Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
968/18.0PYLSB.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: RAI
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
FALTA DE DESCRIÇÃO DE ELEMENTOS SUBJECTIVOS DO TIPO
REJEIÇÃO DO RAI
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-Analisado o requerimento de abertura de instrução, este, não contém na sua descrição os elementos subjectivos da prática do ilícito, ora ( artº 283º do CPP) não é admissível a presunção do elemento subjectivo do crime a partir dos factos que consubstanciam o tipo objectivo;

II-Tratando-se de crime doloso, o RAI deve conter a referência aos factos que sustentam a imputação do dolo do tipo, ou seja, o elemento intelectual (conhecimento de todos os elementos descritivos e normativos do facto) e o elemento volitivo (vontade de realizar o facto típico), precisando a modalidade em que se exprime essa vontade intenção directa de praticar o facto, previsão do resultado como consequência necessária ou possível da conduta e aceitação do resultado. A estes elementos acresce um terceiro, chamado emocional, que se consubstancia na falta de consciência ética por parte do agente, ou seja, na sua atitude de indiferença perante os valores tutelados pelo direito, que ali deve igualmente constar;

III-A falta destes elementos não pode ser suprida em julgamento com recurso ao disposto no artº 358º , e tal de acordo com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 do STJ e também, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2005, de 12 de Maio de 2005, não permite formular convite ao aperfeiçoamento do RAI quando este for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido, pelo que o Requerimento de abertura de Instrução apresentado terá de ser rejeitado.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

(após vistos e conferência)


AA requereu a abertura de instrução, nos autos em que é arguido BB, pela alegada prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artº 152º, nº1 al. a) e nº 2, a) do Código Penal.

Foi proferida decisão instrutória de não pronúncia, decisão com que se não conforma, e de que veio interpor o presente recurso.

No recurso interposto, discorda da decisão de não pronúncia por entender terem ficado reunidos indícios que permitem, ainda assim, pronunciar o arguido.

Pede que se conceda provimento ao recurso, ...”se altere a decisão recorrida no sentido de ser proferido despacho de pronúncia, sendo deduzida acusação contra o arguido pela prática do crime de violência doméstica, de acordo com o requerido no RAI.”.

O MºPº entende que a decisão de não pronúncia se deve manter.

Vejamos, então:


Analisado o requerimento de abertura de instrução (RAI), conclui-se, da leitura atenta do mesmo, que não contém na sua descrição os elementos subjectivos da prática do ilícito.
Com efeito, como pode ler-se no ponto 5 das anotações ao artº 283º do CPP, da autoria dos Exmos Conselheiros do STJ (Conselheiro Maia Costa) ...não é admissível a presunção do elemento subjectivo do crime a partir dos factos que consubstanciam o tipo subjectivo.
Tratando-se de crime doloso, a acusação deve conter a referência aos factos que sustentam a imputação do dolo do tipo, ou seja, o elemento intelectual (conhecimento de todos os elementos descritivos e normativos do facto) e o elemento volitivo (vontade de realizar o facto típico), precisando a modalidade em que se exprime essa vontade (intenção directa de praticar o facto, previsão do resultado como consequência necessária ou possível da conduta e aceitação do resultado... a estes elementos ACRESCE UM TERCEIRO, chamado emocional, que se consubstancia na falta de consciência ética por parte do agente, ou seja, na sua atitude de indiferença perante os valores tutelados pelo direito, que deve igualmente constar da acusação.
A falta destes elementos não pode ser suprida em julgamento com recurso ao disposto no artº 358º - Ac Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 do STJ.
Por outro lado, o Ac de Fixação de Jurisprudência 7/2005, de 12 de Maio de 2005, não permite formular convite ao perfeiçoamento ... quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.

Como pode ler-se na mesma obra, em anotação ao artº 287º, da autoria do mesmo Il Conselheiro, 9.... São fundamentos de indeferimento do requerimento de abertura de instrução... a eles acresce, como vimos, a omissão dos factos pelo assistente...”

A instrução é inadmissível noutras situações não tipificadas...”
No caso vertente, não constando da acusação os elementos intelectuais do ilícito, não podendo ser formulado convite para aperfeiçoamento da mesma e não podendo tal omissão ser suprida em sede de audiência de julgamento, deveria o RAI ter sido rejeitado.

Sucede que apesar dos factos descritos no RAI não terem suporte, na sua totalidade, na prova indiciária recolhida, e de o arguido negar a prática das referidas condutas, as regras da experiência comum permitem concluir que a situação descrita pela arguida não é fruto da imaginação de uma Mãe sobrecarregada, emocional e fisicamente, com a tarefa de cuidar de gémeos, com necessidades especiais, sem o devido apoio.

A decisão recorrida é de revogar, e substituir por outra que rejeite o RAI.

O recurso merecerá provimento por fundamentos completamente diversos dos

aduzidos pela recorrente.

Decisão:


Termos em que acordam, após vistos e conferência, conceder provimento ao recurso com fundamentação diversa da expendida na motivação da recorrente, revogam a decisão recorrida que substituem por outra que rejeita o pedido de abertura de instrução formulado pela assistente por inadmissibilidade legal, e determinam o arquivamento dos autos.

Não é devida taxa de justiça.

Registe e notifique.

Notifique-se a assistente, por carta simples, de toda a decisão.

Lisboa, 23 Setembro 2021


Margarida Vieira de Almeida(relatora)
Maria da Luz Neto da Silva Baptista
- (adjunta)