Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
881/17.9T8FNC-A.L1-1
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: CÓDIGO DE DEONTOLOGIA DOS ADVOGADOS
COLABORADOR
SIGILO PROFISSIONAL
TESTEMUNHA
QUEBRA DE SEGREDO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Nos termos do art.º 92º, n.º 7 do Estatuto da Ordem dos Advogados e Ponto 2.3.4 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus os colaboradores do advogado, ou porque fazem parte do seu escritório ou porque por este foi requisitado o seu auxílio, estão sujeitos ao mesmo sigilo profissional deste.
II. Tal dever não é absoluto, como decorre do disposto pelo art.º 417º, n.º 4 do Código de Processo Civil, podendo ser dispensado através do incidente processual de quebra do segredo profissional uma vez que nesta matéria estão em causa dois interesses públicos essenciais na administração da Justiça; por um lado o princípio da confiança no advogado e na sua função e por outro o princípio da cooperação de todos para a descoberta da verdade, sendo necessário em cada caso concreto fazer a correcta ponderação das circunstâncias a fim de verificar qual o princípio preponderante em cada situação.
III. Para proceder a tal avaliação, o Tribunal a quo deve previamente averiguar junto das partes quais as concretas questões que se pretende colocar à testemunha; delimitadas estas, e caso não resulte inequívoco que se verifica a legitimidade da escusa (situação em que, se se concluir pela imprescindibilidade do depoimento para o apuramento da verdade material, se terá de lançar mão do pedido de quebra de sigilo, com a inerente tramitação) o Tribunal deve proceder à inquirição da testemunha, pois só assim e perante o que em concreto se venha a relatar, é que será possível ajuizar da legitimidade ou não da escusa.
IV. Verificando-se das declarações da testemunha que estas estarão cobertas pelo sigilo profissional, a parte que a indicou e queira valer-se de tais declarações deve suscitar o incidente de quebra de segredo profissional, nos termos do art.º 135º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ex vi art.º 417º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
L…, intentou em 13/2/2017 acção de anulação de deliberações sociais contra G…, Lda.; A…; M…; J…, casado no regime de comunhão de adquiridos com C…; G…, casado no regime de comunhão de adquiridos com GM…; MC…; MS…; JJ…, casado no regime de comunhão de adquiridos com MS…; e CS…, todos por si e na qualidade de co-herdeiros do acervo hereditário aberto por óbito de MG….
Prosseguindo a acção, designou-se data para Julgamento e, na Audiência que ocorreu no dia 29/6/2020, a testemunha F…, invocou sigilo profissional para se escusar a depor.
Foi proferido o seguinte despacho:
A testemunha F… invocou o sigilo profissional para a prestação de declarações nos presentes autos, alegando ser funcionária no escritório do ilustre mandatário da Ré, onde terá sido tratada a questão em apreço nos presentes autos. 
Nos termos do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, reportando-se ao segredo profissional, “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.
Nos termos do n.º 7 da mesma norma “o dever de guardar sigilo quanto aos factos elencados no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional”. 
Os factos em causa abrangidos pelo invocado sigilo profissional poderão todavia ser revelados, mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Regional respectivo.  
Considerando as normas vindas de invocar, e a invocação pela testemunha da sua qualidade de funcionária do ilustre mandatário da Ré, determino que o seu depoimento sobre as matérias aqui em causa, seja precedido dessa necessária dispensa de sigilo.
Mesmo admitindo-se que as questões a serem colocadas pelo ilustre mandatário da Autora não incidam sobre matéria sujeita a sigilo, o mesmo não sucederá relativamente às questões a serem colocadas pela ilustre mandatária dos Réus, que acautelando essa situação, solicitou prazo para esse levantamento. 
Ora, não vislumbra o Tribunal necessidade de cisão do depoimento da testemunha, entendendo que o mesmo deverá ser tomado de uma única vez, com garantia do contraditório.  
Assim sendo em face do exposto, interrompo aqui o depoimento de F…, concedendo-se aos Réus o prazo de quinze dias para demonstrarem nos autos a dispensa de sigilo na prestação de depoimento por parte da testemunha identificada. 
