Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
785/12.1TVLSB.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: ACTIVIDADE BANCÁRIA
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – A entidade bancária tem o dever de informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.
2 - Quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelos vectores derivados do princípio geral da boa fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes.
3 - A difusão de informação, essencial ao sistema bancário, é uma actividade que pode ser lesiva para outrem, nomeadamente para o cliente, se a informação prestada for falsa ou deficiente, e tiver levado o seu destinatário a tomar decisões que, a final, se revelam danosas para si.
4 - Os deveres de informação e de competência técnica que, entre outros, impendem sobre os bancos nas suas relações com os seus clientes estão associados à estrita esfera contratual e ao quadro de responsabilidade daí decorrente para a sua eventual violação.
5 - Provada a omissão ou o deficiente cumprimento daqueles deveres, funcionará a presunção de culpa prevista no artigo 799º, nº1, do Código Civil(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO

A... e O…, intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra C…, S.A.,peticionando a condenação da última quer a aplicar taxas de juros em conformidade com o regime legal instituído pelos nºs 1 e 8 do art. 14º do DL 43/76, de 20.01 no empréstimo concedido aos AA. quer a indemnizá-los em valor equivalente ao montante total de juros indevidamente pago por estes, desde o início da vigência do contrato celebrado, vencidos e vincendos durante a pendência da presente causa, em quantia a liquidar a final.

Alegam, em síntese, que pensavam que o empréstimo concedido o havia sido ao abrigo do regime mais favorável que beneficia os deficientes das Forças Armadas, no acesso ao crédito para aquisição de habitação própria sendo que os AA. sempre informaram a C... desse facto. Tanto mais que era o valor relativo à sua pensão de Deficiente das Forças Armadas que era creditado na conta titulada na R. e que garantia as obrigações contraídas no âmbito do mútuo celebrado entre as partes.

Acrescentam que, não tendo o contrato sido celebrado nos termos previstos no DL 43/76, de 20.01, os AA. têm suportado juros muito mais elevados do que teriam pago ao abrigo daquele diploma.

Regularmente citada, a R. contestou, sustentando, em suma, que o A. já ultrapassou a idade prevista no aludido diploma legal pelo que o mesmo já não lhe pode ser aplicado, sendo certo que o regime aí previsto não foi aplicado porque os AA. disseram expressamente à A. que não pretendiam a sua aplicação.

Os AA. replicaram, contrariando a versão da Ré e concluindo como na P.I.

Teve lugar audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré, C…, S.A, a pagar aos Autores, A... e O..., a quantia a liquidar a final – devendo considerar-se, em sede de liquidação, igualmente o mesmo prazo contratual de dez anos - equivalente ao montante pago por estes, no âmbito do contrato celebrado entre as partes, que excede aquele que teriam pago (no mesmo prazo de dez anos) caso tivesse sido aplicado o regime previsto no DL 43/76, de 20.01, no qual se impõe considerar remissão para o Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário.

Recorre a Ré da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:

1. Atento o disposto no artigo 605º do CPC, foi grosseiramente violado, in casu, o princípio da plenitude de assistência do juiz,

2. Pelo que deverá, no caso sub judice, ser proferida nova sentença pelo Mº Juiz que presidiu à audiência de discussão e julgamento para que seja respeitado o princípio cuja violação se verificou.

3. Atenta a falta de prova não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado, como fez, que os Autores pensaram que o empréstimo para aquisição de habitação o tinha sido ao abrigo do regime dos deficientes das forças armadas.

4. Na carta junta como doc. 9 da Petição, o autor afirma que desconhecia na data da contratação se a taxa que lhe atribuíram estava de acordo com o Decreto-lei nº 230/80 de 16 de Julho.

5. Nenhuma das testemunhas, arroladas pelos Autores, disse, em momento algum do seu depoimento, que o Autor lhe havia dito que iriam contratar ou teriam contratado o seu crédito habitação ao abrigo do regime aplicável aos deficientes das forças armadas ou que assim o pensava ter feito, nem que estiveram presentes em alguma reunião em que C... teria dito que seria este o regime aplicável.

6. Não poderia ao Tribunal a quo ter dado como provado que, no que àquela concerne, a mesma pensava que tal contrato havia sido celebrado de acordo com o regime aplicável aos deficientes das forças armadas.

7. Deveriam pois, atenta a prova produzida e acima referida, ter sido dados como provados os seguintes factos, com manifesta importância para descoberta da verdade:

- Os Autores receberam entre 23.09.2008 e 23.09.2011, seis cartas referentes à alterações de taxa de juro e spread, aplicáveis ao mútuo dos autos;

- O Autor somente enviou missiva, dirigida à C..., em 24.10.2011, a propósito da situação ora em causa nos autos, isto é, de ao contrato em questão não ser aplicado o regime legal especial aplicável aos trabalhadores do sector bancário;

           8. Não pode ser contratado nenhum crédito a habitação ab initio, ao abrigo do regime aplicável aos deficientes das forças armadas, para além dos 65 anos do mutuário;

            9. No âmbito da concessão de empréstimos pela C..., tendo em vista aquisição de habitaçãoé sempre negociado com os clientes o prazo, o regime, a taxa, o spread e o montante mutuado;

           10. Do processo de crédito dos Autores, existente na C..., consta um pedido de revisão de spread solicitado, de forma expressa, pelo mutuário, na vigência do contrato, e que foi aceite pela C...;

            11. O artigo 247º do Cód. Civil, relativamente ao regime do erro na declaração, pressupõe a verificação de três requisitos.

