Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2117/2008-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
PRÉMIO DE SEGURO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I – O contrato de seguro, enquanto contrato de natureza formal que é, regula-se pelas disposições da respectiva Apólice que não sejam proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas normas do Código Comercial;
II – De acordo com as disposições da Apólice Uniforme em matéria de seguros por acidentes de trabalho, o contrato de “seguro a prémio fixo”, em regra, cobre os encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho sofridos apenas (número pré-determinado) pelas pessoas seguras que se mostrem identificadas na respectiva Apólice, tendo por base o montante das correspondentes retribuições, que desta também devem figurar, a menos que, por acordo estabelecido entre os contraentes nas Condições Particulares da Apólice, se tenha optado pela omissão, no todo ou em parte, dos nomes das pessoas seguras, constituindo aquilo a que, usualmente, se designa por contrato de seguro “a prémio fixo sem nomes”.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO.

Nos presentes autos de acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial que correm termos pelo Tribunal do Trabalho de Sintra e em que é:
Autora – A… e;
Rés – a “COMPANHIA DE SEGUROS B…, S.A.” e a “C…, LDª”.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada no final da fase conciliatória do processo, a Autora deduziu petição contra as Rés, alegando, em resumo e com interesse, que, no dia 25 de Junho de 2003, quando exercia as funções de “ajudante de cozinha”, sob as ordens da 2ª Ré no restaurante denominado “…”, sito no local da sede daquela, mediante o salário mensal de € 356,60, foi vítima de uma queda, da qual resultou fractura da perna direita.
Em virtude de nenhuma das Rés ter assumido a responsabilidade pelo referido acidente, teve de recorrer aos serviços de saúde do Estado, designadamente ao Hospital Amadora – Sintra.
Submetida a exame médico no Tribunal, foi-lhe atribuída alta em 5/1/2004, com uma Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.) com o coeficiente de desvalorização de 3%, tendo-lhe, igualmente, sido fixados os períodos de incapacidade temporária de 92 dias de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) e 101 dias de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 50%.
A 2ª Ré pagou-lhe o salário normal até 31-08-2003.
A partir de 01-09-2003 não recebeu qualquer quantia a título de indemnização por incapacidade temporária.
Despendeu em taxas moderadoras de tratamentos de fisioterapia a quantia de € 61,50 e com deslocações obrigatórias a Tribunal a importância de € 5,20.
Nenhuma das Rés assumiu a responsabilidade pelo referido acidente, a 1ª Ré (seguradora) porquanto a Autora não constava da apólice, tendo sido incluída apenas no dia 26 de Junho de 2003 e a 2ª Ré (entidade patronal) por entender que o acidente foi devido a negligência grosseira da Autora e ainda porque, a haver responsabilidade, a mesma estava transferida para a seguradora.
Concluiu pedindo:
- Que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe, na proporção das respectivas responsabilidades:
I – a partir de 5/1/2004, o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 104,84, ou da que vier a ser calculada, se outro grau de IPP for fixado em resultado de eventual junta médica;
II – a quantia de € 5,20, despendida em transportes;
III – a quantia global de € 722,87, a título de indemnização por incapacidade temporária, considerando como já paga a devida entre a data do acidente e 31/08/2003;
IV – a quantia de € 61,50 despendida em taxas moderadoras de tratamentos de fisioterapia;
V – juros de mora sobre as referidas importâncias, à taxa legal, desde o respectivo vencimento

Citadas as Rés, apresentou a Ré seguradora contestação, alegando, com interesse, que à data do acidente tinha em vigor com a co-Ré um contrato de seguro “de prémio fixo”, titulado pela apólice n.º 1900/1064173/19 e, nesta modalidade, o seguro cobre um número pré-determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido, ficando apenas seguros os trabalhadores que constavam do quadro anexo à apólice.
O acidente dos autos ocorreu no dia 25 de Junho de 2003, pelas 14 horas e, nesse dia, a Autora não constava do quadro de pessoal anexo ao contrato de seguro, tendo a co-Ré solicitado a sua inclusão nesse quadro no dia do acidente pelas 17,47 horas.
Só a partir de 26 de Junho de 2003, a Autora passou a constar do quadro anexo à aludida apólice.
Está, deste modo, exonerada de qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos danos emergentes de um acidente de trabalho.
Conclui que, em relação à contestante, a acção deve ser julgada improcedente, absolvendo-se a mesma do pedido.

