Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7582/2007-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: PENHORA
VENCIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Deve ser deferido o pedido de penhora do valor correspondente à diferença entre o valor do s.m.n. e o valor efectivamente auferido pela executada, ainda que correspondente a fracção inferior ao sexto constante do citado nº 2 do art. 824º do CPC.
II - O legislador ao consagrar que a parte penhorável dos rendimento do executados era fixado pelo juiz entre 1/3 e 1/6, não teve em mente eleger, com carácter de obrigatoriedade, a fracção correspondente a 1/6 como padrão mínimo abaixo do qual não fosse possível proceder à penhora dos ditos rendimentos.
III - Visou, antes, conceder ao aplicador da norma padrões gerais de racionalidade da penhora de molde a que, em regra, aquela não contendesse com as necessidades de subsistência do executado, nem fosse de tal modo exígua que pudesse conduzir à eternização do processo.
FG
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório:
1. Na acção executiva para pagamento de quantia certa – € 9 260,84 - com processo sumário, que o Banco intentou, no dia 12 de Abril de 2002, no 4º Juízo Cível de Lisboa, contra J e M, agravou a exequente do despacho proferido em 26.10.2006, que indeferiu um requerimento da exequente a pedir a penhora no vencimento da executada do valor correspondente à diferença entre o valor do salário mínimo nacional e o valor que a mesma aufere, com fundamento em que “mesmo que apenas fosse determinada a penhora de 1/6 do vencimento (mínimo legalmente admissível) sempre a executada ficaria a auferir rendimento inferior ao salário mínimo nacional, a saber €341,5”, pelo que se não verifica o condicionalismo previsto no artigo 824º, nº 2, do C.P.C., na redacção anterior ao DL nº 38/83.
Alegou e no final concluiu, em síntese, o seguinte:
- O A ora agravante, apenas requereu que fosse penhorado o montante correspondente à diferença entre o salário auferido pela executada e o salário mínimo nacional.
- O Senhor Juiz a quo no despacho recorrido indeferiu de penhora tal montante, alegando que a penhora de 1/6 do vencimento da executada é inferior ao salário mínimo nacional, sendo que não foi o valor correspondente àquela fracção que a exequente pediu
- Mais vale penhorar um valor reduzido, para ir amortizando a divida, do que não se penhorar nada.
- A divida exequenda não resultou da aquisição de bens de primeira necessidade - mas sim da aquisição de um veículo automóvel.
- É, pois, manifesta a falta de razão do Senhor Juiz a quo no despacho recorrido, ao isentar de penhora, o dito montante correspondente à diferença entre o salário do executado e o salário mínimo nacional.

- Tal penhora não põe em causa a subsistência do executado e do seu agregado familiar, atento até que a prestação mensal acordada no contrato dos autos era superior ao montante correspondente à diferença entre o salário auferido pelo executado e o salário mínimo nacional, como requerido foi pela A, ora agravante.
- O senhor Juiz não só podia, pois, como devia até ter ordenado a penhora do montante relativo à diferença entre o valor do vencimento da executada e o valor da salário mínimo nacional.
- Foi violado o disposto no artigo 824º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil.
Terminou pedindo que fosse dado provimento ao recurso de agravo e revogado o despacho recorrido, determinando a sua substituição por outro que ordene a penhora do montante correspondente à diferença entre o salário auferido pela executada e o salário mínimo nacional.

Não houve contra alegação e o despacho recorrido foi sustentado, conforme consta de fls.31.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Para o conhecimento do presente recurso importa realçar a seguinte factualidade:
- Nesta execução, a exequente, a dado momento, veio nomear à penhora terço do vencimento que a executada auferia ao serviço da sociedade “F, Lda”
- Determinada a penhora de ¼ de quaisquer quantias que a executada recebesse a título de vencimento, veio a sociedade J, Lda informar que “do vencimento mensal da executada de 410,99 €, descontando-se ¼, ou seja, 102,74 €, resulta que a executada passe a receber 308, 25 €, quantia inferior ao salário mínimo nacional.
- Notificada do teor da informação prestada, a exequente, por requerimento apresentado no dia 20.10.2006, requereu que fosse ordenada a penhora no vencimento da executada “no valor correspondente à diferença entre o salário mínimo nacional e o valor que a mesma aufere” (fls. 47).
- O que foi indeferido pelo despacho recorrido, nos termos acima enunciados.