12. Os Autores não lograram fazer prova da cognoscibilidade por parte da ora Recorrente da referida essencialidade, ónus da prova impedia sobre estes .

13. Pelo contrário, ficou demonstrado que aquilo que os Autores, no âmbito do presente contrato de mútuo, pretendiam era que a C... lhes emprestasse a totalidade do valor da aquisição – note-se nesse sentido a Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e ainda o depoimento da testemunha E… conforme já acima referido.

14. A que acresce a própria circunstância de que, conforme proposta de seguro preenchida e subscrita pelo mutuário, atento o depoimento da testemunha E… e bem assim o próprio documento em questão que se mostra junto aos autos, este indicou não padecer de qualquer incapacidade ou defeito físico.

15. Não podia, por isso, o Tribunal a quo entender como verificado, como faz, o preenchimento deste requisito da cognoscibilidade do declaratário, isto é, da C..., ainda que, como admite, a título de negligência.

16. Não se coloca, por isso, in casu, como pretende o Tribunal a quo, qualquer questão de falta de cumprimento do dever de informação que deve nortear aas negociações entre as partes.

17. É que não poderia o Autor contratar ao abrigo do regime aplicável aos deficientes da forças armadas, porquanto, não possuía taxa de esforço para efeito,

18. Além de que a circunstância de pretender e necessitar que a C... lhe emprestasse o valor total corresponde à aquisição do imóvel, não lhe permitia beneficiar deste regime porque nos termos do artigo 154º nº1 do Acordo Coletivo Vertical do Sector Bancário, o valor máximo do empréstimo não poderá ultrapassar 90% do valor total da habitação.

19. Não se vislumbra como pode ser aplicável, ao caso concreto, a fundamentação de Direito, plasmada na douta Sentença ora recorrida, a propósito da violação do dever de informação, designadamente ao nível da responsabilidade pré-contratual, inscrita no artigo 227º do Cód. Civil

20. Ou ser imputada à C... qualquer responsabilidade pela sua violação, correspondente à obrigação de indemnizar os Autores, nos termos dos artigos 562º e 563º do mesmo diploma.

21. Não se mostram, verificados, cumulativamente, in casu, os requisitos que permitiriam imputar à C... este tipo de responsabilidade e, assim, constitui-la do dever de indemnizar os Autores.

22. Ademais não poderia como fez, o Tribunal a quo entender que o prazo a considerar, in casu, para o contrato dos autos ao abrigo do regime aplicável aos deficientes das forças armadas seria de dez anos, fundamentando este seu entendimento no princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.

23. Trata-se, portanto, de um caso de prorrogação do prazo, ou seja, alargamento do prazo, alteração contratual ocorrida na vigência do contrato, decorrente de solicitação expressa do mutuário e nunca permitida ab initio, conforme comprovado.

24. Não tendo resultado provado que a C..., em algum momento, lhes transmitiu que iria ser este o regime aplicável ao contrato de mútuo dos autos.

Termos em que, e nos mais de direito doutamente supridos, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Apelante dos pedidos, dando-se provimento ao presente recurso.

Os AA. contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os Vistos legais,

                                    Cumpre apreciar e decidir.

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – importa, no essencial, apreciar e decidir:

1. Da violação do princípio da plenitude de assistência do juiz

2. Da impugnação da matéria de facto

3. Do erro na declaração: o erro-obstáculo

4. Dos deveres respeitantes às entidades bancárias, designadamente do dever de informação

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. Em 22 de Março de 2004, os AA. celebraram com a R. um contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de habitação própria, no valor de € 32.181,00, estipulando, para a respectiva execução, o prazo de dez anos.

2. Durante a vigência do referido contrato, vieram os AA. a recepcionar várias cartas com informação de sucessivas alterações à taxa de juro aplicável ao empréstimo contraído.

3. Em face do sucedido, expuseram o assunto à R. através de missiva enviada por correio registado para a sede desta, à qual a R. respondeu, em 3/11/2011 conforme documento n.º 10 junto com a petição inicial, cujo teor, no essencial, consta no ponto 9.

4. A R. tem conhecimento, desde o início das relações comerciais mantidas com os AA., que o A. A… é Deficiente das Forças Armadas (DFA).

5. O valor relativo à pensão de DFA do A. era e é, ainda hoje, creditado na conta à ordem que o A. detém junto da R.

6. Os AA. têm, como habilitações literárias, a 4.ª classe.

7. À data da propositura da acção, o A. tinha 67 anos e, em 2004 (ano da contratação), completara 60.

