Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
520/08.9TTLRS.L1-4
Relator: HERMÍNIA MARQUES
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Em princípio nada obsta a que uma empresa possa enviar trabalhadores seus para prestarem a sua actividade laboral nas instalações de outra empresa o que acontece, a cada passo, no âmbito da execução de contratos de prestação de serviços de uma empresa a outra, em actividades diversas.
II – O trabalho temporário e a cedência ocasional de trabalhador, são modalidades atípicas da prestação de trabalho, que se caracterizam pela cisão dos poderes do empregador o qual, embora mantenha o poder disciplinar e a obrigação de pagar os vencimentos e suportar os encargos sociais, cede a outra empresa o poder de direcção e organização da prestação do trabalho.
III – Peticionando o trabalhador diferenças salariais com base no disposto no nº1 do art. 328º do CT de 2003, impende sobre si o ónus de alegação e prova dos factos demonstrativos da cedência ocasional, nomeadamente, os factos que permitam concluir que o poder de direcção e organização da prestação de trabalho, era exercido pela empresa em cujas instalações prestava a sua actividade laboral.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
AA, BB e CC instauraram no 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Loures, acções declarativas emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra
DD, LDA., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes créditos salariais, nos seguintes montantes: ao A. AA € 14 342,57; ao A. BB € 13. 793,78 e ao A. CC € 14.010,71.
Para tanto alegaram, em síntese:
- Foram admitidos ao serviço da R., em Janeiro de 2002, mediante a celebração de contratos de trabalho a termo incerto.
- Nos termos da Clª 3a daqueles contratos, o local de prestação de trabalho dos AA. seria nas instalações da EE, Portugal, em Santa Iria de Azóia.
- Desde Janeiro de 2002, os AA. foram cedidos à EE, aí exercendo as funções de operadores de empilhador que consistiam, fundamentalmente, em movimentação de cargas de vidro e despejo de casco e que eram exactamente iguais às asseguradas por trabalhadores da EE, de idêntica categoria.
- Porém, a R. pagava-lhes remunerações mensais e subsídios de alimentação inferiores aos valores estipulados para os trabalhadores com a categoria de "Operador", incluindo pelo AE S... Sekurit Portugal em vigor na cessionária, publicado nos BTE's n°s 25, de 08/07/2001, com as alterações constantes dos BTE's, n°s 24 de 29.6.2002, 24 de 29/06/2003, 25 de 08/07/2004 e 21 de 08/06/2005.
- Até Julho de 2007, os AA. prestaram trabalho nas instalações da EE Portugal, integrando-se nos turnos por esta organizados, obedecendo a ordens e instruções de trabalhadores desta empresa, prestando trabalho suplementar sempre que determinado pelos mesmos trabalhadores.
- De acordo com o disposto no n° 1 do art° 328° do Cód. de Trabalho, o trabalhador cedido ocasionalmente tem direito à retribuição mínima estabelecida pelo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável à empresa cessionária desde que esta seja superior à fixada por instrumento aplicável à empresa cedente. E, nos termos do estipulado no n° 2 do mesmo preceito legal, tem igualmente direito, na proporção do tempo de duração da cedência, às retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal e outros subsídios regulares e periódicos devidos pela cessionária aos seus trabalhadores. Portanto, os AA. têm direito às diferenças verificadas na retribuição base e subsídio de refeição, nos termos peticionados.
Em 26/07/2007, os AA. puseram termo aos contratos com a R., optando pela integração na EE Portugal.
Após audiências de partes, sem que estas se hajam conciliado, a R. contestar as acções que os AA. tinham instaurado em separado, começando por requerer a apensação dos processos o que, posteriormente, veio a ser deferido.
Em sede de impugnação, alegou a R., em síntese, que os AA. tinham a categoria profissional de operador de máquinas e não de operador de empilhador. O local de trabalho dos AA. correspondia à fábrica da R., bem como às instalações dos clientes desta. Durante a pendência da relação de trabalho entre os AA. e a R., foi sempre esta quem exerceu o respectivo poder de direcção, quem indicou aos AA. a actividade que deviam desenvolver, como devia ser prestada e o local da respectiva prestação, o que se efectuava através de um responsável da R., superior hierárquico do A., o qual se encontrava presente nas instalações da empresa EE PORTUGAL. Foi a R. quem sempre remunerou os AA., por valores superiores aos mínimos estabelecidos pela contratação colectiva aplicável, bem como lhes pagou subsídio de refeição em vigor na empresa, também por um valor superior ao mínimo definido naquela mesma sede.
Em 01/01/2002, na prossecução do seu objecto social, a R. celebrou com a sociedade comercial EE, um contrato de prestação de serviços, tendo ficado encarregue de proceder à movimentação de cargas nas instalações desta, o que implicava que fossem adstritos alguns trabalhadores da R. ao cumprimento desses mesmos serviços, trabalhadores esses que eram acompanhadas por um outro trabalhador da R., responsável pela coordenação, o qual tinha como funções a fiscalização dos demais trabalhadores sob a sua responsabilidade, bem como responsabilidades inerentes à direcção técnica, funcional e hierárquica dos mesmos, nomeadamente dos AA., sendo esse trabalhador responsável quem comunicava á R. as faltas ao trabalho dos demais. Era a R. quem o exercício do poder disciplinar, pagava as retribuições, efectuava os competentes descontos de Segurança Social e procedia ao pagamento do seguro de acidentes de trabalho, pelo que é falso que tenha cedido os AA. à EE.
Atento o objecto social da R., o Código de Actividade Económica respeitante à fabricação de estruturas de construção metálicas e dado que se encontra inscrita na ANEMM – Associação Nacional das Empresas Metalúrgicas e Electromecánicas, desde 05/02/1992, é-lhe aplicável a contratação colectiva do sector metalúrgico e metalomecânico, sendo associada da associação patronal que faz parte integrante da Federação que outorgou o referido contrato colectivo de trabalho. Por outro lado, os AA. estão filiados na associação filiada na FETESE, entidade outorgante da convenção colectiva em causa.