3. A questão a decidir prende-se exclusivamente com a admissibilidade ou não da penhora de rendimentos do trabalho em quantitativo inferior ao correspondente a 1/6 do valor dos mesmos, nos casos em que tal determinaria para o executado a disponibilidade de um valor inferior ao denominado salário mínimo nacional.
Estatuía o artigo 824º nº 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 180/96, de 25 de Setembro, ainda aplicável ao caso, após afirmar, no seu nº 1, a impenhorabilidade de 2/3 dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado, que “A parte penhorável dos rendimentos referidos no número anterior é fixada pelo juiz entre um terço e um sexto, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado”.
A parte penhorável dos rendimentos do trabalho recebidos pelo executado tinha, assim, por regra, como limite máximo 1/3 e mínimo 1/6 desse vencimento, cabendo ao juiz a respectiva fixação “segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado”, como deriva do preceito transcrito.
Inexistia, na altura, na lei ordinária, qualquer referência limitadora da penhorabilidade dos salários em função do valor do dito salário mínimo nacional, ponderação que mesmo antes da alteração legislativa entretanto havida nesse sentido, veio a ser jurisprudencialmente atendida, particularmente após a prolação pelo Tribunal Constitucional, por exemplo, dos seus acórdãos nº 349/91, de 3.07.1991 e nº 411/93, de 29.06.2003 e nº 318/99, de 26.05.1999 (publicado no DR, 2ª Série, de 22.10.1999).
E no caso em apreciação, a exequente, agora agravante, também não questiona que deva ser salvaguardado da penhora do salário da executada, a quantia correspondente ao salário mínimo nacional vigente. O que discorda é do entendimento contido no despacho recorrido de que não possa ser penhorado o valor correspondente á diferença entre o valor do dito s.m.n. e o salário efectivamente auferido por aquela, mesmo que tal corresponda a uma fracção inferior ao 1/6 referido no nº 2 do citado art. 824º do CPC.
E com toda a razão.
O legislador ao consagrar que a parte penhorável dos rendimento do executados era fixado pelo juiz entre 1/3 e 1/6, não teve em mente eleger, com carácter de obrigatoriedade, a fracção correspondente a 1/6 como padrão mínimo abaixo do qual não fosse possível proceder à penhora dos ditos rendimentos.
Visou, antes, conceder ao aplicador da norma padrões gerais de racionalidade da penhora de molde a que, em regra, aquela não contendesse com as necessidades de subsistência do executado, nem fosse de tal modo exígua que pudesse conduzir à eternização do processo, com os inevitáveis custos administrativos inerentes e, portanto, com clara desvantagem para o credor, que nada acabaria por receber, já que aqueles obteriam sempre pagamento antes dele. O limite mínimo de penhorabilidade estabelecido foi-o, portanto, para protecção do credor.
E assim sendo, e não estando em discussão um outro limite que se poderia suscitar – que é o da proibição geral de actos imolativos/abusivos, que, na prática, redundam em inutilidade para o próprio exequente (1) - dúvidas não há que deve ser deferido o pedido de penhora do valor correspondente à diferença entre o valor do s.m.n. e o valor efectivamente auferido pela executada, ainda que correspondente a fracção inferior ao sexto constante do citado nº 2 do art. 824º do CPC.
Procede, pelo exposto, a argumentação da recorrente, impondo-se conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro a determinar a penhora nos termos pedidos em último lugar.

Decisão.
4. Termos em que se acorda em conceder provimento ao agravo e revogar o despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Março de 2008.
(Maria Manuela B. Santos G. Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
( Fátima Galante )
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(1) Atente-se que tendo o antes denominado s.m.n estado a subir mais do que os salários reais, e embora não se tenham elementos para saber se neste momento existirá já mesmo diferença penhorável, a presente execução a prosseguir só com a penhora do salário da executada arrastar-se-à por cerca de 30 anos.