Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7716/19.6T8ALM-G.L1-1
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
APENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: RESOLVIDO
Sumário: O processo de inventário subsequente a divórcio deverá correr e ser tramitado por apenso a este processo, sendo competente o Juízo de Família e Menores de Almada, onde tal processo de divórcio correu termos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em 04-11-2021, “A” veio requerer, no Juízo de Família e Menores de Almada – Juiz (…), que se procedesse a inventário para partilha de bens em consequência de divórcio (a que se refere o presente apenso G).
Em 12-01-2023, “A” veio instaurar, no Juízo de Família e Menores de Almada – Juiz (…) ação para alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais (dando origem ao apenso H) relativamente a “B”, cujo acordo tinha sido homologado (cfr. Apenso B) em 27-09-2021.
Em 07-03-2023, no mencionado apenso de alteração das responsabilidades parentais, o Juízo de Família e Menores de Almada declarou-se incompetente, em razão do território, para a tramitação dos referidos autos, em suma, porque, nos termos do acordo homologado em 27-09-2021, foi estipulado, além do mais, que a criança residiria com ambos os progenitores, pelo que, entendeu que, residindo a criança com o pai, durante a semana e um fim-de-semana por mês, em Corroios, e com a mãe, durante três fins de semana por mês, o Tribunal competente seria o Juízo de Família e Menores do Seixal.
Com os autos de alteração das responsabilidades parentais foram remetidos ao Juízo de Família e Menores do Seixal também os autos de inventário.
Em 08-08-2023, o Juízo de Família e Menores do Seixal – Juiz (…) proferiu, nos autos de inventário, o despacho do seguinte teor:
“A 12.01.2023 “A” instaurou em Almada ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto à filha “B”, atualmente com 16 anos.
Como “B” vive no Seixal com o pai, por despacho de 07.03.2023 nos autos de alteração foi conhecida a incompetência territorial e o processo de alteração foi remetido para o Seixal, referindo-se no final:
Após trânsito, remeta os presentes autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores do Seixal.
Até aqui tudo bem.
Nos termos do art. 42, n. 2 al. b) do RGPTC (Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro)
Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova ação.
Assim, o Seixal, recebido o processo com o pedido de alteração, deveria pedir a Almada o processo de regulação.
Porém, Almada enviou na mesma altura o processo de regulação que se pretende alterar com a alteração.
Faz sentido, poupa-se tempo, e, por isso, até aqui tudo bem.
Só que Almada enviou mais processos que em parte alguma da legislação substantiva ou adjetiva consta que devem ser enviados quando se conhece da incompetência territorial de um processo tutelar regulado pelo RGPTC (Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro). Tal não consta do RGPTC, tal não consta do CPC, nem em qualquer outro diploma.
O citado art. 42, n. 2 al. b) do RGPTC não diz que se deve requisitar ao tribunal onde se processou a regulação o processo de divórcio findo, a ação de alimentos entre cônjuges findo, a execução para prestação de facto para entrega da casa de morada de família, o arrolamento prévio ao divórcio ou ao inventário ou o inventário.
Porém, Almada tomou a iniciativa, presumimos que por lapso, de à boleia do envio da alteração e da regulação, remeter ainda o processo de divórcio findo e um complexo processo de inventário que já vem sendo tramitado em Almada há um ano e meio e ainda está na fase inicial, não obstante inúmeros atos praticados.
Não foi com este sentido que o legislador criou a regra da incompetência territorial no processo tutelar regulado pelo RGPTC, nem faz qualquer sentido que o Seixal tenha agora de receber um processo de divórcio findo e tenha de tramitar uma ação inventário que nada tem que ver com a alteração das responsabilidades parentais. Estes dois processos, inventário e divórcio, se não foi por lapso, foram abusivamente remetidos para este Tribunal à boleia da incompetência territorial do apenso de alteração.
A remessa por Almada destes do divórcio (mesmo estando findo) e do inventário a começar para o Seixal viola o princípio do Juiz da natural e viola as regras da distribuição.
Aliás, nem consta nenhum despacho a fundamentar a remessa do divórcio e do inventário para este Tribunal pelo que é de presumir tratar-se de lapso ou iniciativa da Secção sem respaldo jurisdicional, razão pela qual entendemos que não se justifica suscitar o conflito, bastando apenas devolver à procedência o divórcio e o inventário.
Pelo exposto, por falta de fundamento legal que sustente a remessa que, de facto, teve lugar destes autos por parte do Tribunal de Almada para o Tribunal do Seixal, por ostensiva violação do princípio do Juiz Natural e das regras da distribuição, e, caso não se trate de lapso, por absoluta ausência de qualquer fundamentação para sustentar o envio destes autos para o Seixal, devolva os presentes autos a Almada.
Not. e, após trânsito, devolva”.
Por despacho de 10-08-2023, o Juízo de Família e Menores do Seixal – Juiz (…) declarou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, por a criança residir com o seu pai na localidade da Charneca da Caparica, concelho de Almada, determinando a remessa dos autos ao Juízo competente.
Por despacho de 17-01-2024 (apenso H), o Juízo de Família e Menores de Almada- Juiz (…), veio, nos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, suscitar a resolução do conflito negativo de competência.
Por despacho de 17-01-2024, o Juízo de Família e Menores de Almada- Juiz (…), veio, nos autos de inventário, suscitar a resolução do conflito negativo de competência.
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Conhecendo (sendo que, os presentes autos respeitam ao processo de inventário subsequente a divórcio):
Os presentes autos de inventário foram instaurados em 04-11-2021.
Conforme resultava do artigo 1404º, n.º 3, do CPC, na redação do D.L. n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, o inventário corria por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação, conforme a situação.
Esta norma foi revogada, após a alteração da regulação do inventário, tendo a Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro.
A Lei nº. 117/2019, de 13 de Setembro, com entrada em vigor a 1-1-2000, reintroduziu o processo de inventário judicial no Código de Processo Civil, (artigos 1082.º a 1135.º do CPC).
O nº. 1 do art. 1083º do CPC., indica os casos em que o processo de inventário é da exclusiva competência dos tribunais judiciais, sendo que, será o caso, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.
Por seu turno, o nº. 1 do art. 1133º do CPC., dispõe que, decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para a partilha dos bens comuns.
Nos termos do preceituado no nº. 1 do art. 122º da LOSJ:
“1 - Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar:
(…)
2 - Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.
Da conjugação de todos os normativos, resulta que, havendo inventário subsequente a acção de divórcio judicial, serão os juízes de família e menores os competentes a tramitá-los por apenso.
Assim, o vem entendendo, de forma quase unânime, a jurisprudência (cfr., entre outros, os Acórdãos do TRP de 25-05-2021, Pº 14/14.3TBLSD-C.P1, rel. RODRIGUES PIRES e de 07-04-2022, Pº 720/21.6T8ETR.P1, rel. JUDITE PIRES; Acórdão do TRC de 23-02-2021, Pº 435/20.2T8PBL-A.C1, rel. ANTÓNIO PIRES ROBALO e de 08-07-2021, Pº 1744/20.6T8FIG-A.C1, rel. LUÍS CRAVO; Acórdão do TRG de 04-01-2023, Pº 4890/22.8T8BRG-A.G1, rel. JOSÉ AMARAL, de 27-04-2023, Pº 6348/22.6T8VNF-B.G1, rel. SANDRA MELO e de 10-07-2023, Pº 2458/22.8T8VCT-A.G1, rel. ALEXANDRA VIANA LOPES; Acórdão do TRE de 09-06-2022, Pº 153/17.9T8PTM-A.E1, rel. MARIA ADELAIDE DOMINGOS; e Acórdão do TRL de 14-07-2020, Pº 699/16.6T8CSC-D.L1-7, rel. CONCEIÇÃO SAAVEDRA). Também, a doutrina tem alinhado nesta orientação (cfr., Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, p. 158).
Como também aludem, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, (Código de processo Civil, Anotado, vol II, Almedina, p. 527): “Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do art. 206º, nº2”.
Daqui resulta que nosso o sistema legal concebeu a necessidade das questões relativas aos estado civil e da família exigirem tribunais especializados em razão da matéria para o seu tratamento e que tal tratamento se estende aos inventários na sequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, que por isso se consideram como dependentes daqueles.
Ora, atuando a dita regra de conexão processual e dado que os autos de divórcio (autos principais) correram termos no Juízo de Família e Menores de Almada – Juiz (…), será este o Tribunal territorialmente competente para tramitar o processo de inventário, o que, aliás, sucedeu durante quase dois anos de tramitação processual, até à remessa de tais autos ao Seixal.
Da conjugação dos referidos preceitos resulta, pois, que, no presente caso, o processo de inventário subsequente a divórcio deverá correr e ser tramitado por apenso a este processo, sendo competente o Juízo de Família e Menores de Almada, onde tal processo de divórcio correu termos.
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Pelo exposto, decido este conflito, declarando competente para os presentes autos de inventário o Juízo de Família e Menores de Almada – Juiz (…).
Notifique (cfr. artigo 113.º, n.º 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 27-02-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente com poderes delegados).