Em face da decisão vinda de proferir, interrompe-se aqui a presente audiência de discussão e julgamento, a qual terá continuação no próximo dia 14 de Setembro, pelas 14 horas e 30 minutos, data esta obtida com a concordância dos ilustres mandatários presentes. 
Notifique”.
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Não se conformando com este despacho, dele veio interpor recurso a A., formulando as seguintes Conclusões:
1.ª Os n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da CRP consagram, constitucionalmente, o direito à prova como, princípio geral de acesso ao Direito e aos Tribunais, a todos assegurado para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, através de um processo equitativo.
2.ª Ao longo de todo o processo, garante-se às partes um estatuto de igualdade substancial (cfr. artigo 4.º do CPC), designadamente, no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa, estando ao serviço do princípio da igualdade das partes, desde logo, o princípio do contraditório e as normas relativas à distribuição do ónus da prova.
3.ª Aquele desidrato constitucional não ficaria salvaguardado se não fosse, correlativamente, facultada às partes a possibilidade de apresentar os meios de prova destinados a lograr demonstrar os factos alegados e cujo ónus da prova lhes incumbe, nos termos da lei, tudo de modo a obter a Justiça que consideram ser-lhes devida (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-05-2004, Processo n.º 04A1417). Dito isto,
4.ª Na lide, o cerne decisório gira em torno da “(in)validade das deliberações tomadas (…)”, importando apurar, entre outra, a matéria relacionada com a “identidade do local de realização da assembleia geral mencionados na convocatória e na acta da mesma” (cfr. artigos 47.º a 50.º da Petição Inicial; e douto Despacho 45418950, de 07-05-18)
5.ª A testemunha F… é comum a ambas as partes (cfr. Contestação 2032606, de 29-03-2017 e Requerimento 2665207, de 09-05-2018).
6.ª No interrogatório preliminar, a Testemunha informou ser funcionária do Ilustre Mandatário dos Réus “e tendo a questão em apreço nos presentes autos, sido tratada no escritório, invoca o sigilo profissional, por entender que não deve falar sem a devida autorização” [cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020 (negrito e sublinhado nossos); e CLS 13.ª].
7.ª As partes manifestaram posições díspares sobre essa posição: (i) a Autora, ora Apelante, a favor da prestação imediata do depoimento na medida em que, tendo a Testemunha sido oferecida, igualmente, pelos Réus, por meio da pena do seu Ilustre Mandatário, entidade patronal daquela, haverá de admitir-se a concessão de autorização para depor, sendo certo que o apuramento da (i) legitimidade na invocação do sigilo profissional apenas se poderia aferir no confronto com perguntas concretamente colocadas à Testemunha, eventualmente “não relacionadas com o desempenho profissional (…) mas sim com questões factuais da realidade do dia-a-dia e que, seja como for, pese embora a sua trivialidade, não deixarão de ter a sua relevância para a apreciação da presente lide”; (ii) os Réus propugnando pela necessidade de requerer, através do seu Ilustre Mandatário, a dispensa de segredo profissional de e para a Testemunha [cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020 (negrito e sublinhado nossos); e CLS 14.ª].
8.ª Atenta a posição dos Réus, a Autora, ora Apelante, considerou que a necessidade – ou falta dela – de requerer a aludida dispensa estaria sempre dependente das instâncias a que a Testemunha seria sujeita, reiterando que as questões que pretenderia colocar-lhe em nada “(…) contende (…) com a salvaguarda do sigilo profissional a que se encontra vinculada, até porque, muito provavelmente (…) nenhuma intervenção teve naquelas que são as duas peças processuais fundamentais deste processo, a saber, o aviso convocatório da assembleia geral e a acta que dela emergiu (…)”, concluindo pela manutenção do depoimento imediato às instâncias da Autora, sem prejuízo do seu adiamento às dos Réus (cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020).