8. A Ré C…S.A. é um banco comercial e, como tal, é considerado uma instituição de crédito, dedicando-se, no fundamental, a operações de crédito, designadamente, operações de mútuo ou empréstimos sobre numerário ou outros

9. Questionada sobre a alteração da taxa de juro, a C... enviou ao A carta com o seguinte teor: “Na alteração verificada na sua prestação resulta da actualização automática do indexante utilizado, Euribor a 6 meses, sendo que no caso do seu empréstimo, a Euribor é actualizada em Abril e Outubro com reflexo nas prestações de Maio e Novembro".

10. Os AA. pensaram que o empréstimo concedido para aquisição de habitação própria o tinha sido ao abrigo do regime dos deficientes das Forças Armadas.

11. A R. presta aos seus clientes todos os esclarecimentos que lhe sejam solicitados pelos mesmos sobre as taxas de juros.

12. Num caso, a R. prorrogou o prazo de um contrato de mútuo, que havia sido celebrado com o respectivo termo ad quem na data dos 65 anos do mutuário, até aos 70 anos do mesmo.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Quanto ao princípio da plenitude de assistência do juiz

Alega a Recorrente que foi violado o disposto no artigo 605º do CPC, (princípio da plenitude de assistência do juiz), pelo que deverá, no caso sub judice, ser proferida nova sentença pelo Juiz que presidiu à audiência de discussão e julgamento.

É certo que a sentença foi proferida já após a entrada em vigor da lei 41/2013 de 28 de Junho, que aprovou o actual Código de Processo Civil e que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013. Acontece, porém, a audiência de discussão e julgamento e a decisão da matéria de facto ocorreram em momento anterior à entrada em vigor do referido diploma: a decisão sobre a matéria de facto data do dia 5 de Julho de 2013 (despacho autónomo) pois que estava ainda em vigor o Código de Processo Civil de 1961.

Ou seja, à data de entrada em vigor das referidas disposições, a audiência de julgamento já havia sido concluída, sendo aplicável o disposto no artigo 653.º do Código de Processo Civil de 1961. Assim sendo, não houve qualquer violação do artigo 605.º, n.º 3 que não era, nem podia ser, aplicável ao tempo em que julgador concluiu o julgamento, em Julho de 2013, quando, repete-se proferiu despacho decisório sobre a matéria de facto.

Claro que actualmente o despacho decisório da matéria de facto integra, como é sabido, a sentença final, o que, então não se verificava.

Sendo o princípio da plenitude da assistência dos juízes um corolário dos princípios da oralidade e da apreciação da prova[1], a consagração destes princípios estava como está essencialmente ligada ao julgamento da matéria de facto e o objecto da prova são os factos, não o direito.

Se o julgamento tivesse ocorrido após a entrada em vigor do novo código, aí sim, o juiz que presidiu ao julgamento teria que ser o mesmo que elabora a sentença.

Mas não era assim ao tempo em que este caso foi submetido a julgamento, estando a decisão de facto autonomizada da sentença final.

Era, então, era pacífico que o princípio da plenitude da assistência dos juízes só tinha aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto[2].

Nesse sentido o parecer do Conselho Superior da Magistratura datado de 2 de Julho de 2009, que refere o seguinte:

«Embora haja conveniência que a decisão do aspecto jurídico da causa (prolação de sentença ou acórdão) seja proferida pelo tribunal que procedeu ao julgamento da matéria de facto, pelo conhecimento mais profundo que tem dos autos, não existe fundamento legal para […] recomendar que seja o juiz do julgamento da matéria de facto a elaborar a respectiva sentença»[3].

Não houve, portanto, qualquer violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.

2. Da impugnação da matéria de facto

Ainda que não observando a melhor técnica, aceita-se que a Ré/Recorrente vem impugnar, basicamente, a matéria de facto no que tange à resposta ao art. 1º da Base Instrutória que, em seu entender, não está provada.

2.1. A decisão da primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada nas situações previstas o artigo 662º do CPC, nomeadamente se do processo constarem todos os elementos probatórios em que se baseou a decisão recorrida quanto à matéria de facto em causa.
O artigo 640º, nº1, alíneas a) e b), do CPC)[4] exige que o Recorrente, especifique: a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Contudo, importa ter, também, presente que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas, constante do artigo do artigo 607º, nº 5 do CPC. De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos.
De todo o modo, e embora se reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo», na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição. Quando isso suceder e, ao reapreciar a prova ali produzida, conseguir formar uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento relativamente à matéria de facto impugnada, deve proceder à modificação da decisão, sem descurar, obviamente, as limitações referenciadas face ao mais favorável posicionamento do julgador da 1ª instância perante a prova produzida oralmente em julgamento.


Omissis (…)

           Improcedem, pois, as conclusões no que concerne à impugnação da matéria de facto.