Também a Ré “C…, Ldª” deduziu contestação, alegando, em síntese e com interesse, que, no dia 25 de Junho de 2003, a Autora tinha acabado de lavar o chão da cozinha do restaurante, com detergente próprio para lavar e encerar, bem como as escadas de acesso ao armazém, quando resolveu descer as ditas escadas a correr, para mais rapidamente chegar àquele armazém onde a esperava o colega João, para aí fumarem e conversarem numa pausa do trabalho.
O Chão das escadas era em mármore e a Autora bem sabia que ao correr em chão de mármore acabado de lavar e encerar inevitavelmente escorregaria e cairia.
Foi o que aconteceu!
Com o seu comportamento temerário, a Autora não tomou a mínima cautela ou prudência já que não poderia ignorar o estado escorregadio do chão da cozinha e das escadas que dão acesso ao armazém, pois havia sido ela própria, em momento imediatamente anterior, quem os havia lavado e encerado.
O comportamento da Autora, nas aludidas circunstâncias, era perigoso e as respectivas consequências não poderiam ser por si desconhecidas, sendo certo que não tinha a mínima necessidade de se deslocar a correr nem lhe fora determinado pela Ré que o fizesse. Nem tão pouco a Ré lhe deu autorização ou sequer teve conhecimento de que a Autora tencionava correr pela cozinha e descer as escadas do mesmo modo, sendo certo que não se encontrava a cumprir qualquer tarefa para a sua entidade patronal.
A Ré não pode nem deve ser responsável pelo comportamento temerário da Autora já que em nada contribuiu para a queda desta.
Quando contratou a Autora para substituir a trabalhadora M…, comunicou ao seu agente de seguros tal contratação, de modo a que este procedesse à substituição da anterior trabalhadora pela Autora na apólice do seguro estabelecido entre si e a Ré seguradora através da apólice 1900/1064273/19.
Estava perfeitamente convicta que a substituição se havia operado, pois havia procedido como sempre.
Sempre pagou os respectivos prémios de seguro.
Qualquer comunicação ou informação da sua parte dirigida à seguradora B…, era efectuada através do agente de seguros, ou seja, do mediador autorizado pela própria seguradora, isto é, aquele que junto da Ré representa a seguradora.
Tinha, deste modo, a sua responsabilidade pelo acidente em causa transferida para a Ré B….
A Autora nunca informou a Ré do seu estado clínico e nunca lhe entregou qualquer boletim ou documento comprovativo do mesmo, nomeadamente para efeitos de baixa por doença
Não aceita a incapacidade atribuída à Autora por desconhecer, em absoluto, a sua situação clínica anterior e posterior à queda que sofreu.
Nada deve à autora, tendo-lhe pago mais do que devia, já que lhe pagou integralmente o salário de Junho, Julho e Agosto de 2003 quando a isso não estava obrigada.
Conclui que a acção deve ser julgada improcedente e a contestante absolvida do pedido.

A Ré seguradora respondeu à contestação apresentada pela Ré “C…, Ldª” reafirmando que apenas em 25/06/2003 pelas 17,47 horas lhe foi solicitado por esta a inclusão da Autora no quadro de pessoal, pelo que a garantia concedida apenas teve início em 26/06/2003.
Concluiu como na contestação que apresentou.

Foi lavrado despacho saneador do processo.
Foi fixada a matéria de facto assente e foi organizada a base instrutória.
Não houve reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal respondido aos quesitos constantes da base instrutória nos termos que constam de fls. 208 e 209.
Não houve reclamações.
Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, decidindo-se:
1. Condenar a Ré “Companhia de Seguros B…, S.A.” a pagar à Autora:
a) O Capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 104,84 desde 5 de Janeiro de 2004;
b) O montante de € 722,87, a título de indemnização por incapacidade temporária;
c) A quantia de € 61,50 despendida em taxas moderadoras de tratamentos de fisioterapia
Quantias estas acrescidas de juros de mora sobre as referidas importâncias, à taxa legal, desde o respectivo vencimento.
2. Absolver a Ré seguradora do pagamento das despesas com transporte.
3. Absolver a “C…, Ldª” do pedido.

Inconformada com esta sentença, dela veio agora a Ré seguradora interpor recurso para este Tribunal da Relação, delimitando o respectivo objecto (artºs. 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.C., aqui aplicáveis por força do art. 87º n.º 1 do C.P.T) mediante as seguintes:
Conclusões:
(…)

Contra-alegou apenas a Ré “C…, Ldª”, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.


