Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
665/09.8TTFUN.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
CESSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. A figura da comissão de serviços começou por ter consagração no âmbito do contrato individual de trabalho, com o DL nº 404/91, de 16/10, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, sem produzir o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.
2. No caso, quando o autor iniciou as suas funções de adjunto de chefe de sala, em regime de comissão de serviço, em Outubro de 1993, estava já em vigor o citado DL nº404/91, nele se estatuindo que a convenção estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal, quer quanto à sua forma, quer quanto ao seu conteúdo, tem de constar de um acordo escrito, assinado por ambas as partes e do qual devem constar determinadas indicações, nomeadamente o cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviços – n.º1do art.º3, do referido diploma.
3. Mas, o n.º2 do mesmo art.º3, dispõe que na falta de redução a escrito da menção relativa ao cargo ou funções a desempenhar, considera-se que o cargo ou as funções eram exercidas com carácter permanente, cominação que deixou de ficar consignada no Código do Trabalho de 2003, bem como no Código do Trabalho vigente.
4. Deste modo, quando a ré decidiu fazer cessar a comissão de serviço já o autor exercia as suas funções, não no referido regime de comissão de serviço, mas a título permanente, face à falta de redução a escrito do acordo de comissão de serviço, sendo certo que a ré devia ter acautelado essa redução a escrito, atento ao estatuído no CCT quanto ao exercício das funções em causa em regime de comissão de serviço.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

         A, (…), intentou a presente acção declarativa, com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra:
            ITI -B, SA, (…)
Pede que a Ré seja condenada a reintegrar o Autor na sua função de Adjunto de chefe de sala, bem como a auferir na íntegra o subsídio de função desde Fevereiro de 2009 até à sua efectiva reintegração.

         Para o efeito alega trabalha para a Ré desde 1 de Fevereiro de 1982, tendo sido admitido para desempenhar as funções relativas à categoria de técnico de máquinas, no Casino da M.; em Junho de 1995 foi recrutado pela Ré para, em comissão de serviço, exercer as funções de adjunto de chefe de sala; em 21 de Janeiro de 2009, a Ré notificou-o da cessação da comissão de serviço, com efeitos a partir de Fevereiro; o recrutamento não foi sujeito à forma escrita, nem assinado por ambas as partes pelo que, como consequência, tem de se entender que as funções serão exercidas com carácter permanente.

         Na contestação a ré, concluindo pela improcedência do pedido, alega que a comissão de serviço estabelecida entre a Ré e o Autor se iniciou em Outubro de 1993, tendo sido efectuada de acordo com os trâmites legais, porém a especial de relação de confiança perdeu-se, razão pela qual cessou a comissão de serviço.

         Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos e com tais fundamentos, decide este Tribunal julgar a presente acção procedente e, em consequência: A) – Condenar a Ré a reintegrar o Autor no exercício efectivo das funções de adjunto de chefe de sala que vinha desempenhando, bem como a repor o subsídio de função desde Fevereiro de 2009, até à sua efectiva reintegração, acrescida de juros, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento.”
 
            A ré, inconformada, interpôs recurso, tendo nas suas alegações proferido as a seguir transcritas,
         Conclusões:
(…)

         Não foram preferidas contra-alegações
        
         A Exmª Procuradora-geral-adjunta deu parecer no sentido da confirmação do decidido.
        
         Colhidos os vistos legais.

                               Cumpre apreciar e decidir
        
         I. Tal como resulta das conclusões do recurso interposto que delimitam o seu objecto, a questão suscitada pela ré/recorrente é sobre admissibilidade da cessação da comissão de serviço do autor para o exercício das funções de adjunto de chefe de sala.
        

         II. Fundamentos de facto
        
Resultaram provados os seguintes factos:
1. O Autor trabalha por conta da Ré, sob a sua direcção e fiscalização, desde 1 de Fevereiro de 1982.
2. Tendo sido admitido para desempenhar as funções relativas à categoria de técnico de máquinas, no Casino da M.
3. Entre Outubro de 1993 e Junho de 1995 o Autor passou a exercer funções de adjunto de chefe de sala, em regime de comissão de serviço.
4. Em 21 de Janeiro de 2009, a Ré notificou o Autor da cessação da comissão de serviço que vinha exercendo, com efeito a partir de Fevereiro de 2009.
5. A direcção da Ré comunicou ao Autor que:...em conformidade com o nº 4 da cláusula 7ª cláusula do CCT aplicável, no próximo mês de Fevereiro e com efeitos a partir de 01 de Janeiro deste ano, ser-lhe-á reduzido na percentagens de 25% o valor do subsídio de função por ter regressado às suas anteriores Funções -TÉCNICO

         III. Fundamentos de direito

         Como acima se referiu importa apreciar se a recorrente podia ter feito cessar o exercício das funções do autor como adjunto de chefe de sala.
         Na sentença recorrida foi considerado que uma vez que no acordo estabelecido entre as partes para o exercício daquelas funções em comissão de serviço, não foi observada a forma escrita imposta pelo DL n.º 404/91, em vigor à data do aludido acordo, a ré não podia ter feito cessar aquela comissão de serviço, e em consequência condenou a ré a reintegrar o autor no exercício efectivo daquelas funções.
         A ré insurge-se contra este entendimento pelas razões que constam das alegações onde se conclui que por força da cl. 7ª do CCT aplicável aquelas funções só podem ser exercidas em regime de comissão de serviço pelo que a sentença recorrida inviabiliza o cumprimento de tal disposição do CCT de natureza imperativa.
         A figura da comissão de serviços começou por ter consagração no âmbito do contrato individual de trabalho com o DL nº 404/91, de 16/10, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, sem produzir o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.
         Tal como resulta do Preâmbulo do referido diploma, o pressuposto que esteve na base da criação deste regime de prestação de trabalho em comissão de serviço assenta na “necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais o que implica soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige.
         Ora, como dispõe o nº1 do art.º1º do mesmo:“ Podem ser exercidos em regime de comissão de serviços os cargos de administração, de direcção directamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança.”
         Este diploma adoptou assim um regime excepcional de recrutamento para o desempenho de cargos que exigem uma relação especial de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, admitindo, no caso, da cessação da comissão de serviço, no nº4 do art.º4, a aplicação de regimes de cessação mais favoráveis constantes da convenção colectiva ou de contrato individual do trabalho. 
         No caso em apreço, o instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação laboral em apreço, (CCT entre a Associação Portuguesa das Empresas Concessionárias das Zonas de Jogo e o Sindicato dos Profissionais de Banca dos casinos e Outros, publicado no BTE, 1º série, nº 30, de 15 de Agosto de 1991) alude ao exercício das funções de chefe de sala e adjunto de chefe de sala em regime de comissão de serviço, nos termos do disposto no nº1 da sua cláusula 7ª, aí se prevendo que tais funções só podem ser exercidas em regime de comissão de serviço, através de recrutamento livre feito pela entidade patronal, com acordo prévio do interessado, de entre os profissionais das salas de jogos que, a todo o tempo e livremente, podiam fazer cessar a comissão, mediante comunicação escrita, entregue com 30 dias de antecedência (nº2).
         Todavia, quando o autor iniciou as suas funções de adjunto de chefe de sala, em regime de comissão de serviço, em Outubro de 1993, estava já em vigor o citado DL nº404/91, nele se estatuindo que a convenção estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal, quer quanto à sua forma, quer quanto ao seu conteúdo, tem de constar de um acordo escrito, assinado por ambas as partes e do qual devem constar determinadas indicações, nomeadamente o cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviços – n.º1 do art.º3, do referido diploma. Estatuindo, ainda, o n.º2 do mesmo art.º3, que na falta de redução a escrito da menção relativa ao cargo ou funções a desempenhar, considera-se que o cargo ou as funções são exercidas com carácter permanente, cominação que deixou de ficar consignada no Código do Trabalho de 2003 (art.º245, n.º2), assim como no Código do Trabalho vigente (art.º162, nº4).
         No entanto, atenta a data em que o autor iniciou as funções de adjunto de chefe de sala, e ao disposto nos artºs 12º e 13º da LCT, aplicável, o regime do DL nº 404/91, de 16/10 prevalece sobre o regime da CCT entre a Associação Portuguesa das Empresas Concessionárias das Zonas de Jogo e o Sindicato dos Profissionais de Banca dos casinos e Outros, pelo que, era exigível às partes a redução a escrito do acordo e a observância dos demais requisitos que o lei estabeleceu no citado diploma, sob pena da referida cominação.
         Assim sendo, as funções que o autor passou a exercer a partir de Outubro de 1993, de adjunto de chefe de sala, terão de se considerar exercidas com carácter permanente uma vez o regime de comissão de serviços que terá sido acordado não foi sequer reduzido a escrito. Neste sentido, vide, Ac. da Relação do Porto, de 29.11.99, CJ, Tomo V, p.248-25, onde se concluiu que a forma escrita constitui uma formalidade ad substantiam e, se não for observada, as funções consideram-se exercidas a título permanente. Ainda no mesmo sentido decidiu Ac. do STJ de 24 de Maio de 2000, (CJ STJ (2000) Tomo II, pág. 274- 276).
         Deste modo, quando a ré decidiu fazer cessar a comissão de serviço já o autor exercia as suas funções, não no referido regime de comissão de serviço, mas a título permanente, face à falta de redução a escrito do acordo de comissão de serviço, sendo certo que a ré devia ter acautelado essa redução a escrito, atento ao estatuído no CCT quanto ao exercício das funções em causa em regime de comissão de serviço.
         Todavia, contrariamente ao alegado pela recorrente, as normas do CCT resultam de acordo das partes outorgantes, pelo que sendo normas negociais não têm natureza imperativa. Mas, já são imperativas as normas sobre a proibição da baixa de categoria e diminuição da retribuição sem justificação, nos termos do art. 129 n.º1 d) e) do CT/2009, situações que decorreriam da procedência da pretensão da ré, sendo certo que também o código do trabalho vigente, no seu artigo 478º n.º1 a), estipula que as disposições do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não podem contrariar norma legal imperativa.
         Afigura-se-nos assim carecerem de razão os fundamentos do recurso interposto.

         IV. Decisão
         Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirma-se a sentença recorrida.

         Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Abril de 2011.

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena de Carvalho