Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5930/10.9TCLRS-A.L1-6
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
AVALISTA
INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. – É no seu articulado (inicial) de oposição à execução que o opoente deve deduzir todos os fundamentos de defesa/oposição, alegando a factualidade necessária a demonstrar a matéria de excepção que invoque em sua defesa, sendo, pois, seu o ónus da respectiva alegação e prova.
2. – O avalista de uma livrança incompleta, que tenha intervindo na celebração do pacto de preenchimento respectivo, pode opor ao beneficiário a excepção do seu preenchimento abusivo, quando a execução foi por este instaurada, cabendo então ao opoente/avalista o ónus da alegação e prova dos factos constitutivos dessa excepção, bastando à execução a não demonstração do abuso no preenchimento.
3. – Uma livrança subscrita em branco, uma vez preenchida, constitui título executivo, não tendo de ser acompanhada, desde logo em sede alegatória, da convenção de preenchimento respectivo, pois que o título cambiário vale, por si, como título executivo, constituindo um documento particular assinado pelo devedor, que importa a constituição de uma obrigação pecuniária, dotado de força executiva nos termos do art.º 46.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv..
4. – É necessária interpelação prévia do avalista quando o título é entregue em branco ao credor (com preenchimento por este, designadamente, dos elementos referentes à data de vencimento e quantia a pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim tal avalista adquire o conhecimento do exacto montante devido e da data de vencimento da garantia prestada.
5. – Cabe, porém, ao opoente/avalista o ónus da alegação e prova da factualidade tendente a demonstrar a inexistência de tal interpelação, não tendo o credor/exequente de demonstrar a sua realização, pelo que basta à execução a não demonstração, pelo demandado/opoente, da ausência de interpelação.
(JVA)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que, a ele e a outro, move o “Banco, S. A.”, com sede (…), no Porto, veio o executado Ricardo com residência na Rua (…), ..., deduzir oposição a tal execução, alegando, para tanto, em síntese:
- fundando-se a execução em livrança e respectivo aval prestado, tal livrança é, só por si, insuficiente para determinar a exigibilidade do título quanto ao dito aval;
- celebrado entre o banco exequente e a outra executada (sociedade “G, Ld.ª”) um contrato de locação financeira mobiliária, foi então entregue a tal banco uma livrança, subscrita por aquela executada e avalizada pelo opoente;
- tal livrança foi entregue em branco, com vista a garantir o pagamento das prestações do celebrado contrato de locação financeira, encontrando-se em dívida, à data que figura como de emissão desse título cambiário, o montante de € 15.687,19;
- porém, o valor aposto pelo banco exequente na livrança (de € 5.655,93), não corresponde ao devido à data da emissão desse título, donde que a livrança entregue em branco tenha sido preenchida pelo exequente com o montante e a data de vencimento que entendeu;
- ora, assim sendo, o requerimento executivo não contém os elementos essenciais para oponibilidade e exigibilidade perante o opoente/avalista, limitando-se a parte exequente a afirmar que, na data de emissão da livrança, a dívida era de € 5.644,93, o que não corresponde à verdade, não tendo sequer sido prestado aval a tal importância em concreto;
- deveria, assim, o banco exequente ter alegado, designadamente, que tinha interpelado – tratando-se de livrança em branco, a interpelação era indispensável – os executados relativamente ao preenchimento da livrança e sobre as prestações em dívida, juros moratórios e despesas de cobrança, o que não fez;
- bem como deveria ter alegado os factos relativos ao contrato de locação financeira e à correspondente relação imediata, o que também não fez;
- por isso, a livrança foi preenchida à revelia dos executados, não tendo o opoente dado qualquer indicação ou autorização para o efeito;
- ocorre, em conclusão, inexigibilidade da obrigação em relação ao opoente – por falta de elementos essenciais do requerimento executivo, por falta de vencimento da obrigação cartular e por preenchimento abusivo do título (ante a inexistência de qualquer pacto de preenchimento).
Concluiu pela procedência da oposição, por provada, declarando-se a inexigibilidade da obrigação relativamente ao opoente e a insuficiência do requerimento executivo.

Recebida a oposição à execução e notificado o banco exequente, veio este apresentar contestação, opondo, em síntese, que:
- de acordo com o pacto de preenchimento da livrança dada à execução, o banco exequente ficou autorizado, pela sociedade subscritora e pelo avalista, aqui opoente, a preencher a livrança caução entregue e assinada em branco, em caso de incumprimento de qualquer das obrigações assumidas no contrato de locação financeira;
- a locatária incumpriu as respectivas obrigações contratuais, estando em dívida o pagamento de rendas a partir da prestação mensal vencida em 07/07/2009, razão pela qual o banco exequente remeteu, em 11/05/2010, cartas com A/R a ambos os executados, as quais foram recebidas, interpelando-os para fazer cessar a mora em dez dias, sob pena de o incumprimento se tornar definitivo, como previsto no contrato de locação financeira;
- como os executados nada pagaram, o banco exequente remeteu-lhe cartas com A/R, que foram recebidas, declarando-lhes a resolução do contrato de locação financeira e a consequente exigibilidade de toda a dívida, acrescida de indemnização contratualmente prevista, e informando-os do preenchimento da livrança caução e respectivos valores apostos;
- assim, a livrança foi preenchida em conformidade com o acordado, pelo montante em dívida à data da resolução do contrato, montante este que se mantém em dívida, pois que nada mais foi pago ao exequente, designadamente após a data que consta do título como do seu vencimento, montante esse agora acrescido de juros moratórios (à taxa legal de 4%), e respectivo imposto de selo sobre os juros, inexistindo qualquer preenchimento abusivo e sendo o avalista responsável pelo pagamento da mesma forma que a pessoa por si afiançada.
Concluiu pela total improcedência da oposição à execução.

Veio ainda o opoente apresentar novo articulado – invocando responder a documentos juntos pela contraparte –, alegando, nesta sede, que, preenchida a livrança posteriormente ao início do contrato, deveria a intenção de preenchimento ter sido transmitida ao avalista, que a tentativa de interpelação só foi feita após aquele preenchimento (sem prévio conhecimento da dívida ao avalista, não lhe dando a possibilidade de regularização fora da obrigação cartular e suas relações imediatas), sendo que, para além disso, o avalista nunca foi interpelado (não recepcionou qualquer A/R).

Seguiu-se a decisão – dispensada a audiência preliminar –, onde a oposição à execução foi julgada improcedente, por não provada, determinando-se o prosseguimento, incólume, da execução.
Inconformado, o oponente apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:
1. - Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de apelação interposto da sentença de fls., que em sede de saneador, julgou totalmente improcedente e não provada a presente oposição, com os fundamentos de que não seria necessária alegação da obrigação causal bem como que o pacto de preenchimento era oponível ao aqui recorrente que presumidamente recebeu a carta a ele dirigida o que permitia concluir pela responsabilidade solidária do mesmo recorrente e com o que este não se pode conformar;
2. - Dispõe o art.º 45.º do CPC, dentro do princípio da nulla executio sine titulo que toda a execução tem por base um titulo pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva, ou seja no caso concreto a liquidez, a exigibilidade da dívida e a sua oponibilidade ao aqui recorrente;
3. - Tendo o requerimento executivo como base um título executivo livrança em que, como singela causa de pedir desta execução se fundamenta todo o pedido, essa livrança é só por si insuficiente para determinar a exigibilidade do aval prestado;
4. - Apesar de na sentença recorrida e no ponto um da matéria provada se dizer tão só que em 2006 a exequente celebrou com a executada Gold Force o contrato de locação financeira ..., é no entanto fundamental para se avaliar da justeza e da adequação da petição a rigorosa data de celebração do contrato de locação;
5. - E para esse efeito, no art. 3º da sua contestação o recorrido afirma, prova documentalmente e confessa que o contrato de locação financeira em causa foi celebrado a 3 de Agosto de 2006 com o valor global de € 23.793,46, tentando o banco e de acordo com o próprio documento nº 2 junto com a mesma contestação provar que com a mesma data foi celebrado um pacto de preenchimento com o aqui recorrente;
6. - Sucede no entanto que a única coisa que resulta desse documento nº 2 é que a primeira outorgante e aqui primeira executada, a Sociedade G teria dado o seu assentimento ao preenchimento de uma livrança então entregue nos termos correspondentes às responsabilidades não satisfeitas donde resulta imediatamente e em primeira linha que só a primeira executada e não o segundo se vinculavam em relação à convenção de preenchimento de livrança, sendo em qualquer caso e ainda mais relevante que uma livrança subscrita e adstrita a um contrato de locação obviamente que nunca poderia ter uma data de emissão anterior ao próprio início de vigência de contrato.
7. - Como resulta no ponto nº 8 da matéria de facto provada a data de emissão da livrança é de 24.07.2006 ou seja dez dias antes da data confessada como formação do contrato de locação, donde ressalta que das duas uma: ou a data da emissão do título nada tinha a ver com o contrato de locação financeira e então o ora recorrente não é obrigado porque nem sequer pacto de preenchimento havia; ou, tendo a ver alguma coisa a livrança com esse contrato, a data de emissão nunca poderia ser anterior ao contrato e ao pacto de preenchimento, pacto esse de qualquer modo só autorizado pela sociedade.
8. - Não obstante no art. 6º da sua contestação o recorrido confessa que a livrança que abusivamente preenchera era a adstrita ao contrato de locação, disto é consequência que a livrança sob pena de invalidade não poderia ter uma data de emissão anterior, sendo certo que mesmo que a não tivesse, tendo tal livrança sido entregue em branco com vista a garantir o pagamento das diversas prestações do contrato de locação seria o seu valor o da dívida à data da emissão e único que foi comunicado ao recorrente por carta do recorrido de 07.08.2006 onde era indicado o valor de € 15.687,19;
9. - Resultando da matéria provada que a mesma livrança entregue em branco ao recorrido foi por este preenchida com uma data de emissão e com um montante que não correspondiam à realidade, bem como com uma data de vencimento aleatória, verifica-se que na livrança o que aparece é uma importância completamente diversa do valor que deveria ser nela aposto e caso a data de emissão fosse posterior ao pacto de preenchimento;
10. - Neste quadro a livrança só por si não podia ser titulo executivo tendo necessariamente que ser sustentada a sua validade com a alegação e prova das relações mediatas, o que o recorrido não fez;
11. - Não contendo por isso o requerimento executivo os elementos essenciais para ser oponível e exigível ao recorrente o que para tal exigia de acordo com o art.º 805º do C.C a interpelação aos devedores como indispensável, não só sobre o preenchimento da livrança como igualmente sobre as prestações em dívida, juros de mora e despesas de cobrança;
12. - Era assim base da oposição os factos de a livrança não ter nas circunstancias do processo natureza de título executivo em relação ao avalista sem alegação das relações mediatas e sem a interpelação do recorrido para pagar ou lhe ser informado do preenchimento do documento cartular;
13. - Sobre a sentença recorrida é obvio que se discorda da posição na mesma tomada de que se estará numa mera obrigação cambiária documentada no título suficiente para fundamentar a execução porquanto e sobre a livrança relativamente à data de emissão, à desconformidade da quantia em dívida e à anterioridade da data de emissão em relação à data do pacto de preenchimento, era absolutamente indispensável no caso concreto a alegação como obrigação causal dos factos constitutivos dessa obrigação ou seja da causa debendi;
14. - Acresce também que não tendo sido alegada a obrigação causal é evidente que a livrança só por si sofre de vícios de preenchimento e de incumprimento do pacto de preenchimento, não podendo por isso vir a sentença recorrida dizer que se pode admitir o preenchimento de uma livrança em branco, quando esse preenchimento não tem correspondência com a data de constituição da obrigação facto que poderia ter justificado o preenchimento da livrança;
15. - Quanto à falta de interpelação do recorrente cabe frisar que vem a sua alegação do recorrente de que não recepcionou as cartas juntas com a contestação do recorrido quando ainda por cima está provado que tais cartas foram recebidas por terceiro, é justa e adequada porquanto caberia ao interpelante garantir que o interpelado sem morada expressa no contrato receberia tais comunicações, não tendo sido por isso o recorrente validamente interpelado;
16. - Violou assim a decisão recorrida, ao considerar improcedente e não provada a oposição deduzida, os arts. 10º e 32º da LULL e 224º e 805º do CC..
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e provado e por via dele ser revogada a sentença recorrida e substituída por douta decisão que ou considere desde já os elementos dos autos suficientes para julgar procedente e provada a oposição, ou que no mínimo atribua a natureza de matéria controvertida à posição do recorrente e ordene a baixa de processo à primeira instância para prolação de despacho saneador integrando factos assentes e base instrutória seguindo-se os demais termos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados. 
Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso
Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, pressuposto o objecto do processo delimitado nos articulados das partes, está em causa na presente Apelação saber:
- Se ocorre insuficiência da matéria fáctica apurada, por ser essencial para a decisão de mérito a determinação do dia e mês de celebração do contrato de locação financeira;
- Se o avalista da subscritora de uma livrança pode invocar a excepção de preenchimento abusivo e, na hipótese afirmativa, se esta deve proceder in casu;
- Se o opoente e avalista não se vinculou em relação à convenção de preenchimento da livrança;
- Se uma livrança subscrita em branco só constitui título executivo se acompanhada, desde logo em sede alegatória, do respectivo pacto de preenchimento, bem como da factualidade atinente à relação subjacente;
- Se é obrigatória a interpelação do avalista quanto ao preenchimento da livrança e para o pagamento e a quem cabe o respectivo ónus alegatório e probatório;
- Se ocorre inexigibilidade da dívida exequenda perante o opoente avalista.

III – Fundamentação
A) Matéria de facto
Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como assente:
1. - Em 2006, o exequente celebrou com a executada “G, Lda.” o contrato de locação financeira com o n.º ... (que aqui se dá por integralmente reproduzido), destinado a financiar a aquisição do veículo de matrícula 00-00-00;
2. - Por via desse contrato, obrigou-se a “G, Lda.” a pagar ao exequente, em 60 rendas mensais, o valor global da locação aí fixado;
3. - Para garantia do cumprimento das obrigações decorrentes desse contrato, foi entregue ao exequente uma livrança em branco, subscrita pela executada “G, Lda.” e avalizada pelo ora oponente;
4. - Aquando da entrega dessa livrança foi assinado pelos executados o documento junto a fls. 39/40, com a epígrafe “Convenção de Preenchimento de Livrança”, através do qual estes autorizaram o exequente a preencher a livrança “à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, nos termos que correspondam às suas responsabilidades não satisfeitas” nos termos aí definidos;
5. - Tendo a executada “G, Lda.” deixado de pagar as rendas a que se havia obrigado, remeteu-lhe o exequente para a morada constante do contrato de locação financeira, através de correio registado com aviso de recepção, o escrito de fls. 42, através do qual lhe comunicou estarem em dívida as rendas n.ºs 36 a 46, juros de mora calculados até 21.05.2010, no valor de € 141,82, e € 618,31 referentes a outros valores relativos ao contrato, interpelando-a a proceder ao respectivo pagamento no prazo de 10 dias contados da recepção da carta, advertindo-a de que “o incumprimento tornar-se-á definitivo, caso V. Exas. não façam cessar a mora”;
6. - E remeteu ao ora oponente, para a mesma morada, através de correio registado com aviso de recepção, o escrito de fls. 44, através do qual lhe comunicou que a “G, Lda.” “se constitui em incumprimento, não tendo liquidado, na data de vencimento” as rendas n.ºs 36 a 46 do contrato de locação financeira por si avalisado;
7. - Os avisos de recepção relativos a estas cartas foram recepcionados por Ernesto, em 14.05.2010;
8. - E, não tendo sido pagas as rendas em falta, procedeu o exequente ao preenchimento da livrança entregue, inscrevendo nela como data de emissão “06.07.24”, como data de vencimento “2010.06.14”, e apondo-lhe o valor de “€5.655,93”.

B) O Direito
1. – Da insuficiência da matéria de facto apurada
Sem arguir qualquer causa de nulidade da decisão final (saneador-sentença) dos autos, a parte recorrente defende, desde logo, ocorrer insuficiência da matéria de facto dada como assente, no que concerne, especificamente – e tão-só –, à data de celebração do contrato de locação financeira em causa.
Com efeito, se na decisão recorrida foi dado apenas como assente, neste particular, que “em 2006” foi celebrado tal contrato (sem determinação, pois, do dia e do mês respectivos), defende o Apelante que “é no entanto fundamental para se avaliar da justeza e da adequação da petição a rigorosa data de celebração do contrato de locação” (sic., ponto IV das conclusões do recorrente), tanto mais que, chegando-se à conclusão que a data – esta determinada – de emissão da livrança dos autos é anterior à do contrato celebrado, tal determinará a invalidade do título cambiário.
Pretende, assim, o Apelante, depois de ter alegado que a celebração do contrato ocorreu “em Junho de 2006” (cfr. art.º 5.º do seu articulado de oposição à execução, que não foi objecto de qualquer pedido de rectificação), que devia resultar desde logo assente (por prova documental e confissão da contraparte) que o contrato de locação financeira foi celebrado a 03/08/2006 (como alegado pelo exequente/oposto no art.º 3.º da contestação à oposição), ou, ao menos, que se impõe a baixa do processo à 1.ª instância para prosseguimento do mesmo, com elaboração da base instrutória, por forma a indagar-se daquela efectiva data de celebração do contrato de locação financeira.
Assim, na óptica do recorrente, tal como plasmada nas suas alegações de recurso, a exacta/concreta determinação da data de celebração do dito contrato é – agora – essencial para decidir quanto à validade do título executivo e exigibilidade do crédito exequendo, bem como quanto à “existência de vícios de preenchimento e de incumprimento do pacto de preenchimento” (cfr. ponto XIV das suas conclusões).
Que dizer?
Desde logo se dirá que não há acordo das partes, em sede de articulados, quanto à data de 03/08/2006 como sendo a de celebração do contrato de locação financeira mobiliária.
Com efeito, se o banco exequente e aqui Apelado alega, na contestação destes autos, que o contrato foi celebrado em 03/08/2006, fê-lo em sede de impugnação à data (“Junho de 2006”) alegada pelo opoente e aqui Apelante no dito art.º 5.º do articulado de oposição (cfr. art.ºs 2.º e 3.º da contestação de fls. 27 e segs.).
Assim, é manifestamente contraditório o teor do alegado pelas partes quanto à data de celebração do contrato, não tendo o opoente posteriormente rectificado o por si inicialmente alegado, antes tendo tomado posição expressa no sentido de, face aos documentos entretanto juntos pela contraparte, manter o alegado na petição de oposição (cfr. ponto 7.- do articulado de “resposta” de fls. 56 e seg.).
Por outro lado, os documentos juntos com a contestação à oposição são “cópia do original do Banco”, como o mesmo expressamente salienta sob o art.º 3.º dessa contestação e como se retira de fls. 33 e segs., logo, ante as mantidas versões/alegações contraditórias das partes quanto à data de celebração do contrato, sujeitos – por meras cópias fotográficas, cuja conformidade com o respectivo original se não mostra atestada/certificada – ao disposto no art.º 387.º, n.º 2, do CCiv., e, por isso, destituídos de força probatória plena, em termos de lograr demonstrar que a data de celebração do contrato foi a de 03/08/2006, a qual, repete-se, não foi alegada nem aceite pelo opoente em sede de articulados.
Bem andou, pois, salvo o devido respeito, a decisão recorrida ao não dar como assente mais do que o ano de celebração do contrato (2006), já que quanto ao dia e ao mês respectivos nem as partes se entenderam, nem foi produzida prova documental bastante, nem, por fim, a parte oposta apresentou confissão (antes impugnou expressamente a data alegada pelo opoente, invocando data diferente na contestação à oposição, depois de nada ter dito sobre a matéria em sede de requerimento inicial executivo).

Porém, aqui chegados, outra questão se coloca: não deveria então, por relevante para a sorte dos autos, indagar-se quanto à data concreta (dia e mês) em que o contrato de locação financeira foi celebrado?
O M.º Juiz a quo, em sede de condensação do processo, considerou que não, razão pela qual logo proferiu decisão de meritis, entendendo que o estado dos autos o permitia, sem necessidade de produção de prova, por dispor de todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa (cfr. fls. 59).
Ora, é consabido que deve o juiz seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa – levando-a ao elenco dos factos assentes se já apurada/provada ou contemplando-a na base instrutória se controvertida –, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. art.º 511.º, n.º 1, por remissão dos art.ºs 817.º, n.º 2, e 787.º, n.º 1, todos do CPCiv).
Importa, assim, saber se é relevante para a decisão da matéria de excepção oportunamente deduzida pelo opoente – mormente, à luz do que consta do seu articulado (inicial) de oposição (é este que releva para efeitos de condensação do processo, pois é ali que devem ser apresentados/deduzidos todos os fundamentos de defesa/oposição, como se retira da conjugação do disposto nos art.ºs 466.º, n.º 1, 489.º e 813.º a 817.º, todos do CPCiv.), quanto às excepções de falta de elementos essenciais no requerimento executivo, inexigibilidade da obrigação exequenda e preenchimento abusivo do título – a determinação do dia e mês de celebração do contrato de locação financeira aludido.
Liminarmente se dirá que, se o opoente considerasse o dia e o mês de celebração do contrato aludido relevante para a sua defesa/oposição, certamente não deixaria de alegar, em concreto, tal dia e mês no seu articulado de oposição à execução.
Ora, o opoente, que sabe defender-se – encontra-se patrocinado por advogado –, apenas alegou que o contrato foi celebrado em “Junho de 2006”, omitindo o respectivo dia, querendo agora, em contradição com a sua alegação inicial, que se dê como provado que tal contrato foi firmado, diversamente, em 03/08/2006, termos em que se conclui que o Apelante não carreou – sendo que tinha o ónus da respectiva alegação – para os autos a concreta factualidade que pretende ver indagada e apurada.
Por outro lado, sabendo-se que os fundamentos de defesa/oposição devem ser concentrados no articulado de oposição à execução (já citados art.ºs 466.º, n.º 1, 489.º e 813.º a 817.º, todos do CPCiv.), resulta de tal articulado do aqui opoente e Apelante que a defesa deduzida, desde logo a invocada falta de elementos essenciais no requerimento executivo, se prende com matéria muito diversa da referente à data de celebração do contrato de locação financeira.
Com efeito, lido o articulado de oposição à execução destes autos, constata-se que a invocada falta de elementos essenciais e inexigibilidade da dívida perante o avalista se prende, desde logo, com o valor/montante inscrito na livrança – o opoente defende que tal valor (de € 5.644,93) não era o devido à data de emissão da livrança (cfr. art.ºs 10.º a 12.º do articulado de oposição) –, pretendendo ainda o opoente que o banco exequente deveria ter alegado factualidade atinente à “interpelação dos executados relativamente ao preenchimento da livrança” e quanto às “prestações em dívida, juros de mora e despesas de cobrança”, bem como ao contrato de locação e correspondente relação imediata (cfr. art.ºs 14.º a 21.º do articulado de oposição).
Assim, estando em causa, nesta parte, matéria em nada referente ao dia e mês de celebração do dito contrato, é manifesto, salvo o devido respeito, que a apreciação e decisão desta matéria de excepção em nada depende do apuramento desse dia e mês, donde que, a esta luz, deva concluir-se tratar-se de factualidade irrelevante para a sorte dos autos. 
E o mesmo se diga quanto ao alegado preenchimento abusivo do título, que o opoente retira da “inexistência de qualquer pacto de preenchimento” (art.º 25.º do articulado de oposição), considerando ele que a livrança foi “preenchida à revelia dos executados” (art.º 22.º do mesmo articulado), estando em causa nesta parte, assim, para além do montante inscrito no rosto da livrança, o tempo do seu vencimento, a dita interpelação e a existência, ou não, de pacto/acordo de preenchimento e violação deste pelo banco exequente.
Tudo, pois, matéria que em nada se reporta à data da celebração do contrato subjacente, o de locação financeira, data essa de cujo concreto apuramento não depende, por isso, a sorte dos autos – notando-se ainda, quanto à data aposta na livrança como da sua emissão, que, como ficou apurado (a decisão da matéria fáctica assente não foi nesta parte posta em crise pela via do recurso), se tratou de livrança entregue em branco, com autorização ao exequente para preenchimento à sua melhor conveniência de tempo, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, nos termos correspondentes às responsabilidades não satisfeitas –, donde que não mereça censura, nesta parte, a decisão da 1.ª instância.
Não se verificando, assim, a invocada insuficiência da matéria fáctica seleccionada na decisão recorrida, improcedem, por isso, neste particular, as conclusões do Apelante.

2. – Da oponibilidade da excepção de preenchimento abusivo
A questão que agora deve colocar-se é a de saber se o aqui opoente/Apelante, enquanto avalista da subscritora da livrança, pode invocar a excepção de preenchimento abusivo da mesma pelo banco exequente.
Ora, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de poder o avalista de uma livrança incompleta, que tenha intervindo na celebração do pacto de preenchimento respectivo, opor ao beneficiário a excepção material do preenchimento abusivo, quando a execução foi por este instaurada, cabendo então ao opoente/avalista o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do CCiv. ([1]).
Sendo esta a posição consolidada e pacífica da nossa jurisprudência, nenhuma razão se vê para a ela não aderir, termos em que se sufraga tal posição jurisprudencial, considerando-se que o aqui opoente/avalista, enquanto interveniente no pacto de preenchimento celebrado, pode opor ao banco exequente a excepção do preenchimento abusivo da livrança, a qual in casu não saiu do âmbito das relações imediatas (entre a sociedade executada/avalizada e o banco exequente).

3. – Da demonstração da excepção de preenchimento abusivo
Cabia, como dito, ao opoente a alegação e prova da factualidade tendente a demonstrar ocorrer preenchimento abusivo da livrança.
O Tribunal a quo entendeu que não se verifica preenchimento abusivo, tendo a livrança sido, ao contrário, preenchida com a autorização dos executados (também do aqui Apelante, enquanto avalista), dada antecipadamente, através de convenção de preenchimento da livrança, a qual foi preenchida em conformidade com o acordado.
O opoente não pôs em causa a factualidade considerada assente pela 1.ª instância nesta matéria.
Ora, resulta apurado que, aquando da entrega da livrança ao banco exequente, foi assinado pelos executados – ambos eles – documento intitulado “Convenção de Preenchimento de Livrança”, através do qual estes autorizaram o exequente a preencher a livrança e preenchê-la à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, nos termos que correspondam às suas responsabilidades não satisfeitas.
Mais se apurou que, tendo a executada sociedade deixado de pagar as rendas a que se havia obrigado, remeteu-lhe o banco exequente comunicação, dando-lhe conta de estarem em dívida diversas rendas, juros de mora e outros valores relativos ao contrato, instando-a a proceder ao respectivo pagamento, em prazo, advertindo-a de que o incumprimento se tornaria definitivo caso não fosse cessada a mora.
Remeteu também ao ora opoente, para a mesma morada, comunicação de que a dita sociedade se constituiu em incumprimento, não tendo liquidado, na data de vencimento, as aludidas rendas do contrato de locação financeira.
Não tendo sido pagas as rendas em falta, procedeu então o banco exequente ao preenchimento da livrança entregue, inscrevendo nela como data de emissão “06.07.24”, como data de vencimento “2010.06.14”, e apondo-lhe o valor de “€ 5.655,93”.
Desta factualidade – a única que com relevo vem apurada neste particular, e que o Apelante não põe em causa – logo resultam duas inevitáveis conclusões: a de que não logrou o opoente demonstrar, como lhe competia, qualquer preenchimento abusivo da livrança e a de que, ao invés, o banco exequente, no preenchimento da livrança entregue em branco, agiu no âmbito da autorização de preenchimento que lhe havia sido concedida, concessão essa por ambos os executados, também, pois, pelo opoente, que se vinculou pessoalmente, como claramente resulta dos autos, na dita convenção de preenchimento da livrança (cfr. fls. 39 a 41, para que remete o ponto 4.- da factualidade assente na decisão recorrida).
Efectivamente, como se diz, com acerto e pertinência, na decisão recorrida, «como é usual em acordos de regularização de dívidas bancárias, exequente e executados deixaram consignada a possibilidade de ser declarada a resolução do contrato de financiamento em caso de incumprimento, conferindo-se ao exequente a faculdade de proceder ao preenchimento da livrança oferecida em garantia do cumprimento das obrigações. A livrança foi por isso preenchida com a autorização dos executados, dada antecipadamente através daquela “Convenção de Preenchimento de Livrança”, tendo sido preenchida, conforme deveria, com o valor que nesse momento se encontrava em dívida e não com o valor que estava em dívida na data da sua emissão» (sic.).
Ora, neste contexto é evidente que o banco exequente estava autorizado a preencher a livrança em caso de incumprimento do contrato de locação financeira por parte da locatária, preenchimento a que procedeu.
Que o opoente e avalista se vinculou em relação à convenção de preenchimento da livrança logo se infere da factualidade assente, esta em conformidade com as posições tomadas pelas partes nos autos, em sede de articulados, e com o que consta de fls. 39 e 40 dos autos.
Se tal livrança, entregue em branco, devia ser preenchida, segundo a convenção de preenchimento adoptada, com fixação da data de emissão e de vencimento, nos termos correspondentes às responsabilidades não satisfeitas da locatária, como defender, em tal caso, que o banco exequente devia ter inscrito no título cambiário o valor devido à data da sua emissão (esquecendo o entretanto parcialmente pago) e não um valor muito inferior, posteriormente calculado, por ser o ainda devido?
Realmente, não se entenderia, e seria – isso sim – inaceitável e contrário ao pacto de preenchimento, que a livrança fosse preenchida por valor superior ao ainda em dívida ao tempo desse preenchimento.
A data que consta como de emissão da livrança entregue – entrega em 2006 – em branco, aposta pelo banco exequente ao tempo de verificação da situação de incumprimento, incumprimento este ocorrido já em 2010, não releva, por inócua, quanto a saber se tal entrega e emissão ocorreu mesmo em 24/07/2006 ou já em Agosto de 2006, posto que ambas as partes aceitaram, na sede própria (a dos articulados), que a livrança se reporta ao aludido contrato de locação financeira e não outro, daí não resultando qualquer evento demonstrativo de violação do pacto de preenchimento, nem qualquer dano para os obrigados cambiários, tendo em conta ainda que o direito do portador/exequente se mostra justificado pela posse legítima do título, não ensombrada esta pelo cometimento de qualquer falta grave ou por um comportamento lesivo da boa fé (cfr. art.ºs 16.º e 17.º da LULLiv.).

Ainda quanto ao pacto de preenchimento, dir-se-á que uma livrança subscrita em branco, uma vez preenchida, constitui título executivo, não tendo de ser acompanhada, desde logo em sede alegatória, da convenção/pacto de preenchimento respectivo, pois que o título cambiário vale, por si, como título executivo.
Na verdade, a livrança em branco destina-se a ser preenchida pelo seu adquirente, sendo essa aquisição acompanhada da atribuição de poderes para o seu preenchimento (pacto ou contrato de preenchimento).
É indispensável à livrança em branco, em conformidade com o disposto no art.º 10.º, ex vi do art.º 77.°, ambos da LULLiv., que dela conste a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários e que essa assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária.
Sendo o regime da obrigação cartular distinto dos demais negócios jurídicos, nele sobressaindo os critérios da incorporação da obrigação no título, literalidade, em que o título se define pelos exactos termos que dele constem, autonomia do direito do portador legítimo do título e abstracção, em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem, basta à execução, fundada em título cambiário, a apresentação desse título e a não demonstração pelo demandado de ter sido incumprido o pacto de preenchimento ([2]).
O aval, por sua vez, configura-se como uma garantia da obrigação cambiária, destinando-se a garantir o seu pagamento. Assim, o avalista não é sujeito da relação jurídica estabelecida entre o portador e o subscritor da livrança, mas tão só sujeito da relação subjacente ao acto cambiário do aval. A obrigação do avalista, como obrigação cambiaria, é autónoma e independente da do avalizado, mantendo-se mesmo no caso de a obrigação por ele garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, como resulta do disposto no art.º 32.º da LULLiv. ([3]).
Ante, pois, a dita natureza e características dos títulos cambiários enquanto títulos executivos, bem se compreende que o exequente, como portador legítimo do título, não careça de alegar no requerimento executivo a relação subjacente. 
Aliás, a questão da exequibilidade da livrança, desacompanhada do respectivo pacto de preenchimento, não chega sequer a fazer sentido, pois que uma livrança, uma vez completamente preenchida, constitui um documento particular assinado pelo devedor, que importa a constituição de uma obrigação pecuniária, tendo, pois, força executiva, nos termos do disposto art.º 46.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. ([4]).
Se, porém, o executado, em sede de defesa/oposição, excepcionar, com cabimento, a violação do pacto de preenchimento de livrança entregue em branco, então, aí sim, deve discutir-se a factualidade que seja alegada, desde logo a título de excepção, com o ónus probatório a cargo, naturalmente, do excepcionante (art.º 342.º, n.º 2, do CCiv.), pelas partes quanto a essa matéria de excepção.
Ora, como visto, não resulta, ante o alegado e os factos apurados, que tenha ocorrido qualquer violação da convenção de preenchimento da livrança, improcedendo, por isso, as conclusões do Apelante em sentido contrário.

4. – Da falta de interpelação do avalista quanto ao preenchimento da livrança e para o pagamento
Dúvidas não temos de que é necessária interpelação prévia do avalista quando o título é entregue em branco ao credor (para este lhe apor, designadamente, a data de pagamento e a quantia prometida pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim tal avalista tem conhecimento do montante exacto e da data em que se vence a garantia prestada ([5]).
Com efeito, em casos como o dos autos, para que o avalista conheça o montante em dívida e “não seja surpreendido com o pedido de pagamento numa data por si desconhecida é essencial que o portador, que preencheu o título, proceda à sua interpelação comunicando-lhe os elementos que apôs no título” ([6]).
Na decisão aqui recorrida foi considerado – e é aqui que começa a discordância do Apelante – que tal interpelação deve ter-se por efectuada ao ora opoente apesar de se desconhecer se a carta que lhe foi dirigida foi remetida, ou não, para a morada por ele indicada.
Com efeito, apurou-se que as cartas de interpelação aos executados foram dirigidas, quanto a ambos, para a morada constante do contrato de locação financeira, contrato esse em que foi parte a sociedade executada e não também o aqui opoente e Apelante, sendo que os respectivos avisos de recepção foram recepcionados por outrem, Ernesto.
Perante isto, sustenta a decisão recorrida que, não tendo o opoente posto em causa que tenham sido remetidas as aludidas cartas com A/R, para apenas alegar que não foi por si recepcionada a que lhe era dirigida, inexiste alegação de que a morada para onde a carta foi remetida não fosse a sua.
Assim – conclui a decisão recorrida –, apenas tendo sido alegado pelo opoente (e resultou apurado) que a carta não foi por si recepcionada, tal não assume qualquer relevância.
Ora, concordamos com o M.º Juiz a quo quando refere que se desconhece se a carta que foi dirigida ao ora Apelante foi remetida, ou não, para a morada por ele indicada, bem como se essa morada era, ou não, a sua.
A questão prende-se, assim, desde logo, com as regras de repartição do ónus da alegação e prova, no sentido de saber se era o banco exequente/oposto quem, ante a economia dos autos, tinha de alegar e provar que a carta foi recebida pelo opoente, chegou ao seu poder ou foi dele conhecida (pressuposta a necessidade de interpelação), ou se, ao invés, era tal opoente quem, por sua vez, tinha o ónus da alegação e prova de não ter isso acontecido (inexistência de interpelação).
Como já referido, fundando-se a execução em título cambiário, não tinha o banco exequente, atenta a natureza e especificidade/características de tal título cambiário/executivo, de alegar, no requerimento executivo, a factualidade atinente à relação contratual subjacente, aqui se incluindo o incumprimento do contrato de locação financeira e a interpelação da devedora e do garante.
Quem tinha, assim, o ónus da alegação, enquanto matéria de excepção, quanto à sua não interpelação, era o aqui opoente, parte que, aliás, suscitou a questão nos autos, perante o que o exequente/oposto contrapôs que a interpelação deve ter-se por verificada.
Assim sendo, cabendo ao opoente o ónus da alegação e prova da factualidade tendente a demonstrar não ter sido interpelado, o que se constata é que o mesmo apenas afirmou nos autos, no momento próprio e no local adequado (na fase de articulados), que deveria a parte exequente ter alegado – já que seria seu o ónus alegatório e probatório – que havia interpelado ambos os executados, por a interpelação ser indispensável (cfr. art.ºs 17.º a 21.º do articulado de oposição).
Quer dizer, o opoente mais não fez do que defender que o banco exequente tinha o ónus alegatório (e probatório) da factualidade tendente a demonstrar a existência de interpelação e que não observou esse ónus, donde que não tenha tal opoente e agora Apelante, manifestamente, deixado alegada a factualidade necessária a demonstrar que tal interpelação não ocorreu.
Como, neste conspecto, era ao opoente que cabia o ónus da alegação e prova da inexistência de interpelação, e não tendo ele deixado alegada factualidade tendente a demonstrar tal ausência/omissão de interpelação, deve concluir-se que a dúvida nesta matéria sempre teria de jogar contra si, não podendo considerar-se verificada a ausência de interpelação.
Também não deve concluir-se pela necessidade de indagação subsequente – com o prosseguimento, para tanto, dos autos – quanto à eventual ausência de interpelação, pois que, como dito, não alegou o opoente sequer, como lhe competia, factualidade, a sujeitar ao fogo da prova, que permitisse concluir pela inexistência de interpelação ao avalista.
Resta dizer, como em douto Acórdão desta mesma Relação ([7]), que «é pouco consonante com as regras da boa fé, o avalista alegar em sua defesa que o banco não o “interpelou” previamente para pagar a dívida, sabendo-se responsável e garante pessoal desde o momento da celebração do contrato subjacente no qual participou», na qualidade, no nosso caso, de único gerente da subscritora da livrança (uma sociedade unipessoal, como tudo resulta de fls. 39 a 41, para que remete o ponto 4.- da factualidade assente), «tendo então indissociável conhecimento do incumprimento, podendo a todo o tempo exonerar a sociedade, pagando do seu bolso e evitando a execução».
Donde que devam improceder também nesta parte as conclusões do Apelante.
 
5. – Da inexigibilidade da obrigação exequenda
Como vem referido na decisão recorrida, o opoente e aqui Apelante, invocando não interpelação para o pagamento anteriormente ao preenchimento da livrança, defendeu que tal omissão determina a falta de vencimento da obrigação cartular e a inexigibilidade da obrigação, defesa essa que não mereceu acolhimento naquela decisão em crise.
Em sede de recurso, defendeu, nesta parte, o Apelante que, tendo o requerimento executivo como base uma livrança em que, como causa de pedir da execução, se fundamenta todo o pedido, essa livrança é só por si insuficiente para determinar a exigibilidade do aval prestado, continuando a insistir pela ausência de interpelação e concluindo ainda, como corolário de toda a argumentação recursiva, pela inexigibilidade da obrigação exequenda.
Ora, sobre esta matéria já anteriormente se verificou que não pode ser acolhida a argumentação do Apelante no sentido da sua não interpelação, tal como já se viu que a livrança dada à execução é, pela sua natureza e características de título cambiário, título executivo bastante, seja contra o respectivo subscritor, seja contra o avalista daquele.
Assim, a obrigação exequenda, titulada pela livrança aludida – esta a dever considerar-se preenchida de harmonia com o respectivo pacto de preenchimento apresentado nestes autos (o opoente não demonstrou que assim não tenha ocorrido) –, mostra-se vencida, em conformidade com a data de vencimento que consta aposta no rosto da mesma livrança.
Donde que tenham de improceder in totum as conclusões do apelante ([8]).


IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, decidem manter, embora com fundamentação parcialmente diversa, a decisão recorrida.
Custas da apelação e na 1.ª instância a cargo do opoente/Apelante.

Lisboa, 8 de Novembro de 2012

José Vítor dos Santos Amaral
Fernanda Isabel Pereira
Maria Manuela Gomes
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([1]) Cfr. Ac. do STJ de 31/03/2009, Proc.º 08B3815 (Cons. Maria Pizarro Beleza); Ac. do STJ de 13/04/2011, Proc. 2093/04.2TBSTB-A L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos); Ac. do STJ de 30/09/2010, Proc. 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1 (Cons. Alberto Sobrinho); Ac. da Rel. Lisboa de 19/06/2007, Proc. 3840/2007-7 (Rel. Pimentel Marcos); Ac. da Rel. Lisboa de 17/11/2009, Proc. 6501/07.2YYLSB-A.L1-7 (Rel. Luís Espírito Santo); Ac. da Rel. Lisboa, de 04/06/2009, Proc. 64872/05.1YYLSB-B.L1 (Rel. Ana Luísa Geraldes), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
([2]) Assim o Ac. do STJ de 30/09/2010 mencionado (Cons. Alberto Sobrinho).
([3]) Cfr. ainda o aludido Ac. do STJ de 30/09/2010.
([4]) Assim também o Ac. da Rel. Lisboa de 12/11/2009, Proc. 41472/04.8YYLSB-B.L1-2 (Rel. Farinha Alves), disponível em www.dgsi.pt.
([5]) Assim o Ac. da Rel. Lisboa, de 20/01/2011, Proc. 1847/08.5TBBRR-A.L1-6 (Rel. Maria Manuela Gomes), disponível em www.dgsi.pt.
([6]) Citação do Ac. referido da Rel. Lisboa de 20/01/2011, Proc. 1847/08.5TBBRR-A.L1-6.  
([7]) Trata-se do Ac. da Rel. Lisboa de 15/09/2009, Proc. 2758/06.4TBRR.A.L1-7 (Rel. Isabel Salgado).
([8]) Tendo sido junta certidão que documenta decisão de extinção da instância executiva por impossibilidade superveniente da lide no que tange à sociedade executada (cfr. fls. 86 e segs.), tal não confere utilidade – como, aliás, referido pelo M.º Juiz a quo (cfr. fls. 90) – para a presente decisão recursória, posto que o executado opoente foi demandado na sua exclusiva qualidade de avalista, e não, pois, de sócio da sociedade executada e por si avalizada, sendo a sua responsabilidade de avalista independente da responsabilidade da sua avalizada. Como é consabido, a obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado, mantendo-se até no caso de a obrigação por ele garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (cfr. art.º 32.º da LULLiv.).