            3. Do erro na declaração

           Não sofre discussão que em Março de 2004, os Autores celebraram com à Ré/Recorrente, C... um contrato de mútuo bancário, por via do qual esta lhes entregou uma determinada quantia, obrigando-se, os Autores, a aplicá-la na aquisição de habitação própria e a devolver àquela entidade bancária tal quantia em cento e vinte prestações sucessivas, incluindo juros.

Mais se provou que os Autores pensaram que tal empréstimo concedido para aquisição de habitação própria, o fosse ao abrigo do regime dos deficientes das Forças Armadas. Trata-se do Regime previsto no DL 43/76, de 20.01, que estabelece, em síntese, como refere a sentença recorrida, o direito que assiste àqueles de beneficiar de juros a uma taxa mais baixa do que a legal em vigor. Isto, porque o nº 8 do seu art. 14º estatui que os deficientes das Forças Armadas têm direito a adquirir habitação nas mesmas condições estabelecidas para os trabalhadores das Instituições de Crédito Nacionalizadas.

Tais condições estão previstas no Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário, publicado no BTE, 1ª Série nº 4, de 29.1.2005, posteriormente alterado em diploma publicado no BTE 1ª Série, nº 44 de 29.11.2006. Ora, de acordo com as suas cláusulas 154ª e seguintes, resulta, no essencial, que o prazo máximo do empréstimo é de trinta e cinco anos e apenas se pode estender até aos sessenta e cinco ou, então, até aos setenta anos, caso subsista um empréstimo no momento da passagem à situação de reforma por invalidez ou invalidez presumível.

Por outro lado, estabelece-se, ainda, e no que aos autos releva, que: o valor máximo do empréstimo será de €166.165,00 e não poderá ultrapassar 90% do valor total da Habitação; a taxa de juro dos empréstimos à habitação será igual a 65% da taxa mínima de proposta aplicável às operações principais de refinanciamento pelo Banco Central Europeu; aos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do diploma, aplicar-se-á este regime com algumas especificidades.

            Ora, tendo em atenção, os factos provados e a condição do A. marido (deficiente das forças armadas), no momento em que assinaram o contrato e, posteriormente, durante a respectiva execução, estavam os Autores convencidos de que beneficiavam daquele regime, que reputam de mais favorável. Por isso, ainda que não tivessem reagido de imediato, começaram a estranhar as cartas remetidas pela Ré e relativas a alterações decorrentes das flutuações da EURIBOR, sobretudo, quando foram alertados por pessoa amiga do A. e também ele deficiente das forças armadas, (que foi ouvida como testemunha). E reagiram dirigindo missiva à Ré, pedindo esclarecimentos.

            O acto de assinatura de um contrato traduz, naturalmente, a vontade de aceitá-lo. Neste caso, porém, a sentença recorrida conclui, que os AA. incorreram em erro acerca do objecto da declaração.

Discorda a Ré deste entendimento, argumentando, no essencial, que não se verificam os requisitos do erro na declaração, a que alude o artigo 247º do Código Civil.

4. O artigo 247º do Código Civil: requisitos

4.1. A divergência entre a vontade e a declaração pode assumir diversas formas, intencionais ou não-intencionais.

São divergências não-intencionais:

a) Erro-obstáculo ou na declaração

b) Falta de consciência

c) Coação Física ou violência absoluta.

           Aqui está em causa o erro obstáculo: o declarante emite a declaração divergente da vontade real e sem consciência disso (enganou-se, equivocou-se).

           Na situação que aqui releva esse erro-obstáculo consequenciou um desvio na vontade negocial e vem previsto no artigo 247º do Código Civil Português, com a epígrafe “Erro na declaração”:

Estipula o art. 247º do Cód. Civil que quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro, o que pressupõe a verificação de três requisitos: a) o estado de erro do declarante (aqui Autores); b) o carácter essencial do elemento sobre o qual recaiu o erro, e c) o conhecimento (ou pelo menos a obrigação de conhecer) dessa essencialidade da parte do declaratário (no caso, a Ré/Recorrente).

Distinto do erro-vício - em que há coincidência entre o querido e o declarado sendo, contudo, que a declaração surge como consequência de uma errónea representação da realidade - o erro-obstáculo traduz uma desconformidade entre a declaração e a vontade real, que provoca uma divergência não intencional entre a vontade real e a vontade declarada. «O declarante, depois de haver formado livre e esclarecidamente a sua vontade negocial e de ter tomado uma decisão negocial saudável e sem vícios, ao exteriorizar essa vontade e decisão negocial, declara algo diferente do que queria»[5].

O erro obstáculo traduz-se numa interposição de diverso discurso no percurso da vontade para a declaração, isto é, o declarante formula o que pretende por forma inadvertida de tal modo que o resultado final traduz uma divergência entre o que quis exprimir e o que, de facto, declarou. No erro obstáculo – e na modalidade erro não conhecido, ou não ostensivo - a declaração é anulável desde que o declaratário reconhecesse, ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro[6].