II – APRECIAÇÃO

Face às conclusões delimitadoras do objecto do recurso interposto (arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, ambos do C.P.C.), suscitam-se, à apreciação deste Tribunal, as seguintes:
Questões:
§ Saber se o contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, existente entre as Rés em 25 de Junho de 2003, cobria os danos emergentes de acidente de trabalho sofrido pela aqui Autora A…;
§ Saber se, como tal, podia a Ré/Apelante ser responsabilizada pela reparação dos referidos danos.
O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. A Autora era trabalhadora da 2ª Ré, por cuja conta e sob cujas ordens, exercia a profissão de ajudante de cozinha, no restaurante denominado “Adega…”, sito no local da sua sede (A);
2. Auferia o salário mensal de € 356,60 (B);
3. No dia 25 de Junho de 2003, no tempo e local de trabalho, a Autora sofreu uma queda, da qual resultou a fractura da perna direita (C);
4. Em virtude de nenhuma das Rés ter assumido a responsabilidade pelo acidente, a Autora teve que recorrer aos serviços de saúde do Estado, designadamente ao Hospital Amadora – Sintra (D);
5. Submetida a exame médico neste Tribunal, foi-lhe atribuída alta em 5/1/2004, com uma IPP de 3%, tendo-lhe igualmente sido fixados os seguintes períodos de incapacidade temporária:
- ITA desde 26/6/03 a 25/9/03 (92 dias);
- ITP a 50% entre 26/9/03 e 4/1/04 (101 dias) (E);
6. A 2ª Ré pagou o salário normal à Autora até 31/8/03 (F);
7. A partir de 1/9/03, não recebeu a Autora qualquer quantia a título de indemnização pela incapacidade temporária (G);
8. A Ré Allianz, em 25 de Junho de 2003, tinha com a co-Ré C…, Ldª. Um contrato de seguro de “prémio fixo” titulado pela apólice n.º …, que cobre um número previamente determinado de pessoas seguras com um montante de retribuição antecipadamente conhecido (H);
9. A Autora despendeu em taxas moderadoras de tratamentos de fisioterapia a quantia de € 61,50 (1º);
10. No dia 25 de Junho de 2003, pelas 14h a Autora não constava do quadro de pessoal anexo ao contrato de seguro referido em H) (3º);
11. A Ré C… solicitou à B… a inclusão da Autora no anexo ao contrato referido em H), às 17,45h do dia 25 de Junho de 2003 (4º);
12. No dia 25 de Junho de 2003 a Autora, antes de almoçar, lavou as escadas da cozinha e do Restaurante e depois de almoçar desceu as mesmas escadas (5º e 8º);
13. Quando descia as escadas, ainda molhadas, escorregou e caiu (6º);
14. A Autora sabia que poderia cair ao descer as escadas (7º);
15. A Autora desceu as escadas para usufruir uma pausa laboral (9º);
16. No âmbito do contrato de Seguro celebrado entre as Rés foi pela seguradora emitido a 17 de Maio de 2003 a alteração n.º 11 onde consta o seguinte quadro de pessoal:
Nome Profissão Venc. Mensal NP
- S… Gerente 805,14 14
- J…. Indiferenciado 364,99 14
- M… Indiferenciado 356,60 14
17. No âmbito do contrato de seguro celebrado entre as Rés foi pela seguradora emitido a 2 de Julho de 2003 a alteração n.º 12 onde consta o seguinte quadro de pessoal:

Nome Profissão Venc. Mensal NP
- S… Gerente 805,14 14
- J… Indiferenciado 364,99 14
- A… Ajd. Cozinha 356,60 14

Mantém-se aqui como assente a matéria de facto enunciada e que o Tribunal a quo considerou como provada, por não ter sido objecto de impugnação e não haver fundamento para a respectiva alteração, nos termos do art. 712º do C.P.C.

A primeira questão suscitada à apreciação deste Tribunal reside em saber se o contrato de seguro por acidentes de trabalho existente entre ambas as Rés em 25 de Junho de 2003, dava ou não cobertura ao acidente então sofrido pela sinistrada e aqui Autora A…, enquanto trabalhadora ao serviço da Ré “C…, Ldª”.
Ora, resultou demonstrado que a Autora A… exercia a profissão de ajudante de cozinha no restaurante denominado “Adega…” sito no local da sede da Ré com o mesmo nome, e que no dia 25 de Junho de 2003, nesse restaurante e durante o tempo de trabalho, sofreu uma queda da qual resultou a fractura da perna direita, em consequência do que lhe foi atribuída uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) com o coeficiente de desvalorização de 3% com efeitos desde 5 de Janeiro de 2004, depois de haver sofrido um período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 26 de Junho e 25 de Setembro de 2003 e uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP), com o coeficiente de desvalorização de 50%, entre 26 de Setembro de 2003 e 4 de Janeiro de 2004.
Também se demonstrou que a Ré “Companhia de Seguros B…, S.A.”, em 25 de Junho de 2003, tinha com a co-Ré “C…, Ldª” um contrato de seguro, na modalidade “a prémio fixo”, titulado pela apólice n.º …e que, pelas 14h desse mesmo dia (altura em que se terá verificado o acidente), a Autora A… não constava do quadro de pessoal anexo ao aludido contrato de seguro, sendo certo que a sua entidade patronal apenas às 17,45 h ainda desse dia 25 de Junho de 2003, solicitou à Ré “B… a inclusão da Autora no mencionado anexo.
Posto isto, sabemos que ao tempo da ocorrência do referido sinistro e tal como, aliás, ainda hoje se verifica, vigorava o regime jurídico dos acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 100/97 de 13-09 e respectivo Regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 143/99 de 30-04, resultando do disposto no art. 37º n.º 1 daquela Lei que a celebração de contrato de seguro de acidente de trabalho constitui uma obrigação legal imposta às entidades empregadoras, obrigação que decorre de uma nítida preocupação de ordem social, já que é patente o intuito de, através dessa obrigação, se conferir uma mais eficaz protecção aos trabalhadores sinistrados, atendendo à, em regra, maior garantia de solvabilidade económica oferecida pelas entidades seguradoras quando comparadas com as entidades patronais daqueles.
Por outro lado, decorre do disposto no art. 38º do mesmo diploma que os contratos de seguro em matéria de acidentes de trabalho – tal como noutros tipos de seguros – obedece a uma Apólice Uniforme, adequada às diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos naquela Lei e respectiva legislação regulamentar.
Acresce, para além disso, que o contrato de seguro, enquanto contrato de natureza formal que é, regula-se pelas disposições da respectiva Apólice que não sejam proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas normas do Código Comercial (cfr. os artigos 426º e 427º deste Código).
Ora, ao tempo do acidente dos autos, vigorava a Apólice Uniforme de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem aprovada pela Norma n.º 12/99-R de 08-11 (Regulamento n.º 27/99, Diário da República, II Série, n.º 279, de 30 de Novembro de 1999), com as alterações introduzidas pelas Normas n.º 11/2000-R de 13-11 (Regulamento n.º 32/2000, Diário da República, II Séria, n.º 276 de 29 de Novembro de 2000) e n.º 16/2000-R de 21-12 (Regulamento n.º 3/2001, Diário da República, II Série, n.º 16 de 19 de Janeiro de 2001), a qual estabelece no seu art. 2º, nº 1 que «A Seguradora, de acordo com a legislação aplicável e nos termos desta Apólice, garante a responsabilidade do Tomador de Seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às Pessoas Seguras identificadas na Apólice, ao serviço da unidade produtiva também identificada nas Condições Particulares, independentemente da área em que exerçam actividade».
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito prevê que «Por acordo estabelecido nas Condições Particulares, podem não ser identificados na Apólice, no todo ou em parte, os nomes das Pessoas Seguras».
Decorre, portanto, destes dispositivos da mencionada Apólice Uniforme que, mediante o contrato de seguro de acidentes de trabalho sofridos por trabalhadores por conta de outrem, as seguradoras, em regra, garantem a responsabilidade do tomador do seguro quanto aos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho sofridos pelas pessoas seguras identificadas na Apólice sendo, no entanto, facultada aos contraentes, mediante acordo estabelecido e que deve constar expressamente das Condições Particulares da Apólice, a omissão da identificação, no todo ou em parte, das pessoas seguras.