O AE entre a SSGP – Vidro Automóvel, S.A. e a Federação dos Sindicatos das Indústrias de Cerâmica, Cimento e Vidro de Portugal, publicado no BTE n.0 25, de 08/07/2001 e subsequentes alterações apenas é aplicável às relações laborais estabelecidas entre tal entidade empregadora e os respectivos trabalhadores.
A R. deduziu pedido reconvencional contra os AA., sustentando que os contratos em causa cessaram por abandono do trabalho, mediante denúncia, não tendo para o efeito sido respeitado o aviso prévio legalmente estabelecido, pelo que os AA. estão obrigados a pagar-lhe indemnização nos termos do art. 448º do CT, por remissão do art. 450º, nº 4 do mesmo código.
Termina a R. pugnando pela improcedência dos pedidos deduzidos pelos AA e pela procedência do pedido reconvencional.
Os AA. responderam à reconvenção, negando que tenham abandonado o trabalho, bem sabendo a R. que exerceram o direito de opção legalmente previsto, atenta a cedência ilícita em que ela os colocou. Que os AA. remeteram para o efeito, cartas à R., tendo trabalhado para esta até à data de recepção das mesmas. Que exerceram o legal direito de opção, pelo que não tinham de observar qualquer aviso-prévio, não sendo devidas as quantias pedidas em reconvenção, sendo certo, para além disso, que esses eventuais créditos sempre estariam prescritos, uma vez que decorreu lapso de tempo superior a um ano desde a cessação da relação laboral com a R.
Saneada, instruída e julgada a causa, foi decidida a matéria de facto sem qualquer reclamação (fls. 285), depois do que foi proferida a sentença de fls. 286 e segs., na qual se decidiu assim:
“Por tudo o exposto decido:
Julgar as acções não provadas e, logo, improcedentes, em consequência absolvendo a R. dos pedidos deduzidos pelos AA.
Julgar os pedidos reconvencionais não provados e, logo, improcedentes, em consequência deles absolvendo os AA.
As Custas da acção serão suportadas pelos AA. e a dos pedidos reconvencionais pela R.
Registe e Notifique.”

Inconformados com tal sentença, dela vieram os AA. interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
(...)
A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação, emitiu parecer nos termos de fls. 395, no qual termina defendendo a procedência da apelação e consequente revogação da sentença recorrida.
A R. contra-alegou nos termos de fls. 356 e segs., terminando por defender que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
O Mmº Juiz a quo, relativamente à invocada nulidade da sentença (conclusão 5), sustentou a sua decisão nos termos de fls. 385, defendendo que tal nulidade se não verifica.
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Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – QUESTÕES QUE SE COLOCAM
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões (artºs 684°, n°3, e 685°-A, n° 1, do CPC, “ex vi” do art. 1º nº 2, al. a) do CPT), as questões que cumpre apreciar são as seguintes:
1ª - Nulidade da sentença;
2ª – Saber se há que altera a factualidade dada como assente e consignada na sentença;
3ª – Saber se, da factualidade provada, resulta que existia cedência ocasional dos AA. à SGSP-S..., tendo estes direito às quantias peticionadas.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foi dada como provada na primeira instância a seguinte matérias de facto:
A
A. O A. AA, foi admitido ao serviço da R. em 1 de Janeiro de 2002, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo incerto.
B
O A. BB foi admitido ao serviço da R. em 19 de Fevereiro de 2002, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo incerto.
C
Nos termos da cla 1a daqueles contratos, a prestação de trabalho seria «(e.) executada na fábrica do primeiro contraente ou nas instalações do cliente, conforme a necessidade da execução do trabalho».
D
Na cláusula 3.ª, ficou estabelecido que o contrato era celebrado «(..) pelo tempo necessário à conclusão das obras, em carteira pelo 1.° contraente, neste caso em particular FF».
E
O A. CC auferiu a remuneração mensal base de € 393,71, em Janeiro 02; € 590,57 de Fevereiro a Abril de 2002; € 614,19 de Maio a Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003 €; 635,68 de Fevereiro de 2003 a Janeiro de 2004; € 640,77, em Fevereiro de 2004; € 659,99 de Março de 2004 a Janeiro de 2005; € 679,19, em Fevereiro de 2005; € 700,18 de Março de 2005 a Janeiro de 2006; € 721,19 de Março de 2006 a Janeiro de 2007; € 748,00 de Fevereiro de 2007 a Julho de 2007.
F
A R. pagou aos AA. subsídio diário de refeição nos montantes seguintes:
- € 5,24 em 2002;
- € 5,24 de Janeiro a Abril de 2003;
- € 5,51 de Maio a Dezembro de 2003;
- € 5,66 em 2004;
- € 5,66 em 2005;
- € 5,80 em 2006;
- € 5,80 em 2007.
G
A remuneração base mensal prevista no AE S... Sekurit Portugal, publicado no BTE's n.°s 25, de 8.07.2001, com as alterações constantes dos BTE's n.°s 24 de 29.6.2002, n.° 24 de 29.6.2003, n.° 25 de 8.7.2004 e n.° 21 de 8.6.2005, para a categoria de "operador de empilhador", foi, respectivamente, de € 615,00 em 2002, € 691,40 em 2003, € 840,10 em 2004, € 897,50 em 2005, € 964,05 em 2006, € 994,90 em 2007.
H
Em 26 de Setembro de 2007, a R. remeteu uma carta ao A. AA invocando o abandono do trabalho, junta por fotocópia como Doc. N.° 72 (da RÉ) e que se dá por integralmente reproduzido.
I
A R. tem por objecto comercial as construções metálicas e tubagens, mecânica, manutenção industrial, electromecânica e instrumentação, telecomunicações, sistemas de automação, engenharia e projectos industriais, nomeadamente, metalomecânica, vidreira, petroquímica, automóvel, energias tradicionais e renováveis, farmacêutica, construção civil, novas tecnologias (hardware e software), ferroviária, indústria cimenteira, petrolífera, aeronáutica, importação, exportação, comercialização de bens e serviços, logística e movimentação de cargas, de acordo com a Certidão Permanente.
J
A R. apresenta como Código de Actividade Económica (Ref. 2.3) o n.° 28110, o qual respeita a fabricação de estruturas de construção metálicas. K. A R. encontra-se inscrita na ANEMM – Associação Nacional das Empresas Metalúrgicas e Electromecânicas, desde 05.02.1992.
L
O A. BB auferiu a remuneração mensal base de € 590,57 em Março e Abril de 2002; E 614,19 de Maio de 2002 a Janeiro de 2003; € 635,68 de Fevereiro de 2003 a Janeiro de 2004; € 640,77 em Fevereiro de 2004; € 659,99 de Março de 2004 a Janeiro de 2005; € 679,19 em Fevereiro de 2005; € 700,18 de Março de 2005 a Janeiro de 2006; € 721,19 de Fevereiro de 2006 a Janeiro de 2007; e, € 748,00 de Fevereiro de 2007 a Julho de 2007.
M
Em 18 de Janeiro de 2008, a R. remeteu uma carta ao A. BB invocando o abandono do trabalho, junta por fotocópia como Doc. N.º 74 (da RÉ) e que se dá por integralmente reproduzido.
N
O A. CC foi admitido ao serviço da R. em 1 de Janeiro de 2002, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo incerto.
O
O A. CC auferiu a remuneração mensal base de €393,71, em Janeiro de 2002; € 591,00 em Fevereiro de 2002; € 590,57, em Março e Abril de 2002; € 614,19 de Maio de 2002 a Janeiro de 2003; € 635,68 de Fevereiro de 2003 a Janeiro de 2004; € 640,77 em Fevereiro de 2004; € 659,99 de Março de 2004 a Janeiro de 2005; € 679,19 em Fevereiro de 2005; € 700,18 de Março de 2005 a Janeiro de 2006; € 721,19 de Janeiro de 2006 a Janeiro de 2007; € 748,00 de Janeiro de 2007 a Janeiro de 2008.
P
O A. CC até Junho de 2008, auferiu o salário bruto correspondente a € 765,95, pago pela R.
Q
Em 11 de Junho de 2008, a R. remeteu uma carta ao A. CC invocando o abandono do trabalho.
R
Os AA. AA, BB e CC, em 25 de Julho de 2007, enviaram individualmente uma carta à R., que esta recebeu, declarando exercer o direito de opção relativamente à EE, alegando cedência ilícita da R. àquela.
S
Desde Janeiro de 2002 os AA. exerciam funções de operadores de empilhador nas instalações da sociedade EE Portugal, em Santa Iria de Azóia, que consistiam, fundamentalmente, em movimentação de cargas de vidro e despejo de casco.
T
Durante o período de tempo em que exerceram as funções acima referidas, os AA. prestaram esse trabalho nas instalações da EEt Portugal, fazendo-o integrados em turnos, das 08h00 às 16h00, das 16h00 às 24h00 e das 24h00 às 08h00, em paralelo com os turnos praticados pelo trabalhadores da EE; por vezes, cerca de duas a três vezes por semana, recebiam instruções dos encarregados de turno da EE para irem buscar vidro ao armazém, ou para abastecerem as linhas de água, ou para irem buscar moldes, ali designados por "gabarits".
U
As funções de movimentação de cargas de vidro praticadas pelos AA. consistiam no transporte de vidro com um empilhador, em paletes, entre as várias fases da linha de corte: máquina de corte, têmpera de vidro, embalagem e condução ao armazém.
V
Os AA. abasteciam os empilhadores e procediam à manutenção simples das baterias destas máquinas.
X
Foi a R. quem definiu a actividade que os AA iriam desenvolver e o local da prestação da mesma.
Z
O CC trabalhava igualmente com um empilhador e por turnos, movimentando vidro na linha de laminado e estava encarregado peia R. de fazer a comunicação relativa a trabalhadores da R., sobre ausências, ocorrências de acidentes de trabalho, listagens de fardas que fossem necessárias, procedendo ainda à entrega de recibos de vencimento e recolha dos duplicados assinados e à recolha dos justificativos de faltas ao serviço.
AA
A R. celebrou com a sociedade comercial EE um contrato denominado de prestação de serviços, datado de 01 de Janeiro de 2002, no qual consta, na cláus. 1.a, que esta confiava àquela "a movimentação de cargas nas suas instalações, designadamente nos sectores laminado e temperado".
BB
No referido contrato consta, ainda, que para a sua execução a DD colocaria " profissionais competentes para o desempenho dos serviços contratados", pagando-lhe "retribuição" e cumprindo relativamente aos mesmos "todas as obrigações legais que lhe são impostas como entidade patronal".
CC
Para além da existência daqueles trabalhadores, a R. igualmente apresentava um trabalhador, responsável pela coordenação (GG), junto da EE PORTUGAL,.
DD
O qual tinha como funções a fiscalização dos demais trabalhadores, sob a sua responsabilidade, bem como responsabilidades inerentes à direcção técnica, funcional e hierárquica dos mesmos, nomeadamente, dos AA..
EE
O A. AA manteve a prestação da sua actividade, nos termos acima referidos, até ao mês de Setembro de 2007.
FF
O A. BB manteve a prestação da sua actividade, nos termos acima referidos, até Janeiro de 2008.
GG
A R. processou a retribuição do A. BB até Janeiro do ano de 2008.
HH
O A. CC manteve a prestação da sua actividade, nos termos acima referidos, até ao mês de Junho de 2008.
II
A R. processou a retribuição do A. CC até Junho de 2008.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Primeira questão
Na conclusão 5ª, vêm os recorrentes invocar a nulidade da sentença, prevista na al. c), do nº 1, do art. 668º do CPC, dizendo haver contradição entre os fundamentos e a decisão.
Vejamos:
Estabelece aquele citado preceito que é nula a sentença “Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão».
Para que ocorra esta nulidade da sentença, é necessário que se constate que os fundamentos que nela são aduzidos pelo juiz, em termos lógicos, deveriam conduzir a um resultado oposto àquele que acabou por ser o expresso na decisão, ou seja, é necessário que se verifique um vício real no raciocínio do julgador, isto é, que os fundamentos pelo mesmo utilizados como suporte da decisão, apontam em sentido inverso daquele que, nesta, acabou por prevalecer.
No caso vertente, estaríamos perante a verificação de uma tal nulidade se, porventura, os fundamentos aduzidos pelo Sr. Juiz apontassem no sentido da verificação de uma cedência ocasional dos AA. à EE e, na parte decisória, se tivesse declarado não existir essa cedência e, com base nisso, se tivesse absolvido a ré.
Ora, in casu, não se verifica uma tal situação, ou algo parecido, já que o Sr. Juiz fundamenta a decisão proferida, no sentido da não verificação de qualquer cedência dos AA., por parte da R., à EE, dizendo na sentença (fls. 305 dos autos): “Por conseguinte, não se podendo concluir pela alegada cedência ocasional (ilícita), necessariamente sucumbem as pretensões dos AA, por falta de fundamento para aplicação do disposto no art. 328º nº 1 do CT” e, em termos lógicos, conclui aquele Mmº Juiz, na decisão propriamente dita, pela improcedência das acções e consequente absolvição da R., dos pedidos formulados pelos AA..
E, a verdade, é que os recorrentes não vêm dizer que, atenta a factualidade consignada na sentença, há oposição entre essa factualidade e a decisão.
O que vêm dizer é que a contradição entre a fundamentação e a decisão, consiste em que os “factos” CC e DD, não são factos, mas sim conclusões de direito, devendo considerar-se os mesmos como não escritos nos termos do nº 4 do art. 646º do CPC e que, depois disso, apenas subsistem factos que impõem uma decisão oposta á acolhida naquela mesma sentença.
Ao fim e ao cabo, os recorrentes vêm arguir uma nulidade condicional: se se considerarem os factos CC e DD como não escritos, por serem conclusões de direito, haverá nulidade da sentença porque os factos que ficam, no entender dos recorrentes, imporiam uma decisão oposta à que foi proferida na sentença.
Daqui resulta que a arguida nulidade da sentença, estaria condicionada a duas circunstâncias: considerarem-se os factos CC e DD como conclusões de direito; os factos restantes imporem uma decisão oposta.
Isto implicava que tivessem de analisar-se e decidir-se, primeiro, as demais questões colocadas nesta apelação, para poder concluir pela verificação, ou não, daquela invocada nulidade.
Ora, salvo o devido respeito, isto não faz qualquer sentido, nem tem fundamento legal.
Uma coisa são as nulidades da sentença e outra, bem diversa, são erros de julgamento, da matéria de facto ou da matéria de direito e suas consequências em termos de alteração da decisão recorrida.
As nulidades da sentença têm que ser reais, efectivas. Elas têm que verificar-se independentemente da decisão de outras questões, também colocadas no âmbito do recurso, ou seja, têm que resultar patentes da leitura da sentença, tal como ela foi estruturada pelo juiz que a proferiu – segundo a linha de raciocínio deste.
Se, em face da procedência de outras questões, nomeadamente da alteração da matéria de facto, a decisão já não está de acordo com a factualidade resultante dessa alteração, o que está em causa não é uma nulidade da sentença, mas sim a revogação ou alteração da decisão recorrida, como consequência de eventual erro de julgamento, o que é algo completamente diverso.
In casu, a decisão do tribunal a quo está em perfeita consonância com a matéria de facto consignada na sentença recorrida, pelo que não se verifica a arguida nulidade da al. c) do nº 1 do art. 669º do CPC.
Improcede, assim, esta primeira questão.

Segunda questão
Os recorrentes impugnaram a factualidade consignada como assente na sentença recorrida defendendo, por um lado, que os pontos “CC” e “DD” são conclusões de direito e não factos propriamente ditos, pelo que devem ser considerados como não escritos e, por outro lado, que o ponto “T” deve ser alterado, eliminando-se dele a referência “em paralelo”.
Quanto ao primeiro aspecto, vejamos:
Tal como a jurisprudência vem reconhecendo em múltiplos acórdãos, quer das Relações, quer do STJ (v. g. Ac. do STJ de 08/11/95, in Col.Jur. Ano III, pag. 293; Ac. da Rel. Évora de 06/06/1995, in Col.Jur. de 1995, T. 3, pag. 319 e Ac. desta RL de 22/01/2004, in Col. Jur. 2004, T. I, pag. 79), a distinção entre matéria de facto e matéria de direito é uma questão deveras complexa e delicada, não tendo a linha divisória carácter fixo, antes dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.
E também a doutrina vem fazendo notar essa dificuldade, procurando arranjar índices, ou critérios, que permitam facilitar aquela distinção.
Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pags. 206-207, refere: “a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.
Porém, como aquele ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática.
Na verdade, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.
As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que, tanto integram normas jurídicas, como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.
Antunes Varela (em comentário ao Ac. do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.
Assim se entendeu no acórdão do STJ de 3 de Maio de 2000, publicado no BMJ nº 497, pag. 315, onde se escreveu: “São factos «os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido que seja de uso corrente na linguagem comum, sendo, ainda, factos “as relações jurídicas que sejam elementos da própria hipótese de facto da norma...”
Os juízos de valor continuam, pois, a ser matéria de facto, quando baseados em critérios do homem comum ou mesmo técnico especializado, (não ligado ao mundo do direito).
E no Ac. do STJ de 8/11/95, já supra citado, entendeu-se que como critério geral de distinção «pode dizer-se que é questão de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas»”.
Por sua vez, no Ac. desta Relação de 07/11/07 (proc. 8.624/07-4), disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:
“Se em determinadas situações, de imediato podemos integrar uma determinada afirmação no campo da matéria de direito (v.g. má fé, abuso de direito, culpa, justa causa, imprevidência, diligência do bom pai de família) ou no campo da matéria de facto (v.g. carta postal, edifício, trabalho, actividade), já, com alguma frequência, se suscitam sérias dúvidas quanto ao estabelecimento de uma linha de demarcação entre os dois terrenos nos casos em que as expressões têm, simultaneamente, um sentido técnico-jurídico, de onde o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar e corrente, facilmente captado pelas pessoas comuns (v.g. consentimento; pagar; despedido; trabalhar por conta, sob as ordens e instruções; foi admitido ao serviço; trabalho extraordinário, etc.).
Não é despicienda a opção que o juiz tiver que tomar quanto à integração de determinada expressão ou afirmação no campo da matéria de facto ou na matéria de direito, já que dela pode depender o sucesso ou insucesso da pretensão deduzida pelo autor.
