Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
989/10.1TTALM.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/15/2011
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Na acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento nada obsta a que o juiz indefira liminarmente o requerimento, se for manifesto erro na forma de processo.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A apresentou, em 14/12/2010, no Tribunal do Trabalho de Almada, através do formulário em papel, oposição ao despedimento que diz ter sido promovido pela B, requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento.
Juntou aos autos, além de cópia do requerimento de apoio judiciário e procuração forense, uma “comunicação de não renovação de contrato a termo certo”, datada de 14/9/2010, dirigida ao A. pela mencionada B e uma carta da mesma B dirigida ao Sindicato dos Bombeiros Profissionais, datada de 12/11/2010, na qual se afirma que o contrato de trabalho do A. terminou em 30/9/2010 por caducidade e que o mesmo não se manteve ao serviço, após o termo do contrato, mas que lhe foi pedido pelo Comandante do Corpo que, na qualidade de bombeiro voluntário, efectuasse serviços extra, nomeadamente na substituição de colegas em alguns dias de Outubro, serviço que, nos termos do regulamento, é pago a título de gratificação, por turno ao voluntário. O A. prestou serviços de substituição de colegas nos dias 2, 3, 5, 8, 10, 11, 14, 17, 20, 23 e 29, que foi pago a título de gratificação.
Apresentados os autos à Mmª Juíza, foi emitido o despacho de fls. 10/11, que indeferiu liminarmente o requerimento, por ser manifesto que inexiste decisão de despedimento nos termos e para os efeitos do art. 98º-C do CPT, não podendo o requerente lançar mão do processo especial. Considerou assim que existe erro na forma de processo, sem possibilidade de aproveitamento do requerimento, determinando a nulidade de todo o processado.
Inconformado, apelou o A., formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões
(…)
A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
Subidos os autos a este tribunal, o M.P. emitiu o parecer de fls. 55, favorável ao provimento.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões que antecedem, verifica-se que vem suscitada a questão de saber se no novo processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, tramitado nos termos dos art. 98ºB a 98ºP do CPT (na redacção introduzida pelo DL 295/2009 de 13/10) o juiz pode indeferir liminarmente o requerimento.

A factualidade pertinente para a decisão está claramente referida no relatório, pelo que nos dispensamos de a repetir.

Apreciação
A adaptação do processo de trabalho às alterações introduzidas no CT pela Lei 7/2009 de 12/2 consistiu, além do mais, na criação de um processo especial para impugnação da regularidade e licitude do despedimento (individual) – art. 98º-B a 98º-P - que se caracteriza essencialmente pela sua natureza urgente e por, apesar de ser desencadeado pelo trabalhador - mediante apresentação de um formulário de oposição ao despedimento, em modelo próprio, que deve ser acompanhado da decisão de despedimento - caber ao empregador a apresentação do primeiro articulado contendo a motivação do despedimento, e ao A., no exercício do contraditório, deduzir os pedidos que tiver por pertinentes.
O art. 98º-E especifica as situações em que o formulário pode ser recusado pela secretaria.
Determina o nº 1 do art. 98ºF “Recebido o requerimento, o juiz designa data para a audiência de partes, a realizar no prazo de 15 dias.”
É o art,. 98º-I que regula a audiência de partes, na qual o empregador exporá sucintamente os fundamentos de facto que motivaram o despedimento, a que o trabalhador pode responder, seguindo-se uma tentativa de conciliação. Dispõe o nº 3 deste preceito “Caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, o juiz abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção de processo comum”.
Portanto, para além da apreciação pela secretaria dos pressupostos que podem determinar a recusa do formulário, não prevê a lei expressamente na tramitação deste novo processo que o juiz proceda a uma apreciação liminar do requerimento de que possa resultar um despacho de aperfeiçoamento ou de indeferimento liminar, como sucede com a acção comum (art. 54º). Mas, prevendo expressamente a hipótese de inadequação da forma de processo à pretensão do trabalhador, determinou que tal questão seja decidida na audiência de partes.
Quererá isto significar que o juiz não pode, antes da realização da audiência de partes, conhecer do erro na forma de processo, ainda que ele seja manifesto?
Salvo o devido respeito pela opinião contrária Adoptada nos acórdãos deste tribunal de 23/6/2010 (P. nº 206/10.4.TTLSB.L1) e de 30/3/2011 (P. nº 4510/10.3TTLSB.L1)., entendemos que não.
Não podemos esquecer que o art. 137º do CPC proíbe a prática de actos inúteis.
Ora, resultando claramente do disposto no art. 98º-C do CPT que a nova forma processual de impugnar a regularidade e licitude do despedimento apenas é aplicável ao despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação e desde que haja uma comunicação por escrito ao trabalhador da decisão, se, como é o caso, a comunicação por escrito ao trabalhador evidenciar que a cessação assume a configuração de denúncia de um contrato a termo, ainda que o trabalhador esteja convencido que se trata de um autêntico despedimento e pretenda ver judicialmente dilucidada a questão,como é seu direito, a forma processual adequada para o efeito é a acção comum e não a acção especial. Ora se isso é patente e notório ab initio, a realização de uma audiência de partes e das notificações que necessariamente implica são claramente actos inúteis, que devem, de todo, ser evitados, tanto mais quanto os tribunais se encontram assoberbados de trabalho e não conseguem dar vazão à avalanche processual. Não faz sentido proceder à audiência de partes sabendo de antemão que o processo não pode prosseguir na forma processual adoptada e, porque não se vislumbra possibilidade de aproveitamento dos actos praticados, sempre haverá que declarar a nulidade de todo o processo e absolver o R. da instância, por se tratar de uma excepção dilatória insuprível.
Ainda se, ao menos, o trabalhador não estivesse patrocinado por advogado, seria de considerar alguma utilidade na realização da audiência de partes, na medida em que, com a absolvição da instância aí decretada a lei impõe ao juiz que informe o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar a acção com processo comum e desse modo fica mais acautelado o interesse deste em não deixar extinguir o respectivo direito. Mas, estando o A. assistido por advogado, dado que juntou ao requerimento a respectiva procuração, essa utilidade é dispensável, pois o mandatário não pode ignorar o prazo de que dispõe para exercer o direito e intentar a acção.
Admitimos que possa haver casos em que a inadequação da forma processual não seja tão evidente e a realização da audiência de partes possa ter utilidade, até para permitir ao juiz conhecer dessa questão. Mas se ela for manifesta, como entendemos que o é no caso que nos ocupa, não cremos que haja obstáculo legal a que o juiz possa indefirir liminarmente, uma vez que ocorre de forma evidente uma excepção dilatória insuprível que é de conhecimento oficioso (art. 494º al. b), 288º nº 1 al. b), 199º e 202º do CPC) e tratando-se de um processo especial a que, de acordo com o disposto pelo art. 463º nº 1 do CPC, aplicável ex-vi do art. 2º nº 1 al. a) do CPC, se aplicam, além das regras que lhe são próprias, as disposições gerais e comuns, sendo uma delas precisamente a que permite o indeferimento liminar (art. 234º-A nº 1), nos casos em que haja despacho judicial prévio à citação. Ora este é precisamente um dos casos previstos na lei em que a citação é precedida de despacho, já que o juiz tem de designar data para a audiência de partes, e só então o R. é citado (art. 98º-F nº 2 CPT).
Não assiste, pois razão ao apelante quanto a esta questão.
E também não vemos, salvo o devido respeito, fundamento para considerar inadmissível a interpretação preliminar que foi dada pela Mmª Juíza ao documento junto para comprovar o alegado despedimento, sendo certo que se trata da interpretação resultante do teor literal do mesmo.
A nova forma de processo só tem cabimento nos casos em que o próprio empregador qualifique a modalidade de cessação do contrato como despedimento individual e o comunique por escrito ao trabalhador. Fora desses casos, ainda que se trate efectivamente de um despedimento individual, a acção terá de seguir a forma de processo comum, sendo pura perda de tempo e desperdício de esforços e de meios estar a proceder a diligências no âmbito do processo especial quando se sabe de antemão que esse processo, por não ser o adequado nem aproveitável qualquer acto, sempre terá de ser anulado.
A decisão recorrida não nos merece, pois, qualquer censura, sendo por isso de manter.

Decisão
Pelo que antecede se acorda em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.

Custas pelo apelante

Lisboa, 15 de Junho de 2011

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira (vencido conforme declaração junta)

Declaração de voto.
Embora respeite a posição que obteve vencimento, não a acompanho e isto com base nos fundamentos expressos no Acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 30 de Março de 2011, no processo n.º 4510/10.3TTLSB.L1 em que fui Relator, fundamentos que aqui dou por reproduzidos.
Acrescento apenas que o processo especial previsto nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Cod. Proc. Trabalho, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10, regula de um modo pleno e preciso a respectiva tramitação, pelo que a meu ver e salvo o devido respeito, não faz sentido o recurso a disposições gerais do processo civil.
Por outro lado, estou em crer que a proibição a que se alude no art. 137º do Cod. Proc. Civil apenas se reporta a actos absolutamente inúteis, inutilidade de que, seguramente, não padece a realização de uma diligência de audiência de partes que resulta de determinação legal, com tudo o que a mesma comporta e que se prevê no art. 98.º-I do C.P.T, designadamente a tentativa de conciliação das partes envolvidas no litígio, conciliação que, como se sabe, constitui pedra-de-toque no processo do trabalho e que se destina a alcançar, quanto antes, a paz social nas relações laborais, com todas as vantagens daí decorrentes.
Concederia, por isso, provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos tendo em vista a realização da audiência de partes a que se alude nos artigos 98.º-F, n.º 1 e seguintes do Cod. Proc. Trabalho.
José Feteira
Decisão Texto Integral: