Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17044/10.7YYLSB.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
TÍTULO EXECUTIVO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A Lei nº6/2006, de 27/2, que introduziu alterações significativas na disciplina substantiva do arrendamento urbano, também introduziu alterações importantes ao nível da correspondente disciplina processual.
II - Assim, além do mais, deu nova redacção ao art.930º-A, do C.P.C., criando a execução para entrega de coisa imóvel arrendada, e aditou àquele Código os arts.930º-B a 930º-E, passando a ser aplicáveis àquela execução as disposições dos arts.928º a 930º, com as alterações constantes dos arts.930º-B a 930º-E.
III - O art.15º da citada Lei nº6/2006 veio criar uma série de novos títulos executivos destinados a servir de base à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, procurando, deste modo, um caminho mais célere para a efectiva desocupação do imóvel e sua restituição ao senhorio exequente.
IV - Entre estes encontra-se, em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da notificação prevista no nº1, do art.1084º, do C.Civil (cfr. a al.e)).
V - Na verdade, este último artigo prevê que a resolução do contrato fundada em causa prevista no nº3, do art.1083º, entre os quais se encontra a falta de pagamento da renda em caso de mora superior a 3 meses, opere extrajudicialmente, por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
VI - Para um edifício ser prédio urbano importa que esteja incorporado no solo (cfr. o art.204º, nº2, do C.Civil), devendo, pois, encontrar-se fixado nele directa ou indirectamente pelos alicerces ou por colunas, estacas ou qualquer outro meio, não bastando estar pousado no terreno, como acontece com as casas de madeira desmontáveis
VII – No caso, tudo aponta no sentido de que a estrutura em causa está incorporada no solo, sendo que é esta circunstância que releva para se saber se o prédio é urbano.
VIII - Tendo em conta os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo, as finalidades prosseguidas pelos declarantes e a própria terminologia utilizada, bem como, os critérios segundo os quais deve exercer-se a actividade interpretativa, parece-nos evidente que o contrato em questão não pode deixar de ser tido como um contrato de arrendamento para comércio.
IX – Estamos, pois, perante um contrato de arrendamento (cfr. o art.1023º, do C.Civil), o qual foi acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº1, do art.1084º, do mesmo Código.
X - Consequentemente, tais documentos podem servir de base à execução para entrega de coisa certa, nos termos do disposto no art.15º, nº1, al.e), da Lei nº6/2006, de 27/2.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

No 3º Juízo dos Juízos de Execução de Lisboa, A… S.A., instaurou, em 1/9/10, execução comum para entrega de coisa certa contra B… Ld.ª, relativamente à fracção autónoma designada pela letra «…», sita na Rua …, …, ….
Para o efeito, invoca o disposto no art.15º, nº1, al.e), do NRAU, e declara juntar notificação judicial avulsa, comprovativa da comunicação prevista no nº1, do art.1084º, do C.Civil, e contrato de arrendamento, datado de 11/12/2000.
Na referida notificação alega que a requerida não pagou as rendas referentes aos meses de Setembro de 2007 (parte) e de Janeiro de 2008 a Março de 2010, no montante global de € 282.186,15, e outros encargos acordados, no montante de € 4.155,30, bem como, juros moratórios vencidos, no valor de € 29.322,88. A final, a requerente declara resolvido o contrato de arrendamento em apreço, dando conhecimento desse facto à requerida e, ainda, de que irá proceder à cobrança judicial das importâncias em dívida.
A notificação judicial avulsa foi feita pelo solicitador de execução, JC..., no dia 3/5/10. Este, entretanto, em 14/10/10, enviou ao 3º Juízo de Execução de Lisboa comprovativo da citação da executada.
Aberta conclusão no processo, foi proferido despacho onde, depois de se referir que os autos deveriam ter sido submetidos a despacho prévio de citação, mas que, não o tendo sido, cumpria naquele momento verificar se os mesmos deverão ou não seguir os seus termos, se concluiu pela extinção da execução, por falta de título executivo, já que a exequente deu como título à execução um contrato de locação de uma estrutura móvel, ou seja, um contrato de aluguer, e não um contrato de arrendamento.
Inconformada, a exequente interpôs recurso daquela decisão.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida incorreu numa errada apreciação da matéria de facto quando referiu que o objecto do contrato dado à execução é "uma estrutura temporária, de natureza provisória e desmontável", quando o que expressamente consta daquele contrato é que o objecto do mesmo é "o ESPAÇO correspondente a uma área de 539 m2 identificada na planta que constitui o ANEXO I do presente contrato".
2. A sentença recorrida incorre em omissão de fundamentação quando expressamente fundamenta a sua decisão numa qualificação jurídica ("a estrutura não constitui [...] um prédio urbano") constante do contrato dado à execução, em detrimento doutra qualificação jurídica, de sentido contrário ("arrendamento"), também constante do mesmo contrato, sem que justifique ou explique aquela sua opção, designadamente, procedendo à análise crítica, global e teleológica, do contrato.
3. A sentença recorrida incorre numa errada apreciação da matéria de facto quando qualifica o contrato dado à execução como um contrato de "aluguer" - ou seja, locação de bem móvel, art.° 1023.° do Código Civil - quando:
a) o contrato expressamente refere que o seu objecto é "arrendar uma área correspondente a 539m2", delimitando-o na planta de uma "estrutura de natureza provisória e desmontável" patentemente implantada no solo, com escadas, sanitários e cozinhas e "instalada no espaço que constitui a parcela 2.15 do Plano de Pormenor 2" - ou seja, numa área de terreno entre a Rua … e a Rua …, no P…. - "encontrando-se em curso [...] a respectiva inscrição matricial, e assegurando-se o uso das parcelas de terreno imediatamente contíguas para estacionamento e esplanada;
b) o objecto do contrato dado à execução não era manifestamente aquela "estrutura de natureza provisória e desmontável" enquanto "bem móvel", mas aquele "espaço" onde a área arrendada estava, e está, implantada;
c) o restante clausulado do contrato dado à execução corresponde ao de um típico contrato de arrendamento comercial.
4. A sentença recorrida incorre numa errada apreciação do Direito ao enunciar que o facto de uma "estrutura" ser "de natureza provisória e desmontável" impede a sua qualificação como prédio urbano, quando o que, nos termos do art.° 204.° n.° 2 do Código Civil, determina essa qualificação é o facto de o "edifício [ser] incorporado no solo", e não a sua durabilidade projectada ou método construtivo.
5. A menção nos "Considerandos" do contrato dado à execução da "Estrutura" como “de natureza provisória e desmontável” visava submeter o arrendamento "sub judice" ao regime previsto no art.° 5.° do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 321-B/90 de 15.10 ("arrendamento para fim especial transitório"), como vista a prevenir a necessidade da eventual desmontagem da mesma, afastando o regime vinculístico previsto no dito Regime do Arrendamento Urbano, e não significando que a "Estrutura" não fosse uma edificação implantada no solo e que o contrato não fosse um arrendamento - apenas que era um contrato de arrendamento não sujeito ao Regime de Arrendamento Urbano.
6. Constam do contrato dado à execução, conjugada com a notificação judicial avulsa junta com o requerimento executivo, todos os factos constitutivos da obrigação da Executada entregar o locado à Exequente, nos termos dos art.°s 236.° a 238.° do Código Civil, 45.° n.°1, do Código de Processo Civil e 15.° da Lei n." 6/2006 de 27/2.
Pelo exposto e pelo que doutamente for suprido, a sentença recorrida deve ser revogada, devendo os autos prosseguir a sua regular tramitação, com o efectivo saneamento e a eventual selecção da matéria de facto e julgamento, e a apreciação dos factos que se venham a provar de entre os alegados pelas partes na Oposição à Execução, bem como a Execução prosseguir os seus termos.
2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
I - DAS CERTIDÕES, ESCRITURAS e PRÉDIOS
1a
O objecto da presente acção executiva versa sobre um bem móvel, existente em parcela de terreno, doado à Exequente, pelo Estado, ao abrigo de normas de direito administrativo - (designadamente para a dotar de meios financeiros com vista à prossecução de um fim público, a saber a realização da exposição mundial de 1998).
2a
O documento escrito apresentado para valer como título executivo, pela Exequente e Recorrente, o Contrato, refere, logo nos seus "Considerandos" A) B) e C):
"A) A A…SA é proprietária e legítima possuidora da estrutura temporária instalada na ….) na Rua …, módulos (...) doravante designada por ESTRUTURA;
B) A ESTRUTURA- de natureza provisória e desmontável, não constituindo portanto um prédio urbano - foi instalada no espaço que constitui a parcela 2.15 do Plano de Pormenor 2, aprovado pela Portaria n° 1130-B/99 de 31 de Dezembro;
C) Por força do disposto no artigo 3° do Decreto-Lei 354/93, a instalação e utilização da ESTRUTURA encontram-se dispensadas de licenciamento camarário."
3a
"Na verdade segundo jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal de Justiça, as presunções registrais emergentes do artigo 7° do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites e confrontações, exorbitando do seu âmbito tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio".
4a
"Os documentos autênticos apenas fazem prova plena quanto aos factos referidos como praticados pelo oficial público respectivo, assim como daqueles que são atestados com base na percepção da entidade documentadora, não cabendo ao registo predial assegurar os elementos de identificação do prédio, confrontações ou áreas."
5a
"Apesar de as escrituras serem documentos autênticos, por se revestirem das características estabelecidas no artigo 369° do CC, o seu valor probatório pleno é, nos termos do n° l do artigo 371° do mesmo Código, limitado aos factos que nelas se referem como praticados pelo notário que as lavrou e aos factos que nelas são referidos com base nas suas percepções" (como é óbvio, o que se diz para as escrituras vale, do mesmo modo, para as certidões do registo predial e inscrições matriciais)."
6a
Do n° 2 do art° 204° do CC resulta que os prédios ou são rústicos ou são urbanos, isto é, não se admite um terceiro género, uma categoria mista.
7a
Desde longa data, entende-se que as casas desmontáveis, não são prédios urbanos, são coisas móveis.
8a
É pressuposto essencial da classificação como imóvel a incorporação no solo de edifício ou construção, e tal incorporação supõe uma ligação material por meio de alicerces ou colunas.
II - DA INEXISTÊNCIA DE TITULO EXECUTIVO
9a
O art.o l5.º, n.º l, al. e) da Lei n.º 6/2006, de 27/02 é uma disposição especial que atribui força executiva ao escrito corporizando o contrato de arrendamento acompanhado do instrumento de notificação judicial avulsa pelo qual o senhorio declarou ao arrendatário resolver o contrato por falta de pagamento de rendas, dispensando a declaração judicial do direito de resolver o contrato de arrendamento.
10a
No caso sub judice o escrito apresentado não corporiza um contrato de arrendamento.
11a
A letra da lei não permite uma interpretação de modo a que onde o legislador exige o contrato de arrendamento se possa entender que se trata da prova do contrato de arrendamento por qualquer meio.
12a
A nossa tradição jurídica quanto à prova do contrato de arrendamento urbano para habitação e em ordem à protecção do contraente débil, o arrendatário, desde o Dec. Lei n.° 188/76 de 12 de Março, tem sido a de que apenas o arrendatário pode fazer essa prova por qualquer meio, desde que não haja invocado a nulidade por inobservância de forma escrita (art.° 1.° desse diploma), de que a inobservância de forma escrita só pode ser suprida pela apresentação do recibo de renda e, logo, pelo arrendatário (art.° 7.°, n.° 3 do R. A. U), não admitindo que o senhorio faça prova do contrato de arrendamento por qualquer outro meio que não seja a apresentação do respectivo escrito.
13a
Para a situação prevista na al. e), é necessário que o contrato, para que estejamos perante título executivo, habilite o senhorio a requerer o despejo coercivo, sem necessidade de previamente obter sentença condenatória, o que não é manifestamente o caso.
14a
Precisamente porque o título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção, não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não - art. 46° c) do CPC.
15a
Direito esse que não resulta do documento (contrato) apresentado pela Exequente.
Nestes Termos e nos Melhores de Direito que V Ex.ªs Doutamente suprirão deve a Sentença proferida ser integralmente preservada e mantida.
2.3. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, não tendo a secretaria recusado o requerimento executivo, não obstante, é manifesta a insuficiência do título dado à execução, a justificar o indeferimento liminar daquele requerimento.
Na decisão recorrida considerou-se que a exequente deu como título à execução um contrato de locação de uma estrutura móvel, acompanhado de uma notificação judicial avulsa. Mais se considerou que se trata de um contrato de aluguer, por ter como objecto uma estrutura temporária, de natureza provisória e desmontável, não constituindo, portanto, um prédio urbano, um imóvel. Considerou-se, ainda, que, dos títulos legais que podem servir de base à acção executiva para entrega de imóvel arrendado, a lei não prescinde do contrato de arrendamento, que versa sobre imóveis. Para, a final, se concluir que, tendo sido dado à execução um simples contrato de aluguer, a mesma não pode prosseguir seus termos, devendo ser extinta, por manifesta insuficiência do título, não restando à exequente outra alternativa que não seja o recurso à acção declarativa prévia.
Segundo a recorrente, o clausulado do contrato dado à execução corresponde a um típico contrato de arrendamento comercial, pelo que, não se verificando a invocada insuficiência do título, deve a decisão recorrida ser revogada, para que os autos prossigam a sua regular tramitação.
Entende a recorrida que o escrito apresentado não corporiza um contrato de arrendamento, pelo que, deve a decisão recorrida ser integralmente mantida.
Vejamos.
Como é sabido, a Lei nº6/2006, de 27/2, que introduziu alterações significativas na disciplina substantiva do arrendamento urbano, também introduziu alterações importantes ao nível da correspondente disciplina processual. Assim, além do mais, deu nova redacção ao art.930º-A, do C.P.C., criando a execução para entrega de coisa imóvel arrendada, e aditou àquele Código os arts.930º-B a 930º-E. Deste modo, àquela execução passaram a ser aplicáveis as disposições dos arts.928º a 930º, com as alterações constantes dos arts.930º-B a 930º-E.
O art.15º da citada Lei nº6/2006 veio criar uma série de novos títulos executivos destinados a servir de base à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, procurando, assim, como refere Maria Olinda Garcia, in «A Acção Executiva Para Entrega De Imóvel Arrendado», Segundo a Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro, 2ª ed., pág.48, um caminho mais célere para a efectiva desocupação do imóvel e sua restituição ao senhorio exequente. Trata-se, pois, de títulos executivos criados por disposição especial (cfr. o art.46º, nº1, al.d), do C.P.C.).
Deste modo, não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa os documentos mencionados nas als.a) a f), do nº1, do citado art.15º.
Entre estes encontra-se, em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da notificação prevista no nº1, do art.1084º, do C.Civil (cfr. a al.e)). Na verdade, este último artigo prevê que a resolução do contrato fundada em causa prevista no nº3, do art.1083º, entre os quais se encontra a falta de pagamento da renda em caso de mora superior a 3 meses, opere extrajudicialmente, por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
Esta comunicação tem de observar o disposto no art.9º, nº7, da Lei nº6/2006, isto é, tem de ser efectuada mediante notificação judicial avulsa ou mediante contacto pessoal do advogado, solicitador ou solicitador de execução, nos termos aí previstos.
Por conseguinte, o documento correspondente a esta comunicação, acompanhado do contrato de arrendamento, constitui título executivo, nos termos da al.e), do nº1, do art.15º, para efeitos de recurso à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário não cumpra voluntariamente a obrigação de restituir o imóvel na data devida. Esta obrigação não tem de constar do título, já que decorre directamente da lei (arts.1038º, al.i) e 1081º, do C.Civil). No entanto, do título tem que resultar inequivocamente que o contrato de arrendamento se encontra extinto, para se poder concluir que o senhorio tem a qualidade de credor e o arrendatário a qualidade de devedor da obrigação em causa. Essa informação, no caso da al.e), do nº1, do art.15º, resulta da comunicação do senhorio exteriorizando a vontade extintiva.
Voltando ao caso dos autos e tendo em consideração que nos parece fundamental determinar o conteúdo declaracional do negócio jurídico em causa, que o mesmo é dizer, proceder à sua interpretação, haverá que, antes do mais, atentar no teor das respectivas cláusulas. Para o efeito, transcrever-se-ão as principais cláusulas constantes do documento junto a fls.81 e segs.:
«CONTRATO Nº.2000/202
ENTRE:
A…SA., com sede na Avenida …, com o capital social de Esc. …), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.° … pessoa colectiva n.° …, neste acto representada pelo Dr. G.. ., na qualidade de Procurador da sociedade, doravante designada por "P….", e
B…Lda., com sede na Avenida …, com o capital social de Esc. …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …sob o n.° …, pessoa colectiva n.° …, neste acto representada por M….., na qualidade de gerente da sociedade, doravante designada por "B…Ldª"
Considerando que,
A) A P… é proprietária e legítima possuidora da estrutura temporária instalada na Zona de Intervenção …"), na Rua da …, módulos 29, 31 e 33, doravante designada por ESTRUTURA;
B) A ESTRUTURA - de natureza provisória e desmontável, não constituindo portanto um prédio urbano - foi instalada no espaço que constitui a parcela 2.15 do Plano de Pormenor 2, aprovado pela Portaria n.° 1130-B/99, de 31 de Dezembro, no qual são admissíveis os seguintes usos: serviços, comércio e restauração;
C) Por força do disposto no artigo 3.° do Decreto-Lei n° 354/93, a instalação e utilização da ESTRUTURA encontram-se dispensadas de licenciamento camarário;
D) Tendo em conta as características da ESTRUTURA, o presente arrendamento não se encontra sujeito ao Regime do Arrendamento Urbano;
E) A ESTRUTURA encontra-se omissa na matriz, encontrando-se em curso a preparação dos elementos necessários para a inscrição matricial;
F) A P…. pretende arrendar uma área correspondente a 539 m2 da ESTRUTURA, identificada na planta que constitui o ANEXO I ao presente contrato ("ESPAÇO"), e a MPN 3000 pretende tomar de arrendamento o mesmo espaço, nos termos e condições adiante consignados,
é livremente acordado e reciprocamente aceite o contrato, que ficará a reger-se pelo disposto nas cláusulas seguintes, e do qual fazem parte integrante os Anexos nele referidos.
1. Objecto
1.1. Pelo presente contrato, a P…. dá de arrendamento à B…Ldª, e esta aceita, o ESPAÇO correspondente a uma área de 539 m2, identificada na planta que constitui o ANEXO I do presente contrato.
1.2. No ESPAÇO encontra-se instalado o equipamento de monta-pratos, com as características descritas no ANEXO II, cuja utilização pela B…Ldª se inclui e fica sujeita ao regime do presente arrendamento.
2. Cartões de estacionamento e esplanada
2.1. Sem prejuízo do disposto no número 2.3., a P…. cede ainda à B…Ldª, a título gratuito, para seu uso exclusivo, 2 (dois) cartões de estacionamento para utilização nos estacionamentos públicos de superfície existentes na Rua do …, não se responsabilizando em qualquer caso pela efectiva existência de lugares de estacionamento na referida rua.
2.2. O estacionamento e circulação de veículos no Recinto pela B…Ldª deverá obedecer às normas legais e regulamentares aplicáveis, assim como a quaisquer regras fixadas para o efeito pela P….
2.3. A P…. poderá, a qualquer momento, por sua exclusiva iniciativa, fazer cessar a cedência de cartões efectuada ao abrigo do número 2.1,, sem que, por esse facto, a B…Ldª tenha direito a qualquer indemnização, compensação ou remuneração, e sem que haja lugar a qualquer modificação dos termos do arrendamento objecto deste contrato.
2.4. Desde que devidamente autorizada pelas entidades competentes para o efeito, a B…Ldª poderá ainda instalar uma esplanada, numa área delimitada no passeio público imediatamente contíguo ao ESPAÇO, sendo exclusivamente responsável pela obtenção de licenças e pelo pagamento de taxas de ocupação daquele passeio, a que eventualmente houver lugar.
3. Finalidade
O ESPAÇO destina-se à instalação e funcionamento de estabelecimento comercial de restauração e bebidas "PP", não podendo ser-lhe dado qualquer outro destino, salvo mediante acordo prévio e escrito da P….
4. Prazo
4.1. O presente arrendamento tem início na data da assinatura deste contrato e vigora até 31 de Dezembro de 2002, sendo automática e sucessivamente renovável por períodos de 6 (seis) meses caso não seja denunciado no seu termo, por qualquer das partes, pela forma indicada no número seguinte.
4.2. A denúncia para efeitos do disposto no número anterior deve ser comunicada, por carta registada com aviso de recepção, com antecedência de 60 (sessenta) dias relativamente ao termo do prazo inicial do contrato ou de uma das suas renovações.
5. Renda
5.1. A renda mensal inicial é de Esc. 1.480.000 (um milhão quatrocentos e oitenta mil escudos), pagável até ao dia 15 do mês a que respeitar, mediante a entrega de cheque à ordem da P…na tesouraria da sociedade, sita na morada indicada em 14.1.
5.2. A renda mensal poderá ser actualizada anualmente pela P… em montante não superior ao resultante da aplicação do coeficiente de actualização fixado pelo Governo para as rendas de contratos de arrendamento comerciais para o ano respectivo.
5.3. As actualizações referidas no número anterior serão precedidas de comunicação escrita pela P…, com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente à data de vencimento da renda respectiva.
5.4. Aos valores acima indicados acresce o IVA à taxa legal aplicável.
6. Mora
6.1. Em caso de mora no pagamento das quantias devidas ao abrigo do número anterior, e se a B…Ldª não fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar da data de vencimento da obrigação, a P… tem o direito de exigir à B…Ldª, para além dos montantes em dívida, uma indemnização correspondente a 50% (cinquenta por cento) do que for devido.
6.2. Em caso de mora no pagamento de quaisquer outras quantias devidas pela B…Ldª à P… ao abrigo do presente contrato, esta poderá cobrar sobre essas quantias, e pelo período de duração da mora, juros à taxa máxima, legal ou administrativamente permitida.
7. Encargos
7.1. Sem prejuízo de encargos que, por força da lei imperativa, devam ser suportados pela P…., durante o período de vigência do presente contrato, os encargos relacionados com o ESPAÇO são da exclusiva responsabilidade da B…Ldª
7.2. São da responsabilidade da B…Ldª, designadamente, os seguintes encargos:
a) Os relativos à decoração e instalação do estabelecimento instalado no ESPAÇO;
b) Os relativos à manutenção, reparação e substituição do equipamento identificado no Anexo II;
c) As despesas referentes a consumos de água, electricidade e gás no ESPAÇO;
d) Os relativos à instalação e utilização de equipamentos de comunicações no ESPAÇO;
e) Os referentes aos direitos, impostos e taxas aplicáveis de acordo com a legislação em vigor durante a execução do contrato;
f) Os referentes a quaisquer seguros obrigatórios, nos termos das disposições legais e regulamentares em vigor, e aos seguros identificados no ANEXO III do presente contrato;
g) Os referentes a quaisquer obras realizadas no ESPAÇO.
7.3. A B…Ldª será ainda responsável pelo pagamento à P…. (ou à entidade que, a cada momento, assegure a gestão urbana da Zona de Intervenção da …) das quantias devidas pela prestação dos serviços de remoção de resíduos sólidos urbanos, de acordo com a tabela de preços aplicável.
8. Consumos
8.1. Para os efeitos do disposto na alínea c) do número 7.2., e enquanto não estiverem reunidas as condições jurídicas e/ou técnicas necessárias para que a MPN 3000 contrate directamente o serviço de fornecimento de água, a P…. compromete-se a assegurar à B…Ldª o fornecimento daqueles serviço, nos termos e condições em que o mesmo lhe é prestado pela entidade competente.
8.2. A B…Ldª compromete-se a reembolsar a P… dos valores pela mesma pagos às entidades prestadoras dos serviços de fornecimento de água pelos consumos efectivamente verificados no ESPAÇO.
8.3. Para os efeitos do disposto no número anterior, a P.. enviará mensalmente à B…Ldª a correspondente nota de débito, a qual deverá ser liquidada no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção.
8.4. A B…Ldª compromete-se a contratar directamente a prestação do serviço indicado no número anterior com as entidades competentes, logo que se encontrem reunidas as condições jurídicas e/ou técnicas necessárias para o efeito.
9. Obras
9.1. O ESPAÇO será entregue à B…Ldª no estado em que se encontra.
9.2. É da responsabilidade da B…Ldª a realização de quaisquer obras no ESPAÇO, tanto de conservação ordinária ou extraordinária como de beneficiação (designadamente a realização das obras impostas pelas normas legais e regulamentares aplicáveis ao exercício da actividade no ESPAÇO), as quais dependem de consentimento prévio e escrito da P….
9.3. A P…. poderá realizar as obras da responsabilidade da B…Ldª que se mostrem necessárias e que esta não venha a realizar, desde que devidamente notificado para o efeito.
9.4. O custo das obras efectuadas pela P…, ao abrigo do número anterior, deve ser pago pela B…Ldª no prazo de 15 (quinze) dias a contar da solicitação para o efeito pela P….
9.5. Não é devida qualquer indemnização à B…Ldª caso a realização de obras pela P… nos termos do número 9.3. implique a interrupção da actividade da mesma no ESPAÇO.
9.6. No termo do presente contrato de arrendamento não é devido à B…Ldª qualquer tipo de indemnização pelas obras realizadas no ESPAÇO, não sendo autorizado o levantamento das mesmas, excepto quando autorizado pela P .. aquando do abandono do locado.
10. Subarrendamento e Cessão
10.1. A B…Ldª não poderá sublocar o ESPAÇO, nem ceder, por qualquer outro título, o uso do ESPAÇO, total ou parcialmente, onerosa ou gratuitamente, salvo autorização prévia e por escrito pela P….
10.2. Caso pretenda trespassar o estabelecimento comercial instalado no ESPAÇO, a B…Ldª comunicará à P… que pretende ceder a sua posição contratual no presente contrato, por carta registada com aviso de recepção, indicando o cessionário, o preço e os restantes termos e condições da cessão.
10.3. No prazo de 30 (trinta) dias a contar da recepção da carta mencionada no número anterior a P… comunicará à B…Ldª, pelo mesmo meio, se autoriza ou não a cessão, ou em alternativa, se pretende exercer o seu direito de preferência na cessão, o qual a B…Ldª desde já irrevogavelmente confere à P….
11. Obrigações das partes
11.1. A P…. obriga-se a:
a) Dar quitação de todas as quantias recebidas da B…Ldª no âmbito do presente contrato;
b) Efectuar pontualmente à B…Ldª todas as comunicações devidas no âmbito deste contrato;
c) Suportar os encargos nos termos previstos no presente contrato.
11.2. A B…Ldª obriga-se a:
a) Cumprir pontualmente todas as obrigações emergentes do presente contrato;
b) Não realizar quaisquer obras no ESPAÇO sem autorização prévia e por escrito da P….;
c) Manter o ESPAÇO e o equipamento em bom estado de conservação;
d) Restituir o ESPAÇO e o equipamento, no termo do presente contrato, no estado em que os recebeu, ressalvadas as obras autorizadas pela P…. e as deteriorações decorrentes do seu uso normal e prudente em conformidade com o fim do contrato;
e) Restituir os cartões de estacionamento, sempre que tal lhe seja solicitado pela P….;
f) Explorar o estabelecimento de forma contínua, no período estabelecido em conformidade com os números 11.3 a 11.5;
g) Cumprir e fazer cumprir todas as disposições legais e regulamentares aplicáveis à actividade comercial exercida no ESPAÇO, comprometendo-se designadamente a requerer e a obter as licenças aplicáveis;
h) Apresentar e manter válidas as apólices de seguros discriminadas no ANEXO III do presente contrato, em conformidade com os estipulado nos números 11.8. e 11.9.;
i) Participar de imediato à seguradora qualquer sinistro, com conhecimento à P…..
11.3. Para efeitos do disposto na alínea f) do número anterior, a B…Ldª praticará um período mínimo de abertura entre as 10 (dez) e as 22 (vinte e duas) horas, não podendo interromper o exercício da sua actividade durante esse período sem prévia autorização da P…..
11.4. A B…Ldª poderá encerrar o estabelecimento instalado no ESPAÇO um dia por semana, entre segunda e quarta feira, comprometendo-se no entanto a não encerrar o estabelecimento aos fins de semana e Dias Prioritários de Abertura Obrigatório (definidos na Circular n.° 50, junta como n.° 4 do Anexo IV), ainda que coincidentes com os dias de descanso semanal.
( …) ».
Como já se referiu atrás, na decisão recorrida considerou-se que se está perante um contrato de aluguer, por ter como objecto uma estrutura temporária, de natureza provisória e desmontável, não constituindo, pois, um prédio urbano. Por isso que se entendeu que tal contrato, não sendo de arrendamento, não pode ser tido como título executivo.
Para assim se concluir, teve-se em consideração, exclusivamente, o teor dos considerandos A, B e D, já transcritos, onde se refere que a ora autora é proprietária da estrutura temporária instalada na Expo 98, módulos 29, 31 e 33, a qual tem natureza provisória e desmontável, não constituindo, por isso, um prédio urbano, pelo que, tendo em conta as características de tal estrutura, o arrendamento em questão não se encontra sujeito ao Regime do Arrendamento Urbano. Todavia, nos considerandos também se refere que a estrutura foi instalada no espaço que constitui a parcela 2.15 do Plano de Pormenor 2, no qual são admissíveis serviços, comércio e restauração (cfr. a al.B). E que a estrutura se encontra omissa na matriz, estando em curso a preparação dos elementos necessários para a inscrição matricial (cfr. a al.E). E, ainda, que a ora autora pretende arrendar uma área correspondente a 539 m2 da estrutura e que a ora ré pretende tomar de arrendamento o mesmo espaço, nos termos e condições consignados nas cláusulas seguintes (cfr. a al.F).
Verifica-se, pois, tendo-se apenas em conta, por agora, os referidos considerandos, que em lado nenhum se alude a aluguer do que quer que seja, antes se utilizando expressões como «arrendamento», «arrendar» ou «tomar de arrendamento». Por outro lado, afirma-se que a estrutura se encontra omissa na matriz, mas que está em vias de aí ser inscrita, o que é incompatível com o entendimento de que tal estrutura é um bem móvel. Aliás, resulta dos documentos juntos com o recurso interposto que a parcela 2.15 do Plano de Pormenor 2, a que se faz referência no contrato, inicialmente omissa na matriz (cfr. fls.159), passou a corresponder ao prédio urbano descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº… e inscrito na matriz sob o artigo … (cfr. fls.177 e 178). Mais resulta que tal parcela foi objecto de reparcelamento, tendo sido dividida e passando a constituir dois lotes: lote …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório …, e lote …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório … (cfr. fls.162, 178 e 179). Resulta, ainda, que o edifício que constitui o lote …1 foi submetido ao regime da propriedade horizontal, tendo dado origem às fracções de A a Z (cfr. fls.179 e segs.).
É certo que nos considerandos se alude a estrutura temporária, provisória e desmontável, dizendo-se expressamente que não constitui um prédio urbano e que o respectivo arrendamento não se encontra sujeito ao Regime do Arrendamento Urbano. É igualmente certo que para um edifício ser prédio urbano importa que esteja incorporado no solo (cfr. o art.204º, nº2, do C.Civil), devendo, pois, encontrar-se unido ou ligado ao solo, fixado nele directa ou indirectamente pelos alicerces ou por colunas, estacas ou qualquer outro meio, não bastando estar pousado no terreno, como acontece com as casas de madeira desmontáveis (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., págs.181 e 182, e Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, pág.233). Porém, apesar de se desconhecer que tipo de estrutura é aquela, tudo aponta no sentido de que a mesma está incorporada no solo, sendo que é esta circunstância que releva para se saber se o prédio é urbano. A não ser assim, ficaria sem se compreender a afirmação de que, na altura, estava omisso na matriz, e a constatação de que, posteriormente, passou a estar inscrito na matriz predial.
A recorrente dá uma explicação para o facto de nos considerandos se fazer referência à natureza provisória e desmontável da estrutura. Assim, segundo a recorrente, o que se visava era submeter o arrendamento ao regime previsto no art.5º, do RAU – arrendamento para fim especial transitório – com vista a prevenir a necessidade da eventual desmontagem da mesma, afastando o regime vinculístico previsto no RAU, mas não significando que a estrutura não fosse uma edificação implantada no solo e que o contrato não fosse de arrendamento, só que era um contrato de arrendamento não sujeito ao RAU.
Curiosamente, a este propósito, a recorrida nada diz nas suas contra-alegações, limitando-se a dissertar sobre as presunções registrais, a prova feita através de documentos autênticos e a inexistência de título executivo.
Note-se que, na verdade, o nº2, do art.5º, do RAU, em vigor na altura, previa restrições à aplicação do regime do arrendamento urbano, designadamente, na al.e), no que respeita aos arrendamentos para habitação não permanente em praias, termas ou outros lugares de vigiliatura, ou para outros fins especiais transitórios (sublinhado nosso). Só que, entretanto, com a entrada em vigor da Lei nº6/2006, foram eliminadas aquelas restrições, nomeadamente, a da al.e), ficando os arrendamentos aí previstos sujeitos ao NRAU, por já não se justificar, face aos novos princípios orientadores deste regime, que se poderá caracterizar de «vinculismo imperfeito», exclui-los do seu âmbito de aplicação (cfr. Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª ed., pág,221, anotação 2. ao art.1064º, do C.Civil).
Seja como for, entendemos que, de entre as circunstâncias atendíveis para a interpretação das declarações negociais em questão, as que essencialmente relevam são os termos do negócio, isto é, as cláusulas acordadas entre as partes, atrás transcritas.
Como é sabido, na interpretação dos negócios jurídicos prevalece aquele sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, mas supondo-o uma pessoa razoável. É o que resulta do disposto no art,236º, nº1, do C.Civil, que estabelece a regra de que o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição de declaratário real, em face do comportamento do declarante. O citado artigo, nos seus nºs 1 e 2, exceptua apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº1), ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº2).
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, ob.cit., pág.207, o objectivo legal é, em tese geral, o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir, consagrando-se, assim, uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista. A justificação deste entendimento radica na necessidade de se protegerem a legítima confiança do declaratário e os interesses gerais do comércio jurídico, ao nível da facilidade e segurança da contratação. De tal modo que, nos negócios formais se exige que o sentido objectivo, correspondente à impressão do destinatário, encontre nos próprios termos da declaração formalizada (documento) uma qualquer expressão, embora imperfeita, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei (cfr. o art.238º, do C.Civil).
No caso dos autos, estamos perante um contrato celebrado entre a ora autora e a ora ré, pelo que, as declarações, traduzidas nas cláusulas estipuladas, são comuns às partes. Ora, desde logo, a cláusula 1ª, ao fixar o objecto do contrato, refere expressamente que, pelo referido contrato, a P…. dá de arrendamento à B…Ldª , e esta aceita, o Espaço correspondente a uma área de 539 m2, identificada na planta que constitui o Anexo I do contrato. Mais se refere, naquela cláusula, que no Espaço se encontra instalado o equipamento de monta-pratos, com as características descritas no Anexo II, cuja utilização pela B…Ldª se inclui e fica sujeito ao regime do mesmo arrendamento. É que, nos termos da cláusula 3ª, o Espaço destina-se à instalação e funcionamento do estabelecimento comercial de restauração e bebidas «PP», não podendo ser-lhe dado qualquer outro destino, salvo mediante acordo prévio e escrito da P….. Tendo-se previsto, na cláusula 5ª, uma renda inicial de 1.480.000 escudos, actualizável anualmente pela P…. em montante não superior ao resultante da aplicação do coeficiente de actualização fixado pelo Governo para as rendas de contratos de arrendamentos comerciais para o ano respectivo, e, ainda, na cláusula 6ª, uma indemnização para o caso de mora no pagamento dessas rendas. Sendo que, nos termos da cláusula 4ª, o arrendamento vigora até 31/12/2002, sendo automática e sucessivamente renovável por períodos de 6 meses, caso não seja denunciado no seu termo, por qualquer das partes.
Por outro lado, a cláusula 9ª regula a respeito de obras eventualmente a realizar no Espaço em questão, quer quanto à responsabilidade pela sua realização e pelo respectivo custo, bem como, quanto à indemnização pelas obras aí realizadas e levantamento das mesmas. Por seu turno, a cláusula 10ª prevê situações em que pode ter lugar a sublocação ou cessão do Espaço, e, ainda, o trespasse do estabelecimento comercial aí instalado. Quanto à cláusula 11ª, prevêem-se aí as obrigações das partes, designadamente, quanto à ora ré, a de manter o Espaço e o equipamento em bom estado de conservação, e de os restituir, no termo do contrato, no estado em que os recebeu, ressalvadas as obras autorizadas e as deteriorações decorrentes do seu uso normal e prudente.
As demais cláusulas, ou aludem à cedência de cartões de estacionamento a favor da ora ré e à instalação de uma esplanada numa área imediatamente contígua ao Espaço (cláusula 2ª), ou a encargos relacionados com o Espaço (cláusula 7ª) e com os consumos (cláusula 8ª), ou a regras de funcionamento do Parque das Nações (cláusula 12ª), caução (cláusula 13ª), comunicações (cláusula 14ª), Lei e Foro (cláusula 15ª).
Tendo em consideração todo este conjunto de cláusulas, não se vê como possa entender-se, como se entendeu na decisão recorrida, que o contrato em causa configura um contrato de aluguer, por ter como objecto uma estrutura temporária, de natureza provisória e desmontável, e, assim, por não constituir um prédio urbano, um imóvel.
Note-se que em nenhuma das cláusulas do contrato se alude a qualquer estrutura, antes se fazendo sempre referência ao Espaço e respectiva área, apenas se utilizando o termo estrutura nos considerandos do mesmo contrato. Sendo certo que é através das cláusulas contratuais que as partes se vinculam, pelo que, é por via delas que, essencialmente, se há-de determinar o conteúdo declaracional do negócio jurídico em questão. Logo, é sobre tais cláusulas que deve incidir, fundamentalmente, a actividade interpretativa, tendo em vista a determinação do tipo de sentido negocial. Ora, tendo em conta os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo, as finalidades prosseguidas pelos declarantes e a própria terminologia utilizada, bem como, os critérios segundo os quais deve exercer-se a actividade interpretativa, atrás mencionados, parece-nos evidente que o contrato em questão não pode deixar de ser tido como um contrato de arrendamento para comércio. Na verdade, seria com esse sentido que um declaratário razoável, isto é, medianamente instruído, diligente e sagaz, colocado na posição concreta dos declaratários efectivos, interpretaria as declarações. Sentido esse que tem manifesta correspondência no texto do respectivo documento, como acabámos de ver.
Entendemos, pois, que estamos perante um contrato de arrendamento (cfr. o art.1023º, do C.Civil), o qual foi acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº1, do art.1084º, do mesmo Código. Consequentemente, tais documentos podem servir de base à execução para entrega de coisa certa, nos termos do disposto no art.15º, nº1, al.e), da Lei nº6/2006, de 27/2.
Haverá, deste modo, que concluir que não é manifesta a insuficiência do título dado à execução e que, assim, não se justifica o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. o art.812º, nº2, al.a), do C.P.C.).
Procedem, destarte, as conclusões da alegação da recorrente, pelo que, não pode manter-se o despacho recorrido.

3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão apelada, devendo os autos prosseguir a sua regular tramitação.

Custas pela apelada.

Lisboa, 3 de Maio de 2011

Roque Nogueira
Abrantes Geraldes
Tomé Gomes