9.ª O Tribunal a quo - não vislumbrando motivo para cindir o depoimento da Testemunha, pese embora admitindo que as instâncias da Autora poderiam não colidir com o sigilo profissional daquela – considerou necessário, por apelo à alínea a) do n.º 1 e do n.º 7 do artigo 92.º do EOA, que a prestação do seu depoimento fosse antecedido da “necessária dispensa de sigilo”, mediante prévia autorização da Ordem dos Advogados, mais considerando que a Ilustre Mandatária dos Réus, acautelando essa situação, “solicitou prazo para esse levantamento (…) concedendo-se aos Réus o prazo de quinze dias para demonstrarem nos autos a dispensa de sigilo (…)” (cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020).
10.ª Antes de entrar no âmago recursivo propriamente dito, não poderá a Apelante deixar de notar que, pese embora os Réus tenham arrolado, pela pena do seu Ilustre Mandatário, a Testemunha a 29 de Março de 2017, só decorridos mais de três anos tomaram consciência da suposta necessidade daquela ser dispensada, para depor, do sigilo profissional, numa conduta que, no melhor rigor das coisas, posterga os demandos da sã cooperação e boa-fé processuais (cfr. n.º 1 do artigo 7.º e artigo 8.º, ambos do CPC), aproximando-se, não sem algum perigo, das fronteiras, senão da litigância de má-fé [cfr. alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC], do abuso de Direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil). Com efeito,
11.ª Conforme se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-12-2004, Processo n.º 04B2076, “se a parte alega um facto passado consigo e arrola para o testemunhar um empregado do seu advogado, está a prescindir validamente do eventual sigilo a que tivesse direito (…) não sufragamos a posição do recorrente, quando pretende que o sigilo é também no interesse da contra-parte”.
12.ª O Tribunal a quo, ao indeferir a prestação imediata de depoimento da Testemunha, pelo menos, às instâncias da Autora, ora Apelante, sem curar de averiguar, num primeiro momento e por referência às concretas questões que lhe seriam colocadas, a (i) legitimidade da recusa, antes considerando necessária, primeiramente, prévia autorização da Ordem dos Advogados a dispensar aquela de sigilo, não efetuou uma correta interpretação das normas jurídicas que constituem o fundamento da decisão recorrida, designadamente (i) do n.º 1, da alínea c) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 417.º, do n.º 1 do artigo 495.º, do n.º 3 do artigo 497.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 516.º, todos do CPC; (ii) dos n.ºs 1 a 4 do artigo 135.º do CPP; (iii) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 1 e do n.º 7 do artigo 92.º do EOA, ex vi pontos 2.3-1 e 2.3-4, ambos do CCBE; e (iv) do artigo 1.º, do n.º 2 do artigo 2.º, dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 3.º, dos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º e do n.º 3 do artigo 5.º, todos do RDSP.
13.ª A decisão recorrida, ainda antes da sua análise material, soçobra em termos formais pelo seguinte: pese embora seja exigível ao funcionário de Advogado o dever de guardar sigilo profissional a que o próprio está sujeito [cfr. alínea a) do n.º 1 e n.º 7 do artigo 92.º do EOA; e pontos 2.3-1 e 2.3-4 do CCBE], não se afigura possível àquele funcionário obter a dispensa de sigilo por recurso ao procedimento regulamentar próprio que apenas se aplica aos profissionais inscritos na Ordem dos Advogados a quem cabe, através dos órgãos competentes, decidir sobre aquela, apenas e só quando o pedido é formulado por Advogado (cfr. artigo 1.º do EOA; artigo 1.º do RDSP; e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-04-2003, Processo JSTA00059563).
14.ª O diploma regulamentar que disciplina a dispensa do segredo profissional não alude, uma única vez, a outros profissionais que não sejam Advogados, nem tão pouco prevê a possibilidade, aventada pela decisão recorrida, de serem aqueles – e, muito menos, as partes que representam - a requerer a dispensa de segredo profissional em nome e em representação dos seus funcionários (cfr. n.º 2 do artigo 2.º; n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 3.º; n.º 2 do artigo 4.º; e n.º 3 do artigo 5.º, todos do RDSP).