(…) a inclusão daquelas expressões numa ou noutra das categorias dependerá fundamentalmente do objecto da acção
Se o thema decidendum da acção, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente e localizado no significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, insusceptível de ser incluída no despacho de condensação, na matéria de facto assente, ou de fazer parte da base instrutória e de ser objecto de instrução (arts. 508º, n.º 1, al. e), 511º, n.º 1. 513º, 522º, n.º 2, 577º, n.º 1, 623º, n.º 1 e 638º, n.º 1 do CPC) ou de integrar a decisão sobre a matéria de facto (arts. 646º, n.º 4 e 653º, n.º 2 do CPC).
Se pelo contrário, o objecto da acção não girar à volta da resposta exacta que se dê às afirmações feitas pela parte, parece-nos que as referidas expressões (pagar, despedido; trabalhar por conta, sob as ordens e instruções, foi admitido ao serviço, trabalho extraordinário, etc.) e outras de cariz semelhante, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção de meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efectua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se dos textos legais”.

Assim entendido o que seja matéria de facto e matéria de direito, vejamos o caso concreto.
Dizem os recorrentes que os pontos “CC” e “DD” da factualidade dada como assente na sentença recorrida, não integram factos, mas sim conclusões de direito.
E, salvo o devido respeito por entendimento diverso, assiste-lhes razão neste aspecto.
Aqueles pontos têm o seguinte conteúdo:
CC - “Para além da existência daqueles trabalhadores, o R. igualmente apresentava um trabalhador responsável pela coordenação (A... S...), junto da EE PORTUGAL,
DD - “O qual tinha como funções a fiscalização dos demais trabalhadores, sob a sua responsabilidade, bem como responsabilidades inerentes à direcção técnica, funcional e hierárquica dos mesmos, nomeadamente, dos AA.”
Ora, discutindo-se na acção se houve uma cedência ocasional dos AA., por parte da R. à EE e sendo a pedra de toque da cedência de trabalhadores a cisão dos poderes da entidade patronal a favor da entidade beneficiária da actividade, passando para esta o poder de direcção da prestação dos trabalhadores em causa, as expressões contidas naqueles pontos ”responsável pela coordenação” (ponto CC) e ”…tinha como funções a fiscalização dos demais trabalhadores sob a sua responsabilidade, bem como responsabilidades inerentes à direcção técnica, funcional e hierárquica dos mesmos, nomeadamente os AA.”, integram conceitos de direito e/ou matéria conclusiva, passível de deixar parcialmente antecipar, na enunciação da matéria de facto, a resolução jurídica do pleito.
Para integrar aqueles conceitos, seria necessário saber-se em que termos é que aquele outro trabalhador da R. junto da EE (GG), era responsável pela coordenação, ou seja, saber-se o que é que ele coordenava concretamente e de que modo o fazia, nomeadamente em relação á actividade dos AA..
Tal como era necessário saber em que termos é que ele fiscalizava os outros trabalhadores, concretamente os AA.; em que termos estes estavam sob a sua responsabilidade e que responsabilidades concretas esse trabalhador tinha, de modo a poder concluir-se que elas eram “inerentes á direcção técnica, funcional e hierárquica, relativamente aos AA., ou seja, quais as concretas instruções que, através daquele seu trabalhador, eram dadas pela ré aos AA. e em que é que se traduzia aquela “coordenação”, “fiscalização” e “direcção técnica, funcional e hierárquica” dos AA..
Neste contexto e atento o disposto no art. 646º, nº 4 do CPC, dão-se como não escritos aqueles pontos “CC” e “DD”, da factualidade consignada na sentença, tornando-se inútil a análise do que é que as testemunhas disseram sobre esses pontos.

Quanto ao segundo aspecto da impugnação sobre a matéria de facto, vejamos:
Defendem os recorrentes que a redacção do ponto “T” deve ser alterada, dele se retirando a expressão “em paralelo” (conclusão 16) e consignando-se que os turnos eram organizados pela EE.
Na conclusão 17, dizem ainda os recorrentes que o mesmo ponto “T” deve também ser alterado no que às ordens e instruções respeita.
Aquele ponto “T” tem a seguinte redacção:
“Durante o período de tempo em que exerceram as funções acima referidas, os AA. prestaram esse trabalho nas instalações da EE Portugal, fazendo-o integrados em turnos, das 08h00 às 16h00, das 16h00 às 24h00 e das 24h00 às 08h00, em paralelo com os turnos praticados pelo trabalhadores da EE; por vezes, cerca de duas a três vezes por semana, recebiam instruções dos encarregados de turno da EE para irem buscar vidro ao armazém, ou para abastecerem as linhas de água, ou para irem buscar moldes, ali designados por "gabarits".

Nem nas conclusões, nem mesmo nas alegações, os recorrentes indicam qual seria, no seu entender, a redacção final que devia ser dada àquele ponto “T”.
O que referem é que devia eliminar-se dele a expressão “em paralelo” (conclusão 16) e, nas alegações, concretamente a fls. 325 dos autos, dizem que, atentos os depoimentos das testemunhas que indicam anteriormente, devia consignar-se nesse ponto que, “…para além de duas ou três vezes por semana os AA. recebem instruções dos encarregados da EE, para irem buscar vidro ao armazém, abastecendo as linhas de água ou para irem buscar gabarits, igualmente receberiam ordens para etiquetar os contentores e, quando havia mudanças de modelo, irem buscar o tipo de vidro que aqueles mesmos Encarregados lhe indicavam, os Recorrentes diariamente recebiam instruções das Encarregados da S... para carregarem e descarregarem vidro”.
Ora, não se percebe (os recorrentes não o dizem), a que facto ou factos, que hajam sido alegados pelas partes e vertidos na base instrutória, os recorrentes vão buscar aquele acrescento que pretender ver introduzido no ponto “T” e que é: “igualmente recebiam ordens para etiquetar os contentores e, quando havia mudanças de modelo, irem buscar o tipo de vidro que aqueles mesmos Encarregados lhe indicavam, os Recorrentes diariamente recebiam instruções das Encarregados da EE para carregarem e descarregarem vidro”.
Não pode alargar-se a redacção de um facto à matéria que os recorrentes entendem, só porque isso lhes dá jeito, atenta a sua pretensão jurídica. Há que respeitar a estrutura e limites do sentido de cada facto integrado na base instrutória, pois esta delimita o objecto da discussão na audiência de julgamento.
Aquele acrescento é, um bom rigor, um facto diverso, que não consta da base instrutória e nem foi alegado pelos AA..
Assim, não podem os mesmos pretender agora que aquele facto diferente, seja “metido à pressão” num outro facto, que tem um sentido específico, sentido esse que tem de ser respeitado.
Quanto à expressão “em paralelo” que os recorrentes pretendem que seja retirada daquele facto “T”, os mesmos não dizem qual a relevância prática dessa sua pretensão.
Seja como for, depois de ouvirmos a gravação dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos recorrentes, concluímos que não há fundamento para alterar aquele facto “T”, tendo toda a razão de ser a resposta dada ao mesmo pelo Mmº Juiz a quo.
Antes de mais, cabe referir que os recorrentes, na fundamentação da sua discordância com a convicção daquele Mmº Juiz, não transcrevem nas alegações, a parte completa dos depoimentos das ditas testemunhas relativamente ao facto em causa, mas apenas expressões desgarradas que, assim, ficam descontextualizadas, não transmitindo o sentido real do depoimento, sendo que, como resulta das próprias transcrições dos recorrentes nas alegações (fls. 321 e segs.), algumas dessas testemunhas se referiram àquele facto com expressões como “penso eu que” (testemunha PM); “possivelmente era …” (AJVB).
Por outro lado, além dos depoimentos em causa estarem muito longe de serem seguros e coerentes sobre aquele ponto, cumpre realçar que duas das testemunhas indicadas para impugnar aquele facto (CC e DD), são dois dos três autores aqui recorrentes, que foram indicados como testemunhas uns dos outros, pelo facto de terem instaurado acções separadas (proc. nº 520/08.9TTLTS; proc. Nº nº 522/08.5TTLRS e proc. nº 524/08.1TTLRS), as quais foram posteriormente apensadas.
E as testemunhas também indicadas APN e PSC, embora não sejam AA. nesta acção, também foram trabalhadores da R. nas mesmas circunstâncias e são AA. em acções propostas contra a mesma R., com fundamentos e pedidos idênticos, pelo que todos têm interesse em determinada versão dos acontecimentos.
Por tudo o exposto, não há fundamento para concluir ter sido cometido no tribunal recorrido, qualquer erro de julgamento relativamente ao ponto “T” da factualidade consignada na sentença, pelo que não há que alterar a redacção do mesmo, nomeadamente, no sentido pretendido pelos recorrentes.


Terceira questão
Nas conclusões 19 e 20, dizem os recorrentes, em jeito de síntese:
“0 poder de direcção sobre os Recorrentes ao longo dos mais de cinco anos em que perdurou a sua prestação de actividade ao serviço da Recorrida, era exercido, não por esta, mas pela EE, em cujas instalações sempre aqueles trabalharam.
A cisão dos poderes patronais é a pedra de toque da cedência ocasional de trabalhadores sendo que "in casu", o poder de direcção da prestação dos Recorrentes pertencia à entidade beneficiária da sua actividade, a EE, mantendo a Recorrida o poder disciplinar e o demais integrante do estatuto de empregador.”

Entendem, pois os recorrentes que se verifica, in casu, uma situação de cedência ocasional de trabalhadores, concretamente dos AA. aqui recorrentes, pelo que estes têm direito às diferenças de remunerações peticionadas nestes autos, atento o disposto no art. 328, nsº 1 e 2 do CT de 2003 e art. 21º da LTT (conclusão 22).
Vejamos se lhes assiste razão:
Em princípio, nada obsta a que uma empresa possa enviar os seus trabalhadores para prestarem a sua actividade laboral nas instalações de outra empresa, continuando esses trabalhadores subordinados, em termo de facto e de direito, à empresa que é a sua entidade empregadora, situação que acontece a cada passo, em sectores diversos, no âmbito de contratos de prestação de serviço, em que o trabalhador, em vez de prestar a sua actividade nas instalações da sua entidade patronal, vai prestá-la nas instalações de outra entidade, singular ou colectiva, mas permanecendo totalmente sujeito ao poder de direcção e organização do serviço do seu empregador, o qual mantém, em exclusivo, todos os seus poderes relativamente ao trabalhador em causa.
Situação diferente desta, ocorre quando o trabalhador presta a sua actividade nas instalações de outra empresa e, embora continue a ser remunerado pela sua entidade patronal e sujeito ao poder disciplinar da mesma fica, quanto à organização e execução da sua prestação laboral, subordinado às ordens e direcção da empresa à qual presta o seu trabalho.
Estas situações em que se verifica uma cisão dos poderes do empregador caracterizam, quer o contrato de trabalho temporário (CTT), quer a cedência ocasional de trabalhadores, que são formas atípicas de prestação laboral, em relação ao contrato de trabalho em que o trabalhador presta a sua actividade apenas à entidade que o contratou.
Como diz Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 14º Ed. Maio de 2009, pag. 168), também citado na sentença recorrida, “Independentemente da estrutura contratual correspondente a cada uma das suas modalidades e apesar de elas terem hoje sedes legais distintas, o trabalho temporário tem características que permitem considerá-lo de forma unitária. (…) O aspecto central consiste na cisão da prestação contratual do empregador: a direcção e organização do trabalho pertencem ao utilizador (modo, lugar, duração do trabalho e suspensão do contrato) e o trabalhador deve obediência aos dispositivos prescrições de higiene, segurança e saúde no trabalho, assim como de acesso aos equipamentos sociais da empresa utilizadora, mas as obrigações contratuais (nomeadamente as remuneratórias), os encargos sociais e, inclusivamente, o exercício do poder disciplinar, pertencem à entidade que é parte no contrato de trabalho temporário; a empresa cedente”.
À data da contratação dos AA. pela R. (início de 2002), tanto o trabalho temporário como a cedência de trabalhador, eram regulados no DL nº 358/89 de 17 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nºs 39/96, de 31 de Agosto e, depois, pela Lei nº 146/99 de 01 de Setembro, passando a ser regulados em 01/12/2003, pelo CT de 2003, com a entrada em vigor da Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, regime este vigente até ao final da relação laboral entre os AA. e a R., em Julho de 2007.
