Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ISABEL CANADAS | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO VENDA IMÓVEL CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/04/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | O despacho a ordenar o cancelamento dos registos dos ónus ou encargos existentes sobre o imóvel que, em processo de execução, foi objecto de venda, terá de especificar cada um dos direitos cujo registo deva ser cancelado, não bastando para o efeito uma ordem genérica e abstracta de cancelamento. (G.A) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório 1. C moveu acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra R e A. 9. Efectuado exame preliminar e dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Delimitação do objecto do recurso Conforme deflui do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artº. 660º ex vi do artº. 713º, nº 2, do citado diploma legal. III. Fundamentação.
2. Apreciação do mérito 2.1. Efeitos substantivos da venda em execução e despacho ordenatório do cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam nos termos do nº 2 do artº. 824º do Cód. Civil. Consabido é que da venda em execução decorrem os seguintes efeitos substantivos: - efeito translativo: transmissão para o adquirente dos direitos do executado sobre a coisa vendida (artº. 824º, nº 1, do Cód. Civil); - efeito extintivo: caducidade dos direitos reais de garantia e dos demais direitos reais, nos termos do artº. 824º, nº 2, do Cód. Civil. Ou seja: os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem e bem assim dos demais direitos reais (sejam eles de gozo, de garantia ou de aquisição) que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia real, salvo os que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiro, independentemente de registo (como sucede com a locação por força do preceituado no artº. 1057º do Cód. Civil). Daí que, como acto subsequente à venda, haja lugar à prolação de despacho ordenatório do cancelamento dos registos que caducam, ao abrigo dos artºs. 824º do Cód. Civil e 888º do Cód. Proc. Civil. Assim, preceitua o artº. 888º do Cód. Proc. Civil (na redacção anterior ao DL nº 38/2003, de 8 de Março, aplicável ex vi do disposto no nº 1 do artº. 21º do citado DL, atento o facto de a execução se mostrar intentada antes de 15 de Setembro de 2003: cfr. fls. 11) que «após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, são oficiosamente mandados cancelar os registos dos direitos reais que caducam nos termos do nº 2 do artigo 824º do Código Civil, entregando-se ao adquirente certidão do respectivo despacho.» Como resulta, aliás, do seu próprio texto, este normativo tem que ser articulado com o aludido artº. 824º do Cód. Civil, que, no seu nº 1, começa por estatuir que «a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida», dispondo, depois, no seu nº 2: «os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.» Tais normativos visam, pois e no essencial, satisfazer o princípio geral de que os bens transmitidos na acção executiva passem para o seu adquirente livres de ónus ou encargos. Face ao que supra se deixou exarado, não subsistem dúvidas de que, no despacho jurisdicional de adjudicação da fracção autónoma designada pela letra F, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Odivelas, o Sr. Juiz a quo ordenou o cancelamento das inscrições de todos os ónus ou encargos que se encontrassem registados sobre a mesma. A única questão a decidir no presente recurso consiste em saber se, para cumprimento daqueles normativos legais, basta que o tribunal a quo profira uma ordem genérica e abstracta de cancelamento dos registos dos ónus ou encargos que subsistam sobre o bem imóvel em causa, e que, nos termos do artº. 824º do Cód. Civil, caducam (tal como fez e sustenta o Sr. Juiz a quo), ou, ao invés, se tal ordem deverá identificar, especificadamente, os registos a cancelar (conforme solução propugnada pelo agravante). 2. Do conteúdo do despacho ordenatório do cancelamento das inscrições registrais respeitantes aos direitos que caducam O artº. 888º do Cód. Proc. Civil (à luz da revisão de 1995/96 e na sequência do que já havia sucedido com o artº. 907º, na redacção que então lhe havia sido dada pelo DL nº 457/80, de 10.10) manteve inequívoco o sentido da oficiosidade processual, imposta ao juiz do processo, do cancelamento dos registos dos ónus ou encargos existentes sobre os bens vendidos em processo de execução. Oficiosidade essa que – entendimento que é hoje pacífico, face ao segmento final que foi acrescentado a tal normativo com a revisão de 1995/96 «entregando-se ao adquirente certidão do respectivo despacho» – deve ser interpretada no sentido de competir ao juiz determinar, em despacho por si proferido nos autos, o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam com a venda - e não de que deva ser o tribunal ex officio a proceder a tal cancelamento junto da competente Conservatória do Registo Predial, incumbindo depois à secção entregar tão somente ao adquirente certidão de tal despacho -, cabendo ao adquirente - de harmonia com o princípio da instância registral - providenciar directamente, junto da conservatória, pelo cancelamento e feitura dos pertinentes actos de registo. (Cfr, a propósito e por todos: LOPES DO REGO, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, p. 596, nota II; LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. 3º, p. 570). Daí que o legislador processual se tenha preocupado, antes de mais, em chamar à execução todos os credores beneficiários de direitos reais, nomeadamente de garantia, sobre os bens que nela foram penhorados, para que possam fazer valer atempadamente os seus direitos, dado o facto de a venda deles só ser possível uma vez e de, para o seu produto, serem transferidos todos os direitos reais cuja garantia caduca (cfr., nomeadamente, artºs. 824º, nº 3, do Cód. Civil; 864º e 871º, ambos do Cód. Proc. Civil). Ora, considerando: - por um lado, que os direitos reais, nomeadamente os de garantia, estão sujeitos a registo (cfr., nomeadamente, artº. 2, nº 1, als. a), h), n) e u), do Cód. Reg. Predial), - e, por outro, que a finalidade do registo predial (enunciada no artº. 1º desse mesmo diploma) só se concretizará desde que ele corresponda à realidade, facilmente se conclui que a venda de bens penhorados na execução impõe, com a caducidade dos direitos reais (especialmente os direitos de garantia), o cancelamento dos respectivos registos, sob pena de, não o fazendo, ser defraudada a finalidade do registo e, ao mesmo tempo, não ser defendida a segurança dos direitos em causa. Todavia, conforme resulta da análise do citado nº 2 do artº. 824 do Cód. Civil, nem todos os direitos reais existentes sobre o bem imóvel vendido caducam, mas tão só aqueles que se encontrem nas situações ali expressamente referidas, ou seja, aqueles que não se encontrem compreendidos na ressalva efectuada. Daí que, ao impor-se, no citado artº. 888º do Cód. Proc. Civil (e, ainda, artº. 101º, nº 5, do Cód. Reg. Predial), o cancelamento oficioso, por averbamento, dos registos de ónus ou encargos existentes sobre os bens vendidos em processo de execução, se tenha visado manter sob controle judicial a decisão relativa à caducidade dos direitos reais nos termos do aludido artº. 824º, nº 2, do Cód. Civil, por ser o juiz quem está em melhores condições de indagar, por um lado, quais os direitos reais que caducaram ou devem ser declarados caducos (pois, conforme já acima ficou referido, nem todos caducam automaticamente), e, por outro lado, se foi proporcionada a todos os credores, que detêm direitos reais (nomeadamente de garantia) sobre os bens vendidos, a possibilidade de virem ao processo defender os seus direitos ou interesses, sendo certo ainda que aquele seu despacho de adjudicação dos bens e de declaração de cancelamento dos registos, por caducidade dos direitos reais que sobre eles incidam, está sujeito a ser objecto de impugnação judicial, por via de recurso, o que significa que só será título bastante aquando do respectivo trânsito em julgado (cfr., ainda, artº.13º do Cód. Reg. Predial). Concluímos, desta forma, que o juiz, ao proferir despacho em que, à luz do citado artº. 888º do Cód. Proc. Civil, ordene o cancelamento dos registos dos ónus ou encargos existentes sobre o imóvel que, em processo de execução, foi objecto de venda, deva aí especificar cada um dos direitos cujo registo deva ser cancelado, não bastando que o faça através de um ordem genérica e abstracta de cancelamento. (Um tal entendimento foi perfilhado, entre outros, pelos: Ac. STJ de 17.12.1991, in BMJ nº 412, p. 471; Ac. RE de 2.7.1998, in BMJ nº 479, p. 732; Ac. RP de 18.11.2003, in CJ, 2003, tomo 5,p. 191; ac. RC de 4.10.2005, acessível in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, na doutrina, cfr.: LOPES-CARDOSO, in “Manual da Acção Executiva”, 3ª ed., p. 631; ANSELMO DE CASTRO, in “ A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 3ª ed., p. 234; REMÉDIO MARQUES, in “Curso de Processo Civil Executivo Comum”, p. 370). Cabe, assim, reconhecer que assiste razão ao agravante ao pretender que o tribunal a quo especifique as inscrições registrais, subsistentes sobre o imóvel que adquiriu nos autos de execução, que devem ser canceladas, desta forma obtendo provimento o presente agravo.
IV. Decisão Posto o que precede, acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em, concedendo provimento ao agravo, revogar, em consequência, o despacho recorrido, determinando a sua substituição por outro no qual se especifique a identificação das inscrições registrais existentes sobre a fracção que devam ser canceladas. Sem custas.
Lisboa, 4 de Outubro de 2007 (Processado e integralmente revisto pela relatora, que assina e rubrica as demais folhas) |