Já referimos anteriormente ter-se demonstrado que o contrato de seguro estabelecido entre as aqui Rés, em matéria de acidentes de trabalho, era na modalidade de “seguro a prémio fixo”, o qual, nos termos do art. 4º al. a) da mencionada Apólice Uniforme se caracteriza por cobrir um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido.
Conjugando este dispositivo da Apólice Uniforme com aqueles outros, não poderemos deixar de considerar que o contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de “seguro a prémio fixo”, em regra, cobre os encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho sofridos apenas (número pré-determinado) pelas pessoas seguras que se mostrem identificadas na respectiva Apólice, tendo por base o montante das correspondentes retribuições, que desta também devem figurar, a menos que, por acordo estabelecido entre os contraentes nas Condições Particulares da Apólice se tenha optado pela omissão, no todo ou em parte, dos nomes das pessoas seguras, constituindo aquilo a que, usualmente, se designa por contrato de seguro “a prémio fixo sem nomes”.
Ora, tendo em consideração estes aspectos e revertendo ao caso em apreço, verificamos que da matéria de facto provada nos pontos 8., 10., 16. e 17. decorre que o contrato de seguro de acidentes de trabalho estabelecido entre as aqui Rés e que vigorava à data em que ocorreu o acidente objecto dos autos, era um contrato de seguro “a prémio fixo” com identificação das pessoas seguras no anexo à respectiva Apólice bem como das correspondentes retribuições, nada constando das Condições Particulares a ele respeitantes, em termos de acordo quanto à omissão de identificação de pessoas seguras.
Por outro lado, resulta da mesma matéria que, no dia do acidente em causa e não obstante ser trabalhadora ao serviço da Ré “C…, Ldª”, o nome da sinistrada e aqui Autora não figurava no anexo à Apólice do seguro de acidentes de trabalho estabelecido entre aquela e a Ré “Companhia de Seguros B…, S.A.”, circunstância esta que só se verificou a partir de 2 de Julho de 2003, seguramente na sequência do facto demonstrado de aquela primeira Ré ter solicitado a esta às 17,45 horas do próprio dia em que ocorreu o sinistro, a inclusão do nome da Autora no referido anexo.
Quid juris em termos de cobertura dos encargos provenientes do acidente em causa pela Apólice do seguro firmado entre ambas as Rés?
Entendeu o Mmº Juiz do Tribunal a quo que essa cobertura se verificava, na medida em que o contrato de seguro estabelecido entre as Rés, celebrado por um ano e sucessivamente renovado por iguais períodos nos termos no n.º 4 do art. 6º das Cláusulas Gerais da Apólice, tinha como trabalhadores seguros o gerente e dois trabalhadores indiferenciados, sendo a trabalhadora com o salário no montante de 356,60 x 14, e que a inclusão da Autora, solicitada pela Ré “C…, Ldª” pelas 17,45 h do dia 25 de Junho de 2003, já depois da ocorrência do acidente, tinha apenas a ver com a substituição da trabalhadora M… pela Autora, uma vez que o salário desta corresponde ao salário auferido pela trabalhadora substituída e, por outro lado, a obrigatoriedade de comunicação que resulta do n.º 1 do art. 9º das condições Gerais do Seguro apenas se verifica se houver um agravamento da responsabilidade o que não foi o caso uma vez que uma trabalhadora foi substituída por outra e ambas tinham o mesmo salário, mantendo-se, por isso o risco assumido pela seguradora.
Por outro lado, entende o Sr. Juiz que, ainda que assim não fosse, o que é certo é que apesar de ter decorrido o prazo convencionado para a comunicação, a seguradora não resolveu o contrato e emitiu uma nova alteração ao mesmo, com a data de 2 de Julho de 2003, incluindo a Autora como trabalhadora da Ré patronal, sendo certo que, para não se responsabilizar pelo hipotético agravamento, teria, necessária e automaticamente, de resolver o contrato.
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o Sr. Juiz, nesta parte, não decidiu com acerto. Com efeito, a admitir-se este entendimento, tal redundaria na completa irrelevância do que, desde logo, se estabelece no art. 2º n.º 1 das Condições Gerais da Apólice Uniforme a que fizemos referência e à luz da qual o contrato de seguro em causa foi firmado. Com efeito, qual a necessidade de identificação das pessoas seguras na respectiva Apólice se depois, ante a eventual substituição de alguma – ainda que, porventura, com o mesmo nível remuneratório – não houvesse necessidade de comunicação imediata desse facto pelo segurado à entidade seguradora?
Na verdade, parece inferir-se do entendimento manifestado na sentença recorrida, que na formulação de um contrato de seguro “a prémio fixo” o que é importante é saber-se qual o número de pessoas seguras e as correspondentes retribuições. Só que para isto bastaria a consagração, em termos de Apólice Uniforme, da existência de “seguros a prémio fixo sem nomes”, o que, como vimos, constitui a excepção face à regra que resulta do disposto nos artigos 2º n.º 1 e 4º al. a) da aludida Apólice.