O trabalho temporário é, pois, uma modalidade atípica da prestação de trabalho, que se caracteriza pela cisão operada no estatuto do empregador. A direcção e organização do trabalho pertencem ao utilizador, enquanto que as obrigações contratuais, v.g. as remuneratórias, os encargos sociais, e o exercício do poder disciplinar, pertencem à cedente – entidade patronal do trabalhador.
Nestas situações, a posição contratual da entidade patronal é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros de pessoal, mas que ocupa, sob a sua autoridade e direcção), caracterizando-se, pois, esta particular forma de trabalho, pela cisão ou partilha entre duas entidades distintas - a ETT e o Utilizador - da posição jurídica usualmente na titularidade de um único sujeito.
Quer na figura jurídica do trabalho temporário, quer na da cedência ocasional de trabalhador, existe uma relação triangular, considerando os sujeitos intervenientes, que tem como vértices, a empresa cedente (entidade patronal); o trabalhador e o utilizador.
Esta relação triangular, assenta juridicamente em dois contratos que, embora interligados, são perfeitamente distintos e autónomos - um contrato de trabalhado celebrado entre o empregador (cedente) e o trabalhador e um contrato celebrado entre o cedente e o utilizador, através do qual o primeiro (cedente) se obriga, mediante retribuição, a colocar à disposição do segundo (cessionário), um ou mais trabalhadores temporários.
No caso concreto destes autos, está em causa averiguar se ocorreu uma cedência de trabalhadores – concretamente dos autores/recorrentes, por parte da R. à EE.
A cedência ocasional de trabalhadores não estava definida no Dec-Lei nº 358/89, mas era regulamentada nos art.s 26º a 30º desse diploma legal.
A noção de “CEDÊNCIA OCASIONAL” veio a ser dada pelo CT de 2003, no seu art. 322º, que dispõe: “A cedência ocasional de trabalhadores consiste na disponibilização temporária e eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial”, noção esta que é mantida, nos seus traços essenciais, pelo art. 288º do CT de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro.
A cedência ocasional de trabalhador é, pois, a disponibilização de um ou mais trabalhadores, por parte de uma empresa a outra, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo do vínculo contratual inicial ou, por outras palavras, o negócio através do qual uma empresa cede provisoriamente a outra, um ou mais trabalhadores, conservando o vínculo jurídico-laboral que com eles estabeleceu, caracterizando-se, portanto, a situação jurídica em causa, pela cisão dos poderes próprios do empregador - o trabalhador presta a sua actividade sob as ordens e direcção do cessionário, mas o titular do poder disciplinar continua a ser o cedente, que mantém a qualidade de empregador, remunera o trabalhador e suporta os respectivos encargos sociais (Acs. do STJ de 10/09/2008 e de 14/05/2009, ambos em www.dgsi.pt).
Terminada a cedência, a posição jurídica do empregador volta a expandir-se, integrando o poder de organização e direcção da prestação do trabalho de que, temporariamente, se despojara em favor do utilizador.
O Dec-Lei nº 358/89 já supra citado, em vigor à data da contratação dos AA. pela R., estabelece no seu art. 26º nº 1, o princípio geral de que é proibida a cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio, para utilização de terceiros, que sobre esses trabalhadores exerçam os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora e, no nº 2 do mesmo artigo enumerar as situações não abrangidas por aquela proibição de cedência:
a) em situação de formação profissional, nos termos da al. a) do referido preceito;
b) em ambiente de grupo, nos termos da al. b);
c) quando a cedência esteja regulamentada em Instrumento de Regulamentação Colectiva de trabalho, nos termos da 1ª parte da al. c);
d) e nos casos previstos nos art. 27º e seguintes do referido diploma.
Assim, fora dos casos previstos nas al. a) e b) desse art. 26º e da cedência prevista nos instrumentos de regulamentação colectiva, situações que não se verificam nos presentes autos, de acordo com as disposições conjugadas do nº 1 e nº 2 do art. 27º a cedência ocasional de trabalhadores só é lícita se se verificarem cumulativamente as seguintes condições: a) o trabalhador cedido estiver vinculado por contrato de trabalho sem termo; b) a cedência se verificar no quadro de colaboração entre empresas jurídica e financeiramente associadas ou economicamente interdependentes; c) existência de acordo do trabalhador a ceder, exarado nos termos do nº 2 do artigo seguinte (o qual refere que o documento só torna a cedência legítima se contiver a concordância do trabalhador).
O nº 2 do art. 27 refere que a condição de licitude estabelecida na al. b) do número anterior não é exigida se a empresa cedente for empresa de trabalho temporário, do que resulta, inequivocamente, que a celebração de um contrato de cedência ocasional de trabalhadores (fora do caso referida na al. b) do art. 27), só pode ser celebrada validamente, com uma empresa de trabalho temporário, sendo ainda necessário que o trabalhador esteja vinculado a essa empresa por contrato de trabalho sem termo e que haja acordo escrito do trabalhador.

Assim entendido o conceito e âmbito jurídico da cedência ocasional de trabalhador, vejamos o caso concreto destes autos.
Os AA., aqui recorrentes, fundamentaram os seus pedidos na alegação de que foram cedidos pela R. à EE, razão pela qual, nos termos do art. 328º, nº 1 do CT de 2003, têm direito à retribuição mínima estabelecida pelo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável à empresa cessionária, que era superior à fixada pelo instrumento colectivo aplicável à cedente. Em função disso, peticionam as diferenças que entendem serem-lhe devidas.
Por sua vez a R., sustenta que não houve qualquer cedência dos AA. à EE. Que os mesmos apenas prestaram a sua actividade nas instalações desta empresa no âmbito de um contrato de prestação de serviços que a R. com ela celebrou em Janeiro de 2002.
Portanto, esta acção só poderia proceder se os AA. tivessem alegado e provado factualidade da qual se pudesse concluir que existiu a cedência ocasional em que baseiam a sua pretensão.