15.ª Ressalvado o devido respeito, mostra-se, hodiernamente, ultrapassada a norma consuetudinária sobre a matéria, que sempre levou a Ordem dos Advogados a tomar posição no sentido de que funcionários de Advogados não podem depor sobre factos de que tenham conhecimento nos respetivos escritórios e no exercício da sua profissão, desde que tais factos estejam cobertos pelo sigilo profissional do respetivo Advogado/entidade patronal.
16.ª Para isso, e por certo, contribuiu a Jurisprudência ao trilhar um caminho alternativo, tributando às decisões da Ordem dos Advogados, no âmbito decisório do artigo 92.º do EOA, um valor argumentativo e não já decisório nem vinculativo, mormente nos termos e para os efeitos do artigo 135.º do CPP, sob pena de negação do papel próprio dos Tribunais (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07-05-2019, Processo n.º 248/12.5TAELV-B.E1; e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-05-2019, Processo n.º 42896/18.8YIPRT-A.P1), pois se é certo que o segredo profissional se reveste de interesse e ordem pública, não é menos correto afirmar que é relativamente disponível, seja por iniciativa do interessado, seja por decisão do Tribunal.
17.ª A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de que o segredo profissional a que estão sujeitos os Advogados só impende sobre esses profissionais é de difícil contestação lógico-jurídica, não sendo de atender a uma qualquer aplicação analógica (cfr. artigos 10.º e 11.º, ambos do CC) aos seus funcionários, dado a sua excecionalidade face à regra da disponibilidade dos depoimentos, e face aos quais “a defesa do sigilo põe-se a nível objectivo, ou seja, incumbe ao próprio advogado exigir tal sigilo. Esta exigência integra-se nas relações laborais do escritório e não pode prevalecer sobre o dever geral de contribuir para a descoberta da verdade” (cfr. Ponto 2.3-4 do CCBE; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-12-2004, Processo n.º 04B2076).
18.ª O segredo profissional baseia-se no direito que assiste às partes de adotarem a posição processual que considerarem mais pertinente, a ela se atendo, de modo que o respeito pelo segredo profissional não redunda, única e exclusivamente, em questão de interesse público, cuja observância os Tribunais tenham de impor erga omnes, e mesmo contra a vontade das partes (só o é na medida em que o Tribunal o deve garantir), reconduzindo-se a um direito que está na plena disponibilidade da parte que dele pode beneficiar. Seja como for,
19.ª A recusa em depor não pode, em momento algum, significar obstáculo ao depoimento, não se admitindo que fique nas mãos do depoente (funcionário de Advogado) o direito de decidir se quer ou não testemunhar, competindo ao Tribunal fazer cumprir o dever de guardar sigilo (exceção à regra da disponibilidade dos depoimentos) ou o dever geral de contribuir para a descoberta da Verdade (regra da disponibilidade dos depoimentos), tendo em consideração a superioridade (ou não) dos valores de segurança e certeza jurídicas em relação aos que o sigilo visa proteger.
20.ª A questão de saber se se justifica a quebra do sigilo tem como seu antecedente lógico a sua constatação, de modo que, caso se conclua que não se coloca sequer hipótese suscetível de subsunção a sigilo profissional, não se justifica qualquer outra indagação sobre a necessidade do seu levantamento [cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-04-2017, Processo n.º 1130/14.7TVLSB-1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-09-2018, Processo n.º 17/14.8TBVZL.C1.S1; e Acórdão (de Uniformização de Jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-03-2008, n.º 2/2008, Processo n.º 894/07-3].
21.ª O que seria manifestamente o caso do depoimento da Testemunha às instâncias da Autora, ora Apelante, o que só seria possível de discernir, em toda a sua extensão, se tivesse sido admitida a formular as questões pertinentes ao seu desidrato probatório e, em consequência, também o seria à contra-instância dos Réus que, naturalmente, sempre se haveria de conter no âmbito daquelas instâncias iniciais, no sentido de as completar/esclarecer e não já de as extravasar (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 516.º do CPC). Adrede,
22.ª No seio da prova testemunhal, o dever de cooperação para a descoberta da verdade configura um princípio geral (cfr. n.º 1 do artigo 417.º e n.º 1 do artigo 495.º, ambos do CPC) que, não obstante, admite algumas exceções, ou seja, situações em que é legítima a recusa em depor, assente na necessidade de obstar à violação do segredo profissional, ainda que circunscrita aos factos abrangidos por aquele [cfr. alínea c) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 417.º, ex vi artigo 135.º do CPP, e n.º 3 do artigo 497.º, ambos do CPC].
23.ª Mas, uma vez que a proteção desse segredo não constitui um valor absoluto nem ilimitado – e, muito menos, inafastável -, haverá que realizar, casuisticamente, uma ponderação dos valores em conflito (averiguação da verdade ou proteção de direitos dos cidadãos beneficiados pelo segredo), por forma a determinar qual deles deve vingar, de acordo com o princípio da prevalência do interesse preponderante.
24.ª In casu, não se afigurando possível o recurso à figura regulamentar de dispensa do segredo profissional (cfr. CLS 6.ª, 7.ª, 13.ª e 14.ª) e considerando-se que se possam suscitar dúvidas – ou, talvez, assim não tantas - quanto à autorização de revelação de factos potencialmente sujeitos àquele, por via da desvinculação pelos Réus, como decorre da indicação da Testemunha no rol correspondente (cfr. CLS 10.ª e 11.ª), restará o incidente processual de quebra do segredo profissional para aferir da (i) legitimidade da recusa em depor pela Testemunha, ainda que sem necessidade de audição prévia da Ordem dos Advogados, por aquela não ser membro dessa agremiação que, naturalmente, não a representa (cfr. n.ºs 1 a 4 do artigo 135.º do CPP, ex vi n.º 4 do artigo 417.º e n.º 3 do artigo 497.º, ambos do CPC).
25.ª Haveria, pois, a Testemunha, às instâncias da Autora, ora Apelante, e perante a formulação de perguntas concretas, de deduzir, se assim o considerasse oportuno, escusa com fundamento em violação do segredo profissional, em ordem a permitir ao Tribunal a quo ajuizar da sua (i) legitimidade – e, em caso de dúvidas fundadas, realizar as averiguações necessárias -, ordenando a prestação do depoimento se concluísse pela sua ilegitimidade [cfr. Acórdão (de Uniformização de Jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-03-2008, n.º 2/2008, Processo n.º 894/07-3].
26.ª Caso o Tribunal a quo concluísse pela legitimidade da escusa, e ao invés de se conformar com a invocação do segredo profissional, não podendo insistir na prestação do depoimento, haveria de suscitar, oficiosamente ou mediante requerimento, e pelo juízo valorativo que envolve, o incidente de quebra daquele segredo junto do Tribunal imediatamente superior que poderá (ia) ordenar a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, sempre que tal se justificar segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade [cfr. Acórdão (de Uniformização de Jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-03-2008, n.º 2/2008, Processo n.º 894/07-3].
27.ª A decisão do Tribunal a quo deverá, pois, ser revogada e substituída por douto Acórdão que, apreciando os fundamentos de facto e de Direito invocados pela Apelante, determine que, subsequentemente ao interrogatório preliminar da Testemunha F…, sejam as partes – ou, pelo menos, a Autora, ora Apelante - admitidas a concretizar as instâncias e as contra-instâncias que ao caso couberem, mediante a formulação de questões concretas àquela Testemunha, mais havendo o Tribunal a quo, oficiosamente ou a requerimento mas sempre sem prévia audição da Ordem dos Advogados, de lançar mão ao incidente previsto no artigo 135.º do CPP, ex vi n.º 1, alínea c) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 417.º e n.º 3 do artigo 497.º, ambos do CPC, por forma a averiguar da (i) legitimidade da escusa em depor que aquela possa invocar, escudada no alegado dever de guardar sigilo profissional.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Tendo-se constatado que:
- Por ofício de 23/9/2020, foi informado o Tribunal que o Vice Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados da Madeira proferiu despacho não autorizando o levantamento do segredo profissional;
- Nessa sequência, na Sessão de julgamento que teve lugar no dia 7/10/2020, foi ordenada a notificação das partes para, querendo e no prazo de cinco dias requererem a substituição da testemunha em causa, ou o que tiverem por conveniente;
- Sendo que a A. requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º, do n.º 1 do artigo 7.º, do artigo 411.º, da última parte do n.º 3 do artigo 423.º, do n.º 1 do artigo 490.º e do artigo 494, todos do Código de Processo Civil, a admissão de um documento, dispensado a Requerente de qualquer tributação, inclusive em virtude da sua reduzida dimensão e simplicidade; e que se ordene a realização de inspeção judicial ou, em alternativa, verificação não judicial qualificada, ao Edifício A, à Av. A, no F…, em ordem a verificar se os seus n.ºs 42, 42 A, 42 B e 42 C correspondem a várias entradas distintas entre si e para locais, igualmente, distintos entre si (invocando encontrar-se impossibilitada de indicar quem possa substituir a dita testemunha, mormente por referência às concretas questões de facto e que, ainda que fosse possível à Requerente substituir essa testemunha por outra que, igualmente, exerça funções profissionais no mencionado domicílio profissional, correr-se-ia o risco de se verificar novel invocação de sigilo profissional, ficando a Requerente limitada, por assim dizer, na produção probatória que considera oportuna);
Ordenou-se a notificação das partes para se pronunciarem sobre a eventual inutilidade de prosseguimento do Recurso, afigurando-se que do requerimento que a A. intentou poderia decorrer que a A. prescindiu do depoimento da testemunha em causa.
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Em resposta, a A. veio dizer, em síntese, que ao apresentar o Requerimento 3882372, de 11-10-2020, nos autos de processo principal, a Requerente não quis prescindir, nem prescindiu, do depoimento da testemunha F… o que, a suceder, determinaria a desnecessidade de conhecer o objeto recursivo; de momento, não existem garantias dos meios de prova referidos no Requerimento virem a ser admitidos e, caso não o venham a ser, apenas a apreciação do recurso poderá concretizar, no caso de vir a merecer provimento, aquela produção testemunhal.
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Face à resposta da A., passa-se a conhecer do objecto do Recurso.
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O recurso foi regularmente admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questão a decidir:
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), a questão a decidir no recurso é a seguinte:
Saber se, requerida a escusa a depor por parte da testemunha invocando sigilo profissional, o seu depoimento, no que à A. aqui Recorrente respeita, tem de ser antecedido da “necessária dispensa de sigilo”, mediante prévia autorização da Ordem dos Advogados.
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III. Fundamentação de Facto:
Os factos com interesse para a decisão do presente Recurso são os que constam do Relatório que antecede, que aqui se dão por reproduzidos.
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IV. O Direito:
Dispõe o art.º 417º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”:
“1 – Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados. (…)
3 – A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: (…)
c) Violação do sigilo profissional ou dos funcionários públicos, ou do segredo do Estado, sem prejuízo do nº 4.
4 – Deduzida a escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”
Resulta assim desta norma que a recusa de prestação de informações é legítima quando importar a violação de sigilo profissional.
Tem-se entendido por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque é inerente à própria natureza do serviço prestado e da profissão.
A razão de ser do dever de guardar segredo profissional por parte dos advogados é, por um lado, a confiança e a lealdade entre advogado e cliente e, por outro, a dignidade da advocacia. Assim, ao lado do interesse privado do cliente, existe o interesse público na confiança do advogado e na sua função.
Como pode ler-se a este respeito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/2/2018, Proc. n.º 1130/14.7TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
O dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público.
Nas palavras de António Arnauld [“Iniciação à Advocacia”, página 66], o fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense.
A obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.
Isso mesmo foi afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2017: “A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões”.
Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. O segredo profissional não é só, em rigor, um dever do advogado por pertencer a uma classe, mas é, e sobretudo, um dever de toda essa classe e, por isso, vinculativo e obrigatório para cada membro dela [Parecer do Conselho Geral de 02.04.1981, em ROA, ano 41, páginas 900 e seguintes].
Nos termos do art.º 92º do Estatuo da Ordem dos Advogados (E.O.A., sob a epígrafe “Segredo profissional”):
“1 – O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) a factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação, por revelação do cliente (…);
b) a factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados; (…)
4 – O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo. (…).
7 – O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no nº 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, (…)”.
Esta última disposição, ao contrário do que pretende a Recorrente, está de facto especialmente vocacionada para os colaboradores do próprio advogado, ou porque fazem parte do seu escritório ou porque por este foi requisitado o seu auxílio.
Veja-se a este respeito o que dispõe o Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Deliberação 2511/2007 OA publicada no DR II de 27.12.2007) no ponto 2.3, sob a epígrafe Segredo Profissional:
“2.3.1 - É requisito essencial do livre exercício da advocacia a possibilidade do cliente revelar ao advogado informações que não confiaria a mais ninguém, e que este possa ser o destinatário de informações sigilosas só transmissíveis no pressuposto da confidencialidade. Sem a garantia de confidencialidade não pode haver confiança. O segredo profissional é, pois, reconhecido como direito e dever fundamental e primordial do advogado. A obrigação do advogado de guardar segredo profissional visa garantir razões de interesse público, nomeadamente a administração da justiça e a defesa dos interesses dos clientes. Consequentemente, esta obrigação deve beneficiar de uma proteção especial por parte do Estado.
2.3.2 - O advogado deve respeitar a obrigação de guardar segredo relativamente a toda a informação confidencial de que tome conhecimento no âmbito da sua atividade profissional.
2.3.3 - A obrigação de guardar segredo profissional não está limitada no tempo.
2.3.4 - O advogado exigirá aos membros do seu pessoal e a todos aqueles que consigo colaborem na sua atividade profissional, a observância do dever de guardar segredo profissional a que o próprio está sujeito.”
Já se entendeu inclusivamente que este sigilo se estende aos próprios funcionários do organismo profissional que disciplina a atividade de advogado – cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 8/3/2018, Proc. n.º 3764/15.3T8BRG-A.G1, disponível em www.dgsi.pt.
No entanto, como se verifica do disposto pelo art.º 417º, n.º 4 do Código de Processo Civil, supra citado, o segredo profissional não é absoluto, podendo ser dispensado através do incidente processual de quebra do segredo profissional, nos termos das disposições citadas, por força do princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade.
Assim, verifica-se que nesta matéria estão em causa dois interesses públicos essenciais na administração da Justiça; por um lado o princípio da confiança no advogado e na sua função e por outro o princípio da cooperação de todos para a descoberta da verdade, sendo necessário em cada caso concreto fazer a correcta ponderação das circunstâncias a fim de verificar qual o princípio preponderante em cada situação.
O levantamento do sigilo profissional obedece a regras, previstas pelo art.º 135º do Código de Processo Penal, aqui aplicável, como vimos, por força do disposto pelo n.º 4 do art.º 417º do Código de Processo Civil:
“1 – Os ministros da religião ou confissão religiosa e os advogados, (…) e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2 – Havendo dúvidas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante o qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 – Nos casos previstos nos nº 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, (…).”
Feito este enquadramento legal, resulta que, invocado o direito de escusa de depoimento, com fundamento em estar sujeito a sigilo profissional, o Tribunal pode tomar uma das seguintes atitudes (como vem sintetizado no Acórdão da Relação de Guimarães a que se fez referência):
a) ou aceita a legitimidade da recusa e o silêncio da testemunha;
b) ou, tendo dúvidas acerca da legitimidade da recusa, procede a averiguações, caso conclua pela ilegitimidade insiste pelo depoimento, ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa;
c) ou, concluindo pela legitimidade da recusa, requer ao tribunal superior àquele em que o incidente tiver sido suscitado que ordene a quebra do segredo profissional se esta se mostrar justificada, ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa.
Desta forma e revertendo ao caso concreto, referindo a testemunha que é funcionária no escritório do mandatário da Ré, verifica-se a sua sujeição à observância do dever de guardar segredo profissional a que o próprio mandatário está sujeito.
No entanto, como vimos, tal dever não é absoluto, podendo ser dispensado através do incidente processual de quebra do segredo profissional.
Sucede que, para proceder à avaliação que se referiu, o Tribunal a quo deve previamente averiguar junto das partes quais as concretas questões que se pretende colocar à testemunha; delimitadas estas, e caso não resulte inequívoco que se verifica a legitimidade da escusa (situação em que, se se concluir pela imprescindibilidade do depoimento para o apuramento da verdade material, se terá de lançar mão do pedido de quebra de sigilo, com a inerente tramitação) o Tribunal deve proceder à inquirição da testemunha, pois só assim e perante o que em concreto se venha a relatar, é que será possível ajuizar da legitimidade ou não da escusa.
Assim, e no que ao caso concreto respeita, o mandatário da A. deve concretizar e delimitar quais as questões que pretende colocar à testemunha.
Efectuada a avaliação pelo Tribunal, este pode decidir proceder ao interrogatório da testemunha.
Note-se que, do facto de o Tribunal proceder ao interrogatório da testemunha não resulta que tenha concluído pela ilegitimidade da escusa; significa que, delimitadas as questões em concreto pelo mandatário, não sendo evidente que as matérias sobre as quais se pretende inquirir a testemunha estão, à partida, abrangidas pelo sigilo profissional, o Tribunal colhe o seu depoimento.
Caso nesse depoimento se venha a considerar que, afinal a testemunha proferiu declarações sujeitas a sigilo, deve o mandatário da A., caso pretenda socorrer-se das declarações proferidas, diligenciar pela obtenção do levantamento do sigilo, solicitando Parecer à Ordem dos Advogados e suscitando o pedido de dispensa de sigilo junto do Tribunal da Relação, nos termos do art.º 135º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ex vi art.º 417º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Na eventualidade da dispensa de sigilo não venha a ser obtida, não pode o Tribunal socorrer-se dessas declarações (conf. art.º 92º, n.º 5 do EOA: “Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo”) sob pena de se cometer uma nulidade, nos termos do art.º 195º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Posto isto, cumpre neste momento dizer o seguinte quanto ao presente recurso; observa-se no caso, e relativamente ao recurso interposto pela A., que o Tribunal não considerou liminarmente que se verificava a legitimidade da escusa, embora tenha feito esse juízo perante as questões dos RR.  [julga-se ser esta a interpretação a dar ao segmento do despacho em recurso: “Mesmo admitindo-se que as questões a serem colocadas pelo ilustre mandatário da Autora não incidam sobre matéria sujeita a sigilo, o mesmo não sucederá relativamente às questões a serem colocadas pela ilustre mandatária dos Réus (…)”].
E, atente-se, na realidade o Tribunal não indeferiu ou recusou o depoimento; o Tribunal limitou-se a entender que não existia motivo para cindir o depoimento da testemunha, comum a A. e RR., interrompendo a audiência para que os RR. obtivessem um parecer junto da OA, o que se afigura caber dentro dos poderes que o art.º 602º do Código de Processo Civil confere ao Juiz, sendo tal decisão irrecorrível.
Deste modo, não proferiu o Tribunal, no que à A. respeita, qualquer decisão que lhe tenha sido desfavorável.
O que se impõe é que, decorridos os trâmites que neste momento estão a decorrer, a cargo dos RR. (ou antes, se o Tribunal a quo assim o entender, por reponderar a decisão de não cindir o depoimento da testemunha, ou outro fundamento), se designe nova data para a inquirição da testemunha indicada pela A., com observância então da tramitação quanto ao depoimento desta que acima se expôs (iniciando-se pela concretização pela A. da concretas questões que pretende colocar à testemunha, que se afigura serem as que no ponto 4º das suas Conclusões de Recurso indicou).
Nestes termos e perante o que ficou a constar do despacho relativamente à A., não há fundamento para alterar o mesmo, improcedendo assim o recurso.
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As custas devidas são a cargo da Apelante, nos termos do art.º 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o Recurso interposto, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 24/11/2020
Vera Antunes
Amélia Rebelo
Maria Manuela Espadaneira Lopes