Acresce, por outro lado, que, não obstante decorrer do n.º 1 do art.º 9º das Condições Gerais de Apólice que o segurado ou tomador do seguro deve comunicar à seguradora as alterações do risco que agravem a responsabilidade por esta assumida, tal não significa que essa comunicação apenas deva ter lugar quando aquele entenda, no seu exclusivo critério, que as alterações verificadas nas circunstâncias que determinaram a celebração do contrato, constituam alterações do risco susceptíveis de agravarem a responsabilidade assumida pela seguradora. Quem, em princípio, está, verdadeiramente, habilitado a efectuar este juízo é a própria seguradora perante os dados que lhe forem, atempadamente, fornecidos pelo segurado.
Na verdade, pode haver circunstâncias não valorizadas pelo segurado, susceptíveis de determinarem uma alteração no risco do seguro e consequentemente da responsabilidade assumida pela seguradora, como por exemplo a diferente categoria profissional do trabalhador substituto em relação ao substituído – circunstância que no caso em apreço até se verificava – com as inerentes funções que cada qual é chamado a desempenhar, a diferença das respectivas idades, etc, ainda que ambos possam auferir a mesma retribuição.
É certo que nos termos do n.º 2 do mencionado art. 9º das Condições Gerais de Apólice, a falta de comunicação a que se alude no n.º 1 constitui causa de resolução de contrato. No entanto, a questão não se coloca em termos de saber se essa não comunicação é susceptível de permitir a resolução do contrato pela seguradora, até porque se sabe, através dos factos demonstrados que esta não optou por essa via. A questão reside antes em saber se se verifica ou não a cobertura dos encargos decorrentes do acidente sofrido pela Autora através do contrato de seguro estabelecido entre as Rés, ante a não comunicação de que, ao tempo da ocorrência do mesmo, aquela estava ao serviço da Ré patronal, em substituição ou não de outro trabalhador que estivesse identificado na respectiva Apólice, substituição que, aliás, nem sequer ficou demonstrada.
Ora, entendemos que, em face do contrato de seguro celebrado entre ambas as Rés, com as características pelo mesmo apresentadas e ante as normas que o regulavam, mormente o mencionado art. 2º n.º 1 das Condições Gerais de Apólice, normas que as Rés, designadamente a Ré patronal, não podiam desconhecer, verificamos que, à data em que ocorreu o acidente objecto dos presentes autos, aquele contrato de seguro não oferecia cobertura aos encargos decorrentes do acidente sofrido pela Autora em 25 de Junho de 2003, precisamente porque nesta data não se mostravam preenchidas as condições necessárias, estabelecidas pelas Rés no contrato de seguro entre elas firmado, para a assunção de responsabilidades decorrentes desse acidente por parte da Ré seguradora – não identificação da Autora na correspondente Apólice – circunstância não imputável à Ré seguradora mas, exclusivamente, à Ré patronal que apenas após a ocorrência do sinistro se apressou a solicitar àquela a inclusão da Autora no anexo ao aludido contrato.
Tudo se passa como se não existisse contrato de seguro relativamente aos trabalhadores da Ré “C…, Ldª” não identificados na respectiva apólice, mormente, e no que aqui interessa, em relação à Autora A….
Cabe, pois, a esta Ré patronal suportar os encargos decorrentes do acidente sofrido pela referida trabalhadora na mencionada data de 25 de Junho de 2003 (cfr. art. 11º do Regulamento da LAT) e não à Ré seguradora e ora Apelante como, erradamente, se decidiu na sentença recorrida que, nessa medida, não poderá deixar de ser alterada.
Procedem, deste modo, as conclusões de recurso apresentadas pela Apelante.

III – DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida do seguinte modo:
Julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
I) Condena-se a Ré “C…, Ldª” a pagar à Autora A…:
a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 104,84 (cento e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), com efeitos desde 5 de Janeiro de 2004;
b) O montante de € 722,87 (setecentos e vinte e dois euros e oitenta e sete cêntimos) a título de indemnizações por incapacidades temporárias – depois de descontadas as importâncias pagas, a título de salário até 31-08-2003;
c) A importância de € 61,50 (sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), a título de taxas moderadoras despendidas por tratamentos de fisioterapia;
d) Juros de mora, à taxa legal, sobre qualquer das importâncias mencionadas nas alíneas anteriores, a calcular desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.
II) Absolve-se a Ré “C…, Ldª” do pedido de pagamento de despesas de transporte.
III) Absolve-se a Ré “Companhia de Seguros B…, S.A.” do pedido.

Custas a cargo da Ré “C…, Ldª” em ambas as instâncias.
Registe e notifique.

Lisboa, 2008/05/14

José Feteira
Ramalho Pinto
Hermínia Marques