Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10099/06-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: JULGAMENTO
FALTA DE ADVOGADO
MANDATO
RENÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - No caso em apreço seriam aplicáveis os artgs. 651.º, n.º 1, als. c) e d), e 155.º, todos do CPC, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 183/2000, de 10/08.
Sendo assim, uma vez que o Senhor Juiz do Tribunal a quo determinou que a notificação da data do julgamento respeitasse o estipulado no art.º 155.º, n.º 1, do CPC (não tendo as partes apresentado quaisquer obstáculos à data avançada pelo tribunal), verifica-se que a falta de mandatário à audiência não constituía motivo legal para a mesma ser adiada, à luz do disposto na al. c) do n.º 1, do art.º 651.º do CPC.
II - O simples facto de um mandatário renunciar ao mandato, não implica nem a automática eficácia da mesma, nem constitui fundamento autónomo para qualquer adiamento.
(S.P.)
Decisão Texto Integral: 17



Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO

Companhia de Seguros instaurou acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra FNS, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de Esc. 367.876$00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos no montante de Esc. 172.442$00 e vincendos até integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido, a Autora alegou, em síntese, que no âmbito da sua actividade celebrou com a Ré um contrato de seguro de acidentes pessoais e que esta não pagou o respectivo prémio de seguro correspondente ao risco assumido por aquela, no montante total de Esc. 367.876$00.
A Ré contestou, alegando que não celebrou com a Autora o contrato de seguro referido na p.i., pelo que não lhe deve a quantia peticionada.
A Ré requereu o chamamento à C, mas esta não aceitou o chamamento, tendo contudo requerido a intervenção como assistente.
Foi proferido despacho saneador e organizada a especificação e o questionário, que não foram objecto de reclamação.
A inicial mandatária da Ré renunciou ao mandato que esta lhe havia conferido, sendo que na sequência desse facto veio a Ré requerer o adiamento da audiência de julgamento que se encontrava marcada, dado entender que na data agendada ainda se encontrava em curso o prazo para constituir mandatário.
Por despacho de 28/10/2003 (fls. 128) indeferiu-se tal pedido de adiamento por não ter cobertura legal.
Inconformada com tal despacho, veio a Ré recorrer do mesmo, tendo apresentado as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) Do ponto 1 conclui-se que, a Ré foi notificada da renúncia ao mandato da sua mandatária em 28.10.03;
b) Dos pontos 2 e 5 conclui-se que o processo em causa, porque instaurado em Maio de 1995 e em conformidade com o preceituado no art.° 16.° do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro, deve reger-se pelas disposições do C. P. Civil criado pelo DL 44129/61, seguindo a forma de processo sumário e sendo obrigatória a constituição de mandatário;
c) Dos pontos 3 a 4 conclui-se que, face à renúncia de mandato notificada e ao agendamento da audiência de julgamento para o dia seguinte ao da citada notificação, solicitou a Ré o adiamento da audiência de julgamento, pretensão que foi indeferida com fundamento no n.° 2 do art.° 39.° do C. P. Civil anterior ao vigente;
d) Dos pontos 6 a 8 conclui-se que, a falta de mandatário constitui causa de adiamento da audiência, alínea c), n.° 1 do art.º 651.° do C. P. Civil, em vigor à altura da instauração do processo, podendo tal impedimento ser comunicado ao Tribunal pela parte, como ocorreu;
Nestes termos, nos melhores de direito e com o mui sempre douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser aceite, e dada como provada a matéria nele contida determinar-se a revogação da decisão proferida, com a consequente anulação da audiência de julgamento realizada.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do ritualismo legal, sendo que as respostas à matéria quesitada, não foram alvo de reclamações.
Foi proferida sentença, a qual julgou a acção procedente, tendo condenado a Ré a pagar à Autora o peticionado.
Inconformada, veio a Ré recorrer de tal sentença, tendo apresentado as suas alegações de recurso, nas quais verteu as seguintes conclusões:
1. Dos pontos 1 e 2 conclui-se que, contrariamente ao entendimento do douto Tribunal "a quo", nunca existiu qualquer contrato de seguro celebrado entre A. e R.;
2. Dos pontos 3 a 8 conclui-se que, os documentos juntos à p.i. com os n.°s 1, 5 e 6, e com os quais a A. pretende vincular a R. à apólice por si emitida, não são mais do que impressos da empresa aqui A. e da "C", esta intermediária ou correctora nas operações de angariação de seguros, preenchidos e assinados presumivelmente por alguém pertencente a tais empresas, porque proprietárias de tais documentos que não por funcionários da R., encontrando-se o documento 6 assinado de modo ilegível, não podendo vincular a R. não só porque tal assinatura não pertence a ninguém dos seus quadros, mas também pelo facto de a R. se obrigar através de duas assinaturas de membros da Direcção, autenticadas com o recurso à aposição do carimbo a óleo ou ao selo branco em uso naquela Confederação, e que não consta de tal documento.
3. Dos pontos 9 a 10 conclui-se que, apesar de todos os documentos carreados para o processo serem originários da "C", e de nenhum se encontrar subscrito pela Ré, estranha-se que aquela empresa se tenha recusado a aceitar o chamamento à autoria requerido pela Ré, o que permite no mínimo considerar estranha toda a sua intervenção neste processo, do qual obviamente auferiu lucros como mediadora;
4. Dos pontos 11 a 14 conclui-se que, de todo o processo ressalta o envolvimento total e exclusivo da A. com a "C", sendo a R. totalmente alheio ao mesmo, estranhando-se que a A. tenha considerado válida a proposta apresentada pela "C" em nome de terceiros, aqui a R., sem se certificar se a mesma se encontrava autorizada a negociar em nome daquela, sendo que a prática de tais actos sem consentimento são passíveis de procedimento criminal;
Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a Vossas Excelências que seja dado provimento ao presente recurso, determinando-se,
a revogação da sentença recorrida e a consequente absolvição da Ré, em virtude da mesma nada ter acordado e subscrito com a A., e portanto, de nada lhe ser devedora.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Questões a conhecer

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pela recorrente, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC.
No caso, havendo a registar um recurso de agravo que subiu com a apelação, há que dar cumprimento ao disposto no art.º 710.º, n.º 1 do CPC e, assim, conhecer-se-á aquele primeiramente.

A – Agravo do despacho de 28/10/2003 (fls. 128) – Indeferimento do pedido de adiamento da audiência de discussão e julgamento.
B – APELAÇÃO – Inexistência de contrato de seguro entre A. e R.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Na sentença recorrida foram os seguintes os factos dados por provados:
1. Em 28 de Novembro de 1991, a Autora - Companhia de Seguros, emitiu a apólice, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (doc. de fls. 35), relativo a seguro de acidentes pessoais.
2. Em 14 de Março de 1991, a Autora recebeu da C - ., um fax solicitando a emissão de uma apólice de acidentes pessoais em nome da Ré, para garantir os formandos de vários cursos que a Ré iria levar a efeito, nos termos e condições descritas nesse mesmo fax - cuja cópia se encontra junta com a p.i. como doc. nº 1.
3. De igual modo, a C enviou à Autora as listagens dos formandos que deveriam ficar abrangidos pelo contrato de seguro e que lhe haviam sido enviadas pela Ré - cujas cópias se encontram juntas com a p.i. como doc. nºs 2 e 3.
4. Porque a Ré não se encontrava na posse de qualquer documento assinado pela Ré manifestando a intenção de contratar o seguro, solicitou por diversas vezes à C que lhe enviasse tal documento a fim de formalizar o contrato e proceder à emissão da apólice.
5. O que veio a confirmar por fax de 12 de Outubro de 1991 que dirigiu à referida C - cópia junta com a p.i. como doc. nº 4.
6. Tendo em 15 de Novembro de 1991 recebido da C uma carta a acompanhar uma proposta assinada em nome da Ré, e que lhe havia sido enviada pela Ré, relativa ao seguro dos autos - documentos nºs 5 e 6 juntos com a p.i..
7. No dia da emissão da apólice, a Autora enviou à Ré um aviso postal comunicando-lhe que até ao dia 12 de Dezembro de 1991 deveria ser pago o prémio de Esc. 367.876$00 relativa à referida apólice.
8. A pedido da C, a F remeteu-lhe listagens dos formandos inscritos em 2 cursos de formação profissional a ministrar pela Ré.
9. Por volta de Março/Abril de 1992, a Ré F recebeu carta da Autora exigindo o pagamento do prémio referente à apólice mencionada em 1..

2. De direito

Passemos agora a apreciar os dois recursos e as questões neles suscitadas:

A – Agravo do despacho de 28/10/2003 (fls. 128) – Indeferimento do pedido de adiamento da audiência de discussão e julgamento

Entende a recorrente que o Senhor Juiz não poderia ter-lhe indeferido o pedido de adiamento da audiência de julgamento, dado que na sua óptica, ao presente processo - intentado antes da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 329-A/95 de 12/12 – eram-lhe aplicáveis as normas do Dec.-Lei n.º 44.129/61 (por via do disposto no art.º 16.º do apontado Dec.-Lei n.º 329-A/95), logo, a falta de mandatário constituía fundamento de adiamento do julgamento.
Para a apreciação deste agravo, torna-se necessário elencar alguns factos que lhe estão subjacentes. Assim:
a) Por despacho de 23/06/2003 (fls. 113), designou-se o dia 29/10/2003, pelas 14,00h para a realização do julgamento nos autos a que este recurso respeita, tendo-se determinado e concretizado a notificação dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 155.º, n.º 1, do CPC, sendo certo que os mesmos nada disseram;
b) Em 13/10/2003, deu entrada em Tribunal um requerimento em que a inicial mandatária da Ré, Dr.ª M T P, renunciou ao mandato que aquela lhe havia conferido (fls. 120);
c) No dia 21/10/2003, foi proferido o seguinte despacho:
Fls. 114: Não tendo a Ré pago o preparo para despesas, de harmonia com o disposto no art.º 45.º, n.º 1, al. c) do Código das Custas Judiciais, as testemunhas que arrolou não serão notificadas para comparecer na audiência de julgamento.
Fls. 120: Notifique a mandante e a parte contrária da renúncia ao mandato por parte da Sr.ª Dr.ª M T P, nos termos do disposto no art.º 39.º, n.º 1, do C.P.C. (versão anterior).
Desde já se advertem as partes de que se mantém a data designada para a audiência de julgamento.
d) No dia 28/10/2003, a Ré apresentou requerimento em que invocando o facto de, no seu entender, estar a decorrer prazo para constituir novo mandatário, solicitava o adiamento da audiência de discussão e julgamento (fls. 126-127).
e) Nesse mesmo dia (28/10/2003) foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento de fls. 126:
a) Aos presentes autos é aplicável o artigo 39.°, n.° 2, do CPC, na sua versão anterior, como muito bem refere a Ré.
Porém, a Ré somente destaca a 1.ª parte da referida norma, esquecendo o que se diz na 2.ª parte.
Dispõe assim o referido preceito:
"os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da data da junção ao processo da certidão da notificação, salvo nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, porque nestes a renúncia só produz efeito depois de constituído novo mandatário".
Por conseguinte, no caso dos autos, sendo obrigatória a constituição de mandatário a renúncia ainda não produziu efeito, pois a Ré ainda não constituiu mandatário. Só quando a Ré constituir advogado é que a renúncia produzirá efeito, cessando o mandato conferido à Sr.ª Dr.ª M T P.
E repare-se que só no caso de haver demora na constituição de novo advogado é que a referida mandatária pode requerer (o que até ao momento não fez) que à Ré seja fixado prazo para esse fim, findo o qual (e só então), sem a parte ter provido, considerar-se-á extinto o mandato - art. 39.°, n.° 3, do CPC (n.r.).
Em suma: não obstante a referida Sr.ª Advogada ter apresentado renúncia do mandato, este mantém-se, com todos os efeitos daí advenientes.
b) A audiência de julgamento só pode ser adiada nos estritos termos previstos no art. 651.°, n.° 1, do CPC.
A situação invocada não se enquadra em nenhum dos casos referidos naquela disposição.
Aliás, o Tribunal teve o cuidado de advertir expressamente as partes, no final do despacho de fls. 121, para o facto de se manter a data designada para a audiência de julgamento.
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se o requerimento apresentado pela Ré.
Notifique.”
f) No dia 29/10/2003, realizou-se a audiência de discussão e julgamento na qual não esteve presente nem a mandatária que a Ré inicialmente constituíra (Senhora Dr.ª M T P) nem qualquer outro advogado que a Ré entretanto constituísse como seu mandatário.

Cumpre decidir.
Sustenta a agravante que o Senhor Juiz terá violado o disposto no art.º 651.º, n.º 1, al. c) do CPC, na redacção anterior ao Dec.-Lei n.º 329-A/95 de 12/12, dado a acção ter sido interposta em 28/03/1995, pelo que por via do disposto no art.º 16.º desse Dec.-Lei, o mesmo não lhe seria aplicável.
Afigura-se-nos não assistir razão à recorrente.
O citado art.º 16.º do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, referia que o diploma entrava em vigor em 1/03/1996 e só se aplicava (no que ao normativo em causa interessa – art.º 651.º) aos processos iniciados após tal data.
No âmbito desse diploma, a al. c) do n.º 1, do art.º 651.º, mantinha a redacção então vigente, o que vale por dizer que considerava como fundamento de adiamento a falta de advogado, apenas determinando que se comunicasse tal falta ao mandante a fim de que este, sentindo-se lesado e querendo, pudesse participar tal falta à Ordem dos Advogados.
A este diploma sucedeu o Dec.-Lei n.º 180/96, de 25/09, que veio dar nova redacção não só à apontada al. c), do n.º 1 do art.º 651.º do CPC, como também ao art.º 16.º do Dec.-Lei n.º 329.º-A/95.
No tocante à alínea c), apenas se adiantou que deveria desde logo marcar-se nova data para a audiência não estando tal marcação sujeita á obrigação de cumprimento do disposto no art.º 155.º do CPC.
Quanto ao art.º 16.º, há que conjugá-lo com o art.º 20.º de tal diploma, donde resulta que o mesmo só entraria em vigor em 1/01/1997, sendo de aplicação imediata quanto a certas questões, designadamente nas respeitantes a adiamentos de actos ou audiências com fundamento na referida al. c) do n.º 1, do art.º 651.º do CPC, desde que a marcação dos mesmos tivesse respeitado o estipulado no art.º 155.º desse diploma legal.
Subsequentemente, foi publicado o Dec.-Lei n.º 183/2000, de 10/08, que trouxe nova redacção à al. c) do n.º 1, do art.º 651.º do CPC, estipulando que a audiência só dará lugar a adiamento “se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do art.º 155.º, e faltar algum dos advogados”.
Por seu turno a al. d) desse mesmo preceito legal (na redacção deste Dec.-Lei) prevê a possibilidade de adiamento com fundamento na falta de advogado desde que o mesmo tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do disposto no art.º 155.º, n.º 5.
Ora, o art.º 7.º, n.º 9 desse Dec.-Lei (183/2000) refere que “a lei nova é imediatamente aplicável às causas de adiamento das audiências”, sendo que o art.º 8.º refere que tal diploma “entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001”.
Tendo presente esta sucessão de leis no tempo e os normativos inerentes à sua aplicação, bem como a circunstância do despacho que designou a data para o julgamento ter sido proferido em 23/06/2003 (fls. 113), há que concluir que ao caso seria aplicável o disposto nos apontados artgs. 651.º, n.º 1, als. c) e d), e 155.º, todos do CPC, na redacção dada por tal Dec.- -Lei n.º 183/2000, de 10/08.
Sendo assim, uma vez que o Senhor Juiz do Tribunal a quo determinou que a notificação da data do julgamento respeitasse o estipulado no art.º 155.º, n.º 1, do CPC (não tendo as partes apresentado quaisquer obstáculos à data avançada pelo tribunal), verifica-se que a falta de mandatário à audiência não constituía motivo legal para a mesma ser adiada, à luz do disposto na al. c) do n.º 1, do art.º 651.º do CPC.
Por outro lado, não vemos também que tal falta, nos termos em que ocorreu, preencha a previsão da al. d) desse n.º 1 do art.º 651.º do CPC.
Com efeito, a mandatária faltou, mas não comunicou a impossibilidade da sua comparência e as circunstâncias impeditivas da sua presença passíveis de determinar o adiamento do julgamento marcado (art.º 155.º, n.º 5). Do processo consta tão só o requerimento de fls. 126-127, subscrito pela própria Ré (não pela sua mandatária) e apresentado no dia 28/10/2003, em que invocava o facto de, no seu entender, estar a decorrer prazo para constituir novo mandatário, solicitando por isso o adiamento da audiência de discussão e julgamento.
Como foi referido no despacho agravado, não existia nem foi invocado qualquer fundamento legal que permitisse o adiamento da audiência.
Saliente-se ainda que o simples facto de um mandatário renunciar ao mandato, tal não implica nem a automática eficácia da mesma, nem constitui fundamento autónomo para qualquer adiamento. Neste particular deixamos aqui exarada a posição assumida pelo Senhor Juiz do tribunal a quo, a qual é suficientemente clara e esclarecedora quanto ao regime legal da renúncia:
“a) Aos presentes autos é aplicável o artigo 39.°, n.° 2, do CPC, na sua versão anterior, como muito bem refere a Ré.
Porém, a Ré somente destaca a 1.ª parte da referida norma, esquecendo o que se diz na 2.ª parte.
Dispõe assim o referido preceito:
"os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da data da junção ao processo da certidão da notificação, salvo nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, porque nestes a renúncia só produz efeito depois de constituído novo mandatário".
Por conseguinte, no caso dos autos, sendo obrigatória a constituição de mandatário a renúncia ainda não produziu efeito, pois a Ré ainda não constituiu mandatário. Só quando a Ré constituir advogado é que a renúncia produzirá efeito, cessando o mandato conferido à Sr.ª Dr.ª M T P.
E repare-se que só no caso de haver demora na constituição de novo advogado é que a referida mandatária pode requerer (o que até ao momento não fez) que à Ré seja fixado prazo para esse fim, findo o qual (e só então), sem a parte ter provido, considerar-se-á extinto o mandato - art. 39.°, n.° 3, do CPC (n.r.).
Em suma: não obstante a referida Sr.ª Advogada ter apresentado renúncia do mandato, este mantém-se, com todos os efeitos daí advenientes.”
Desta forma e face a todo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de agravo, assim se mantendo o despacho recorrido.

B – APELAÇÃO – Inexistência de contrato de seguro entre A. e R.

A tese da recorrente, vertida nas suas conclusões, alicerça-se na circunstância de, no seu entendimento, não ter sido celebrado qualquer contrato de seguro de acidentes pessoais entre si e a Autora, Companhia de Seguros.
A apelante nega ter sido celebrado tal contrato, embora reconheça que na sentença foi dado como provado que o tenha sido.
Tal situação traduz uma discordância entre a factualidade provada e a que a parte entende que o deveria (ou não deveria) ter sido, tratando-se portanto de um caso de impugnação da matéria de facto.
Certo é que a apelante, quer nas suas alegações, quer nas conclusões, em lado algum faz expressa referência aos quesitos que pretende ver alterados e em que moldes, pese embora se extraia do conjunto das suas alegações que considera não ter sido provada a existência do aludido contrato de seguro. Trata-se de incorrecta técnica de impugnar a matéria de facto, que poderia levar à rejeição do recurso (art.º 690.º-A, n.º 1, al. a)).
Abordemos no entanto a substância da impugnação.
O art.º 712.º do Código de processo Civil, refere nas três alíneas do seu n.º 1, quais as situações em que o Tribunal da Relação pode alterar a decisão de facto estabelecida na 1.ª instância, indicando-se por seu turno no n.º 1 do art.º 690.º-A, quais os procedimentos que os recorrentes devem assumir para que tal reapreciação possa verificar-se.
Assim, face ao estipulado neste último normativo, deverão os recorrentes especificar “quais os concretos pontos de facto que considera(m) incorrectamente julgados” (al. a), do n.º 1 desse último dispositivo), bem como “quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b) do mesmo normativo).
Estipula também o n.º 2 desse mesmo preceito legal que, no caso de ser invocado como fundamento do erro na apreciação das provas o depoimento testemunhal gravado, “… incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 522.º-C”.
No caso, a recorrente, pese embora tivesse havido prova testemunhal gravada, limitou-se a fazer referência a docs. juntos aos autos como passíveis de levarem a interpretar a prova diferentemente da forma como o fez o Senhor Juiz da 1.ª instância.
Da leitura da fundamentação da matéria de facto, elaborada pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, extrai-se que a convicção de tal tribunal quanto aos factos provados resultou da conjugação da prova feita nos autos.
Daqui resulta que tendo sido produzida prova testemunhal que não pode ser aqui atendida por falta do cumprimento do apontado formalismo legal de impugnação, mas tendo a mesma contribuído para alicerçar a convicção da primeira instância, não estamos face a uma situação em que se encontrem à nossa disposição todos os elementos probatórios que estiveram na base da decisão de facto proferida no tribunal a quo, não podendo por isso ser atendida a pretensão da recorrente no sentido de se alterar a matéria de facto.
Por esta via, poderemos pois afirmar que não poderia este Tribunal da Relação alterar a matéria de facto à luz do disposto na alínea a) do n.º 1, do art.º 712.º.
Da mesma forma entendemos que não será possível efectuar tal alteração ao abrigo do disposto na alínea c) desse n.º 1, visto que não foi apresentado supervenientemente qualquer documento susceptível de, por si só, ser suficiente para destruir a prova em que assentou a decisão sobre a matéria de facto.
Resta-nos como única possibilidade de alteração da matéria de facto a previsão ínsita na al. b), do n.º 1, do art.º 712.º: “Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
Interessa pois saber se os elementos a que a recorrente faz alusão para sustentar a alteração das respostas dadas impõem tal tomada de posição, em moldes que não permitam outras respostas (designadamente as que foram dadas).
Ora, os meios de prova constantes dos autos, integram prova testemunhal e documental.
Quanto aos docs., assumem os mesmos a natureza de particulares, sujeitos a um regime de livre apreciação do seu valor probatório, sendo que os factos que visavam comprovar não exigiam meio específico de prova.
Assim, quer esses docs., quer o depoimento testemunhal, estavam sujeitos, em pé de igualdade, ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no art.º 655.º.
Por via de tal princípio, o julgador aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só assim não sucedendo quando a lei exija, para a existência ou prova de qualquer facto jurídico, qualquer formalidade especial, a qual, nesse caso, não pode ser dispensada (n.º 2 do preceito).
No caso, como referimos já, os factos que foram dados como provados não careciam de qualquer meio de prova específico, donde que a avaliação de todos os elementos de prova apresentados era susceptível de ser apreciada livremente pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo.
Como refere Michell Taruffo (La Prueba de Los Hechos, Editorial Trotta, 2002, pág. 435 e ss.) “O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado ou não provado, possibilitando assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão.
De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art.º 653.º, n.º 2, do CPC).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras de experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1.ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão.
Perante todos estes dados é indubitável concluir que também aqui não estamos perante uma situações passível de se enquadrar na previsão da alínea b), do n.º 1 do citado art.º 712.º, pois que não se encontram nos autos nem doc. nem qualquer outro meio de prova válido que imponha por si só decisão diversa daquela que foi proferida pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, não podendo ser alterada a decisão da matéria de facto, designadamente com base em documentos que não contêm elementos com força probatória plena relativamente aos factos que integram a base instrutória.
Diremos ainda também que a este Tribunal de recurso, “compete apurar a razoabilidade da convicção probatória de primeiro grau... face aos elementos que lhe são apresentados nos autos e, assim, não vai o Tribunal de segunda jurisdição à procura duma nova convicção mas á procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que ... os elementos existentes nos autos podem exibir perante si.”
A fundamentação apresentada pelo Senhor Juiz surge-nos como equilibrada, sustentada em diversos elementos de prova, todos eles passíveis de serem considerados, não se descortinando razão para alterar as respostas à matéria de facto, como pretende a apelante.
Acresce que a recorrente não logrou provar, como lhe competia, a sua versão dos acontecimentos (vd. designadamente as respostas negativas aos artgs. 14.º a 19.º e 24.º e 27.º).
Por tudo o que se deixa dito, há pois que concluir que a presente questão sobre a impugnação da matéria de facto terá forçosamente que improceder, o que implica a improcedência da apelação, alicerçada que estava na possibilidade da matéria de facto ser outra que não a que resultou provada.

IV – DECISÃO

Assim, acorda-se em negar provimento quer ao recurso de agravo, quer ao de apelação e, nessa conformidade, mantêm-se as decisões recorridas.

Custas pela recorrente.

Lisboa,
(José Maria Sousa Pinto)
(Maria da Graça Mira)
(João Vaz Gomes)