O primeiro pressuposto – estado de erro – decorre, como na sentença se afirma, sem quaisquer dúvidas, face à matéria provada, já que se demonstrou, que os Autores pensaram que o empréstimo concedido para aquisição de habitação própria o tinha sido ao abrigo do regime dos deficientes das Forças Armadas.

Importa, agora, ponderar se existem elementos nos autos que permitam concluir pela verificação dos restantes dois pressupostos:

- o carácter essencial do elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que, caso dele tivesse dado conta, o declarante não teria celebrado o negócio naqueles termos, e

- o conhecimento, por banda no declaratário, da essencialidade do elemento sobre o qual o erro incidiu.

4.2. O carácter essencial do estado de erro

           Na contratação de um mútuo bancário é essencial que o declarante saiba qual o regime aplicável, e, obviamente, existindo, como no caso, dois regimes possíveis, um dos quais oferece condições significativamente mais favoráveis do que o outro, certamente só por erro, optará por outro menos favorável.

Ditam as regras da experiência e, sobretudo, do bom senso, que, caso se tivessem apercebido de que o regime do mútuo contratado, não era o mais favorável, os AA. não teriam celebrado o negócio nos termos em que o fizeram.

O objectivo das pessoas que recorrem a empréstimos bancários é, naturalmente, o de pagar a prestação mais baixa possível. Vale isto por dizer que pretendem beneficiar da taxa de juro e do spread mais baixos possível. Tendo essa possibilidade, em razão da situação do A. marido, certamente que os AA não teriam contratado nos termos em que o fizeram se se tivessem apercebido de que não lhes estava a ser aplicado o regime aplicável aos deficientes das forças armadas, mais favorável.

De resto, a evidência de que os AA. não celebrariam o negócio nestes termos se soubessem que o regime do contrato não era o previsto para os Deficientes das Forças Armadas, mostra-se patente, se considerarmos que os AA. estavam convencidos, como se provou, de que esse era o regime pelo qual se pautava o contrato.

4.3. Do conhecimento dessa essencialidade por parte do declaratário

Importa, ainda, saber se a C…, tinha conhecimento de que, para os Autores, era essencial que o regime fosse o previsto para os Deficientes das Forças Armadas

Antes de dar resposta, impõe-se perceber quem é este declaratário.

Pois bem, a C… é uma entidade bancária e, como tal, sujeita ao “Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), que, no Título VI dispõe sobre as regras de conduta aplicáveis às instituições bancárias.

Assim, no tocante a deveres gerais, podem encontrar-se regras de conteúdo positivo, como a competência técnica - artigo 73.°; as relações com os clientes - artigo 74.°; o critério de diligência - artigo 76.°; o dever de informação - artigo 75.°.

A competência técnica acarreta deveres de qualidade e de eficiência. Por isso, o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, «elevados níveis de competência técnica», para o que o banqueiro deve dotar «a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência», quer a nível de exigências físicas, como instalações, acesso, ambiência geral, equipamento informático, quer exigências de serviços, como a recepção e envio de correspondência ou a disponibilidade de informações. A prossecução destes objectivos obriga o banqueiro a um esforço permanente de reorganização do trabalho e dos métodos e de formação do seu pessoal[7].

A competência técnica, encontra-se reflectida nos deveres prescritos no RGICSF quanto às relações com os clientes - artigo 74.° - e quanto ao critério de diligência - artigo 76.°. As relações com os clientes levam o legislador a referir deveres de diligência, de neutralidade, de lealdade, de descrição e de respeito consciencioso dos interesses confiados ao banqueiro.

A associação de tais deveres, como diz Menezes Cordeiro, dá corpo à ars bancaria moderna.

O critério de diligência aponta para a figura do banqueiro (administradores e pessoal dirigente), criterioso e ordenado. Trata-se da recuperação, com fins bancários, da figura do bonus pater famílias, prudente, ordenado e dedicado[8]. Como afirma Menezes Cordeiro, os artigos 73. °, 74.° e 76.° do RGICSF são normas programáticas e de enquadramento, na medida em que terão de ser completados por outras regras, de natureza legal ou contratual, de modo a dar azo a verdadeiros direitos subjectivos ou, de todo o modo, a regras precisas de conduta, susceptíveis de, quando violadas, induzirem responsabilidade bancária.

O dever de informação previsto no artigo75°RGICSF, é normalmente entendido como uma decorrência, de ordem geral, do princípio da boa-fé, constituindo um elemento essencial, quer da própria formação da relação contratual, quer da execução das obrigações dela resultantes (artigos 227°, nº 1 e 762º, nº 2 do Código Civil). O dever de informação tem, aliás, consagração constitucional no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa[9]. Existirá obrigação de indemnizar quando exista o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação (artigo 485°, nº 2 do Código Civil). O dever de informação, como norma de conduta, insere-se na perspectiva de relação extrínseca da actividade bancária.

Na vertente bancária, este dever, regulado no art. 75° RGICSF, com as alterações introduzidas pelo DL 1/2008, de 03.01, foi redensificado. Trata-se de uma alteração de carácter interpretativo, que pretendeu clarificar a ratio legis do preceito.

Consta agora do art. 77º, nos nºs 1 a 3, que:

«1- As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.

2 - Em particular, no âmbito da concessão de crédito ao consumo, as instituições autorizadas a conceder crédito prestam ao cliente, antes da celebração do contrato de crédito, as informações adequadas, em papel ou noutro suporte duradouro, sobre as condições e o custo total do crédito, as suas obrigações e os riscos associados à falta de pagamento, bem como asseguram que as empresas que intermedeiam a concessão do crédito prestam aquelas informações nos mesmos termos.

3 - Para garantir a transparência e a comparabilidade dos produtos oferecidos, as informações referidas no número anterior devem ser prestadas ao cliente na fase précontratual e devem contemplar os elementos caracterizadores dos produtos propostos, nomeadamente incluir a respectiva taxa anual de encargos efectiva global, indicada através de exemplos que sejam representativos».

De acordo com este dever de informação, o Banco está obrigado a informar os seus clientes sobre remunerações, preços dos serviços prestados e outros encargos. Importa que seja produzida uma informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (artigo 7°, nº 1 do Código de Valores Mobiliários), de forma a possibilitar uma decisão consciente, responsável e prudente pois o ónus de procurar a informação é dispensado ao consumidor.

Este dever vem, no fundo, compensar a desigualdade latente entre os sujeitos.

Na delimitação do conteúdo do dever de informar assumem relevo especial dois parâmetros: a) a necessidade de o banco especificar as particularidades técnicas da operação considerada, não se ficando apenas pela alusão aos contornos genéricos; b) a adequação da informação à própria experiência e conhecimento técnico do cliente.

Pode dizer-se que o dever legal de informação está assente em quatro pilares

1° - As disposições constantes dos artigos 75° e 77º do RGICSF

2° - O disposto no artigo 7°, nº 1, do Código de Valores Mobiliários.

3° - O disposto no diploma relativo às cláusulas contratuais gerais – DL n° 446/85, de 25 de Outubro

4° - O disposto na Lei de defesa do consumidor - Lei n° 24/96, de 31 de Julho

4.4. Traçadas as linhas mestras dos princípios e deveres a que a Recorrente, enquanto entidade bancária, está sujeita, importa ter presente que, no caso dos autos, estava em causa a contratação de mútuo destinado à aquisição de habitação própria, pelos Autores.

            Refere a este respeito a sentença recorrida:

«Como é sabido, a grande parte dos clientes/consumidores não está familiarizada com as condições dos produtos que os bancos têm a oferecer nomeadamente, no tocante aos mútuos bancários - designadamente, com as taxas de juro, opção por valor residual a final, spread, cumprindo às instituições bancárias prestar todas as informações detalhadas, designadamente, efectuando simulações, para que os clientes possam tomar opções esclarecidas.

Tais simulações servirão ainda o propósito de permitir às próprias instituições bancárias perscrutar os objectivos e o perfil do cliente em ordem a apresentar-lhe os produtos e condições que mais se ajustem ao mesmo.

Este último assume grande importância em determinados contextos negociais e em especial naquele a que respeitam os autos. Na verdade, este dever assume particular relevância sempre que esteja latente, em qualquer perspectiva, uma desigualdade entre os sujeitos contratuais que possa fragilizar um deles e/ou ameaçar a sinalagmaticidade. Nomeadamente, no tocante a conhecimentos especiais determinantes na condução das negociações.

(…)

Na delimitação do conteúdo do dever de informar assumem, pois, relevo especial dois parâmetros: a necessidade de o banco especificar as particularidades técnicas da operação considerada, não se ficando apenas pela alusão aos contornos genéricos, e a adequação da informação à própria experiência e conhecimento técnico do cliente. No caso, vertente, considerando as habilitações literárias dos AA., esta última vertente assumiu importância determinante.

Em suma, a R. C... não poderia ignorar o ensejo dos clientes em conseguir o regime mais favorável possível, atentas as regras da lógica e da experiência.

Ora, a Ré não juntou simulações feitas, documentos ou quaisquer outros elementos demonstrativos de esclarecimentos e de ponderações desta e de outras soluções por parte dos Autores (por exemplo, comprovativos ou indicativos de estes terem optado pelo regime estabelecido no contrato em detrimento do regime especial para os deficientes das Forças Armadas, por qualquer motivo ponderoso).

(…).

Sabendo que o Autor era deficiente das Forças Armadas, a Ré sabia que era essencial para os Autores conhecer o regime aplicável à sua condição para poder compará-lo com outros, incluindo os respectivos riscos, e, assim, decidir pelo que mais lhe conviesse».

5. Ainda que se admitisse que a Ré não conhecia a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro, sempre teria de concluir-se, como se afirma na sentença recorrida, «que a Ré agiu negligentemente no tocante ao cumprimento do dever de informação. Negligência que, enquanto forma de culpa, se respalda na circunstância de lhe ter sido exigível agir de outro modo: precisamente o modo lícito, que compreendia o cumprimento do dever de informação».

A violação deste dever de informação por parte de uma instituição de crédito pode fazer incorrer o banco, além do mais, tanto em responsabilidade contratual como, eventualmente, extracontratual.

Por um lado, faz incorrer o infrator em responsabilidade civil, desde logo, quando o mesmo tenha procedido com negligência nos termos previstos no artigo 485º, nº2, do Código Civil, aplicável quando aquele, funcionário bancário, estava adstrito ao dever jurídico de prestar informação.

Por outro lado, no domínio contratual, assume relevância definitiva a omissão do dever de informação que impende sobre os bancos nas suas relações com a clientela. Os deveres de informação e de competência técnica que, entre outros, impendem sobre os bancos nas suas relações com os seus clientes estão associados à estrita esfera contratual e ao quadro de responsabilidade daí decorrente para a sua eventual violação.

Assim, provada a omissão ou o deficiente cumprimento daqueles deveres, funcionará a presunção de culpa prevista no artigo 799º, nº1, do Código Civil[10].

Dever de informação e de competência técnica que acarretam deveres de qualidade e de eficiência e que, no caso, não foram, como se viu, cabalmente cumpridos. A C..., tendo conhecimento de que o seu cliente era DFA, deveria ter-lhe assegurado as melhores condições com vista à contratação do múruo, o que, no caso passava pela aplicação do regime aplicável aos DFA.

6. Cai por terra, pois, o argumento de que o Autor pretendia que a C... lhe emprestasse o valor total necessário para adquirir o imóvel (100%), com isto querendo demonstrar que seria impossível ter-lhe sido concedido o crédito em condições especiais, pois que nos termos do regime pretendido este estaria limitado a 90% do valor do imóvel. Com efeito, e mais uma vez, o problema reside no não cumprimento, ou no deficiente cumprimento do dever de informação aliado ao da competência técnica: à Recorrente só assistiria razão se tivesse demonstrado que, tendo informado dessa limitação (90%) com vista à aplicação do regime dos Deficientes das Forças Armadas, o Autor decidisse, face a tal limitação, sujeitar-se ao regime normal de financiamento, para assim obter um crédito correspondente a 100% do valor do imóvel. Quiçá, caber-lhe-ia diligenciar - caso de o A. necessitasse mesmo os 100% - por arranjar solução alternativa para os 10% em falta.

Inócuo se afigura o argumento de que, a proposta de seguro associada ao crédito em causa, refere que o A. não possui incapacidade ou deficiência, na medida em que, a proposta de seguro foi preenchida em impresso próprio, no mesmo local em que foi formalizado o contrato de mútuo - a agência da Ré - e esta sabia, como ficou provado, que o Autor é portador de deficiência e tem o estatuto de DFA, facto que é do seu conhecimento desde o início das relações comerciais mantidas com os AA., (provavelmente a funcionária da Ré terá “adaptado” a proposta de seguro ao regime de mútuo aplicado e, como se sabe, não foi, como deveria ter sido, o dos D.F.A.).

            Adianta, ainda a Ré, que o A. não possuía a taxa de esforço suficiente, na altura da contratação, para suportar as prestações relativas ao crédito em questão, ao abrigo do regime aplicável aos deficientes das forças armadas. Mas, como se vê, esta argumentação não foi alegada na contestação e só agora em sede de recurso é suscitada. Ademais, cai em contradição com a estratégia da defesa constante da contestação, quando no artigo 30º afirma que informou os AA. de que poderiam, caso juntasse a documentação comprovativa, beneficiar do regime de crédito aplicável aos trabalhadores das instituições de crédito.

           Seja como for não cabe aqui apreciar toda argumentação expendida pelo Recorrente, mas apenas decidir s questões com relevância para a decisão da causa.

7. Por último, cumpre realçar que, no contexto da contratualização bancária, o momento próprio para o cumprimento do dever de informação, é, por excelência, a fase pré-contratual. Destarte, mesmo quando o contrato se vem a celebrar de modo válido e eficaz, pode ter lugar a responsabilidade pré-contratual.

Com efeito, nos termos do artigo 227º do Código Civil quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

A “formação” do contrato a que se refere o preceito pode ser analisada em duas fases distintas: a fase das negociações, durante a qual se discute o conteúdo normativo do negócio; e a fase decisória em que são emitidas as declarações de vontade: proposta e aceitação.

Precisamente, no que tange à responsabilidade pré-contratual e à aplicação do artigo 227º do Código Civil, em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06 de Novembro de 2012, citado na sentença recorrida, decidiu-se que, na previsão desta norma, incluem-se, quer a ruptura de negociações, quer a conclusão dum contrato ineficaz, quer ainda proteção face a contratos “indesejados”, designadamente a celebração de um contrato não correspondente às expetativas devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão do esclarecimento devido[11].

Tal como conclui a sentença recorrida, este o «enquadramento jurídico que melhor reflecte o segmento da realidade trazida aos autos é precisamente o último que referimos que insere a conduta da Ré na figura da Responsabilidade Pré-Contratual. Pois, no contexto em apreço, era nessa fase que, de acordo com o disposto no art. 77º do RGICSF e com as regras da experiência, assumiu relevância o cumprimento escrupuloso do dever de informação. Era nessa fase que fazia a maior diferença. É, pois, nessa fase que o mesmo dever se inscreve com o propósito de garantir a equidade entre as partes».

8. Nesta medida, afigura-se, tal como a sentença conclui, que o contrato não foi validamente celebrado.

As consequências da referida invalidade são as registadas na sentença recorrida e os danos correspondem à diminuição patrimonial ocorrida na esfera jurídica dos Autores pelo facto de terem suportado taxas de juros superiores, o que redundou - globalmente considerada a execução do contrato -, no pagamento de uma prestação mensal superior àquela que os AA., ao longo do tempo, teriam suportado, se o regime aplicável ao contrato de mútuo tivesse sido o previsto para os Deficientes das Forças Armadas.

E o prazo a considerar é igualmente de dez anos, desde logo, de harmonia com o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, já que, como assinala a sentença recorrida e ficou provado, num caso, a Ré/Recorrente prorrogou o prazo até aos setenta anos do mutuário, não tendo ficado provada a observação ipsis verbis da supra citada norma do diploma especial em análise que faz referência à passagem à reforma, sendo que era fácil à Ré fazer prova desta circunstância.

Alega a Recorrente que a aplicação do princípio da igualdade não teria lugar no caso sub judice, na medida em que o exemplo da testemunha Arlindo Costa se reportará a “situação concreta bem diversa da relativa ao contrato de mútuo dos Autores e do que estes afirmam pretender”. Isto porque naquele caso, no seu entender, estaríamos perante um alargamento do prazo ocorrido na vigência do contrato, enquanto os Autores pretendiam que “o seu contrato de mútuo tivesse sido celebrado ab initio […] pelo mesmo prazo contratado, isto é, dez anos”.

Para além de não se afigurar que haja norma que impeça a Ré e os AA. de acordar ab initio este prazo, esquece a Recorrente que, a montante, está a violação do dever de informação e de competência técnica: se o Autor tivesse sido correctamente informado, poderia ter celebrado um contrato inicial nos termos do Acordo de Empresa entre a C... e os Sindicatos dos Bancários, publicado na sua versão originária no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 30, de 15.08.2003, e com a sua versão consolidada em Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 21, de 8.06.2008. E de acordo com a cláusula 128º desse Acordo, “a empresa concederá empréstimos para habitação aos seus trabalhadores, no activo e aposentados, os quais deverão ser liquidados no máximo de 40 anos e até o mutuário completar 70 anos de idade”.

Essa diferença, em que se traduzem os danos, é perceptível através da ponderação tempo de duração do contrato/ bonificação prevista. Mas por que o cômputo rigoroso não foi efectuado, o montante dos danos, assim considerados, terá de ser liquidado, como se decidiu na sentença recorrida, em incidente próprio, nos termos previstos nos art.s 609º, nº2, e 358º e seguintes, todos do C.P.Civil.

            IV – DECISÃO

            Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso assim se mantendo, nos seus precisos termos, a sentença recorrida.

Custas pela Apelante.

Lisboa, 19 de Junho de 2014.

(Fátima Galante)

(Gilberto Jorge)

(António Martins)

[1] LEBRE DE FREITAS, José, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p.633.

[2] Veja-se processo n.º 08B1644, de 16-9-2008, Relator Serra Baptista e ainda os acórdãos relativos aos processos n.º 155/05.8TTMTS.S1, de 23-6-2010, Relator Mário Pereira, e n.º 12/09.9T2AND.A.C1.S1, de 31-5-2012, Relator João Trindade, disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Disponível em https://www.csm.org.pt/ficheiros/pareceres/parecer09_14.pdf.
[4] Cuja redacção corresponde à constante do artigo 685º-B do CPC de 1961.
[5] VASCONCELOS, Pedro Pais de - Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, p. 32.
[6] Cfr. Ac. STJ de 3 de Outubro de 2006, Processo nº 06ª2497, Relator Sebastião Póvoas, www.dgsi.pt/jstj
[7] CORDEIRO, António Menezes - Manual de Direito Bancário, op. cit., p. 435 e seguintes.
[8] Idem, ibidem, p. 321.
[9] «Artigo 37.º
Liberdade de expressão e informação
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações»
[10] Vide Ac. TRL de 11 de Abril de 2013, Processo nº 2605/10.2YXLSB.L1, Relatora, Fátima Galante, in  www.dgsi.pt/jtrl.
[11] Acórdão do STJde 06.11.12, Processo Nº 4068/06.8TBCSC.L1.S1, Nuno Cameira, Relator, www.dgsi.pt/jstj.