julgamento, agravando o erro ao condenar a recorrente em litigância de má-fé e em multa de 20 UC.
Tal condenação, como as demais decisões, carece de total fundamento.
Desde logo porque, como o tribunal recorrido reconheceu constar dos documentos juntos a cláusula de domicílio convencionado.
Como tal, não poderia censurar a recorrente por indicar tal convenção na injunção.
E se o tribunal recorrido considerou que, na fase dos articulados, não foi feita prova do conhecimento de tal cláusula pelo recorrido - não obstante se encontrar declarado em docs 1 e 2 da resposta aos embargos -, a recorrente arrolou testemunhas para prova dos factos que alegou, as quais não puderam ser ouvidas porque o tribunal recorrido o impediu, precipitando a sentença.
Acresce que, mesmo que não fosse feita prova do facto “conhecimento das cláusulas pelo requerido”, tal não corresponde à prova do contrário, muito menos constituiria fundamento para a litigância de má-fé.
Nos termos do ac. do STJ de 18/02/2015, proc. 1120/11.1TBPFR.P1.S1, “A litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.”
Não resulta dos autos que a recorrente tivesse atuado com dolo ou negligência grave, inexistindo, por isso, fundamentos para a condenação em litigante de má-fé e multa.
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Decidindo:
Como resulta do que antecede, a questão a decidir gira à volta da existência ou não da convenção de domicílio, isto é, de saber se o contrato que vinculava a exequente e o executado continha uma cláusula a estabelecer o local onde o aderente se considerava domiciliado para efeito de realização de notificação em caso de litígio (prevista nas normas citadas acima pela decisão recorrida).
Quando se pensa num contrato escrito, aquilo que logo vem à mente é um documento em papel cujo conteúdo vai até onde estão feitas as assinaturas dos dois contraentes.
É certo que esta imagem genérica tem hoje inúmeras limitações (o que se diz tendo em conta, por exemplo, o que consta das páginas 137 a 144 do Manual dos contratos em geral de Galvão Telles, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2002, as páginas 81 a 96 do vol. I dos Contratos de Carlos Ferreira de Almeida, 2015, 5.ª edição, Almedina, bem como o que resulta das obras referidas a seguir), mas vale como tal e vale principalmente nos contratos de adesão, mais formais que outros tipos de contratos por razões de protecção do aderente. E por isso ela tem reflexo no regime destes, mais precisamente no art. 8/-d da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (= LCCG) que diz que as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes, consideram-se excluídas dos contratos singulares.
É certo ainda que, apesar desta norma, muito se tem discutido sobre se fazem parte dos contratos cláusulas contratuais gerais que constam dos versos de folhas em cujos rostos são feitas as assinaturas dos contraentes, ou cláusulas que constam de anexos a folhas assinadas.
Não se encontra, no entanto, uma única voz que defenda que cláusulas contratuais gerais constantes de folhas não assinadas ou rubricadas e a que o contrato não faz a mínima referência (por remissão expressa para elas) possam valer como cláusulas desses contratos.
(inúmeras referências doutrinárias e jurisprudências à questão podem ver-se nos acs. do TRL de 14/09/2017, proc. 9065/15.0T8LSB-2, e de 13/10/2016, proc. 28382/15.2YIPRT.L1-2; várias outras podem ver-se também, por exemplo, em Jorge Morais Carvalho, Manual de direito de consumo, 2016, 3.ª edição, Almedina, págs. 78 e 79; José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas contratuais gerais, Coimbra Editora, 2010, págs. 114 a 117; e Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à LCCG, Coimbra Editora, 2013, págs. 187 e 188, tendo estas duas últimas obras variadíssima jurisprudência sobre a questão, a seguir ou a anteceder as páginas indicadas).
Posto isto, e remetendo-se para a descrição que acima se fez dos documentos apresentados para junção aos autos pelas partes, diga-se agora que no caso não há a mais pequena ligação que seja entre as duas páginas assinadas pelo contraente inicial e as duas páginas com as condições gerais. Estas duas páginas são uma simples impressão de texto, sem uma numeração ou referência ao contrato, sem uma rubrica ou assinatura, sem um qualquer risco manuscrito, sem mesmo um qualquer sinal de ligação ao contrato.
É certo entretanto, que as passagens citadas acima do doc.1, indiciam suficientemente que existiam condições gerais do contrato - quando se escreve, no rosto da folha, ‘condições gerais de serviço que fazem parte integrante da presente proposta de subscrição’ ou quando na 1.ª condição específica se fala em “para os efeitos das Condições Gerais (adiante "Condições"), nomeadamente, da cláusula 1.1., o Serviço corresponde a […].”
Mas chegar-se à conclusão de que era suposto o contrato ter umas condições gerais, não é o mesmo que dizer que ele tinha de facto condições gerais nem, principalmente, que as condições gerais apresentadas pela exequente eram as condições gerais deste contrato.
Em suma: dado que as condições gerais apresentadas pela exequente são uma simples impressão de condições gerais, sem qualquer conexão, mínima que seja, ao contrato em causa, a exequente não podia dizer que a cláusula respeitante ao domicílio fizesse parte do contrato em causa.
Quanto ao doc.2 (cessão da posição contratual do contraente inicial ao requerido), invocado pela exequente, ele é inócuo para se concluir o contrário, já que ele apenas se refere às condições do serviço, não a condições gerais, sem que haja, por isso, razões para dizer que se não se refere apenas às duas páginas assinadas pelo contraente inicial.
Não é verdade, por outro lado, que o tribunal recorrido tenha reconhecido que o contrato junto aos autos pela exequente continha a cláusula de domicílio convencionado. A exequente está a distorcer as palavras do tribunal, já que este apenas refere as condições gerais juntas aos autos e não diz nunca que elas façam parte do contrato (sendo que o facto de o tribunal dizer que as condições gerais constam de documento junto, como constam de facto, não é o mesmo que dizer que esse documento – ou todas as páginas que a exequente refere como sendo do documento - faz parte do contrato).
Quanto à pretensão da exequente de fazer prova, em julgamento, através de testemunhas, de que a folha das condições gerais fazia parte do contrato, isso seria o mesmo que permitir-lhe que desse a volta ao disposto no art. 8/-d da LCCG, bem como também à regra geral do art. 394 do CC. Se não fazem parte do contrato cláusulas escritas depois da assinatura dos aderentes, muito menos fazem parte dele cláusulas que constam de folha que não tem qualquer ligação com a folha do contrato e a exequente nunca poderia provar o contrário, com testemunhas, por força do art. 394 do CC aplicado por maioria de razão.
Em suma, se o contrato foi mal celebrado e a exequente não tinha prova de que as duas páginas com aquelas condições gerais faziam parte deste contrato em concreto, ela tinha que resignar-se a seguir o regime mais exigente da notificação do requerimento de injunção ao requerido e, principalmente, tinha que resignar-se - depois do executado levantar a questão na oposição à execução -, a admitir que tinha feito mal e a não persistir na alegação da existência de uma cláusula que não podia opor ao executado.
Há pois uma sequência de comportamentos da recorrente que é inaceitável: deduziu, sem o poder fazer, um requerimento de injunção de modo a que ele seguisse uma forma de notificação do requerido que não dá garantias suficientes de que ele tenha conhecimento do pedido, possibilitando assim à exequente a obtenção de um aparente título executivo sem observância do contraditório, com base na invocação de uma cláusula que ela não pode deixar de saber que não faz parte do contrato, e depois, na subsequente execução de tal requerimento, mantém essa alegação com o fim de evitar a improcedência da sua pretensão.
A exequente, que é uma empresa ‘grande litigante’  (como resulta reconhecido com a taxa de justiça paga para o accionamento da execução – a expressão utilizada corresponde ao disposto no art. 13/3-5 do RCP) e grande utilizadora dos contratos de adesão subjacentes, tem de ter uma organização de meios (incluindo jurídicos) adequada para tudo isso e, por isso, não pode fazer de conta que um impresso de condições gerais faz parte de um contrato sem qualquer prova documental do facto. Não pode pois actuar em juízo como actuou. E naturalmente, dadas aquelas características, fez o que fez sabendo o que fazia e querendo-o fazer, concluindo-se por isso que actuou com dolo.
Por isso, considera-se que a decisão recorrida teve razão em condenar a exequente como litigante de má-fé.
Atentos os fundamentos invocados pela decisão recorrida (designadamente o facto de terem sido penhorados bens ao executado, com o consequente transtorno para a vida deste), bem como os valores entre os quais se deve fixar a multa (2 a 100 UC: art. 27/3 do RCP), o facto, já referido, de a exequente ser uma grande litigante, e ainda o ponto de comparação do disposto no art. 858 do CPC (em que, mesmo sem dolo e sem litigância de má-fé, a multa terá o valor mínimo de 10 UC), também se considera que foi correcto o valor fixado pela decisão recorrida para a condenação.    
(entretanto, registe-se que se desconsiderou o artificialismo da construção feita pelo requerido, que parte do princípio de que as duas páginas do documento que juntou não foram assinadas pelo contraente inicial e baseou grande parte da oposição nesse facto, quando, afinal, essas duas páginas tinham sido assinadas; de resto, este artificialismo, sendo notório que a sua base de apoio seria facilmente posta em causa com a simples exibição das páginas assinadas, como acabou por acontecer, não deixa de ser indício de que de facto ao contraente inicial só foram entregues aquelas duas páginas, pois que é notoriamente uma construção feita com base naquilo a que se tinha acesso e que o requerido pensava ser tudo o que existia; seja como for, a questão é irrelevante, porque o que interessa é que as duas páginas com as condições gerais não podem, objectivamente, ser ligadas ao contrato)
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
A exequente perde a taxa de justiça paga pela interposição do recurso (por o ter perdido; não há outras custas).
Lisboa, 27/06/2019
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues