ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I Por apenso aos autos de acção executiva que lhes move BANCO X, SA, vieram J e L, deduzir embargos de executado e na sua Petição de embargos, deduziram o incidente de intervenção acessória provocada de C, alegando, em síntese, que celebraram com esta contratos de seguros para garantia do pagamento das prestações de dois empréstimos que pediram à exequente, sendo que a doença do segurado que tem impossibilitado o seu pagamento é posterior à celebração dos contratos de financiamento e de seguro, cabendo à seguradora, por isso, o dever de pagar as quantias reclamadas na execução.
A aludida intervenção veio a ser admitida e a interveniente contestou, alegando que a situação de doença invocada como impeditiva do pagamento é anterior ao seguro e que tal facto, que o segurado omitiu à seguradora, consubstancia exclusão do dever desta de pagar as prestações em dívida à exequente.
Foi proferido saneador sentença a julgar os embargos improcedentes, do qual, inconformados, recorreram os Embargantes, apresentando as seguintes conclusões:
- Os Apelantes foram demandados na sequência da falta de pagamento de prestações dos contratos de concessão de crédito celebrados com o Apelado BANCO X, S.A. respectivamente em 3 de Março de 2000 ( tendo sido mutuado o montante de 1.000.000$00 destinado à aquisição de bens móveis ); em 11 de Julho de 2000 ( tendo sido mutuado o montante de 2.300.000$00, destinado à aquisição de um veículo automóvel), falta essa devida à situação de baixa médica e doença do Apelante.
- Os Recorrentes subscreveram e formalizaram, de igual modo, dois contratos de seguro, com a interveniente C, pelos quais ficaram seguros todos os riscos de morte ou invalidez absoluta e definitiva e a incapacidade temporária absoluta para o trabalho, devido a doença ou acidente com duração mínima de 60 dias, cobrindo os seguros os montantes das mensalidades estipuladas para os contratos de concessão de crédito atentas as condições especiais deste contrato de seguro.
- Em Novembro de 2001, o Apelante veio a adoecer, tendo sofrido um início de acidente vascular, e mais tarde, veio a ser-lhe diagnosticada patologia do foro pulmonar/respiratório (enfisema pulmonar), tendo ficado incapacitado para o trabalho, tendo iniciado baixa médica em 9 de Novembro de 2001.
- Logo que lhe foi possível o Apelante deslocou-se à sede da Apelada em Lisboa, por forma a comunicar a alteração na sua situação financeira, e ainda pretendendo renegociar as prestações dos contratos de crédito, tendo então sido informado por uma funcionária que a situação permitia que fosse accionado o contrato de seguro, sendo então transferida em conformidade, para a entidade Seguradora a responsabilidade pelo pagamento das prestações.
- Posteriormente, a Apelada remeteu ao Apelante o formulário para participação do sinistro, que este devolveu devidamente preenchido e ficou a aguardar serenamente a solução da questão.
- Mais tarde, e julgando que toda a situação estava encaminhada, o Apelante começou a ser alvo de contactos por carta e por telefone pela Apelada sendo-lhe pedido o pagamento das prestações em atraso, face ao que o Recorrente explicou que toda a situação se mostrava a ser conduzida no âmbito de uma participação de sinistro por forma a fazer operar o contrato de seguro e nessa sequência veio o Apelante a ser contactado pela primeira vez pela Seguradora C, a qual lhe pediu o envio de elementos a preencher pelo médico Assistente, pedido este satisfeito pelo Recorrente, que remeteu documentação aos serviços daquela Seguradora;
- Contudo, a Seguradora C acabou por alegar, de forma deveras ambígua e pouco esclarecedora a situação de exclusão de aplicação do seguro, no que diz respeito ao processo de Sinistro do Apelante.
- Os Recorrentes e Embargantes deduziram, em sede de acção executiva, incidente de intervenção acessória provocada da C, atenta a existência de acção de regresso dos aqui Recorridos contra aquela seguradora, e com vista à indemnização dos mesmos, em sede própria, do prejuízo causado com a perda da demanda executiva, incidente que veio a ser deferido de forma favorável aos Executados, Embargantes e aqui Recorrentes, tendo a Seguradora sido chamada à demanda executiva.
- A Seguradora C, apresentou articulado de defesa no qual pugna pela sua tese de doença pré existente do Apelante, a qual constituiria condição de exclusão no que ao Contrato de Seguro diz respeito, contemplando, assim, e sustentada aquela tese, a não responsabilização da Chamada pelo pagamento das prestações em dívida no âmbito dos contratos de concessão de crédito subscritos pelos aqui recorrentes.
- A Chamada sustenta a sua tese baseada em documento junto aos autos e denominado "Ficha de avaliação médica" subscrito em 13 de Janeiro de 2003, pelo Exm.° Senhor Dr. C G, o qual faz uma reinterpretação dos elementos facultados pelo seu Ilustre Colega Exm.° Senhor Dr. J M - médico assistente do Apelante - a propósito do seu estado de saúde - vejam-se documentos 1 e dois juntos com o articulado oferecido pela Chamada C.
- A Chamada, ao defender a sua tese de pré existência de doença e consequente condição de exclusão de aplicação do contrato de seguro outorgado, tem por base a apreciação feita pelo Sr. Dr. C G do Questionário médico elaborado e preenchido pelo Sr. Dr. J M, todavia, olvida a Chamada que, foram solicitados esclarecimentos adicionais ao Apelante por parte dela Chamada, e que em 29 de Novembro de 2002, foi remetida via Fax declaração médica subscrita pelo Sr. Dr. J M, médico Assistente do Embargado, através da qual foi precisado que o Embargante sofre de Insuficiência respiratória crónica, cujos primeiros sintomas datam de Janeiro de 2001, ou sela, em data já posterior à celebração dos contratos (de concessão de crédito e de seguro) - vejam-se os documentos n.°s 8, 9, 10 e 11 juntos à petição de Embargos de executado.
- Entendem os Recorrentes que a prova produzida nos autos é insuficiente e pouco esclarecedora para propalar-se uma decisão final neste estádio processual, salvo o devido respeito, porque contém em si posições e conteúdo contraditório, bem como terminologia médica a melhor esclarecer, nem sendo o caso vertente em sede de matéria controvertida - classificação exacta da doença e momento de surgimento dos primeiros sintomas, com anterioridade ou não à subscrição do contrato de seguro com a chamada - passível de ser solucionado, sem que haja recurso a prova adicional, do foro testemunhal, documental, e essencialmente do foro pericial.
- Aliás, a contradição de entendimentos entre os dois médicos que apreciaram a questão, será necessário obter perícia médica que permita esclarecer cabalmente o Tribunal acerca de qual dos profissionais de medicina em causa fez uma mais correcta apreciação e enunciação da questão médica a discutir, a qual tem influencia directa no resultado final da demanda,
- Face à verificação de contradições na prova, deveriam as partes litigantes ter vindo a ser notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 512° do C.P.C. sendo-lhes dada oportunidade, em concreto aos aqui recorrentes, porque directamente prejudicados com a decisão final nos vertentes autos, a possibilidade de apresentar rol de testemunhas, requerer outras provas ou alterar os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados e requererem a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo, havendo lugar a audiência de discussão e julgamento.
- Ademais, a produção de prova adicional, designadamente perícia médica, seria relevante e imprescindível por forma a aferir e apreciar da questão do contrato de seguro, e da verificação de acção de direito de regresso dos ora recorrentes contra a Chamada C, pela perda da demanda executiva em causa.
- A decisão recorrida violou os artigos 3º, 3º-A, 510º, 511º e 512º do CPCivil e ainda o disposto nos artigos 20º e 60º, nº1 da CRPortuguesa, uma vez que lhes coarctou as garantias de defesa impedindo-os de utilizar meios de prova adicionais e de lograr provar e fazer valer os respectivos direitos, nomeadamente em sede de direito de regresso contra a chamada C.
Apenas a Interveniente C contra alegou pugnado pela manutenção do julgado.
II Posto que os Apelantes não põem em causa a falta de pagamento das prestações que deram origem à execução, esta questão não constitui objecto do conhecimento do recurso, sendo o único problema a resolver o de saber se, por efeito do chamamento, a seguradora é responsável, perante o Apelante, pela cobertura das consequências danosas do risco objecto do contrato de seguro havido com aquele e com a Apelante e se a oposição deveria prosseguir, porque conhecida prematuramente em sede de saneador sentença.
A sentença sob recurso deu como assentes os seguintes factos:
- O embargado/exequente é uma instituição de crédito.
- No exercício da sua actividade, o embargado celebrou com os embargantes/executados, a 3 de Março de 2000, um contrato de concessão de crédito, no qual o embargado concedeu aos embargantes um crédito no valor de Esc.1000.000$00, destinado à aquisição de bens móveis, o qual se encontra a fls 14 e 15 dos autos de execução e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
- De acordo com o estipulado no acordo referido, os embargantes assumiram a obrigação de liquidar, mensalmente, o montante contratado em 48 prestações, iguais e sucessivas, no valor de 31.628$00 cada.
- Os embargantes deixaram de pagar as prestações mencionadas, tendo efectuado o último pagamento em 20/9/2002.
- Em face do referido, o embargado procedeu à resolução do acordo referido em 2), em 03104/2003, exigindo antecipadamente a restituição por inteiro de todas as restantes prestações e demais encargos contratuais
- No exercício da sua actividade, o embargado celebrou com os embargantes/executados, a 11 de Julho de 2000, um contrato de concessão de crédito, no qual o embargada concedeu aos embargantes um crédito no valor de Esc. 2.300.000$00, destinado à aquisição de um veículo automóvel, da marca SEAT, modelo IBIZA SIGNO 1.0, matrícula…, o qual se encontra de fls. 16 dos autos de execução e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- De acordo com o estipulado no acordo referido em 6), os embargantes assumiram a obrigação de liquidar, mensalmente, o montante contratado em 60 prestações, iguais e sucessivas, no valor de Esc. 52.591$00 cada.
- Os embargantes deixaram de pagar as prestações mencionadas, tendo efectuado o último pagamento em 20/09/2002.
- Em face do referido, o embargado procedeu à resolução do acordo, em 03/04/2003, exigindo antecipadamente a restituição por inteiro de todas as restantes prestações e demais encargos contratuais.
- Os embargantes aderiram, relativamente aos contratos mencionados aos contratos de seguros facultativos mencionados nos documentos de fls. 14 v° e 16 v° dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Pelos seguros referidos, ficaram seguros os riscos de morte ou invalidez absoluta e definitiva e a incapacidade temporária absoluta para o trabalho, devido a doença ou acidente com uma duração mínima de 60 dias, cobrindo os seguros o montante das mensalidades estabelecidas contratualmente, nos contratos de crédito, compreendidas entre as datas de baixa e alta da situação de incapacidade, no máximo de 36 meses.
- Da cobertura dos seguros referidos encontram-se excluídos os seguintes riscos:
- Os ocorridos em consequência de incapacidade pré-existente (nos doze meses anteriores ao início do contrato) ou resultante de afecções pré-existentes;
- Os resultantes de rixas ou ferimentos intencionalmente auto-infligidos;
- Os resultantes do uso de drogas não prescritas medicamente ou bebidas alcoólicas;
- Os resultantes de parto, gravidez ou aborto,
- As afecções por neuropatias ou algiopatias cujos sintomas ou manifestações não tenham comprovação clínica;
- Os sinistros que ocorram por radiações nucleares ou contaminação radioactiva;
- Os actos de guerra;
- A chamada C é a seguradora dos seguros mencionados, cuja apólice consta de fls. 122 a 133 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- O embargante encontra-se em situação de «baixa da Segurança Social desde 09/1112001», como consta referido no documento de fls. 14 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- A chamada C remeteu ao embargante as cartas, cujas cópias se encontram de fls. 15 a 20 e 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Em 29/11/2002, por fax, o embargante remeteu à chamada o documento que se encontra sob cópia de fls. 21 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- O médico assistente do embargante, Dr. J M, preencheu em 11/02/2002, questionário médico, nos termos que constam da cópia que se encontra a fls. 114 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- O Dr. C G, preencheu em 13/01/2003, o documento que se encontra sob cópia a fls. 115 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado «COMPANHIA DE SEGUROS C — FICHA DE AVALIAÇÃO MÉDICA SINISTRO INCAPACIDADE TEMPORÁRIA».
A questão decidenda no âmbito do presente recurso é a de saber se os Apelantes têm ou não direito a obter uma sentença que conheça das questões de que dependa o seu invocado direito de regresso contra a interveniente C, por forma a que o possam fazer valer numa futura acção de indemnização, tal como preceitua o normativo inserto no artigo 332º, nº4 do CPCivil.
Antes de mais, contudo, façamos um pequeno sobrevoo sobre a acção executiva e os embargos que lhe sobrevieram, onde veio a ser suscitado e admitido o incidente de intervenção acessória da seguradora Cardif.
1. Da execução, da oposição e da admissibilidade da dedução do incidente de intervenção acessória.
A Apelada instaurou a execução de que estes embargos são dependência, com base em documentos particulares, assinados pelos Apelantes e de onde consta o reconhecimento feito por estes das dívidas assumidas: tais documentos constituem títulos executivos, nos termos do artigo 46º, alínea c) do CPCivil, sendo que os mesmos definem o fim e os limites da acção executiva, tal como dispõe o normativo inserto no artigo 45º, nº1 do mesmo compêndio processual.
Retira-se deste último segmento normativo conjugado com o artigo 55º, nº1 do CPCivil, que o título executivo determina o tipo de acção e o seu objecto, para além de definir a legitimidade activa e passiva das partes (sem prejuízo dos desvios à regra geral da determinação da legitimidade insertas nos artigos 56º e 57º do CPCivil, que se não cura aqui), cfr Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, 116, Lebre de Freitas, Acção Executiva à luz do código revisto, 2ª edição, 31, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 1999, 37.
In casu, o Exequente/Apelado instaurou contra os Apelados uma acção executiva para pagamento de quantia certa, com vista à obtenção coerciva do seu direito de crédito.
Os Apelantes, deduziram oposição à execução, aceitando quer os contratos havidos com o Exequente, quer a falta de pagamento das obrigações pecuniárias a que se obrigaram por força dos mesmos, como decorre dos artigos 1º e 2º do seu Requerimento Inicial, mas vieram aduzir a sua irresponsabilidade na satisfação da obrigação exequenda, uma vez que, por força de um contrato de seguro havido com Cardif Portugal, para esta transferiram as responsabilidades decorrentes daqueles contratos, nomeadamente, por motivo de doença.
A oposição à execução, constitui um contra acção movida pelo Executado contra o Exequente, com a finalidade de obstar à produção dos efeitos decorrentes do accionamento do título executivo, constituindo uma acção declarativa em que aquele assume a autoria de um procedimento declarativo destinado a contestar o direito deste, quer impugnando a exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo poderiam constituir matéria de excepção, cfr artigos 812º e seguintes do CPCivil.
No caso sub judice os Apelantes não se limitaram a deduzir a sua oposição, alegando a existência de um contrato de seguro que na sua tese os eximiria das responsabilidades exequendas.
Os Apelantes na sua oposição foram mais além, requereram a intervenção acessória da seguradora, nos termos do artigo 330º do CPCivil, a fim de fazerem valer o seu direito de regresso contra aquela.
A intervenção suscitada foi admitida por despacho transitado em julgado e, por isso, não se irão fazer quaisquer considerações no que tange à bondade do mesmo.
Mas, sempre se diz, que uma coisa é esse despacho de admissão e outra coisa é a discussão substantiva das questões subjacentes à acção de regresso, tendo em atenção que a sentença proferenda produz caso julgado em relação ao chamado, relativamente a essas questões, de harmonia com o disposto no artigo 332º, nº4 do CPCivil.
Queremos nós significar com isto que o despacho que ordene o prosseguimento do incidente é um despacho meramente indiciário e formal, enquanto a sentença já tem por base a relação jurídica subjacente ao direito de regresso, isto é, irá versar sobre a análise do direito substantivo.
E é precisamente neste particular que começam as perplexidades destes embargos e da intervenção acessória da seguradora C, já que, tratando-se como se trata de uma oposição à execução que está previamente definida em termos de legitimidade dos seus intervenientes, acrescendo a circunstância de a mesma constituir uma intercorrência entre estes e só estes intervenientes (Exequente e Executado), que serve apenas as finalidades da acção executiva, cfr neste sentido Lebre de Freitas, ibidem, 160.
Daqui decorre, a impossibilidade, por um lado, de enxertar uma outra acção declarativa com vista ao reconhecimento eventual da responsabilidade de um terceiro pela divida exequenda por força de um alegado direito de regresso, pois esse reconhecimento levaria a uma subversão total do processo executivo, maxime, às suas regras excepcionais atinentes aos desvios à legitimidade que assinalamos supra, cfr quanto aos desvios excepcionais o Ac STJ de 29 de Novembro de 2004 (Relator Cons Neves Ribeiro), in www.dgsi.pt; por outro lado, sem embargo de constituírem uma acção declarativa, a sentença produzida não visa a declaração de direitos, não obstante defina, com força de caso julgado, a situação jurídica existente entre as partes (Exequente e Executado) e dentro dos limites objectivos definidos pelo pedido executivo, sendo certo que este, por seu turno, está espartilhado pelo título que serve de base à execução.
Resulta assim claro que a pretensão dos Apelantes no que tange à continuação da acção para aferição da eventual responsabilidade da seguradora Interveniente, está condenada ao insucesso, sendo certo que em termos processuais nunca poderia a sentença proferida em sede de embargos fazer caso julgado em relação à Interveniente C, como já se referiu supra.
Sempre se diz ex abundanti que no incidente de intervenção acessória provocada, o chamado tem uma posição de auxiliar na defesa do chamante, proporcionando-lhe uma defesa conjunta, uma vez que por virtude da relação jurídica conexa, aquele irá responder pelo dano que para este resultar da perda da demanda, cfr Salvador da Costa, in Incidentes da Instância, 4ª edição, 137.
Ora, em processo de oposição à execução não se pode falar em sucumbência, sem prejuízo de se poder falar, caso a mesma seja julgada procedente sem ser por razões de forma, numa definição da situação entre Exequente e Executado que opera em termos de extinção da acção executiva, de onde se poder concluir na inadmissibilidade do conhecimento da pretensão dos Apelantes nesta sede (bem como somos da opinião de que este tipo de incidente é inadmissível quer em sede de acção executiva «tout court», quer em sede de oposição à mesma, «O chamamento à demanda visa fazer condenar, conjuntamente com o demandado, o chamado: pressupõe que o chamado é, ao lado do demandado, sujeito passivo da relação jurídica controvertida, isto é, da mesma obrigação do chamante (...). No chamamento à demanda o demandado quer que os outros responsáveis sejam colocados na posição de réus para, dado o caso de a acção proceder, serem condenados conjuntamente com ele. Ou seja, o chamamento tem o objectivo de trazer para o processo pessoas que podiam ser demandadas conjuntamente com o réu", in Ac STJ de 19 de Março de 1991, BMJ 405/413).
A utilidade deste incidente de intervenção de terceiros, consiste em o demandado trazer para o processo novos réus, que podem ajudá-lo na defesa e, se o demandado houver de pagar a totalidade, fica em melhor posição para exercer o direito de regresso (se o tiver) contra os restantes co-devedores.
Ora, é bem de ver, que a estrutura de tal incidente não é compatível com a acção executiva em apreço, nem mesmo em sede de oposição («(…) Este incidente é incompatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, mesmo na fase de oposição de executado, (…) porque os fins de uma e outra são inconciliáveis, além do mais porque a acção executiva não comporta decisão condenatória, pressuposto essencial do incidente em análise. (…), apud Salvador da Costa, l.c., 138.
Assim sendo, teremos de concluir que a intervenção acessória suscitada pelos Apelantes é incompatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, mesmo na fase de oposição, porque os fins são inconciliáveis.
2. Do fundamento da oposição à execução.
No que tange à aferição do fundamento de oposição à execução, formulado pelos Apelantes, consistente na existência do contrato de seguro de vida com a seguradora Cardiff, também o mesmo não colhe, não obstante as nossas razões sejam diversas das da sentença sob recurso.
Se não.
O contrato de seguro havido entre os Apelantes e a Interveniente, é um contrato comercial, cfr artigos 425º e 455º do CComercial, de onde a solidariedade existente entre aqueles, na obrigação de pagamento das prestações em divida para com o Apelado, ex vi do artigo 100º daquele mesmo diploma legal, de onde resultar para este a faculdade de demandar aqueles Apelantes, em acção executiva, com vista à satisfação da quantia omitida, como fez, ou de os demandar conjuntamente com a interveniente (mas aqui em sede de acção declarativa, como infra se irá explicar), cfr artigo 512º do CCivil.
É que, não obstante a possibilidade que a Lei concede ao Apelado de poder demandar conjuntamente os obrigados solidários, pode acontecer, como aconteceu in casu, que quanto a uns tenha um título executivo e quanto a outro potencial obrigado o não tenha, vendo-se assim confrontado com a necessidade de uma acção declarativa prévia contra este último.
Nestes casos, porque se trata de uma obrigação solidária, o que significa que cada um dos devedores responde pela prestação integral e a satisfação desta todos libera, o Apelado demandou apenas os Apelantes, o que lhe era legalmente admissível, nos termos do normativo inserto no artigo 519º, nº1 do CCivil, sendo certo que a defesa apresentada por estes – existência do contrato de seguro – não os libera, à partida, das obrigações assumidas perante o Exequente Apelado: enquanto devedores solidários são responsáveis perante aquele pelo pagamento da quantia exequenda, o que faz claudicar a pretensão exposta em sede de recurso da anulação da sentença recorrida, com vista ao prosseguimento da acção para a selecção da matéria de facto controvertida nos autos.
Assim sendo, irrelevante se torna, nesta oposição, esgrimir com a existência de tal contrato, porque carece de qualquer efeito extintivo da acção executiva: os Apelantes são obrigados solidários e por isso responsáveis perante o Apelado.
Daqui se abarca, que no bom rigor dos princípios, a oposição deveria ter sido indeferida liminarmente nos termos do artigo 817º, nº1, alínea c) do CPCivil, mas não o tendo sido, deveria então ser julgada improcedente, não pela análise das eventuais irregularidades do contrato de seguro, por omissão de dados por banda do Apelante à Interveniente – que transcende o âmbito desta oposição, na medida em que não é oponível ao Apelado – mas, não o tendo sido, deveria então ter sido julgada improcedente, não pelo fundamento constante da sentença recorrida, que concluiu que a responsabilidade pelo não pagamento das prestações pelos Apelantes não se encontrava coberta pelo contrato de seguro, mas antes porque as razões invocadas por estes, nesta sede de oposição à execução - (existência desse contrato de seguro com a consequente transferência de responsabilidade para a seguradora Interveniente) –não se enquadra em qualquer dos fundamentos aludidos nos artigos 814º e 816º do CPCivil, maxime no constante da alínea g), daquele artigo 814º, uma vez que, como já se viu, os Apelantes são obrigados solidários com a Interveniente.
As conclusões estão, assim, condenadas ao insucesso.
3. Das arguidas violações aos preceitos constitucionais.
Mas, cumpre-nos tecer, ainda, algumas considerações sobre as imputadas violações da sentença recorrida aos preceitos constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do direito dos consumidores, consagrados nos artigos 20º e 60º da nossa Lei fundamental.
Vejamos, então.
O acesso à justiça, constitui uma garantia constitucional dos cidadãos, prevenida no artigo 20º, nº1 da CRP, com o seu consequente reflexo a nível processual, cfr artigo 2º do CPCivil: mas, uma coisa é os cidadãos poderem recorrer aos Tribunais, outra coisa será a apreciação da pretensão formulada, por estes órgãos.
Aquele direito geral de acesso à justiça e aos Tribunais (o princípio pro actione), por si só, não constitui qualquer aferição prévia da admissibilidade do pedido formulado, mas antes a consagração de um direito fundamental qual é o da liberdade concedida aos interessados de poderem recorrer a juízo e de obterem uma decisão sobre a questão suscitada, cfr Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2005, tomo I/176.
Tal direito de aceder aos órgãos competentes, não se confunde com a tutela jurisdicional da pretensão, já que esta tutela pressupõe uma previsão legal que confira ao interessado um direito subjectivo, sendo esta a dialéctica entre direito e correspectivo dever, e uma vez violado aquele, por falta de cumprimento deste, poderá ser pedida e obtida do órgão judicial competente uma decisão a reconher o direito e/ou a obrigar à sua realização coerciva, artigo 2º, nº2 do CPCivil.
In casu, os Apelantes acederam ao Tribunal, deduzindo a sua oposição, não lhes tendo sido coarctado tal meio.
Questão diversa, foi a da improcedência dos embargos, mas, este conspectu, tem a ver com a tutela jurisdicional em sentido amplo, que abrange o conhecimento do objecto da lide, porque a titularidade do direito de acesso aos Tribunais não pressupõe a efectiva titularidade do direito ou interesse legalmente protegido, cfr Jorge Miranda e Rui Medeiros, l.c., 187.
No caso sub juditio o direito que os Apelantes se arrogavam em sede de oposição – de irresponsabilidade no pagamento da quantia exequenda, por força do contrato de seguro – foi conhecido em sede de sentença (sem embargo de a oposição deduzida ter sido julgada improcedente por fundamentos diversos dos que ora se alinharam), tendo-se dado cumprimento integral àquele normativo constitucional ínsito no artigo 20º da CRPortuguesa.
Quanto à violação do direito dos consumidores, a que alude o artigo 60º da CRPortuguesa, aplicam-se mutatis mutandis, as mesmas considerações: o direito dos Apelantes, enquanto consumidores, não foi violado pela sentença recorrida, a qual o apreciou na vertente possível, da solução de direito prefigurada, tendo concluído que, não obstante a existência de um contrato de seguro, o mesmo não os eximia do pagamento da quantia exequenda (vertente esta que não se subscreve, como expusemos supra).
Por outra banda, tendo em atenção que a oposição à execução visa a extinção da execução, total ou parcial, nos termos do nº4 do artigo 817º do CPCivil e que a sua eficácia se produz entre as partes interessadas, isto é, Exequente e Executado, cfr Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 2003, vol 3º/325,daqui deflui que, a improcedência da oposição, não é oponível a terceiros que não constem do título executivo como obrigados, podendo sempre vir a ser demandados, em acção declarativa própria, se houver fundamentos para tanto.
Quer dizer, os Apelantes apesar de terem visto naufragar a sua pretensão em sede de embargos, o seu eventual direito a virem posteriormente a accionar a seguradora C não ficou precludido, o que lhes está vedado é em sede de execução e oposição a esta, fazerem valer o direito de regresso que se arrogam, de harmonia com o disposto no artigo 524º do CCivil.
Improcedem, in totum, as conclusões dos Apelantes.
III Destarte, julga-se a Apelação improcedente, e embora com fundamentação totalmente diversa, confirma-se a sentença sob recurso.
Custas pelos Apelantes, sem prejuízo do patrocínio judiciário que lhes foi concedido, com pagamento dos honorários à sua Exª Patrona Oficiosa, conforme a tabela.
Lisboa, 30 de Novembro de 2006
(Ana Paula Boularot, Relatora por vencimento)
(Lúcia de Sousa)
(Francisco Magueijo, Relator vencido conforme declaração e projecto de Acórdão que junta)
Além do teor do projecto que apresentei ao colectivo e que não fez vencimento, aduzo o seguinte:
O Tribunal «a. quo» admitiu a intervenção acessória provocada da seguradora C (fls 107) intervenção requerida pelos executados/embargantes/recorrentes (fis 7) mas a que a própria exequente/embargada veio, depois, a manifestar o seu apoio (fis 106).
Citada, a seguradora apresentou oportunamente a sua contestação.
No saneador não se detectou obstáculo processual ao conhecimento de mérito da questão (responsabilidade da seguradora) que opõe os embargantes à iriterveniente.
A oposição e os documentos que esta produziu levaram o tribunal «a quo» a ter os factos, que alegou, em devida conta. A sentença, objecto do presente recurso, concluiu pela procedência da dita oposição com fundamento na anulabilidade dos seguros invocados pelos embargantes. Nomeadamente ali foi dito em jeito de conclusão que a responsabilidade pelo
não pagamento das prestações não pagas pelos embargantes não se mostra coberta pela garantia dos seguros a que o embargante aderiu e, nessa medida, aqueles mantêm-se os responsáveis pelo pagamento das quantias a que se vincularam pagar, mas que não solveram.
Por tudo, que também tem a ver com os princípios da economia e aproveitamento processuais, temos para nós que não há razões formais que justifiquem o não conhecimento da questão da responsabilidade da seguradora, posta pelos embargantes.
Ademais a decisão que julga o recurso deve conter-se no âmbito do objecto deste, delimitado, como é sabido, pelas conclusões do mesmo.
Francisco Magueijo
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
Os recorrentes deduziram embargos de executado contra a recorrida/exequente, tendo alegado, em síntese, que celebraram com a seguradora C contratos de seguros para garantia do pagamento das prestações de dois empréstimos que pediram à exequente, sendo que a doença do segurado que tem impossibilitado o seu pagamento é posterior à celebração dos contratos de financiamento e de seguro, cabendo à seguradora, por isso, o dever de pagar as quantias reclamadas na execução.
Admitida à acção, na sequência de intervenção acessória provocada pelos embargastes/executados/recorrentes, a seguradora C contestou, alegando, no essencial, que a situação de doença invocada como impeditiva do pagamento é anterior ao seguro e que tal facto, que o segurado omitiu à seguradora, consubstancia exclusão do dever desta de pagar as prestações em dívida à exequente.
Foi proferido saneador-sentença, do qual resultou decisão a declarar a improcedência dos embargos.
Não se conformando, os executados/embargastes, recorreram dela, tendo alegado e concluído, assim:
1. A decisão recorrida ( saneador - sentença) na origem do presente recurso de Apelação, resulta de Acção Executiva ordinária interposta pela Instituição de Crédito BANCO X, S.A., contra os ora recorrentes, na sequência de contratos'`de concessão de crédito celebrados pelos recorrente com o recorrido BANCO X, S.A. respectivamente em 3 de Março de 2000 ( tendo sido mutuado o montante de 1.000.000$00 destinado à aquisição de bens móveis ); em 11 de Julho de 2000 ( tendo sido mutuado o montante de 2.300.000$00, destinado à aquisição de um veículo automóvel);
2. Atenta a situação de doença e baixa médica do embargante marido, os recorrentes ficaram impossibilitados de proceder ao pagamento das prestações subsequentes dos supra aludidos contratos de concessão de crédito, datado o pagamento das ultimas prestações de 20.09.2002.
3. Sucede que, os embargantes e ora recorrentes subscreveram e formalizaram, de igual modo, dois contratos de seguro, pelos quais ficaram seguros todos os riscos de morte ou invalidez absoluta e definitiva e a incapacidade temporária absoluta para o trabalho, devido a doença ou acidente com duração mínima de 60 dias, cobrindo os seguros os montantes das mensalidades estipuladas para os contratos de concessão de crédito atentas as condições especiais deste contrato de seguro;
4. Na verdade, a seguradora C, é que celebrou os aludidos contratos de seguro com os aqui recorrentes.
5. Em Novembro de 2001, o recorrente veio a adoecer, tendo sofrido um início de acidente vascular, e tendo, mais tarde, vindo a ser-lhe diagnosticada patologia do foro pulmonar/respiratório (enfisema pulmonar), tendo ficado incapacitado para o trabalho e tendo ihiciado baixa médica em 9 de Novembro de 2001.
6. Ora, logo que lhe foi possível o Embargante marido deslocou-se à sede da Embargada em Lisboa, por forma a comunicar a alteração na sua situação financeira, e ainda pretendendo renegociar as prestações dos contratos de crédito, tendo então sido informado por uma funcionaria da Embargada de que a situação permitia que fosse accionado o contrato de seguro, sendo então transferida em conformidade, para a entidade Seguradora a responsabilidade pelo pagamento das prestações;
7. Posteriormente, a Embargada remeteu ao Embargante formulário para participação do sinistro, que este devolveu devidamente preenchido e ficou a aguardar serenamente a solução da questão,.
8. Mais tarde, e julgando que toda a situação estava encaminhada, o Embargante começou a ser alvo de contactos por carta e por telefone pela Embargada sendo-lhe pedido o pagamento das prestações em atraso, face ao que o recorrente explicou que toda a situação se mostrava a ser conduzida no âmbito de uma participação de sinistro por forma a fazer operar o contrato de seguro;
9. Sequencialmente, veio o embargante a ser contactado pela primeira vez pela Seguradora C, a qual lhe pediu o envio de elementos a preencher pelo médico Assistente, pedido este satisfeito pelo recorrente, que remeteu documentação aos serviços daquela Seguradora;
10. Contudo, a Seguradora C acabou por alegar, de forma deveras ambígua e pouco esclarecedora a situação de exclusão de aplicação do seguro, no que diz respeito ao processo de Sinistro do Embargante J;
11. Os recorrentes e embargantes deduziram, em sede de acção executiva, incidente de intervenção acessória provocada da C, atenta a existência de acção de regresso dos aqui recorridos contra aquela seguradora, e com vista à indemnização dos mesmos, em sede própria, do prejuízo causado com a perda da demanda executiva, incidente que veio a ser deferido de forma favorável aos executados, embargantes e aqui recorrentes, tendo a Seguradora sido chamada à demanda executiva.
12. A Chamada Seguradora C, apresentou articulado de defesa no qual pugna pela sua tese de doença pré existente do Embargante marido, a qual constituiria condição de exclusão no que ao Contrato de Seguro diz respeito, contemplando, assim, e sustentada aquela tese, a não responsabilização da Chamada pelo pagamento das prestações em dívida no âmbito dos contratos de concessão de crédito subscritos pelos aqui recorrentes;
13. A Chamada sustenta a sua tese baseada em documento junto aos autos e denominado "Ficha de avaliação médica" subscrito em 13 de Janeiro de 2003, pelo Exm.° Senhor Dr. C G, o qual faz uma reinterpretação dos elementos facultados pelo seu Ilustre Colega Exm.° Senhor Dr. J M - médico assistente do embargante - a propósito do estado de saúde dele Embargante vejam-se documentos 1 e dois juntos com o articulado oferecido pela Chamada C;
14. A Chamada, ao defender a sua tese de pré existência de doença e consequente condição de exclusão de aplicação do contrato de seguro outorgado, tem por base a apreciação feita pelo Sr. Dr. C G do Questionário médico elaborado e preenchido pelo Sr. Dr. J M, todavia, olvida a Chamada que, foram solicitados esclarecimentos adicionais ao Embargante por parte dela Chamada, e que em 29 de Novembro de 2002, foi remetida via Fax declaração médica subscrita pelo Sr. Dr. J M, médico Assistente do Embargado, através da qual foi precisado que o Embargante sofre de Insuficiência respiratória crónica, cujos primeiros sintomas datam de Janeiro de 2001, ou sela, em data já posterior à celebração dos contratos (de concessão de crédito e de seguro) - vejam-se os documentos n.°s 8, 9, 10 e 11 juntos à petição de Embargos de executado.
15. Entendem os recorrentes que a prova produzida nos autos é insuficiente e pouco esclarecedora para propalar-se uma decisão final neste estádio processual, salvo o devido respeito, porque contém em si posições e conteúdo contraditório, bem como terminologia médica a melhor esclarecer, nem sendo o caso vertente em sede de matéria controvertida classificação exacta da doença e momento de surgimento dos primeiros sintomas, com anterioridade ou não à subscrição do contrato de seguro com a chamada - passível de ser solucionado, sem que haja recurso a prova adicional, do foro testemunhal, documental, e essencialmente do foro pericial,
16. Aliás, a contradição de entendimentos entre os dois médicos que apreciaram a questão, será necessário obter perícia médica que permita esclarecer cabalmente o Tribunal acerca de qual dos profissionais de medicina em causa fez uma mais correcta apreciação e enunciação da questão médica a discutir, a qual tem influencia directa no resultado final da demanda;
17. Face à verificação de contradições na prova, deveriam as partes litigantes ter vindo a ser notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 512° do C.P.C. sendo-lhes dada oportunidade, em concreto aos aqui recorrentes, porque directamente prejudicados com a decisão final nos vertentes autos, a possibilidade de apresentar rol de testemunhas, requerer outras provas ou alterar os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados e requererem a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo, havendo lugar a audiência de discussão e julgamento;
18. Ademais, a produção de prova adicional, designadamente perícia médica, seria relevante e imprescindível por forma a aferir e apreciar da questão do contrato de seguro, e da verificação de acção de direito de regresso dos ora recorrentes contra a Chamada C, pela perda da demanda executiva em causa.
19. Destarte, a decisão recorrida viola de modo flagrante os seguintes preceitos legais: artigo 3° do CP.0 (principio do contraditório); artigo 3° A do C.P.0 (i Idade); artigos 510°, 511° e 512° do CP.0 precisamente porque a decisão recorrida não tem por base sustentáculo probatório bastante, devendo haver lugar a produção de prova subsequente e realização de audiência de discussão e julgamento, sendo então, a final, decidida a causa.
20. Mais viola a decisão colocada em crise o disposto nos artigos 20° e 60° n. ° 1 in fine da Constituição da República portuguesa, pois que atenta a insuficiência da prova produzida, e as contradições que a mesma apresenta, o saneador - sentença proferido coarcta as garantias de defesa dos recorrentes, impedindo-os de utilizar meios de prova adicionais e de lograr provar e fazer valer os respectivos direitos , nomeadamente em sede de acção de Direito de regresso contra a Chamada C, limitando-os no legitimo direito e expectativa a ver reparados os danos causados pela Chamada no âmbito da sua actividade de seguradora em relação directa com os consumidores, os aqui embargastes.
21. Tudo considerado, deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que proceda à selecção da matéria de facto, sendo as partes notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 512° do CP. C, seguindo-se a audiência de discussão e julgamento.
A chamada C contra alegou, tendo aí defendido a manutenção da sentença.
Questões
Visto o teor das conclusões do recurso, importa, no essencial, apreciar e decidir: se não estavam, quando do saneador, demonstrados factos suficientes para logo se proferir decisão de mérito; se decidindo-se como o foi, foram violados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, bem como os arts 20 e 60 n° 1 da CRP.
Factos Provados, tal como vêm definidos da 1ª instância:
1- O embargado/exequente é uma instituição de crédito;
2- No exercício da sua actividade, o embargado celebrou com os embargantes/executados, a 3 de Março de 2000, um contrato de concessão de crédito, no qual
o embargada concedeu aos embargantes um crédito no valor de Esc. 1.000.000$00, destinado à aquisição de bens móveis, o qual se encontra de fls. 14 e 15 dos autos de execução e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida;
3- De acordo com o estipulado no acordo referido em 2), os embargantes assumiram a obrigação de liquidar, mensalmente, o montante contratado em 48 prestações, iguais e sucessivas, no valor de Esc. 31.628$00 cada;
4- Os embargantes deixaram de pagar as prestações mencionadas em 3), tendo efectuado o último pagamento em 20/09/2002;
5- Em face do referido em 4), o embargado procedeu à resolução do acordo referido em 2), em 03104/2003, exigindo antecipadamente a restituição por inteiro de todas as restantes prestações e demais encargos contratuais;
6- No exercício da sua actividade, o embargado celebrou com os embargantes/executados, a 11 de Julho de 2000, um contrato de concessão de crédito, no qual o embargada concedeu aos embargantes um crédito no valor de Esc. 2.300.000$00, destinado à aquisição de um veículo automóvel, da marca SEAT, modelo IBIZA SIGNO 1.0, matrícula…, o qual se encontra de fls. 16 dos autos de execução e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
7- De acordo com o estipulado no acordo referido em 6), os embargantes assumiram a obrigação de liquidar, mensalmente, o montante contratado em 60 prestações, iguais e sucessivas, no valor de Esc. 52.591$00 cada;
8- Os embargantes deixaram de pagar as prestações mencionadas em 7), tendo efectuado o último pagamento em 20/09/2002;
9- Em face do referido em 8), o embargado procedeu à resolução do acordo referido em 6), em 03/04/2003, exigindo antecipadamente a restituição por inteiro de todas as restantes prestações e demais encargos contratuais;
10- Os embargantes aderiram, relativam,ente aos contratos mencionados nos doc de fls 14v e 16v dos autos de ex, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11- Pelos seguros referidos em 10), ficaram seguros os riscos de morte ou invalidez absoluta e definitiva e a incapacidade temporária e absoluta para o trabalho, devido a doença ou acidente com uma duração mínima de 60 dias, cobrindo os seguros o montante das mensalidades estabelecidas contratualmente, nos contratos de crédito, compreendidas entre as datas de baixa e alta da situação de incapacidade, no máximo de 36 meses;
12- Da cobertura dos seguros referidos em 10) encontram-se excluídos os seguintes riscos:
- Os ocorridos em consequência de incapacidade pré-existente (nos doze meses anteriores ao início do contrato) ou resultante de afecções pré-existentes;
- Os resultantes de rixas ou ferimentos intencionalmente auto-infligidos;
- Os resultantes do uso de drogas não prescritas medicamente ou bebidas alcoólicas;
- Os resultantes de parto, gravidez ou aborto;
- As afecções por neuropatias ou algiopatias cujos sintomas ou manifestações não tenham comprovação clínica;
- Os sinistros que ocorram por radiações nucleares ou contaminação radioactiva; e - Os actos de guerra;
13- A chamada C é a seguradora dos seguros mencionados em 10), cuja apólice consta de fls. 122 a 133 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
14- O embargante encontra-se em situação de «baixa da Segurança Social desde 09/1112001», como consta referido no documento de fls. 14 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
15- A chamada C remeteu ao embargante as cartas, cujas cópias se encontram de fls. 15 a 20 e 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
16- Em 29/11/2002, por fax, o embargante remeteu à chamada o documento que se encontra sob cópia de fls. 21 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
17- O médico assistente do embargante, Dr. J M, preencheu em 11/02/2002, questionário médico, nos termos que constam da cópia que se encontra a fls. 114 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
18- O Dr. C G, preencheu em 13/01/2003, o documento que se encontra sob cópia aafls. 115 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado «COMPANHIA DE SEGUROS C FICHA DE AVALIAÇÃO MÉDICA SINISTRO INCAPACIDADE TEMPORÁRIA».
O Direito
A seguradora, chamada à acção pelos embargantes nos te os dos arts 330 e ss do CPC, negou terem, estes, direito de regresso contra ela por os contratos de seguro destinados a garantir o pagamento das prestações devidas à exequente/embargada, fundadas em dois contratos de concessão de crédito, serem anuláveis (art 429 do CCo ). Em concreto, alegou ter o segurado omitido informação relevante acerca da sua falta de saúde, facto esse anterior à subscrição dos ditos contratos.
Tal omissão consubstanciou-se em não ter dado a conhecer, tempestivamente,
à
seguradora, a existência de doença pulmonar crónica obstrutiva de que sofria, com sintomas anteriores à celebração dos contratos de seguro.
A doença em causa preenche exclusão prevista nos contratos de seguro. Por via dela os seguros em causa não cobrem os riscos resultantes de incapacidade pré-existente ou resultante de afecções pré-existentes.
O sr juiz «a quo», fundando-se nos factos dados como provados 16 a 18 do saneador-sentença adoptou a factualidade invocada pela seguradora, nomeadamente teve logo como adquirido, no saneador e com fundamento em documentos médicos, que a doença do embargante já era do conhecimento deste à data de subscrição dos contratos com a ora embargada e concluiu que a responsabilidade pelo não pagamento das prestações não pagas pelos embargantes não se mostra coberta pela garantia dos se ros a que o embargante aderiu e, nessa medida, aqueles mantêm-se os responsáveis pelo pagamento das quantias exequendas.
Não é questionável nem questionado que os embargantes sào devedores do pagamento das quantias exequendas.
O que haverá que decidir nesta acção, por efeito do chamamento, é se a seguradora é responsável, perante o embargante, pela cobertura das consequências danosas do risco em
apreciação. Isso é, efectivamente, objecto de conhecimento e decisão nos presentes embargos porque a seguradora foi admitida a intervir acessoriamente na contenda, daí resultando o direito daquele a obter decisão com trânsito em julgado que obrigue a seguradora, com os pertinentes reflexos na ulterior acção de regresso contra ela (arts 332 n° 4 e 341 do CPC).
Para que se possa apreciar esta questão tem de, primeiro, apurar-se matéria de facto que a suporte. Ou seja e concretamente, se ocorreram factos que, previstos nos contratos de seguro, afastem a cobertura do dito risco.
A sentença sob apreciação teve como provado (factos 16 a 18), com base em documentos emitidos por médicos (tis 21, 114 e 115), documentos particulares portanto, que a dita doença do embargante, que lhe causou incapacidade temporária absoluta prolongada, era
do seu conhecimento deste a data de subscriçdo dos contratos.
Os recorrentes negam isso. Alegam ser, tal doença, posterior.
Por outro lado, os documentos em que foram fundados tais factos são, como se disse, documentos particulares, sendo que um deles, o de fls 21, dá os primeiros sintomas da doença como ocorridos em Janeiro de 2001, pese embora, antes, o mesmo médico, assistente do embargante, tivesse declarado (fis 113) que ele teve os primeiros sintomas há anos, ou seja antes da celebração dos contratos de seguro.
Temos, assim, informações documentais que se não conjugam, que dizem coisas diferentes acerca do conhecimento, pelo segurado/embargante, do início da sua doença. É certo que o raciocínio do sr juiz é plausível, que, a ter que se assumir uma posição acerca das versões da seguradora e segurado, a daquela parece, efectivamente, melhor suportada na prova documental. A única contribuição a favor da versão do segurado tinha sido, afinal, e num tempo anterior, contraditada por outra da mesma autoria.
Mas a verdade é que os documentos em causa são particulares, não se conciliam em prol da mesma factualidade, as partes contestam os factos que aqueles tendem a provar e que não interessem à sua versão factual.
Não podiam, tais documentos, por isso, no nosso ponto de vista, haver-se como bastantes para a prova do facto (art 376 do CC) que, na sentença, serviu de suporte à exclusão, do âmbito dos seguros, do risco invocado pelo segurado.
Em consonância, devia o sr juiz «a quo», em vez do saneador-sentença, ter dado cumprimento ao art 511 n° 1 do CPC, nomeadamente seleccionando, como factos a integrar a base instrutória os que, por não estarem provados por acordo das partes, por documento ou confissão (art 659 n° 3 do CPC), tinham a ver com a anterioridade, ou não, relativamente à celebração do contrato, dos sintomas da doença que causou ao segurado a referida doença temporária absoluta, incapacitante para o trabalho.
Têm, pois, razão, os recorrentes. Não devia, logo no saneador e com base apenas na documentação presente, darem-se como provados tais factos.
Não constando do processo todos os elementos probatórios que permitam a este Tribunal de recurso a prolacção de decisão de mérito, há que dar-se prosseguimento aos embargos na Ia instância, antes de mais com a selecção da matéria de facto, já provada e ainda por provar.
O que implica que agora e por tal motivo se anule a sentença recorrida.
Está prejudicado o conhecimento das restantes questões, postas à discussão, pelos recorrentes.
Tendo em conta todo o exposto, acorda-se em, julgando procedente o recurso dos embargantes, declarar nula a sentença recorrida e determinar o prosseguimento do processo com o cumprimento do art 511 do CPC.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 30 de Novembro de 2006
Francisco Magueijo, Relator vencido