Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ROSA MARIA CARDOSO SARAIVA | ||
| Descritores: | CÚMULO JURÍDICO DE PENAS ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. Nos termos do art. 77.º, n.º 2, do Código Penal, a pena única resultante do cúmulo jurídico não pode ser inferior à mais elevada das penas parcelares aplicadas aos crimes em concurso e o limite máximo não pode ultrapassar a soma das penas que concretamente seriam de aplicar a cada um dos crimes em causa. II. A atenuação especial da pena, prevista no art. 73.º do Código Penal, somente conhece aplicação no que tange à determinação de cada uma das penas parcelares e já não relativamente à pena única relativa ao cúmulo. III. Assentando os factos numa única resolução criminosa – a falsificação do documento serviu de meio ou instrumento para o crime de burla – não tendo os arguidos antecedentes criminais e sendo as exigências de prevenção reduzidas, não revelando os factos uma qualquer espécie de tendência criminosa, reconduzindo-se, antes, a mera pluriocasionalidade que não radica em personalidades especialmente desviadas, a pena conjunta deve situar-se ligeiramente acima do limite mínimo da moldura do concurso. IV. Para a determinação das penas – únicas ou parcelares – não pode relevar, como elemento de ponderação em prejuízo do condenado, a eventual falta de colaboração dos arguidos no decurso da audiência de discussão e julgamento. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: No Juízo Local Criminal Lisboa, Juiz 11, foi proferida Sentença que decidiu do seguinte modo (transcrição): “6. DECISÃO Em face de tudo quanto vem exposto, o Tribunal decide: I. Condenar os arguidos AA e BB pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do Código Penal, respetivamente, numa pena de 120 dias de multa. II. Condenar os arguidos AA e BB pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de burla na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217.º, números 1 e 2, 23.º e 73.º, todos do mesmo Código, respetivamente, numa pena especialmente atenuada de 80 dias de multa. III. Condenar o arguido o AA numa pena única resultante do cúmulo jurídico de penas, de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, num global de €700,00 (setecentos euros). IV. Condenar o arguido o BB numa pena única resultante do cúmulo jurídico de penas, de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num global de € 500,00 (quinhentos euros).” * Inconformado o Ministério Público interpôs recurso, apresentando motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição): “IV – Conclusões: a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou ambos os arguidos, CC e AA, pela prática, em co-autoria e concurso real, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 120 dias de multa e de um crime de burla simples, na forma tentada, previsto e punido pelo art.º 217º, do Código Penal, na pena parcelar de 80 dias, o que se traduziu na pena única, para cada um dos arguidos, de 100 dias de multa, por força do disposto no art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. b) Cinge-se este recurso à fixação da pena única em que cada um dos arguidos foi condenado, cuja dosimetria não foi alcançada dentro dos limites fixados pelo art.º 77º, n.º 2, do Código Penal, situando-se num valor inferior ao mínimo legalmente admissível. c) Utilizando os critérios legais do art.º 77º, n.º 2, do Código Penal, a pena única a que os arguidos deveriam ser condenados situar-se-á entre um mínimo de 120 dias (balizado pela pena mais alta do concurso) e um máximo de 200 dias (balizada pela soma das duas penas parcelares), pelo que não poderia ser fixada em 100 dias. d) Impondo-se proceder a uma reformulação da pena única, considerando os limites acimas indicados, as circunstâncias associadas à prática dos factos e a personalidade dos arguidos, cristalizados em sede de sentença, tal pena única não deverá ser fixada em medida inferior a 160 dias de multa. e) Como normativos violados, indica-se o art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. Termos em que deverá o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser fixada uma pena única em medida não inferior a 160 dias.” * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. * Os arguidos não apresentaram resposta ao recurso. * Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos seguintes termos (transcrição): “I - O recurso incide sobre a sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 11, que condenou os arguidos AA e BB, respetivamente, nas penas únicas de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, no total de € 700,00 e de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 500,00, sendo as seguintes as penas parcelares: • de 120 dias de multa, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas c), d), e), do Código Penal; • especialmente atenuada, de 80 dias de multa, pela prática de um crime de burla na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217.º, números 1 e 2, 23.º e 73.º, todos do mesmo Código. II - O Ministério Público interpôs recurso por entender que foi feita uma errada interpretação do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, pois a pena única aplicada a ambos os arguidos viola os limites legais previstos para o cúmulo jurídico, sendo inferior ao limite mínimo legalmente fixado. III - O recurso não suscita objeções quanto à sua admissibilidade, tempestividade, legitimidade, espécie, forma, momento de subida e efeito fixado. IV - Entendemos que a motivação de recurso analisa de forma correta e completa a questão a decidir, pelo que com ela concordamos integralmente. Assim, secundando aqueles argumentos, emite-se parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo ser alterada a decisão como defende o Ministério Público/recorrente.” * Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º/2 do Código de Processo Penal, sem resposta dos arguidos. * O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º/3, b) do Código de Processo Penal. * II- Questões a decidir: Preceitua o art, 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação. No caso, a questão a decidir é unicamente a da eventual violação, por parte da sentença objecto de recurso, do disposto no art. 77º, 2 do CPPenal, ao aplicar aos arguidos uma pena de 100 dias de multa – ao que defende o recorrente inferior ao limite mínimo da moldura penal concretamente em causa. * III – Da Sentença recorrida (transcrição parcial): “3. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto 3.1.1. Factos provados Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os factos expostos infra. Da acusação pública: 1. No decurso dos anos de ... e ..., o arguido BB prestou serviços para a empresa “...”, a qual opera como agente para a empresa de telecomunicações “...”, angariando clientes para esta e recebendo em contrapartida comissões por cada contrato angariado. 2. Em data não concretizada, mas próxima do dia ... de ... de 2018, BB dirigiu-se à residência sita na ..., com a finalidade de divulgar a respetiva atividade e angariar potenciais clientes para a .... 3. Nessa ocasião, foi recebido pelo arguido AA que apesar de se mostrar interessado, o informou de que não poderia celebrar qualquer contrato com aquela empresa, por ter valores em dívida junto da mesma. 4. Pretendendo BB angariar o contrato por forma a receber a correspondente comissão, por um lado, e AA beneficiar do serviço sem proceder ao correspondente pagamento, por outro, o primeiro formou o propósito de celebrar um contrato em nome de terceira pessoa, tendo o segundo aderido a esse plano. 5. Na execução do referido desiderato, o arguido BB preencheu o formulário de adesão aos serviços da ..., do qual fez constar os elementos identificativos do ofendido DD apondo, no campo destinado aÌ assinatura, os dizeres “DD”, como se da assinatura deste se tratasse, mas sem o respetivo consentimento ou conhecimento. 6. No mesmo formulário fez constar, no campo respeitante à morada de instalação, a morada do arguido. 7. O referido contrato, preenchido e assinado nos sobreditos moldes, foi remetido à ... que, com base nos mesmos e na convicção de que tal contrato havia sido preenchido e assinado por quem nele constava, determinou a instalação do serviço na residência do arguido AA, após o que iniciou o fornecimento dos serviços contratados. 8. No seguimento dos serviços que foram prestados ao arguido AA, com fundamento naquele contrato, aquela operadora emitiu as faturas n.º 201883/946222, 201883/1035599, 201883/162254, 201883/84252, 201883/946222 e 201883/806, no valor global de € 226,75 (duzentos e vinte e seis euros e setenta e cinco cêntimos) após o que resolveu o contrato por falta de pagamento das mensalidades. 9. BB e AA tinham perfeita consciência que o ofendido não pretendia celebrar qualquer contrato de fornecimento com a ..., não havia consentido na utilização dos seus dados para o efeito nem havia assinado qualquer contrato e, ainda assim, não se coibiram de agir do modo narrado. 10. Agiram com o propósito concretizado de criar a aparência junto da ... que o contrato havia sido celebrado pela pessoa que nele constava, facto que sabiam não corresponder à verdade, conseguindo com isso obter o primeiro a comissão devida pela celebração do contrato e o segundo o fornecimento de serviço sem proceder ao respetivo pagamento, o que de outro modo não lograriam. 11. Quiseram afetar a credibilidade e a confiança que os contratos devem merecer da parte das empresas e do tráfego comercial em geral, o que lograram fazer. 12. Atuaram com o propósito concretizado de obter vantagem que sabia não lhe ser devida, prevendo que da sua conduta pudessem resultar para DD prejuízos patrimoniais, resultado com o qual se conformaram, o que apenas não sucedeu por motivos alheios às respetivas vontades. 13. DD não procedeu a qualquer pagamento por conta do referido contrato, apesar de tal lhe ter sido exigido por banda da referida operadora. 14. Agiram sempre em conjugação de esforços e de intentos e na sequência de plano previamente delineado entre ambos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Da audiência de julgamento, resultou ainda que: 15. O arguido AA trabalha na construção civil, € 1.000,00 16. Reside em casa própria dos pais, juntamente com a sua irmã, os seus sobrinhos, de sete e onze anos. 17. Tem dois filhos de dezoito e vinte e dois anos de idade. 18. O seu filho mais novo reside com a respetiva mãe. 19. À data dos factos, o arguido estava desempregado, há cerca de quatro meses. 20. Não constam averbadas condenações nos Certificados do Registo Criminal de cada um dos arguidos. * 3.1.2. Factos não provados a. Factualidade respeitante às condições sociais e económicas do arguido BB. * 3.1.3. Motivação de facto O Tribunal formou a sua convicção através da análise crítica do conjunto da prova carreada para os autos e produzida em sede de audiência de julgamento, a qual foi apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação (cf. artigo 127.º, do Código de Processo Penal), conjugado com as regras da lógica, da razão e da experiência comum. Cumpre sublinhar que as declarações e esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento se encontram registados por sistema de gravação digital, estando disponíveis na aplicação informática em uso, tornando-se, deste modo, possível a sua posterior reprodução, circunstância que dispensa o relato detalhado e exaustivo daqueles meios de prova. Melhor esclarecendo. O Tribunal logrou convencer-se da veracidade dos factos 1. e 2., com sustento na prova documental junta ao processo, mormente, a informação fornecida pela ... aos autos, junta a fls. 59. Com efeito, pese embora o arguido BB não tenha estado presente em audiência de julgamento, não tendo prestado declarações que pudessem ser valoradas pelo Tribunal, da conjugação daquela informação, com o formulário de adesão à ... de fls. 90-91, de que consta o nome do arguido enquanto «agente» e, bem assim, com as declarações prestadas pelo co-arguido, AA, que confirmou que um agente daquela empresa o havia contactado em sua casa, propondo-lhe a celebração de um contrato. A prova dos factos 3. a 8. respeitante ao modo de atuação dos arguidos, deduziu-se da análise conjugada das declarações do arguido AA, do depoimento da testemunha, EE, com o formulário de adesão à ... de fls. 90-91 e ainda com faturas de fls. 167v a 172, elementos que se apreciaram à luz das regras da experiência comum. Efetivamente, o arguido AA esteve presente em audiência de julgamento, tendo prestado declarações quanto aos factos que lhe são imputados. Em suma, anuiu que foi contactado pelo co-arguido, que não conhecia, mas que se apresentou como colaborador da empresa de telecomunicações identificada na acusação, que lhe apresentou um plano. No entanto, por ter montantes em dívida à ..., informou-o de que não reunia as condições para receber os serviços. Nesse decorrer, o co-arguido ter-lhe-á dito que havia maneira de fazer de colocar os serviços em sua casa. Disse que não tinha conhecimento do plano delineado pelo co-arguido, tendo, no entanto, asseverado que, dias depois, os serviços foram instalados e que mais tarde recebeu as faturas em casa, no nome do ofendido, tendo, inclusivamente, liquidado três delas. Declarou que não celebrou o contrato, mas sabia que usufruía dos serviços em nome de outra pessoa. Pese embora o arguido se desresponsabilize da celebração do contrato em nome do ofendido, imputando esse modo de atuar ao co-arguido, a verdade é que do seu comportamento se retira que, mesmo que não tenha sido o responsável pelo preenchimento, pela sua mão, do documento com os dados de terceira pessoa, sendo tais atos da autoria do co-arguido, a verdade é que do seu comportamento resulta, de forma evidente, ante as normas da experiência comum, que o mesmo aderiu ao plano de BB, concedendo-lhe os seus dados (designadamente, a sua morada), utilizando e usufruindo do contrato por aquele preenchido em nome de terceira pessoa. Com efeito, o arguido asseverou em audiência de julgamento que, à data, não reunia condições para usufruir dos serviços da ..., por ter montantes em dívida, pelo que não merece colhimento a versão de que, vendo os serviços a ser instalados em sua casa e as faturas emitidas em nome de terceira pessoa, não tenha aderido ao plano delineado por BB. A testemunha EE, ofendido, narrou que em data que não soube recordar recebeu uma mensagem de uma dívida da ..., que não reconhecia, tendo, junto da loja do cidadão, averiguado que havia um contrato em seu nome, numa morada que não conhecia. Atento o modo objetivo e isento com que depôs, não teve o Tribunal dúvidas de que a testemunha falava com verdade, acerca de algo que verdadeiramente vivenciou. No que tange aos factos 9. a 14., atinentes a elementos de índole subjetiva, a convicção do Tribunal sustenta-se na apreciação da factualidade objetiva provada, à luz das regras da experiência comum e do normal suceder das coisas que, in casu, não se mostram debeladas ou afastadas. Com efeito, qualquer cidadão adulto, na situação de cada um dos arguidos, individualmente considerados (por um lado, o arguido BB, enquanto agente angariador de clientes da empresa acima identificada, agindo com o propósito de obter o primeiro a comissão devida e o arguido AA, por não reunir as condições que, por meios válidos, lhe permitiriam usufruir dos serviços de telecomunicação de que veio a beneficiar nos termos sobreditos), que age do modo acima descrito, o faz com o conhecimento e intuito acima descritos. Os factos 15. a 19. respeitantes às condições de vida do arguido AA, resultaram provados com sustento nas suas declarações. Por seu turno, ante a ausência de elementos probatórios que corroborassem as condições de vida do arguido BB, deu-se o facto a. como não provado. A ausência de antecedentes criminais resulta dos Certificados do Registo Criminal de cada um dos arguidos. ** (…) ** 4. Consequências jurídicas do crime 4.1. Escolha e dosimetria das penas Quem comete os crimes pelos quais vão os arguidos condenados é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal daì preferência aÌ segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Considerando o princípio da proporcionalidade das penas, previsto pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e consagrado no preceito citado, importa averiguar se, in casu, a aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade é suficiente e adequada à salvaguarda das finalidades da punição, previstas no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que, por sua vez, nos diz que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Vertendo sobre o caso concreto, constata-se os arguidos não têm antecedentes criminais, pelo que entendemos que no presente caso, uma pena de multa se afigura de suficiente e adequada à salvaguarda dos bens jurídicos protegidos. * Dispõe o artigo 71.º do Código Penal, no seu n.º 1 que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» atendendo-se, para tanto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (cf. n.º 2, do mesmo preceito). Com consideração no que vem exposto, o Tribunal pondera as seguintes circunstâncias no caso concreto: As necessidades de prevenção geral são, quer no que respeita ao crime de burla simples, quer no que respeita ao crime de falsificação, em face das condutas perpetradas por cada um dos arguidos, medianas. Não só pela importância dos bens jurídicos protegidos, como pela circunstância de este tipo de condutas ser cada vez mais frequente, gerando na comunidade uma sensação de afetação de valores que não é de somenos importância, devendo a reposição da validade das normas preteridas ser acautelada. Relativamente às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir no caso, realça-se que as mesmas se afiguram baixas, em relação a cada um dos arguidos, que não têm antecedentes criminais. O arguido AA encontra-se socialmente inserido, circunstância que milita em seu favor. Por seu turno, não é conhecido o grau de inserção social de BB, circunstância que não o pode prejudicar. O grau de ilicitude da conduta no que tange ao crime de burla não é elevado, por referência ao grau de lesão do bem jurídico protegido. Conforme mencionado, os arguidos não lograram provocar o empobrecimento do ofendido, ficando-se pela tentativa. No que respeita ao crime de falsificação, o grau de ilicitude da conduta já se tem por mais elevado, atento o tipo de documento falsificado e o modo de atuação, revelando especial gravidade a circunstância especialmente gravosa de abuso de assinatura de outrem. Em face do exposto, tem o Tribunal por suficiente e adequado: Pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do Código Penal, aplica-se a cada um dos arguidos uma pena de 120 dias de multa e, pela prática de um crime de burla na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217.º, números 1 e 2, 23.º e 73.º, todos do mesmo Código, uma pena especialmente atenuada (cf. artigo 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, al. c), do Código Penal) de 80 dias de multa. * 4.2. Dosimetria da pena única A uma pluralidade de crimes corresponde uma pluralidade de penas aplicáveis, todavia, «a soma ou cúmulo das penas, ainda que seja o princípio de que parte o sistema do Código [Penal], é corrigido por outro princípio: o de que uma só pena será imposta ao condenado relativamente a todos os crimes cometidos antes da condenação transitada em julgado por qualquer deles» [cf. Germano Marques da Silva, Direito penal português – parte geral. Tomo III. Verbo Editora. pp. 179]. Deste modo, praticando o arguido, em concurso real, uma pluralidade de crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles, é, em princípio, condenado numa única pena, tomando em consideração, cumulativamente, os factos e a sua personalidade (cf. artigo 77.º, n.º 1, Código Penal). Perscrutando a conduta de cada um dos arguidos, na sua globalidade, é de concluir que a mesma representa uma única resolução criminosa (a falsificação do documento serviu de meio ou instrumento para o crime de burla), sendo referente a um episódio em concreto da vida de cada um dos arguidos. No que tange à personalidade do arguido AA, cumpre salientar que em audiência de julgamento, o arguido adotou uma postura de desresponsabilização ante os factos e de pouca empatia pela situação do ofendido, o que pesa em seu desfavor. Importa também sopesar que, contrariamente ao co-arguido, BB não compareceu em audiência de julgamento, demonstrando desinteresse pelo desfecho dos autos, o que milita em seu desfavor. Mais uma vez se salienta a ausência de antecedentes criminais dos arguidos. Destarte, entendemos ser suficiente e adequada a aplicação a cada um dos arguidos de uma pena única de 100 dias de multa. * Quanto à fixação da taxa a aplicar, dispõe o artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. A pena de multa deve, assim, representar um efetivo sacrifício para aquele que é condenado, daí que o legislador preveja taxas variáveis, a fixar consoante a capacidade económico-financeira do condenado e respetivos encargos pessoais. Em face das condições económicas em que vive o arguido AA, aplica-se uma taxa próxima do mínimo, no montante de € 7,00, sendo o mesmo condenado numa pena global de € 700,00. Atento o desconhecimento das condições económicas em que vive o arguido BB, aplica-se a taxa mínima, no montante de € 5,00, sendo o mesmo condenado numa pena global de € 500,00.” * IV- Do mérito do recurso: No caso dos autos a única questão que se coloca prende-se com a eventual violação, por parte da decisão objecto de recurso, do disposto no art. 77º, 1 e 2 do CPenal. Estatui o aludido n.º 1, do sobredito art. 77º, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” Já o nº 2 da norma citada estabelece que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.” Assim, da norma por último transcrita decorre, desde logo, como se pode ler no Ac. do STJ de 09/04/2008, proferido no processo nº 08P814, em que foi relator SIMAS SANTOS, in ECLI que “(…) importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico (como refere Figueiredo Dias, Direito Penal 2, pág. 284, cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I, 411 e Robalo Cordeiro, JDC 278), em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares e é depois construída uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária – art. 77.º, n.º 2 do C. Penal, tendo em atenção os factos e a personalidade do agente. Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares. É, pois, de toda a relevância a consideração do quantum do limite mínimo a considerar.” Ou seja, da antedita exposição – e da própria e taxativa letra da lei – resulta assistir razão ao recorrente quando refere que a pena única concretamente aplicada a cada um dos arguidos nunca poderia ser inferior a 120 dias de multa. Com efeito, uma vez que a pena aplicada ao crime de falsificação de documentos foi justamente essa – 120 dias de multa – e que a fixada para o crime de burla tentada foi de 80 dias, a moldura do cúmulo situa-se entre um mínimo de 120 dias e um máximo de 200 dias de multa. E nem se diga que à pena única aplicada teria, no caso, sido igualmente aplicado o instituto da atenuação especial da pena. Por um lado, tal perspectiva não é adoptada na sentença objecto de recurso; por outro lado, como tem sido jurisprudência firmada no STJ, a atenuação especial somente tem aplicação no que tange às penas parcelares em que seja eventualmente aplicado. No sentido do texto, cfr. por todos, o Ac. do STJ de 16/03/2011, proferido no processo nº 188/07.0PBBRR.S1, in ECLI, em que se deixou escrito “(…) este instituto é exclusivo das penas singulares, já que se dirige à moldura penal abstracta que o legislador fixa para cada tipo legal de crime. Conforme põe em evidência o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – Consequência Jurídicas do Crime, pág. 302), a atenuação especial da pena constitui uma válvula de segurança do sistema, “quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva.” Face a uma acentuada diminuição da ilicitude do facto ou da culpa do agente, é construída uma moldura especial menos severa, sendo dentro desses novos limites que o julgador há-de determinar a medida concreta da pena. Diferentemente, a moldura abstracta dentro da qual se vai encontrar a pena única é construída a partir, não de circunstâncias abstractas, mas de penas singulares concretas, fazendo a lei corresponder o limite mínimo à mais grave das penas aplicadas e sendo o limite máximo a soma de todas as penas parcelares, não podendo, porém, exceder 25 anos (art. 77º nº 2 CP). Uma vez que o cálculo da pena única conjunta parte de penas concretas aplicadas, em que determinação foram já tomadas em consideração as circunstâncias do facto e o grau de culpa do agente, razão alguma justifica a atenuação especial dessa pena. Aliás, de modo algum se compreenderia que, relativamente aos crimes singulares, por não existirem circunstâncias que tivessem a virtualidade para desencadear o mecanismo de atenuação especial da pena, a medida das respectivas penas fosse calculada dentro da moldura penal abstracta prevista na lei para cada um dos crimes que o arguido praticou, mas pudesse ser especialmente atenuada a pena única, como pretende o recorrente apesar de aceitar as penas parcelares aplicadas, já que de nenhuma delas recorreu. Conforme se afirmou no ac. de 20-06-2002 – proc. nº 1857/02 – 5ª, “a atenuação especial da pena nunca pode incidir na aplicação do cúmulo, mas sobre as penas correspondentes aos crimes em concurso praticados.” Assim, no segmento acabado de examinar é patente que o recurso terá de proceder. Contudo, o recorrente pretende, ainda, que a pena única aplicada a cada arguido seja fixada em 160 dias de multa, aludindo às circunstâncias associadas à prática dos factos e à personalidade dos arguidos/recorridos. Ora, encontrada a moldura penal abstracta do cúmulo, a determinação concreta da medida da pena única deve efectuar-se considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido (art. 77º/n.º 1, in fine, C.Penal), e isto no sentido de que, como ensinou o Prof. Eduardo Correia (“Direito Criminal”, volume II, reimpressão, Coimbra, 1993, pág. 215), «(...) a soma jurídica das penas dos diversos factos tem de funcionar sempre, apenas, como moldura dentro da qual esses factos e a personalidade do respectivo agente devem ser avaliados como um todo». Os factores gerais do art. 71º, n.º 2, do C.P. devem também ser tomados em linha de conta nesta determinação da medida da pena, mas apenas referidos ao conjunto global dos crimes e à personalidade do arguido e não em relação a cada um dos ilícitos individualmente considerados pelos quais o mesmo já foi condenado, sob pena de violação do princípio non bis in idem. Como refere JORGE DE FIGUEIRED0 DIAS [Direito Renal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas. 1993, p. 291 e 292], o conjunto dos factos fornece a «gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre factos concorrentes se verifique»; por outro lado, na avaliação da personalidade relevará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só primeiro caso, já não no segundo. será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agi-a vante dentro da moldura pena do conjunto». A fixação da dosimetria concreta do cúmulo terá, portanto, de tomar em consideração todos os aludidos aspectos. Assim, tendo em conta os critérios dos nºs 2 e 3 do citado preceito normativo, designadamente a personalidade dos arguidos (não têm antecedentes criminais, sendo certo que actuaram no contexto de uma única resolução criminosa – como se refere na decisão objecto de recurso, a falsificação do documento serviu de meio ou instrumento para o crime de burla – isto é, os factos em causa não permitem que se afirme que os mesmos relevam traduzindo uma qualquer espécie de tendência criminosa, reconduzindo-se a mera pluriocasionalidade que não radica em personalidades especialmente desviadas), mas também a relativa gravidade dos ilícitos cometidos, isto apesar de os arguidos terem actuado com dolo directo, considera-se adequada a pena única de 150 dias de multa, mantendo-se o quantitativo diário, que não foi alvo de qualquer impugnação. Diga-se, ainda, que diferentemente do mencionado na sentença em recurso, se considera que só a colaboração dos arguidos e/ou a demonstração de arrependimento positiva é que deverão ser valoradas neste específico domínio da determinação da medida da pena. Ou seja, quando não se verifiquem o arguido não pode beneficiar da atenuação que aquelas conferem. Com efeito, a valoração da não confissão do arguido – seja na vertente daquilo que, supostamente, evidencia da sua personalidade ou na referente à ausência de arrependimento, na medida em que o mesmo não é sequer obrigado a prestar declarações, como corolário do seu direito ao silêncio – em detrimento da respectiva posição no que tange à pena traduz entendimento contrário às regras do processo penal. Isto é, não é pela circunstância de o arguido não admitir a prática dos factos, negando-os mesmo, que tal tem como decorrência um agravamento da medida da pena concreta. Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2008, proferido no Processo n.º 08P694, em que foi Relator SANTOS CABRAL, “Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito. Mas sendo assim, poderia pensar-se (e não faltam autores a lançarem-se, mais ou menos profundamente, nesta via de compreensão das soluções legais) que, podendo o arguido optar livremente entre o silêncio ou o prestar declarações, caso escolhesse esta segunda possibilidade continuaria a recair sobre ele um dever de verdade, ou como mero dever moral, ou mesmo como verdadeiro dever jurídico. A verdade, porém, é que do reconhecimento de um tal dever não ressaltam quaisquer consequências práticas para o arguido que minta, uma vez que tal mentira não deve ser valorada contra ele, quer ao nível substantivo autónomo das falsas declarações, quer ao nível dos direitos processuais daquele. Vale por dizer que na fixação da pena única agora determinada não foi considerada relevante a falta de colaboração dos arguidos no decurso da audiência de discussão e julgamento. * V–Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, condenar cada um dos arguidos na pena única de 150 dias de multa, mantendo-se o quantitativo diário determinado. Condena-se, pois, o recorrido AA na pena de €1050,00 (mil e cinquenta euros) e o recorrido BB na pena de €750,00 (setecentos e cinquenta euros). * Sem custas. Notifique. Lisboa, 20 de Novembro de 2025 Rosa Maria Cardoso Saraiva Diogo de Sousa Leitão Marlene Fortuna |