Era, pois, sobre os AA. que impendia o ónus de alegação e prova de tal factualidade (art. 342º nº 1 do CC), não fazendo sentido os recorrentes dizerem na conclusão 10, que a recorrida não provou que o GG era o “responsável pela coordenação”, que “tinha como funções a fiscalização bem como responsabilidades inerentes à direcção técnica, funcional e hierárquica” dos Recorrentes, não tendo provado factos que permitam formular esses juízos conclusivos.
É certo que os pontos da matéria de facto “CC” e “DD”, dados como assentes na sentença recorrida, foram considerados como não escritos, por serem expressões de direito e/ou conclusivas conforme decidimos na 2ª questão tratada neste acórdão.
Mas, também é certo, que não era à R. que cabia provar que não existiu cedência ocasional dos AA. à EE.
Como bem se refere na sentença recorrida (fls. 301 dos autos), a demonstração da alegada cedência ocasional dependia, essencialmente, da alegação e prova, de que os trabalhadores prestavam a sua actividade sob as ordens e direcção da EE, recaindo esse ónus sobre os AA., que vieram reclamar direitos decorrentes dessa invocada cedência ocasional.
Conforme também se diz naquela sentença, “… tal como a acção foi configurada pelos AA., a cedência constitui o fundamento das pretensões por eles deduzidas em juízo (art. 342.º, n.º 1, do CC)”.
Portanto, independentemente da prova que a R. haja, ou não, feito no sentido de que não existia cedência ocasional, o que importa saber é se os AA., aqui recorrentes lograram alegar e provar factos de que possa concluir-se que existia tal cedência.
Ficou realmente provado que os AA., trabalhadores da R., exerceram a sua actividade, desde o início de 2002, até Julho de 2007, nas instalações da EE.
Porém, conforme resulta do que supra deixamos exposto, não basta que trabalhadores de uma empresa prestem a sua actividade nas instalações de uma outra empresa, para que se verifique uma situação de trabalho temporário, ou de cedência ocasional de trabalhador, pois isso acontece com a maior frequência no âmbito de contratos de prestação de serviços de uma empresa a outra, exercendo a entidade patronal todos os seus poderes, nomeadamente de organização e direcção da prestação do trabalho.
O que importa, in casu, é saber se da factualidade provada, pode retirar-se que houve uma cisão dos poderes da R., enquanto entidade patronal dos AA., a favor do EE, ou seja, se era esta última quem exercia a direcção e organização do trabalho dos autores/recorrentes e se, de algum modo, os mesmos estavam integrados na estrutura organizativa dessa empresa.
Ora, analisando a matéria de facto consignada na sentença recorrida (tendo em conta que os pontos “CC” e “DD” foram considerados não escritos), não logramos dela retirar qualquer factualidade que, com o mínimo de segurança, demonstre que existia a cedência ocasional invocada pelos recorrentes.
Desde logo, não se verificam os requisitos estabelecidos no art. 27º do Dec. Lei nº 358/89, já supra citado e vigente á data da celebração do contrato entre os AA. a R., para a cedência ocasional lícita de trabalhadores: os AA. celebraram um contrato a termo incerto quando ali se exige que o trabalhador esteja vinculado por contrato sem termo; os AA. não alegaram nem provaram ter acordado na invocada cedência; não alegaram nem provaram entre a R. e a EE haja sido celebrado qualquer contrato de cedência ocasional e a R. não é uma empresa de trabalho temporário.
Mesmo em termos de cedência ilícita, era indispensável que os autores/recorrentes tivessem alegado e provado factos de que pudesse concluir-se pela verificação de uma cisão dos poderes da R., EE ou seja, que demonstrassem que os AA. estavam integrados na estrutura organizativa desta última; que era ela (EE) quem detinha e exercia a direcção e organização do seu trabalho, definindo o modo de execução de todas as funções que os AA. prestavam.
A verdade é que isso não resulta da factualidade provada.
O que dali resulta, é que, em Janeiro de 2002, a R. celebrou com a EE um contrato de prestações de serviços, para movimentação de cargas nas instalações desta, designadamente, nos sectores laminado e temperado (facto AA), comprometendo-se nesse contrato a colocar na EE profissionais competentes para o desempenho desses serviços, cumprindo relativamente aos mesmos,”todas as obrigações legais que lhe são impostas como entidade patronal” (facto BB); também no início de 2002, a R. celebrou com os AA. contrato de trabalho a termo incerto (factos A, B e N), pelo tempo necessário à movimentação de cargas na EE (facto D); os AA. exerceram, efectivamente, funções de operadores de empilhador EE desde Janeiro de 2002, funções esses que consistiam, fundamentalmente, em movimentação de cargas de vidro e despejo de casco (facto S), mantendo-se os contratos entre os AA. e a R. até Julho de 2007 (facto R), sempre tendo sido a R. quem lhes pagou as remunerações (factos E, L, O, e P); foi a R. quem definiu o local da prestação de trabalho, a actividade dos AA. e o modo da sua execução (factos C, S, T, U, X e V).
Como se refere na sentença recorrida (fls. 303 dos autos), um único facto poderia, eventualmente, constituir um leve indício daquele cedência – o facto “T” na parte que refere que, por vezes, cerca de duas ou três por semana, os AA. recebiam instruções dos encarregados de turno da EE para irem buscar vidro ao armazém ou para abastecerem as linhas de água, ou para irem buscar moldes designados por “gabarits”.
Porém, este mero indício, só por si e considerado no contexto geral de toda a prova, não pode deixar de ser tido como manifestamente insuficiente para poder dar-se como verificada a existência de cedência ocasional de trabalhadores.
Daquelas meras instruções pontuais, não pode concluir-se que era a EE quem exercia os poderes de direcção e programação da actividade dos AA..
Pelo contrário, ficou provado (facto X não impugnado pelos recorrentes), que “Foi a R. quem definiu a actividade que os AA. iriam desempenhar e o local da prestação da mesma”.
Neste contexto, bem andou o tribunal a quo, ao considerar não provada a invocada cedência ocasional dos AA. à EE e, consequentemente, ao julgar as acções improcedentes, absolvendo a R. dos respectivos pedidos.
*

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos autores/recorrente.
*
Lisboa, 12 de Janeiro de 2011

Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas
Decisão Texto Integral: