Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1006/11.0T2SNT-D.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
DIVÓRCIO
PATRIMÓNIO COMUM
QUOTA IDEAL
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
IMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Na comunhão conjugal existe um património colectivo que constitui uma massa patrimonial que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela.
2. O divórcio determina a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges e implica a partilha dos bens do casal.
3. Não tendo havido partilha dos bens do casal, na sequência do divórcio, no processo de insolvência de um ex-cônjuge, apenas se poderá arrolar o direito deste a uma quota ideal do património colectivo do casal e, em princípio, apenas esse direito poderá ser liquidado no processo de insolvência.
4. Encontrando-se os dois direitos (do insolvente e do ex-cônjuge deste) sobre o único bem imóvel que constitui o património colectivo, sujeitos a vendas judiciais separadas – na insolvência e no processo executivo e em é executado o ex-cônjuge do insolvente – os prejuízos que necessariamente decorrerão, quer para os credores, para os terceiros interessados na aquisição do direito integrado na massa insolvente, quer também para o próprio ex-cônjuge do insolvente, devido à dificuldade da venda, ou a sua concretização por baixo valor, aconselham a venda desse único bem, na sua globalidade, no processo de insolvência, o que implicará a convolação do direito do ex-cônjuge do insolvente, num direito sobre o preço pelo qual o bem venha a ser vendido, na parte que lhe corresponde.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

“A”, residente na Praceta ..., nº …, …, ..., ..., apresentou-se à insolvência e, por sentença de 09.03.2011, foi declarada a insolvência do mesmo no Pº 1006/11.0T2SNT (fls. 128 a 134).

Em 20.06.2011, o administrador de insolvência juntou ao processo de insolvência o auto de apreensão de bens, do qual consta como verba um, a Fracção autónoma designada pelas letras “AA” correspondente ao piso três e sótão, terceiro andar com sótão, apartamento duplex n.º 406, para habitação, dois espaços de estacionamento e uma arrecadação no piso menos um – cave, identificados com o número do apartamento do prédio urbano sito na Alameda ..., n.º 5, lugar e freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 311 e inscrito na matriz predial sob o Artigo 414 (fls. 135 e 136)

Pelo administrador da insolvência foi ainda junto ao processo o relatório a que alude o artigo 155º do CIRE (fls. 137 a 143), constando do ponto 4. o seguinte:
“Perspectivas da elaboração e aprovação de um Plano de Insolvência:
Face à ausência de rendimentos, ao total de créditos relacionados e bens existentes (direito), entende-se não ser viável a elaboração de um plano de insolvência/pagamento.
Créditos – estão relacionados no valor de € 279.167,70.
Rendimentos - € 0,00.
Bens - Direito sobre a fracção autónoma melhor identificada no Anexo I deste relatório.
Despesas - o insolvente vive em casa da companheira, “B”, e as despesas estão a ser suportadas por esta”.
(…)
Do Anexo I (Inventário) está identificada a fracção autónoma designada pelas letras “AA” nos mesmos termos referidos no auto de apreensão de bens (fls. 144).
Do anexo II consta a Lista de Credores, sendo o credor 01 – Banco ..., S.A. – Sociedade Aberta, com um crédito resultante de empréstimos hipotecários, no montante global de € 268.941,69, sendo € 267.626,59, crédito garantido e € 1.315,10, crédito comum” (fls. 145 a 148).

Em 22.06.2011 teve lugar a Assembleia de Credores para apreciação do relatório do administrador da insolvência, no decurso da qual este propôs a liquidação, proposta que foi aprovada, por unanimidade pelos credores presentes, o que foi declarado pela Exma. Juíza que presidia à Assembleia de Credores, determinando ainda que o instituto da exoneração do passivo restante, pedido pelo insolvente, fosse apreciado apenas depois da venda dos bens.

Mais determinou a Exma. Juíza do Tribunal a quo que se procedesse à citação do ex-cônjuge “C”, residente na Alameda ..., nº 5, 3º, Apartamento 406, ..., para querendo requerer a separação dos bens comuns.

Citada, “C”, em 07.07.2011, veio esta, em 31.08.2011, apresentar requerimento manuscrito pela própria, referindo o seguinte:
1. Casei-me em 23.09.79 com “A” no regime de comunhão de bens adquiridos.
2. Divorciei-me em 10 de Outubro de 2008.
3. Compramos a cada em 05.12.2001.
4. Por dificuldades financeiras deixei de pagar as prestações ao banco
5. Ainda não perdi a esperança de ficar com ela (casa).
6. Por esse motivo não quero a minha parte entre na insolvência.
7. Não estou de acordo com ele, quero os meus direitos na casa com os nossos filhos.
8. Por essa razão venho pedir ao Sr. Dr. Juiz que me ajude a defender os meus direitos.

Juntou a requerente aos autos cópias do seu assento de nascimento e dos filhos, do contrato de mútuo com hipoteca e da acta de conferência no processo de divórcio por mútuo consentimento que correu pela Conservatória do Registo Civil de ..., datada de 10.10.2008, da qual consta que foi declarada, pelo respectivo Conservador, a dissolução por divórcio por mútuo consentimento do casamento realizado em 23.09.1979, sem convenção antenupcial, entre “A” e “C”, bem como certidão da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Conservatória de Registo Predial de ....

Em 06.07.2012, for proferido o seguinte despacho (fls. 26):

Notifique o Sr. A.I. deste pedido de separação de bens.
Para desempenhar as funções de cabeça de cabeça de casal, nomeio a requerente “C”.
Para prestação de compromisso e declarações, nos termos do artigo 1340º do CPC, designo o dia 9 de Agosto, pelas 9,45 horas

Em 23 de Julho de 2012, o administrador da insolvência veio juntar aos autos o comprovativo da declaração da insolvência sobre o imóvel apreendido nos autos (fls. 28 a 34).

Da certidão da Conservatória do Registo Predial apresentada pelo administrador da insolvência consta que:
a) a titularidade da fracção autónoma designada pelas letras “AA” correspondente ao piso três e sótão, terceiro andar com sótão, apartamento duplex n.º 406, para habitação, dois espaços de estacionamento e uma arrecadação no piso menos um – cave, identificados com o número do apartamento do prédio urbano sito na Alameda ..., n.º 5, lugar e freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 311 e inscrito na matriz predial sob o Artigo 414 (ficha 311/19990226-AA) mostra-se inscrita em nome de “A” e “C”, por compra - Ap. 44 de 2001/09/05;
b) Sobre tal fracção foi inscrita hipoteca voluntária para garantia de empréstimo concedido pelo Banco ..., S.A. a “A” e “C”, sendo o capital de 24.500.000,00 Escudos e o montante máximo assegurado de 32.696.965,00 Escudos – Ap. 45 de 2001/09/05;

c) Sobre tal fracção foi igualmente inscrita a hipoteca voluntária para garantia de abertura de crédito concedida pelo Banco ..., S.A. a “A” e “C”, sendo o capital de 24.000.000,00 Escudos e o montante máximo assegurado de 32.028.664,00 Escudos – Ap. 60 de 2001/10/08;
d) Pela Ap. 1368 de 2011/01/20 foi inscrita a penhora da aludida fracção, datada de 2008.09.20, determinada no Pº .../08 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de ..., em que é exequente Banco ..., S.A. e executados “A” e “C”, sendo a quantia exequenda de 208.815,43 Euros.
e) Pela Ap. 1122, de 2012/05/20 foi inscrita a declaração de insolvência de “A”.

Em 08.08.2012, teve lugar o auto de juramento da cabeça de casal, “C”, concedendo-se a esta, o prazo de 30 dias para apresentar relação de bens.

Em 7 de Setembro de 2012, “C” juntou ao processo a relação de bens, da qual consta, como Activo, a fracção autónoma denominada pelas letras AA, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 311, com o valor patrimonial de € 158.560,00 e, como Passivo, a dívida contraída junto do Banco ..., S.A., devido ao empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente do casal, então composto pelo insolvente e a requerente, sobre o prédio anteriormente identificado (fls. 37 a 47).

Em 29.10.2012 foi proferido o seguinte despacho:

Cite o ... para os termos deste processo.
Para realização de conferência de interessados, designo o dia 27/11, pelas 10,00 horas.
Notifique todos os credores do insolvente da data designada para realização da diligência, bem como os insolventes e o AI.


O credor Banco ..., S.A., Sociedade Aberta apresentou contestação, em 20.11.2012, nos seguintes termos:

1. “A” foi declarado insolvente por decisão proferida nos autos apensos no dia 09/03/2011, na qual foi fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.
2. O insolvente foi casado com a Requerente entre 23/9/1979 e 10/10/2008.
3. No dia 26/05/2011 foi elaborado o auto de apreensão do bem imóvel constante da massa insolvente:
- Fracção autónoma designada pelas letras “AA” correspondente ao piso três e sótão, terceiro andar com sótão, apartamento duplex n.º 406, para habitação, dois espaços de estacionamento e uma arrecadação no piso menos um – cave, identificados com o número do apartamento do prédio urbano sito na Alameda ..., n.º 5, lugar e freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 311 e inscrito na matriz predial sob o Artigo 414.
4. A aquisição do imóvel foi registada na Conservatória do Registo Predial ... pela Ap. 44 de 2001/09/05.
5. Encontrando-se registadas duas hipotecas a favor do Credor Reclamante sobre o referido imóvel pelas: - Ap. 45 de 2001/09/05 e Ap. 60 de 2001/10/08.
6. No dia 22/06/2011 foi realizada a Assembleia de Credores para apreciação do relatório e no âmbito da qual foi ordenada a citação da ex-cônjuge para que a mesma pudesse exercer os direitos processuais que entendesse competir-lhe.
7. No dia 07/07/2011 foi a Requerente citada para, em 10 dias, reclamar, querendo, o direito de separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns, ou exercer os direitos que entendesse competir-lhe.
8. Tendo o requerimento sido apresentado em Tribunal em 31/08/2011.
9. Pelo que o mesmo tem de ser considerado forçosamente extemporâneo.
10. De salientar ainda que a pretensão de separação do bem da massa insolvente implica que, formalmente, o Requerente siga a tramitação da reclamação de créditos.
11. Ora, o requerimento apresentado não obedece aos formalismos constantes do Art. 128.º do CIRE ex-vi alínea b) do n.º 1 do Art. 141.º do CIRE.
12. Não obstante, e caso assim não se entenda e o Requerimento venha a ser admitido, o que apenas por mera hipótese académica se admite,
13. É de referir que, no Artigo 4.º do Requerimento, a Executada alega que “Por dificuldades financeiras deixei de pagar as prestações ao banco”, confissão que expressamente se aceita para os devidos efeitos legais.
14. Alega ainda a Requerente que “não perdeu a esperança de ficar com a casa”.
15. Na verdade, o Insolvente e a Requerida deixaram de pagar as prestações do crédito à habitação em 09/10/2007!
16. Impugnando-se expressamente os restantes Artigos 5.º a 9.º do Requerimento apresentado.
17. Ora, conforme referido pelo Credor Reclamante na reclamação de Créditos apresentada nos autos apensos, o Credor Reclamante, face ao incumprimento dos empréstimos hipotecários n.º ....165.001 e ....165.002 (já reconhecidos pelo Senhor Administrador de Insolvência) fez distribuir acção de execução para pagamento de quantia certa contra o Insolvente e a Requerida, que se encontra a correr termos com o n.º .../08.0TBMFR na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra – Juízo de Execução – Juiz 1, para cobrança da quantia de € 208.815,43, a que acrescem juros vencidos e vincendos às taxas contratuais, até integral e efectivo pagamento e respectivo Imposto de Selo.
18. No prosseguimento daquela execução, para garantia do pedido exequenda e custas, foi penhorado o prédio urbano acima melhor identificado, no qual se encontra inscrita a Penhora pela Ap. 1368 de 2011/01/20.
19. Pelo que o imóvel acima melhor identificado, não foi vendido no âmbito do processo executivo apenas porque se deu início ao processo de insolvência de “A”.
20. Tendo presente tais factos, resulta evidente que o requerimento de separação de bens comuns não vai impedir a venda do imóvel, mas sim prejudicar os interesses da massa insolvente, do Credor Reclamante, dos restantes credores, e no limite do próprio Insolvente.
21. É compreensível a posição da Requerente, a qual pretende salvaguardar a sua habitação.
22. No entanto, é de salientar que a Requerente, com o pedido de separação de bens, não inviabiliza a venda do imóvel na sua totalidade.
23. Uma vez que o ½ do imóvel será vendida nos presentes autos.
24. Irá sim atrasar a venda do imóvel, aumentando os custos com a venda do mesmo, e produzindo um natural decréscimo do valor de mercado do mesmo.
25. Prejudicando de forma clara os princípios de celeridade e economia processual
26. Sendo os interesses da Requerente afectados pelo resultado da venda do imóvel.
27. De facto, é de conhecimento público que a venda das duas metades do imóvel em separado – uma na insolvência e outra no processo executivo - poderá prejudicar e inviabilizar a comercialização do referido imóvel, reduzindo o seu potencial de venda.
28. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não nos afigurando a solução preconizada pela Requerente como a melhor para os interesses da massa insolvente, credores insolvente e própria Requerente, desde já se informa que o Credor Reclamante requereu ao Administrador de Insolvência a apensação do processo executivo, acima melhor identificado, nos termos e para os efeitos do Art. 85.º do CIRE.
29. Para que deste modo, o resultado da venda do imóvel – na totalidade - seja dividido entre a insolvência e o processo executivo, beneficiando todas as partes envolvidas.

Em 27.11.2012 foi levada a efeito a diligência a que se reporta o despacho de 29.10.2012, constando da Acta designada por “Ata de Audiência de restituição e Separação de Bens”, o seguinte:

“Iniciada a presente diligência, pela Requerente foi dito não ter possibilidades de requerer a adjudicação do imóvel em causa;
Posteriormente, foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário do Credor ... e pelo mesmo foi dito requerer o pagamento imediato da dívida.
Seguidamente pela Mmª. Juiz foi proferido o seguinte Despacho

“Em face do exposto, determina-se que o Sr. A.I. proceda à venda do imóvel, na sua totalidade.”

Inconformada com o assim decidido, a requerente “C” (ex-cônjuge do insolvente), interpôs recurso de apelação, em relação ao aludido despacho.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:

i. Nos termos do artigo 1406 n°1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, o Processo de Inventário é o meio adequado para proceder à separação de meações, na comunhão Conjugal, por consequência este despacho no âmbito de uma acção de divisão de coisa comum deve ser revogado.

ii. Por outro lado, o que esta aqui em causa é o direito de propriedade sobre um bem indiviso, que é a habitação da Recorrente, pelo que deve ter efeito suspensivo ou seja, deve ser suspensa a venda da totalidade do imóvel.

iii. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1408º do Código Civil “o comproprietário pode dispor de toda a sua quota, ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum”. Assim,

iv. Através da aplicação desta norma de direito substantivo o artigo 826º do CPC estipula que a penhora, em caso de comunhão, não pode incidir sobre os bens que a integram, ou seja, o que é penhorado não são as coisas em concreto, mas sim o direito que o executado tem a dividir o património comum.

v. Realce-se que constituem manifestações de patrimónios autónomos ou separados, entre outros, os bens comuns do casal no regime matrimonial de bens em que haja comunhão, isto nos termos do artigo 1695º do Código Civil.

vi. É entendimento da Recorrente que o douto despacho deve ser revogado e anulada a determinação da venda do imóvel na sua totalidade e seja determinado um prazo de negociação entre a recorrente e o Banco ....


O credor, BANCO ..., S.A., SOCIEDADE ABERTA apresentou a sua contra-alegação, propugnando a manutenção do decidido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i. A Recorrente “C” e o Insolvente “A” estiveram casados entre 23/9/1979 e 10/10/2008;

ii. A Recorrente “C” e o Insolvente “A” deixaram de pagar as prestações do crédito à habitação ao Credor em 09/10/2007;

iii. Face ao incumprimento dos empréstimos hipotecários, o Credor fez distribuir acção de execução para pagamento de quantia certa contra o Insolvente e a Recorrente, que se encontra a correr termos com o n.º .../08.0TBMFR na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra – Juízo de Execução – Juiz 1;

iv. No prosseguimento daquela execução, foi penhorada a fracção autónoma, dada em garantia, designada pelas letras “AA” correspondente ao piso três e sótão, terceiro andar com sótão, apartamento duplex n.º 406, para habitação, dois espaços de estacionamento e uma arrecadação no piso menos um – cave, identificados com o número do apartamento do prédio urbano sito na Alameda ..., n.º 5, lugar e freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 311 e inscrito na matriz predial sob o Artigo 414, a qual se encontra inscrita sob a Ap. 1368 de 2011/01/20;

v. Encontrando-se os referidos autos a aguardar marcação da venda;

vi. “A” foi declarado insolvente por decisão proferida nos autos apensos no dia 09/03/2011;

vii. O Banco ... apresentou a sua reclamação de créditos a 10/05/2011 no valor total de € 268.941,69;

viii. O crédito do Banco ... foi verificado e reconhecido, correspondendo a 96,3370% do total dos créditos e encontrando-se garantido no montante de € 267.626,59 por hipoteca voluntária constituída sobre a fracção autónoma acima melhor identificada;

ix. No dia 26/05/2011 foi elaborado o auto de apreensão do direito à meação da fracção autónoma acima melhor identificada;

x. A Assembleia de Credores de dia 22/06/2011 para apreciação do relatório do Administrador de Insolvência foi deliberado por unanimidade proceder-se à liquidação do activo do Insolvente;

xi. Foi também ordenada a citação da ex-cônjuge “C”, o que aconteceu a 07/07/2011;

xii. Tendo o requerimento sido apresentado pela Recorrente “C” em Tribunal em 31/08/2011;
Da acta da diligência de 27/11/2012 consta o seguinte Despacho
“Em face do exposto, determina-se que o Sr. A.I. proceda à venda do imóvel, na sua totalidade”;

xiii. Salvo o devido respeito, o recurso apresentado pela Recorrente carece de fundamentação fáctica e jurídica;

xiv. Foi apreendido o direito de meação sobre a referida fracção acima melhor identificada;

xv. Acresce que certamente por manifesto lapso, a Recorrente confunde o tipo de acção em causa: “por consequência este despacho no âmbito de uma acção de divisão de coisa comum deve ser revogado”;

xvi. Ora, no presente processo, estamos no âmbito do direito à separação ou restituição de bens apreendidos para a massa insolvente do CIRE e não numa acção de divisão de coisa comum;

xvii. A Recorrente não utilizou nenhum dos expedientes que a lei lhe permitia, quedando-se pela simples utilização de requerimento, o qual ultrapassou largamente o prazo concedido pelo Tribunal a quo, após a citação para requerer a separação de bens;

xviii. Sem prejuízo do acima referido, e apesar do Credor ter alertado o Tribunal a “quo” para a extemporaneidade e falta de forma do requerimento apresentado pela ora Recorrente, o mesmo foi aceite, tendo sido inclusive agendada Conferência de Interessados tendo em vista a decisão sobre a venda do imóvel na totalidade ou apenas o direito de meação;

xix. Por ambos os processos (executivo e insolvência) estarem em fase da venda;

xx. E por aplicação do n.º 2 do Art. 826.º do Código de Processo Civil, por remissão do Art. 17.º do CIRE, entendeu o Tribunal a quo decidir pela venda do imóvel na totalidade e dividir o produto da venda pelos dois processos (executivo e insolvência);

xxi. Na verdade, a insolvência é um processo de execução universal, conforme consta do Art. 1.º do CIRE. Pelo que, nos termos do disposto no Art. 17.º do CIRE, tudo o que à venda diga respeito será regulado, em primeiro lugar, pelas normas especiais constantes do CIRE, e, não as havendo, pelas normas do CPC.

xxii. Todavia por estarmos perante um processo de execução e outro de insolvência, não se deve atender à prioridade da penhora, mas sim à natureza especial do processo de insolvência.

xxiii. De facto, o espírito da lei é terminar com uma situação de compropriedade, evitando o processo de divisão de coisa comum, além de trazer a vantagem de tornar mais fácil e rentável a venda, com poupança de esforço e gastos;

xxiv. Pretende sim a Recorrente atrasar a venda do imóvel, aumentando os custos com a venda do mesmo, e produzindo um natural decréscimo do valor de mercado do mesmo.

xxv. Contrariando os princípios de celeridade e economia processual.

xxvi. A Lei pretendeu acautelar o que de facto é de conhecimento público!

xxvii. A venda das duas metades do imóvel em separado – uma na insolvência e outra no processo executivo - poderá prejudicar e inviabilizar a comercialização do referido imóvel, reduzindo o seu potencial de venda. Pelo que, bem andou o Tribunal “a quo”.

xxviii. Realce-se que foi a própria Recorrente que informou os autos ter dificuldades financeiras e não ter possibilidades de requerer a adjudicação do imóvel em causa.


O insolvente apresentou igualmente contra-alegação, propugnando pela manutenção do decidido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i. O insolvente “A” foi declarado insolvente por decisão proferida nos autos apensos no dia 09/03/2011;

ii. O Banco ... apresentou a sua reclamação de créditos 10/05/2011 no valor Total de € 268.941,69;

iii. O crédito do Banco ... foi verificado correspondendo a 96,3370% do total dos créditos e encontrando-se garantido no montante de € 267.626,59 por hipoteca voluntária constituída sobre autónoma acima melhor identificada;

iv. No dia 26/05/2011 foi elaborado o auto de apreensão do direito à meação do imóvel constante da massa insolvente a que corresponde a fracção autónoma acima melhor identificada;

v. Na Assembleia de Credores de dia 22/06/201 para apreciação do relatório do Administrador de Insolvência foi deliberado, por unanimidade, proceder-se à liquidação do activo do Insolvente.

vi. Foi também ordenada a citação da ex-cônjuge “C”, ora Recorrente para que a mesma pudesse exercer os direitos processuais que entendesse competir-lhe.

vii. Nestes termos, no dia 07/07/2011 foi a Recorrente “C” citada para, em 10 dias, reclamar, querendo, o direito de separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns ou exercer os direitos que entendesse competir-lhe.

viii. Tendo o requerimento sido apresentado pela Recorrente “C” em Tribunal em 31/08/2011.

ix. O Tribunal no seguimento do requerimento ordenou a realização de Conferência de Interessados para 27/11/2012 e a citação do Credor Banco ...;

x. Da acta da diligência de 27/11/2012 consta que:
“Despacho
Em face do exposto, determina-se que o Sr. A.I. proceda imóvel, na sua totalidade."

xi. Mostrando-se assim o recurso extemporâneo e sem fundamentação, a recorrente não tem qualquer razão na interposição do mesmo, porque teve todos os meios ao seu alcance para poder agir em sua defesa, não o fazendo nos tempos devidos e determinados por lei.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.


Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe unicamente a análise da seguinte questão:

Û SE O BEM COMUM DO ENTÃO CASAL COMPOSTO PELA APELANTE E PELO INSOLVENTE – IMÓVEL – DEVERÁ SER VENDIDO GLOBALMENTE NO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA.


***

III . FUNDAMENTAÇÃO


A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.


***


B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

Estão sujeitos a apreensão no processo de insolvência todos os bens integrantes da massa insolvente, a qual abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

Nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, alterado pelos Decretos-Leis nºs 200/2004, de 18 de Agosto, 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho, 185/2009, de 12 de Agosto, e, mais recentemente, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, a matéria relativa à verificação dos créditos, restituição e separação de bens e verificação ulterior encontra-se regulamentada nos artigos 128.º a 148.º.

Declarada a insolvência, ordenada a imediata apreensão de bens e entrega ao administrador nomeado (artigo 36º, alínea g) e fixado o prazo para as reclamações de créditos (artigo 36º, alínea j), quem se sentir ofendido na sua posse e/ou direito de propriedade, em consequência da apreensão, tem ao seu dispor mecanismos próprios para fazer valer o seu direito à restituição e separação dos bens indevidamente apreendidos para a massa insolvente.

Com efeito, estatui o nº 1 do artigo 141º do CIRE que:
As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis:
a) À reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio;
b) À reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns;
c) À reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa.


Decorre, portanto, do preceituado nos artigos 141º, nº 1, b), e 128º, nº 1, do CIRE, que a reclamação e verificação do direito que, nomeadamente, tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns deve ser exercida dentro do prazo de reclamação de créditos fixada na sentença declaratória da insolvência, por meio de requerimento.

Dispõe, por seu turno, o artigo 144º, nº 1, do CIRE, que no caso de serem apreendidos bens para a massa, depois de findo o prazo para as reclamações, é ainda permitido exercer o direito de separação desses bens nos cinco dias posteriores à apreensão, por meio de requerimento, apensado ao processo principal, seguindo-se o processado referido no nº 2 do citado normativo.

Tal significa que o legislador não fez depender a apresentação do requerimento em que se pede a separação dos bens, da apresentação em juízo do auto do arrolamento, antes estipulou como início da contagem do prazo, a apreensão dos bens.

Assim, no que respeita à reclamação e verificação do direito que tenha, designadamente, o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, o prazo para o efeito é contado da data da realização da diligência de apreensão de bens e não da data em que deu entrada o auto de apreensão na Secretaria do Tribunal.

Finalmente, o direito à separação ou à restituição de bens pode ainda ser exercido a todo o tempo, depois de findo o prazo das reclamações, como decorre do artigo 146º, nº1 e 2, do CIRE, o que implica a propositura de uma acção judicial contra a massa insolvente, os credores e o devedor, acção essa que correrá por apenso ao processo de insolvência, lavrando-se neste termo de protesto.


Sucede, porém, que não obstante as supra mencionadas formas do exercício do direito de requerer a separação ou restituição de bens, prevê-se no nº 3 do artigo 141º do CIRE a possibilidade de a separação dos bens mencionada no nº 1 poder igualmente ser ordenada pelo juiz, a requerimento do administrador da insolvência, instruído com o parecer favorável da comissão de credores, se existir.

No caso vertente, foi elaborado pelo administrador da insolvência de “A”, em 26.05.2012, o auto de apreensão da fracção autónoma designada pelas letras “AA” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 311, o qual foi junto ao processo de insolvência, em 30.06.2011.

Todavia, no relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência consta como bem do insolvente, não a fracção autónoma descriminada no auto de apreensão, mas sim o direito sobre a aludida fracção autónoma.

E, realizada a assembleia de apreciação do relatório, foi aprovada, por unanimidade dos credores presentes, a proposta do A.I. de se proceder à liquidação da massa insolvente.

Foi então proferido despacho pela Exma. Juíza do Tribunal a quo, ordenando a citação do ex-cônjuge do insolvente, a ora apelante, para querendo requerer a separação dos bens comuns, tendo sido por esta recebida a carta registada com aviso de recepção, em 07.07.2012.

Com tal despacho, a Exma. Juíza possibilitou ao ex-cônjuge do insolvente a faculdade de requerer a separação da meação dos bens comuns, não tendo indicado, contudo, o fundamento legal de tal decisão.


É certo que nem sequer a citação pessoal do cônjuge do insolvente se mostra prevista no artigo 141º, nº 1, alínea b), do CIRE, mas a verdade é que foi a coberto de um despacho judicial que a reclamante foi citada pessoalmente para exercer o seu direito à separação de bens, tendo em consideração, porventura, o preceituado no artigo 825º, do CPC, face a alguma analogia com a situação prevista em tal preceito legal, não obstante no despacho judicial não constar qualquer fundamento legal.

Daí que, ainda que se entendesse que havia sido praticado um acto que a lei não admitia, porque coberto por decisão judicial já não estaremos eventualmente perante a prática de um acto nulo, mas sim perante a prática de um acto judicial, quiçá incorrecto, mas que está sujeito a impugnação, por meio de recurso – v. LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª Ed., 373, nota 7 e Ac. R.L. de 30.11.95, C.J., T.5, 129, recurso que, in casu, não ocorreu. Forçoso é, pois, concluir que a citação foi perfeitamente válida.

Do mesmo modo, por não ter sido impugnada a decisão que admitiu o pedido da requerente, entendendo-se o mesmo como de separação de bens, tão pouco há que invocar agora – contrariamente ao que parecem entender os apelados - a intempestividade do requerimento da requerente/apelante, apresentado, efectivamente, cerca de um mês depois de a mesma ter sido citada.

Como a requerente/apelante foi casada com o insolvente no regime da comunhão de adquiridos (artigo 1717º do Código Civil), o casamento é anterior à aquisição do imóvel, tal bem será comum do casal formado pela mesma e pelo insolvente, pelo que a ora apelante sempre teria direito a separar da massa insolvente a sua meação no bem comum do casal.

Não está, por conseguinte, aqui em causa, uma divisão de coisa comum, como parece entender a apelante, na sua alegação de recurso.

Como é sabido, e decorre dos artigos 1722º, 1723º e 1726º do Código Civil, no regime de comunhão de adquiridos, existem fundamentalmente duas massas patrimoniais: a dos bens próprios de cada um dos cônjuges e a dos bens comuns.

Como refere PEREIRA COELHO, Curso de Direito da Família, 397, o património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia - embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela.

Cada um dos cônjuges tem, por conseguinte, uma posição jurídica em face do património comum, ou seja, tem, segundo a expressão da lei, um direito à meação, um verdadeiro direito de quota, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar.

É consabido que a comunhão conjugal constitui um património de mão comum ou propriedade colectiva – cfr. ANTUNES VARELA, Direito da Família, 436.

Trata-se de uma situação jurídica que, manifestamente, não cabe na compropriedade, dela se distinguindo de forma clara e inequívoca. Essa distinção assenta na circunstância de os direitos dos contitulares não incidirem sobre cada um dos elementos que constituem o património, mas sobre um todo unitário.

A natureza de propriedade colectiva da comunhão conjugal, assenta basicamente no facto de antes de dissolvido o casamento ou de se decretar a separação judicial de pessoas e bens entre os cônjuges, nenhum deles poder dispor da sua meação nem lhes ser permitido pedir a partilha dos bens que a compõem antes da dissolução do casamento.

O divórcio determina a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, e implica a partilha do casal, na qual, em princípio, cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver (artigo 1689º, nº 1 do Código Civil).

Aos titulares do património colectivo não pertencem direitos específicos - designadamente uma quota - sobre cada um dos bens que integram o património global, não lhes sendo lícito dispor desses bens ou onerá-los, total ou parcialmente. Na partilha dos bens destinada a pôr fim à comunhão, os respectivos titulares apenas têm direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada bem concreto objecto da partilha.

Ora, resulta do artigo 159º do CIRE que verificado o direito de restituição ou separação de bens indivisos ou apurada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens.

Segundo a aludida regra decorrente do CIRE só podem ser liquidados no processo de insolvência bens pertencentes ao devedor, pois só estes respondem pelas suas dívidas. Deste modo, se o insolvente for meramente contitular de bens, relativamente a estes só se liquida o direito que o insolvente tenha sobre tais bens.

A excepção a esta regra, no caso de estar pendente acção de reivindicação, pedido de restituição ou separação de bens apreendidos para a massa insolvente, consta no artigo 160º do CIRE, que completa o regime do artigo 159º, admitindo-se a liquidação em determinadas condições ali previstas.

No caso em apreço, na diligência levada a efeito a 27.11.2012 – que a Exma. Juíza do Tribunal a quo apelidou, no despacho de 29.10.2012 que a designou, de conferência de interessados, mas que na respectiva acta consta como acta de audiência de restituição e separação de bens – foi declarado pela apelante não ter possibilidades para requerer a adjudicação do imóvel em causa, pretendendo, por seu turno, o credor hipotecário/apelado, o pagamento imediato da dívida. Daí que a Exma. Juíza ordenou a venda do imóvel na sua totalidade.

A fracção autónoma designada pelas letras “AA” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 311, constitui património comum do insolvente e do seu ex-cônjuge, a ora apelante, mostrando-se tal fracção autónoma penhorada, desde 2008.09.20 e registada em 20.01.2011, no processo executivo, com o nº .../08.0TBMFR, instaurado pelo credor hipotecário, ora apelado, contra aqueles e referente ao empréstimo por este concedido ao insolvente e ao seu então cônjuge, a ora apelante, e cuja falta de pagamento decorre desde 2007.

Na referida execução, instaurada em 2008, mantém a apelante a qualidade de executada, já que a execução prosseguiu contra ela, de harmonia com o disposto no artigo 88º do CIRE, e não está demonstrado nos autos que a mesma haja sido apensada ao processo de insolvência.

Atenta a fase processual em que tal execução se encontra, irá certamente ser vendido o direito da apelante, ali executada, a uma fracção ideal do bem que constitui o património comum, o mesmo sucedendo na insolvência, com relação ao direito do insolvente.

Em face da peculiar situação existente e a circunstância de a apelante não estar em condições de requerer a adjudicação do imóvel, entende-se que a venda separada dos direitos do insolvente e da apelante se revelará difícil de concretizar, ou a concretizar-se, prejudicará, não só os credores, os terceiros interessados na aquisição do direito integrado na massa insolvente, como também prejudicará a própria apelante, pois a “venda parcial do bem” - direito da apelante sobre o bem imóvel -, a efectivar-se no processo de execução, sê-lo-á, certamente, por um valor inferior àquele que se poderá obter, caso a venda seja realizada globalmente.

Assim, a venda do bem comum do casal deverá ser levada a efeito no processo de insolvência, o que implicará a convolação do direito sobre o bem que a apelante detém, num direito sobre o preço pelo qual o bem venha a ser vendido, na parte que lhe corresponda, com as decorrentes consequências para o processo de execução em que a apelante continua a ser executada.

Pelo exposto, considera-se que o despacho recorrido, pese embora a total ausência de fundamentação, não prejudicou a posição da apelante, antes pelo contrário.

Neste conspecto, improcede a apelação, sendo certo que nunca poderia este Tribunal de recurso determinar um prazo de negociação entre a recorrente e o credor hipotecário, como requer a apelante, na sua alegação de recurso.

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A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 120).

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IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Lisboa, 21 de Março de 2013

Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Maria Martin Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo