Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19549/16.7T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)

I.– As deliberações do Banco de Portugal que aplicaram a medida de resolução ao BES são suscetíveis de impugnação, para a qual são exclusivamente competentes os tribunais administrativos.

II.– Porém, os tribunais judiciais, no âmbito da competência que lhes é conferida, em alternativa, na apreciação de questões prejudiciais (art.º 92.º do CPC), poderão pronunciar-se sobre a legalidade ou constitucionalidade de tais deliberações, com efeitos circunscritos ao processo.

III.– A deliberação emitida pelo Banco de Portugal em 03.8.2014, que aplicou ao BES a medida de resolução descrita nos autos, criando um veículo de transição consubstanciado no 4.º R. (Novo Banco), para quem se transferiram parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, mostra-se, conforme consta na respetiva fundamentação, sustentada em razões de interesse público, visando evitar, face às perdas e prejuízos apresentados pelo banco, o risco sistémico de corrida aos depósitos numa instituição bancária com o peso institucional do BES, com as consequências daí advenientes para a estabilidade do sistema financeiro e para a economia nacionais.

IV.– Na configuração em concreto da medida de resolução, nomeadamente na determinação dos ativos e dos passivos que se transferem para a instituição de transição e os que permanecem na instituição objeto de resolução, o Banco de Portugal atua de forma não arbitrária, mas discricionária, movido pelo intuito de atingir o máximo de eficácia face aos fins tidos em vista (princípio da eficácia administrativa), que são os consignados na lei (princípio da legalidade).

V.– In casu, nos termos das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e de 29.12.2015, o crédito dos AA., assente em alegada atuação ilícita e culposa do BES no âmbito do seu relacionamento com os AA., seus clientes, enquanto banco e intermediário financeiro, traduzida na venda, com base em informação falsa e enganosa, de obrigação subordinada do BES, não se transferiu para o Novo Banco.

VI.– No RGICSF contém-se uma cláusula de salvaguarda, da qual decorre que os credores não deverão receber menos do que o que receberiam se o BES tivesse entrado em liquidação “normal”, à data da aplicação da medida de resolução (n.º 3 do art.º 145.º-B, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 114-A/2014, de 01.8; art.º 145.º-D, n.º 1, alínea c), na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015).

VII.– O que garante a conformidade das aludidas normas legais e da forma como estas foram interpretadas pelas ditas deliberações do Banco de Portugal e pela sentença recorrida com as invocadas exigências constitucionais e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por nelas se vazar uma necessária, adequada e proporcional ponderação dos interesses em presença, quais são os interesses individuais dos credores, como os AA., à luz do art.º 62.º da CRP, e os da comunidade em geral, em particular, os da estabilidade do sistema financeiro, cuja relevância é evidenciada no art.º 101.º da CRP.

VIII.– O referido regime da resolução bancária é incompatível com o regime do Código das Sociedades Comerciais atinente às cisões simples de sociedades comerciais, sendo inaplicável o disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º 122.º do CSC, que determina que “as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial”.

IX.– A responsabilização do intermediário financeiro por prejuízos causados a clientes no âmbito da atividade de intermediação financeira não acarreta, automaticamente, a responsabilização dos respetivos administradores.

X.– A imputação de responsabilidade diretamente ao titular do órgão de administração do intermediário financeiro e/ou às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação pressupõe a alegação e prova de concretas ações ou omissões em que essas entidades tenham incorrido, violadoras dos seus deveres, causadoras de prejuízos aos clientes do intermediário financeiro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 27.7.2016 Hercília (…) e António (…) intentaram ação declarativa de condenação com processo comum contra Banco Espírito Santo, S.A.Novo Banco, S.A., José (…), R... (…), Luís (…), António Manuel (…) e Vítor (…).

Os AA. alegaram, em síntese, que na qualidade de clientes do R. BES, S.A., realizaram diversos investimentos em valores mobiliários, por informação, aconselhamento e proposta dos seus gestores do BES, Marisa (…) e José Manuel (…), detendo atualmente Obrigações Caixa Subordinadas BES (ISIN – PTBEQFOM0016), que adquiriram em 05.12.2011, pelo valor nominal de € 30 000,00. Os AA. são investidores muito conservadores e não qualificados, que foram convencidos pelos aludidos gestores a adquirirem aqueles títulos, sem terem sido informados da situação instável do BES e das características das obrigações de caixa subordinadas, cujo reembolso não ocorrerá sem que todos os credores comuns satisfaçam os seus créditos.

Assim, os AA. vêm-se impedidos de recuperar o seu investimento, o que constitui o seu prejuízo. O BES violou os seus deveres, enquanto intermediário financeiro, para com os AA., devendo indemnizá-los pelos correspondentes prejuízos. Tal responsabilidade estende-se ao R. R..., que, enquanto Presidente da Comissão Executiva do BES, estava submetido aos mesmos princípios e deveres a que o BES estava sujeito. O Novo Banco resultou do destaque, por cisão, do património do BES, sendo solidariamente responsável perante os AA., tal como os respetivos administradores, os restantes RR.

Os AA. terminaram pedindo que os RR. fossem condenados solidariamente a entregarem-lhes a quantia de € 30 000,00, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação.

Os RR. contestaram, por exceção e por impugnação, concluindo pelo insucesso da ação.

Em 16.10.2017 foi proferido saneador-sentença, no qual:
a)- Se julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao R. BES, nos termos do disposto no art.º 277.º, al. e), do CPC;
b)- Se julgou a ação totalmente improcedente e não provada quanto aos restantes RR., absolvendo-se os mesmos do pedido, condenando-se os AA. nas custas da ação.

Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:
1 A violação dos princípios e deveres impostos pelo Código de Valores Mobiliário responsabilizam de igual forma o intermediário financeiro e o titular do seu órgão de administração ou de qualquer pessoa que tenha a efetiva direção da atividade de intermediação financeira, mediante a imposição do dever de indemnizar.
2 –Os factos que suportam o direito a essa indemnização são os factos de onde se pode concluir pela violação desses princípios e deveres praticados pelo intermediário financeiro.
3 –A responsabilidade do titular do órgão de administração ou de qualquer pessoa que tenha a efetiva direção da atividade de intermediação financeira são os da instituição de intermediação financeira e não quaisquer concretos factos direta e pessoalmente imputados aquele titular ou pessoa.
4 –Alegados factos relativos à infração dos ditos princípios e deveres, não se verifica a falta de alegação de factos que suportam o pedido de indemnização pela aludida violação de princípios e deveres.
5 –A decisão contrária a este entendimento deve ser revogada, ordenando-se, em substituição, o prosseguimento dos autos.
6 –Determinando-se, nos termos legais, como ocorreu com as deliberações do BdP, a cisão do BES, SA, mediante o destaque de parte do seu património para Novo Banco, SA, cuja constituição igualmente determinou, procede-se a uma cisão, que se inclui na previsão das normas jurídicas indicadas que a regulam e que estatuem que a sociedade cindida responde solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporante ou à nova sociedade e as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.
7 –Constitui entendimento violador do princípio constitucional da separação de poderes fazer incluir nas deliberações do BdP uma pretensão nelas não expressa de eliminação de direitos, como o dos autores, que lhe são conferidos por aquela estatuição.
8 –A decisão proferida pelo tribunal recorrido deve ser revogada e substituída por outra que determine que os autos prossigam contra os réus R... e Novo Banco, SA. NOMAS VIOLADAS:
Princípio constitucional da separação de poderes;
Arts 9º e 344º, 1 do CC;
Arts 152º, 1, 5º, 1 e 3 do CPC;
Art 304º, 5 do CVM;
Art 118º, a) e 122º, 1 e 2 do CSC;
Os apelantes terminaram pedindo que o presente recurso fosse julgado procedente e, por disso, se determinasse o prosseguimento dos autos contra os réus R... e Novo Banco, SA.

Os RR. Novo Banco, José (…) e António (…) contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

Os apelantes não questionaram, no seu recurso, a extinção da instância quanto ao R. BES, e bem assim a absolvição do pedido dos RR. José (…), Luís (…), António (…) e Vítor (…). Sendo assim, apenas permanece em aberto, por via do recurso, a eventual responsabilização dos RR. Novo Banco e R... (…). Cabe apreciar, pois, se face ao alegado pelos AA. tal responsabilização é abstratamente admissível, justificando-se a prossecução dos autos para o seu apuramento em concreto.

O tribunal a quo deu como provada a seguinte.

Matéria de facto.
1)-Os AA. foram clientes do Banco Espírito Santo, S.A.;
2)-Os AA. eram titulares da conta Depósitos à Ordem (D.O.) na Agência do BES em Corroios com o número (…).
3)-No dia 01.11.2011, o Bes emitiu o “extracto integrado” cuja cópia consta de fls. 27 dos autos.
4)-Em 2.12.2010, os AA. adquiriram 150.000 acções BES Perpétuas, Série 1, por 150.000,00 € - ISIN PTBENBOM0021 (fls. 25/26).
5)-Em 5.12.2011 os AA. adquiriram acções ordinárias BES (ISIN -PTBES4AM0011) em número de 66.666 adquiridas pelo valor unitário de 1,80 €, e Obrigações Caixa Subordinadas BES (ISIN - PTBEQFOM0016) pelo valor nominal de 30.000,00 € (fls. 27 a 33);
6)-Em 11.5.2012, os AA. subscreveram no aumento de capital reservado a accionistas: 124.015 acções do BES, PTBES5AM0010, pelo valor unitário de 0,39 € (fls. 34/35).
7)-O Conselho de Administração do Banco de Portugal, a 03.08.2014, deliberou o seguinte: “É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação” e “São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação”;
8)-No art. 1.º dos Estatutos do Novo Banco, S.A., que constituem o Anexo 1 à deliberação referida no ponto anterior, consta que o mesmo é constituído nos termos do n.º 3 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), aprovado pelo Decreto-Lei n. º 298/92, de 31 de Dezembro”;
9)-No art. 3.º dos mesmos Estatutos, consta que “O Novo Banco, SA, tem por objecto a administração dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito”;
10)-No Anexo 2 à referida deliberação constam os critérios de identificação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Ana objecto de transferência para o Novo Banco, SA e que são: “(…) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com excepção dos seguintes ("Passivos Excluídos"): (…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais; (vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissão de acções ou dívida subordinada; (vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo. No que concerne às responsabilidades do BES que não serão objecto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do BES. (…) Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre BES e o Novo Banco, SA, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do artigo 145º H, numero 5 (…)”;
11)-A 11.08.2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou “clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., transferidos para o Novo Banco, S.A.”, tendo, nomeadamente, deliberado que: «(…) H) A subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:“ Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais (…)”;

12)-A 29.12.2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, relativamente ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingenciais definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 a Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”, adoptou uma deliberação com, no que ora releva, o seguinte teor:
“(...) 4.O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Titulo VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
(…)
7.O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição e essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.
8.A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este e parte, com base na alegada transferência para o Novo Banco das responsabilidades que se discutem naqueles em que o BES era réu a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores a aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta.
9.Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.
(…)
12.Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição.
14.Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por forca de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
15.Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização e provável.
16.Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.º-AR do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º-N do R ICS , em vigor a data de aplicação da medida de resolução ao BES).
17.Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio a competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente a fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
18.Decisões de tribunais judiciais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.

19.Tem a presente deliberação o seguinte objectivo:
a.- Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto;
b.- Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES a data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da Deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao Novo Banco, proceder a sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) para o BES; e c. Determinar que, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o BES e o Novo Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.

20.Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A)Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;

B)Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:
(i)- todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii)- todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com activos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco;
(iii)- todas as indemnizações relacionadas com incumprimento de contratos (compra e venda de activos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(…)
(vi)- todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento;
(vii)- Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.

C)Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014;

D)O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco praticarão todos os actos necessários a implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem:
(a)-Adoptar as medidas de execução necessárias a adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação;
(b)-Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedi mental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões;
(c)-Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte;
(d)-Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e
(e)-Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a) (...)”.

O Direito
Quanto à responsabilização do Novo Banco-
É sabido que a crise financeira internacional despoletada em 2007 mostrou a insuficiência e inadequação dos meios de supervisão e intervenção públicos então existentes para fazer face aos desequilíbrios ocorridos no setor financeiro. Por um lado, evidenciou-se a necessidade de reforçar drasticamente os instrumentos e poderes de supervisão públicos (embora exercidos por entidades independentes) da atividade financeira, de molde a garantir uma atuação prudencial e preventiva seriamente minimizadora de riscos. Por outro lado, consensualizou-se o propósito de incrementar a capacidade de intervenção junto das instituições de crédito, através de medidas de saneamento que poderão culminar na aplicação de medidas de resolução, em que o paradigma da assunção, pelo Estado, das perdas da instituição bancária (“too big to fail”), é substituído pela responsabilização primeira dos acionistas e, depois, dos credores, salvaguardando-se a proteção dos depositantes, a estabilidade do sistema financeiro como um todo e o erário público.

Foi à luz deste consenso fundamental, formado, nomeadamente, em fóruns no âmbito do G20 e da União Europeia, cuja aplicação em Portugal o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, formalizado em 17.5.2011 entre Portugal, a União Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI (a famosa troika), apressou (vide Luís Máximo dos Santos, “O novo regime jurídico de recuperação de instituições de crédito: aspetos fundamentais”, Revista de Concorrência e Regulação, ano III, n.º 9, Janeiro-Março 2012, páginas 202 a 209), que foi aprovado e publicado o Dec.-Lei n.º 31-A/2012, de 10.02. Este diploma visou ajustar o ordenamento jurídico português às referidas preocupações e objetivos, alterando, nomeadamente, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 298/92, de 31.12, com as alterações publicitadas), o Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25.10, que regula a liquidação de instituições de crédito e sociedades financeiras, e a Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.º 5/1998, de 31.01 (com as alterações publicitadas).

Mais tarde foi publicada a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, a qual visou harmonizar nos Estados-Membros a legislação atinente a estas matérias. Consequentemente o RGICSF foi alterado, ajustando-se o regime ao teor da Diretiva, nomeadamente através da Lei n.º 23-A/2015, de 26.3. Uma vez que à data da deliberação do Banco de Portugal que sujeitou o BES à medida de resolução que deu origem ao Novo Banco (3 de agosto de 2014) estava em vigor, no essencial, a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 31-A/2012, é a esta que nos reportaremos primordialmente, sempre que tal não seja referenciado em contrário.

Por força do Dec.-Lei n.º 31-A/2012 o título VIII do RGICSF, anteriormente designado “Saneamento”, passou a ostentar a epígrafe “Intervenção correctiva, administração provisória e resolução.”

O art.º 139.º enuncia os princípios gerais que deverão nortear a intervenção do Banco de Portugal no âmbito deste Título VIII. Assim, a adoção das respetivas medidas visará “a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro” (n.º 1). A sua aplicação está sujeita “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro” (n.º 2).

As denominadas “medidas de resolução” (expressão que constitui tradução da terminologia utilizada na língua inglesa, “resolution”, ou “resolution measures”, que não corresponde ao seu significado jurídico tradicional) constituem a grande novidade do novo regime de recuperação de instituições de crédito em dificuldades.

Estas, conforme dimana do art.º 144.º, serão aplicadas quando, por um lado, se mostrarem insuficientes as medidas de intervenção corretiva e, por outro, inadequadas tanto a nomeação de uma administração provisória como a revogação de autorização para o exercício da atividade, com a sequente liquidação nos termos da lei aplicável.

Tais medidas são, conforme decorre do n.º 1 do art.º 145.º-C:
a)- Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa;
b)- Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição.

A sua aplicação pressupõe que a instituição de créditonão cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade”,e ainda,que a medida seja “indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A” (n.º 1 do art.º 145.º), que são:
a)-Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b)-Acautelar o risco sistémico;
c)-Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d)-Salvaguardar a confiança dos depositantes.

O n.º 3 do art.º 145.º-C esclarece que se considera que “uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade quando, entre outros factos atendíveis cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A, se verifique alguma das seguintes situações:
a)- A instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos susceptíveis de consumir o respectivo capital social;
b)- Os activos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respectivas obrigações;
c)- A instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar.
Nos termos do art.º 145.º-B, na aplicação da medida de resolução “procura assegurar-se que os accionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”, ressalvando-se, porém, os depositantes garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos (n.º 2 do art.º 145.º-B).
A alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa estava regulada, à data da criação do Novo Banco, no art.º 145.º-F, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 114-A/2014, de 01.8 (que entrou em vigor em 02.8). Consiste na alienação, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição de crédito em crise para uma ou mais instituições autorizadas a desenvolver a atividade em causa.

A segunda medida de resolução, legalmente prevista ao tempo da criação do Novo Banco, é a transferência, parcial ou total, da atividade da instituição de crédito em crise para bancos de transição (“bridge banks”).

Nos termos do art.º 145.º-G, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 114-B/2014, de 04.8 (com início de vigência a 05.8), “o Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa.” Igual medida pode ser aplicada a duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo.

O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é realizado e detido pelo Fundo de Resolução. O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respetivos estatutos, ficando desde logo autorizado a exercer as atividades permitidas aos bancos. Os membros dos respetivos órgãos de administração e fiscalização são nomeados pelo Banco de Portugal. O banco de transição tem uma duração limitada a dois anos, prorrogável por períodos de um ano com base em fundadas razões de interesse público, nomeadamente se permanecerem riscos para a estabilidade financeira ou estiverem pendentes negociações com vista à alienação dos respetivos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a sua gestão, não podendo exceder a duração máxima de cinco anos.

Nos termos do art.º 145.º-H (redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 114-A/2014, de 01.8), que regula a matéria do património e financiamento do banco de transição, o Banco de Portugal seleciona os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição. Não poderão ser transferidas para o banco de transição quaisquer obrigações contraídas pela instituição de crédito originária perante os respetivos acionistas, cuja participação no momento da transferência seja igual ou superior a 2% do capital social, as pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2 % do capital social, os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, os revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou as pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços atrás referidos nos quatro anos anteriores à criação do banco de transição, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação, os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades atrás referidas, os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, “no entender do Banco de Portugal” (n.º 2 do art.º 145.º-H).

Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados para a transmissão devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução. Esta estimativa releva para os efeitos previstos no n.º 3 do art.º 145.º-B, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 114-A/2014, de 01.8, que consagra o princípio “no creditor worse off”:
Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução.

Este princípio (“no creditor worse off”) está atualmente consagrado no art.º 145.º-D, n.º 1, alínea c), na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, prevendo-se no n.º 16 do art.º 145.º-H a responsabilidade do Fundo de Resolução no pagamento da diferença que se apure entre o que o credor recebeu e o que receberia se a instituição tivesse entrado logo em liquidação.

No Fundo de Resolução participam todas as instituições de crédito com sede em Portugal (art.º 153.º-D, na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015), sendo também mobilizados para ele recursos do Estado, que, no entanto, funcionam como forma de financiamento e não de capitalização (Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, “A propósito do caso BES: algumas notas acerca da medida de resolução”, in “Direito Civil e Sistema Financeiro, Principia 2016, página 53).

Nos termos do n.º 5 do art.º 145.º-H, após a transferência inicial, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.

Estes poderes de transmissão adicional e de retransmissão para a instituição de crédito originária estão atualmente previstos no n.º 4 do art.º 145.º-Q (redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3), nos seguintes termos:
Após a transferência prevista no n.º 1 e 2 do artigo 145.º-O, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
a)- Transferir direitos e obrigações da instituição de transição para um veículo de gestão de ativos, constituído para o efeito, aplicando-se o disposto nos artigos 145.º-S e 145.º-T, quando tal seja necessário para assegurar as finalidades previstas no n.º 1 do artigo 145.º-C ou para facilitar a cessação da atividade da instituição de transição nos termos do disposto no n.º 1 do artigo seguinte;
b)- Transferir outros direitos e obrigações e a titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução para a instituição de transição;
c)- Devolver à instituição de crédito objeto de resolução direitos e obrigações que haviam sido transferidos para a instituição de transição ou devolver a titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aos respetivos titulares no momento da deliberação prevista no n.º 1 do artigo 145.º-P, não podendo a instituição de crédito objeto de resolução ou aqueles titulares opor-se a essa devolução, desde que estejam reunidas as condições previstas no número seguinte.

Sendo que, nos termos do n.º 5 do preceito, a mencionada “devolução” à instituição de crédito objeto de resolução de direitos e obrigações que haviam sido transferidos para a instituição de transição ou a devolução da titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aos respetivos titulares no momento da deliberação de resolução está sujeita às seguintes condições:
“…quando tal esteja expressamente previsto na decisão do Banco de Portugal prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 145.º-O [decisão de aplicação da medida de resolução], quando as condições de transferência dos direitos, obrigações, ações e títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aí previstas não se verifiquem ou quando aqueles direitos, obrigações, ações e títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução não se insiram nos critérios para a transferência aí definidos.”

O valor total dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos ativos transferidos da instituição de crédito originária, acrescido, sendo caso disso, dos fundos provenientes do Fundo de Resolução, do Fundo de Garantia de Depósitos ou do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo (n.º 8 do art.º 145.º-H).

Após a transferência prevista no n.º 1, deve ser garantida a continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos, devendo o banco de transição ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária (n.º 9).
A decisão de transferência produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência (n.º 11). A decisão de transferência não depende do prévio consentimento dos acionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa (n.º 12). A eventual transferência parcial dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para o banco de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito originária, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação ou de novação (n.º 13).

Nos termos do art.º 145.º-N, as decisões do Banco de Portugal que adotem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva de especialidades que o legislador justifica pelos “interesses públicos relevantes que determinam a sua adopção”, em que releva a possibilidade de o Banco de Portugal poder, em caso de execução de sentenças anulatórias de quaisquer dos atos aqui referidos, invocar causa legítima de inexecução, nos termos previstos no Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), iniciando-se, nesse caso, de imediato, o procedimento tendente à fixação da indemnização devida de acordo com os trâmites previstos no CPTA.

Tal regime está atualmente previsto no art.º 145.º-AR, introduzido pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3.

Sendo certo que também haverá que levar em conta o disposto no art.º 12.º, que estipula que nas mencionadas ações de impugnação de decisões do Banco de Portugal presume-se, até prova em contrário, que a suspensão da eficácia determina grave lesão do interesse público.

De notar, ainda, que as medidas adotadas neste Título VIII são consideradas urgentes, o que aligeira a obrigação de o Banco de Portugal ouvir previamente os interessados (art.º 146.º do RGICSF).

Nos termos do art.º 145.º-I, com a redação do Dec.-Lei n.º 114-B/2014, de 04.8, no momento propício o património do banco de transição deverá ser alienado a outra instituição, sendo o respetivo produto prioritariamente afetado ao crédito detido pelo Fundo de Resolução, pelo FGD e pelo FGCAM e o eventual remanescente ser devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, caso aquela tenha entrado em liquidação. No caso de alienação da totalidade das ações representativas do respetivo capital social, o banco mantém a sua existência cessando a aplicação do regime aplicável aos bancos de transição. Caso não seja possível alienar a totalidade dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o banco de transição, o Banco de Portugal pode decidir que este entre em liquidação, seguindo-se os termos aplicáveis à liquidação extrajudicial de instituições de crédito.

A cessação da atividade do banco de transição está atualmente prevista no art.º 145.º-R, aditado pela Lei n.º 23-A/2015, ocorrendo uma vez atingidas as finalidades visadas com a medida ou efetuada a alienação dos elementos provenientes da instituição sujeita à resolução, ou decorrido o prazo máximo previsto para a sua duração, entrando em liquidação.

Quanto à instituição de crédito objeto da resolução, estipulava o art.º 145.º-M que se o Banco de Portugal verificasse que a instituição não cumpria os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, poderia revogar a autorização da instituição, seguindo-se o regime de liquidação previsto na lei aplicável. Nada se dizia acerca da eventualidade de a instituição, após a aplicação das medidas de resolução, reunir condições para continuar a operar – porventura por não ser essa a situação mais comum (cfr. Luís Máximo dos Santos, estudo citado, pág. 229). Atualmente, nos termos do art.º 145.º-L, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 140/2015, de 31.7, no caso de transferência parcial, para instituição de transição, dos direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, o Banco de Portugal deve revogar a autorização da instituição de crédito objeto de resolução num prazo adequado, tendo em conta o disposto no artigo 145.º-AP (deveres de cooperação da entidade objeto da resolução, no âmbito do processo de transmissão), seguindo-se o regime de liquidação previsto na lei aplicável.

Revertamos ao caso dos autos.

Nesta ação os AA. apresentam, como causa de pedir, um comportamento do BES alegadamente violador dos deveres de lealdade, prudência e boa-fé que sobre ele impendiam enquanto banco e intermediário financeiro, que teriam feito o BES incorrer em responsabilidade civil, no âmbito das relações que mantinha e manteve com os AA., seus clientes, tendo levado estes a efetuarem uma aplicação financeira contrária à sua vontade, ou seja, a aquisição de títulos acentuadamente frágeis quanto à possibilidade de reembolso, atenta a sua natureza de obrigações subordinadas.

Os AA., ao imputarem ao Novo Banco responsabilidade solidária pelo ressarcimento pretendido, obviamente que não questionam a deliberação do Banco de Portugal que, em 3 de agosto de 2014, criou o Novo Banco, enquanto banco de transição para quem foram transmitidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES no momento da sua constituição.

O que os AA. questionam é a constitucionalidade das normas do regime legal das medidas de resolução, conforme foram aplicadas pelas deliberações do Banco de Portugal, na medida em que conduzam a que o Novo Banco fique isento da responsabilidade decorrente do seu invocado crédito.

Ora, as deliberações do Banco de Portugal, maxime as datadas de 29.12.2015, que determinaram quais as responsabilidades que se transferiram do BES para o Novo Banco, são passíveis de controle jurisdicional, nomeadamente quanto à sua compatibilidade com os preceitos constitucionais. A competência para emitir tal juízo cabe, conforme exposto supra, aos tribunais administrativos.

Assim, pondo os AA. em causa, na perspetiva referida, a validade das aludidas deliberações, o conhecimento do objeto da ação depende, parcialmente, de questão que é da competência dos tribunais administrativos. Existe aqui um nexo de prejudicialidade a que é aplicável o disposto no art.º 92.º do CPC.

Com efeito, sob a epígrafe “questões prejudiciais”, no art.º 92.º do CPC estipula-se o seguinte:
1 -Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
2 -A suspensão fica sem efeito se a ação penal ou a ação administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respetivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da ação decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida.

Ou seja, uma situação como a retratada nos autos fundamenta a suspensão da instância a fim de que a questão cuja apreciação caiba noutra ordem jurisdicional aí seja resolvida; em alternativa, a competência do tribunal judicial estender-se-á à aludida questão prejudicial, sendo resolvida no processo com efeitos que se circunscreverão ao mesmo (cfr. acórdão do STJ, de 06.12.2016, processo 886/15.4T8SXL.L1.S1., proferido sobre acórdão desta Relação relatado pelo ora relator e subscrito pela Exm.ª 1.ª adjunta, consultável na base de dados do IGFEJ).

In casu,o tribunal a quo,embora constatasse o exclusivo jurisdicional dos tribunais administrativos para avaliar da validade das mencionadas deliberações do Banco de Portugal, não sobrestou na decisão, tendo proferido juízo de mérito, antecedido de apreciação acerca da legalidade e da conformidade constitucional das aludidas deliberações e da legislação ordinária subjacente.

Nada temos a obstar a tal opção, sendo certo que também as partes a não questionam.

Ora, a deliberação emitida pelo Banco de Portugal em 03.8.2014, que aplicou ao BES a medida de resolução já sobejamente descrita nos autos, criando um veículo de transição consubstanciado no 4.º R. (Novo Banco), para quem se transferiram parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, mostra-se, conforme consta na respetiva fundamentação, sustentada em razões de interesse público, visando evitar, face às perdas e prejuízos apresentados pelo banco, o risco sistémico de corrida aos depósitos numa instituição bancária com o peso institucional do BES, com as consequências daí advenientes para a estabilidade do sistema financeiro e para a economia nacionais. A criação de um banco de transição, libertado de boa parte do peso das responsabilidades do BES, que assume a atividade deste, permite que se mantenha a regular prestação de serviços aos depositantes e a confiança dos mercados e se prepare uma liquidação ordenada do banco, atenuando-se os danos e perdas que adviriam de uma súbita entrada em falência. É certo que assim se procede à transmissão de ativos, desacompanhada de parte dos passivos, cujos correspetivos credores se verão assim afastados da garantia geral que aqueles elementos patrimoniais representavam para a satisfação dos seus créditos. Mas, como diz Ana Mafalda Miranda Barbosa (no texto “Da relevância da natureza do crédito detido pelo cliente de uma instituição bancária objeto de uma medida de resolução”, in Direito Civil e sistema financeiro, citado, página 97), “se todos os ativos e passivos fossem transmitidos para a instituição de transição (…), teríamos de concluir que de nada serviria a atuação saneadora do Banco de Portugal. Operar-se-ia uma modificação subjetiva global das relações jurídicas tituladas pela instituição financeira, à qual sucederia uma outra entidade que passaria a experimentar as mesmíssimas dificuldades que determinaram a resolução. Por outro lado, a não-transmissibilidade vem dar cumprimento à ideia de que serão os acionistas, em primeiro lugar, e os credores, em segundo lugar, aqueles que devem suportar as perdas.”

Na configuração em concreto da medida de resolução, nomeadamente na determinação dos ativos e dos passivos que se transferem para a instituição de transição e os que permanecem na instituição objeto de resolução, o Banco de Portugal atua de forma não arbitrária, mas discricionária, movido pelo intuito de atingir o máximo de eficácia face aos fins tidos em vista (princípio da eficácia administrativa), que são os consignados na lei (princípio da legalidade) (cfr. Ana Mafalda Barbosa, in Direito Civil e sistema financeiro, citado, páginas 26 e 27).

Poderá, citando-se Ana Mafalda Barbosa (citado, pág. 57), assinalar, como vetores legais que presidirão à seleção dos ativos e passivos objeto de transmissão, os seguintes: garantir a reposição da estabilidade sem a qual o sistema financeiro deixa de ter condições para atuar; salvaguardar os diversos envolvidos e o erário público; responsabilizar os que estiverem na base da situação de impossibilidade para cumprir os requisitos de manutenção da autorização de exercício da atividade financeira.

Sendo certo que, e aqui entra a discricionariedade (que não arbitrariedade) na procura da eficiência, o Banco de Portugal tem o poder de, em função das circunstâncias específicas do caso concreto, decidir que ativos e passivos devem ser transferidos, possibilitando-lhe, nomeadamente, isolar os instrumentos financeiros que poderiam expor o banco de transição a risco superior ao normal no mercado de capitais (Ana Mafalda Barbosa, obra citada, pág. 57).

Esse poder pode exigir afinações e correções, seja no sentido de esclarecer dúvidas quanto aos elementos transmitidos do banco intervencionado para o banco de transição, seja procedendo-se a novas transmissões para o banco de transição ou revertendo, para o banco alvo da medida de resolução, direitos ou obrigações que haviam sido transferidos para o banco de transição – posto que tais decisões se harmonizem com os critérios inicialmente definidos aquando da deliberação de aplicação da medida (cfr. n.º 5 do art.º 145.º-Q, na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3).

No caso da medida de resolução aplicada ao BES, os ativos e passivos alvo de transmissão para o Novo Banco e excluídos dessa transferência foram identificados nos termos do anexo 2 da deliberação. Aí se menciona a exclusão, da transferência para o Novo Banco, de “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (subalínea v)) da alínea b) do número 1 do anexo), assim como de “Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissão de acções ou dívida subordinada;” (subalínea vi), as quais permanecem na esfera jurídica do BES. Tal exclusão manteve-se na deliberação do Banco de Portugal, de 11.8.2014, (em que a subalínea v) passou a ter a seguinte redação: “Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais (…)”). Tal exclusão manteve-se, à luz da deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015, sobre “contingências”, na qual o Banco de Portugal declarou clarificar que “nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES”. A exclusão da transmissão para o Novo Banco de responsabilidades do BES de que resultem créditos subordinados manteve-se no texto consolidado publicado na deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015, aí figurando a exclusão de “Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o Banco Espírito Santo, S.A.”(subalínea vi) da alínea b) do n.º 1 do anexo).

Não parece suscitarem-se dúvidas de que, face aos descritos critérios de definição do “perímetro de transferência” determinado pelo Banco de Portugal aquando da deliberação da medida de resolução, o invocado crédito dos AA., assente em alegada atuação ilícita e culposa do BES no âmbito do seu relacionamento com os AA., seus clientes, enquanto banco e intermediário financeiro, traduzida na venda, com base em informação falsa e enganosa, de obrigações subordinadas do BES, se inclui no aludido perímetro de alegadas responsabilidades do BES excluídas da transferência para o Novo Banco.

Os AA. invocam em seu abono o regime do Código das Sociedades Comerciais atinente às cisões simples.

Nos termos do n.º 1, alínea a), do art.º 118.º do CSC, as sociedades podem “destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade.” E, nos termos da primeira parte do n.º 2 do art.º 122.º do CSC, “as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial”.

A Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento invoca a existência das normas de direito societário precisamente para exprimir a necessidade de as adequar e até, derrogar, quando estritamente necessário à prossecução dos objetivos visados pela Diretiva. É o que resulta da transcrição integral do considerando 122:
A Diretiva 2011/35/UE do Parlamento Europeu e do Conselho estabelece regras relativas, nomeadamente, à aprovação das fusões pela assembleia geral de cada uma das sociedades participantes na fusão, aos requisitos aplicáveis aos projetos de fusão, aos relatórios de gestão e relatórios de peritos, e ainda à proteção dos credores. A Diretiva 82/891/CEE do Conselho inclui regras semelhantes quanto à cisão dessas mesmas sociedades anónimas. A Diretiva 2005/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho prevê as regras equivalentes para as fusões transfronteiriças de sociedades anónimas. Deverão ser previstas derrogações adequadas a essas diretivas, a fim de permitir uma ação rápida das autoridades de resolução.” (sublinhado nosso).

Tal necessidade de adequação das regras de direito societário à intervenção junto das instituições de crédito em crise é, também, realçado no considerando 120:
As diretivas da União relativas ao direito das sociedades contêm regras vinculativas para a proteção dos acionistas e dos credores das instituições por elas abrangidas. Numa situação em que as autoridades de resolução precisem de atuar rapidamente, essas regras podem dificultar uma ação efetiva, pelo que deverá ser incluída na presente diretiva a utilização pelas autoridades de resolução de instrumentos e poderes de resolução, bem como derrogações adequadas. A fim de garantir o mais elevado grau de segurança jurídica para as partes interessadas, as derrogações deverão ser definidas de forma clara e limitada, e só deverão ser aplicadas em defesa do interesse público e caso se verifiquem os fatores de desencadeamento da resolução. A utilização dos instrumentos de resolução pressupõe o respeito dos objetivos da resolução e o cumprimento das condições de desencadeamento da resolução, previstos na presente diretiva”.
As circunstâncias que subjazem à criação de um banco de transição e os objetivos visados pela resolução impõem, necessariamente, a inaplicabilidade do aludido regime de cisão simples de sociedade comercial, nomeadamente a da responsabilização solidária da nova sociedade face às dívidas da sociedade cindida.
Daí que, no art.º 145.º-O, n.º 10, do RGICSF, se estipule que “o Código das Sociedades Comerciais é aplicável às instituições de transição, com as necessárias adaptações aos objetivos e à natureza destas instituições.
O art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia tem a seguinte redação:
Direito de propriedade
1.- Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, excepto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respectiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.
2.- É protegida a propriedade intelectual.”
Por sua vez, os artigos 62.º e 101.º da CRP têm a seguinte redação:
Art. 62.º
Direito de propriedade privada
1.- A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2.- A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante pagamento de justa indemnização.”
Art.º 101.º
Sistema financeiro
O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social.”

Será que as deliberações do Banco de Portugal e as regras de direito ordinário em que se suportam, ao privarem os AA. e os restantes “lesados do BES” do acesso aos ativos que, sendo do BES, transitaram para o Novo Banco, ficando no BES apenas os passivos, violam direitos patrimoniais constitucionalmente garantidos, nomeadamente as poupanças?
Admitindo que a proteção constitucional da propriedade se estende a direitos de crédito (neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 800), poderá dizer-se que o direito invocado pelos AA. contra o BES fica fortemente abalado na sua consistência na medida em que, contando os AA. com o património do BES como garantia geral do seu crédito (art.º 601.º do Código Civil), a medida de resolução sub judice, aplicada nos termos do RGICSF, transfere parte substancial dos bens do devedor para outra entidade, subtraindo-os à efetivação do direito dos AA., os quais, assim, em virtude da aludida intervenção de uma entidade pública, como que se desvanece por falta de objeto possível de uma eventual concretização forçada – assim se atentando contra a garantia constitucionalmente reconhecida no art.º 62.º da CRP, como que se procedendo, se não a uma nacionalização/expropriação de património em detrimento dos credores do BES, pelo menos a uma medida inaceitavelmente restritiva do seu direito de propriedade (vide Lourenço Vilhena de Freitas, “Da constitucionalidade e legalidade da medida de resolução do Banco de Portugal relativamente ao BES”, in Liber Amicorum Manuel Simas Santos, Rei dos Livros, 2016, páginas 820 a 822, 826).
É claro que o acerto desta asserção passa, desde logo, pelo pressuposto de que, não fora a aludida aplicação da medida de resolução, os AA. veriam o seu direito total ou parcialmente acautelado, porque a situação económica do BES não era tão séria como a que teria pressuposto a medida, tendo sido esta, pelo contrário, que agravou a situação líquida do banco, lesando os interesses dos acionistas e credores (Lourenço de Freitas, estudo citado, pág. 821).
Ora, face aos elementos invocados na deliberação de 03.8.2014, cuja ocorrência não foi seriamente questionada no processo, à data da intervenção do Banco de Portugal o BES encontrava-se em situação de falência iminente, apresentando prejuízos exorbitantes e estando à beira de falhar mesmo a satisfação dos seus compromissos imediatos. Tal situação, se fosse deixada ao livre curso das regras de mercado, e atendendo ao peso do BES no mercado de financiamento nacional, desencadearia um efeito em cadeia que agravaria drasticamente os prejuízos da economia do país, sem qualquer ganho relevante para os credores do BES.
Acresce, de todo o modo, e como se mencionou supra, que ficou prevista uma cláusula de salvaguarda, qual seja a de que os credores não deverão receber menos do que o que receberiam se o BES tivesse entrado em liquidação “normal”, à data da aplicação da medida de resolução (n.º 3 do art.º 145.º-B, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 114-A/2014, de 01.8; art.º 145.º-D, n.º 1, alínea c), na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015).
Entrada em liquidação essa que seria, como se disse, a alternativa à medida tomada, sendo certo que a medida que se tomou foi, tão só, um meio de se proceder à dissolução e liquidação do BES de forma ordenada, com menores efeitos sistémicos e consequentes prejuízos para a comunidade, ou seja, a bem do interesse público.
O que, dada a aludida salvaguarda prevista para os credores, garante, cremos, a conformidade das aludidas normas legais e da forma como estas foram interpretadas pelas ditas deliberações do Banco de Portugal e pela sentença recorrida, com as invocadas exigências constitucionais e da Carta dos Direitos Fundamentais, por nelas se vazar uma necessária, adequada e proporcional ponderação dos interesses em presença, quais são os interesses individuais dos credores, como os AA., à luz do art.º 62.º da CRP, e os da comunidade em geral, em particular, como realça a 2.ª R., os da estabilidade do sistema financeiro, cuja relevância é evidenciada no art.º 101.º da CRP (em igual sentido, cfr. acórdãos desta Relação, de 07.3.2017, processo 48/16.3T8LSB-L1-7, de 26.4.2017, processo 31251/15.2T8LSB.L1-7, de 13.7.2017, processo 20213/16.2T8LSB.L1-2– relatado pela ora 1.ª adjunta e subscrito também pelo ora 2.º adjunto – todos consultáveis na base de dados do IGFEJ).
À luz da solução descortinada pelo Banco de Portugal para a crise financeira do BES, a instituição de transição Novo Banco não assumiu a responsabilidade imputada pelos AA. ao BES nos termos desta ação, pelo que o Novo Banco deveria ter sido absolvido do pedido contra ele deduzido, como foi.

Quanto à responsabilização do R. R...-
As obrigações constituem valores mobiliários, instrumentos financeiros cuja transação está cometida a profissionais, os intermediários financeiros (cfr. artigos 1.º n.º 1 al. b) e 289.º do Código dos Valores Mobiliários - CVM). Estes podem ser, nomeadamente, instituições bancárias (art.º 293.º n.º 1 al. a) do CVM; art.º 4.º n.º 1 al. e) do RGICSF). Sendo certo que o BES agiu também nessa qualidade, para o que estava autorizado.
Estamos no terreno da intermediação no mercado de capitais, ou seja, da intermediação financeira, caracterizada pela interposição entre agentes superavitários (investidores) e deficitários (empresas emitentes ou negociadoras de instrumentos financeiros) (cfr. José A. Engrácia Antunes, José E. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, p. 471). O grau de sofisticação destes instrumentos, gerador de opacidade quanto às suas características e nível de risco, acentua a necessidade de que a sua apresentação a transação seja acompanhada de todas as informações necessárias para que a decisão dos investidores seja esclarecida. Daí a implementação de todo um quadro cominador de deveres de informação, destinados a ultrapassar as assimetrias informativas existentes no mercado de valores mobiliários. Tais mecanismos protegem os investidores e, indiretamente, impulsionam a eficiência do próprio mercado (Margarida Azevedo Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in O novo Direito dos Valores Mobiliários, I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, 2017, Almedina, pp. 414, 415, 416, 421 e 422).
Os factos a que se reportam estes autos (intermediação na subscrição de uma obrigação) ocorreram já após as alterações introduzidas ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31.10, pelo que estas serão levadas em consideração.
Com interesse para o caso sub judice, avultam as seguintes normas do CVM:
Artigo 7.º
Qualidade da informação
1 -A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
2 -O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco. (…).”
Artigo 30.º
Investidores qualificados
1 -Sem prejuízo do disposto nos números subsequentes, consideram-se investidores qualificados as seguintes entidades:
a)- Instituições de crédito;
b)- Empresas de investimento;
c)- Empresas de seguros;
d)- Instituições de investimento colectivo e respectivas sociedades gestoras;
e)- Fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras;
f)- Outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente fundos de titularização de créditos, respectivas sociedades gestoras e demais sociedades financeiras previstas na lei, sociedades de titularização de créditos, sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respectivas sociedades gestoras;
g)- Instituições financeiras de Estados que não sejam membros da União Europeia que exerçam actividades semelhantes às referidas nas alíneas anteriores;
h)- Entidades que negoceiem em instrumentos financeiros sobre mercadorias;
i)- Governos de âmbito nacional e regional, bancos centrais e organismos públicos que administram a dívida pública, instituições supranacionais ou internacionais, designadamente o Banco Central Europeu, o Banco Europeu de Investimento, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
2 -Para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 109º, no n.º 3 do artigo 112º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 134º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 237º-A, as seguintes entidades são também consideradas investidores qualificados:
a)- Outras entidades que tenham por objecto principal o investimento em valores mobiliários;
b)- Empresas que, de acordo com as suas últimas contas individuais ou consolidadas, preencham dois dos seguintes critérios:
i)- Número médio de trabalhadores, ao longo do exercício financeiro, igual ou superior a 250;
ii)- Activo total superior a 43 milhões de euros;
iii)- Volume de negócios líquido superior a 50 milhões de euros.
3 -Para efeitos do título vi, são também considerados investidores qualificados:
a)- As pessoas referidas na alínea f) do n.º 3 do artigo 289º;
b)- As pessoas colectivas, cuja dimensão, de acordo com as suas últimas contas individuais, satisfaça dois dos seguintes critérios:
i)- Situação líquida de 2 milhões de euros;
ii)- Activo total de 20 milhões de euros;
iii)- Volume de negócios líquido de 40 milhões de euros.
c)- As pessoas que tenham solicitado o tratamento como tal, nos termos previstos na secção iv do capítulo i daquele título.
4 -A CMVM pode, por regulamento, qualificar como investidores qualificados outras entidades dotadas de uma especial competência e experiência relativas a instrumentos financeiros, nomeadamente emitentes de valores mobiliários, definindo os indicadores económico-financeiros que permitem essa qualificação.
Artigo 304.º
Princípios
1 -Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 -Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 -Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente.
4 -Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das excepções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382º
5 -Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.
Artigo 304.º-A
Responsabilidade civil
1 -Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 -A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
Artigo 305.º
Requisitos gerais
1 -O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade, profissionalismo e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados, devendo, designadamente:
a)-Adoptar uma estrutura organizativa e procedimentos decisórios que especifiquem os canais de comunicação e atribuam funções e responsabilidades;
b)-Assegurar que as pessoas referidas no n.º 5 do artigo 304º estejam ao corrente dos procedimentos a seguir para a correcta execução das suas responsabilidades;
c)-Assegurar o cumprimento dos procedimentos adoptados e das medidas tomadas;
d)-Contratar colaboradores com as qualificações, conhecimentos e capacidade técnica necessários para a execução das responsabilidades que lhes são atribuídas;
e)-Adoptar meios eficazes de reporte e comunicação da informação interna;
f)-Manter registos das suas actividades e organização interna;
g)-Assegurar que a realização de diversas funções por pessoas referidas no n.º 5 do artigo 304º não as impede de executar qualquer função específica de modo eficiente, honesto e profissional;
h)-Adoptar sistemas e procedimentos adequados a salvaguardar a segurança, a integridade e a confidencialidade da informação;
i)-Adoptar uma política de continuidade das suas actividades, destinada a garantir, no caso de uma interrupção dos seus sistemas e procedimentos, a preservação de dados e funções essenciais e a prossecução das suas actividades de intermediação financeira ou, se tal não for possível, a recuperação rápida desses dados e funções e o reatamento rápido dessas actividades;
j)-Adoptar uma organização contabilística que lhe permita, a todo o momento e de modo imediato, efectuar a apresentação atempada de relatórios financeiros que reflictam uma imagem verdadeira e apropriada da sua situação financeira e que respeitem todas as normas e regras contabilísticas aplicáveis, designadamente em matéria de segregação patrimonial.
2 -Para efeitos do disposto nas alíneas a) a g) do número anterior, o intermediário financeiro deve ter em conta a natureza, a dimensão e a complexidade das suas actividades, bem como o tipo de actividades de intermediação financeira prestadas.
3 -O intermediário financeiro deve acompanhar e avaliar regularmente a adequação e a eficácia dos sistemas e procedimentos, estabelecidos para efeitos do n.º 1, e tomar as medidas adequadas para corrigir eventuais deficiências.
Artigo 305º-D
Responsabilidades dos titulares do órgão de administração
1 -Sem prejuízo das funções do órgão de fiscalização, os titulares do órgão de administração do intermediário financeiro são responsáveis por garantir o cumprimento dos deveres previstos no presente Código.
2 -Os titulares do órgão de administração devem avaliar periodicamente a eficácia das políticas, procedimentos e normas internas adoptados para cumprimento dos deveres referidos nos artigos 305º-A a 305º-C e tomar as medidas adequadas para corrigir eventuais deficiências detectadas e prevenir a sua ocorrência futura.
Artigo 312.º
Deveres de informação
1 -O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:
a)-Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b)-À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;
c)-À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
d)-Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e)-Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f)-À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;
g)-À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
h)- Ao custo do serviço a prestar.
2- A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 -A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
4 -A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.
5 -Sempre que, na presente Subsecção, se estabelece que a informação deve ser prestada por escrito, a informação deve ser prestada em papel salvo se: a) A prestação da informação noutro suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor; e b) O investidor tenha expressamente escolhido a prestação da informação em suporte diferente do papel.
6 -Presume-se que a prestação de informação através de comunicação electrónica é adequada ao contexto da relação entre o intermediário financeiro e o investidor quando este tenha indicado um endereço de correio electrónico para a realização de contactos no âmbito daquela.
7 -A informação prevista nos artigos 312º-C a 312º-G pode ser prestada através de um sítio da Internet, se o investidor o tiver expressamente consentido e desde que: a) A sua prestação nesse suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor; b) O investidor tenha sido notificado, por via electrónica, do endereço do sítio da Internet e do local no mesmo de acesso à informação; c) Esteja continuamente acessível, por um período razoável para que o investidor a possa consultar”.
Artigo 324.º
Responsabilidade contratual
1— São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar.
2— Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.”

Para Pedro Boulloza González, o art.º 7.º do CVM contém uma norma de dever, de aplicação imediata aos destinatários, naturalmente sem prejuízo da possibilidade de aplicação conjunta com qualquer outra norma concretizadora também aplicável. Trata-se de uma norma autónoma de dever, geradora de responsabilidade civil. Os requisitos da qualidade da informação (completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude) aplicam-se tanto a propósito da informação obrigatória como de informação facultativa, ou seja, prestada por livre iniciativa (“Qualidade da informação”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 49, dezembro de 2014, p. 11, consultável na internet, através dos habituais motores de busca). Opinião diversa (e talvez de sufragar) tem Paulo Câmara, para quem o art.º 7.º do CVM não configura uma fonte autónoma de deveres de informação; apenas disciplina o critério de qualidade informativa à luz do qual o cumprimento dos deveres de informação será avaliado (obra citada, p. 708).

Também o art.º 304.º do CVM não conterá uma enunciação de verdadeiros deveres legais, diretamente fundadores, no caso de violação, de responsabilidade civil, mas exercerão, enquanto princípios jurídicos, uma função integradora face a lacunas da lei, assim como assegurarão a delimitação material do âmbito de aplicação dos deveres e apontarão os critérios de exigência e os padrões a tomar em consideração no preenchimento em concreto das previsões normativas e contratuais dos deveres de conduta (neste sentido, cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, 2008, pp. 75-82).

Ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, destacam-se os deveres de informação, expressos no art.º 312.º, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo certo que o objeto dessas informações é indicado, nas alíneas seguintes, apenas de forma exemplificativa (vide o uso do advérbio “nomeadamente”).

O n.º 2 do art.º 312.º consagra o princípio da proporcionalidade inversa, ou seja, a regra segundo a qual a extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência. “A inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (Know your client rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade” (Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Almedina, 2001, p. 46).

Os AA. alegaram serem investidores avessos ao risco, habituados a aplicações tradicionais e conservadoras, pelo que seriam credores de uma informação de elevado grau de cuidado, atenção e completude.

Tal informação deveria ter sido prestada aquando da abordagem que teria sido feita aos A. para lhes propor a aquisição da obrigação, estando aqui presente o caráter prévio da informação a que o intermediário está obrigado a disponibilizar face à tomada de decisão de (des)investimento (Gonçalo Castilho, ob. cit., pp. 140 e 141). Mais do que mero dever acessório, trata-se de um dever de conduta secundário, decorrente desde logo da lei, sem necessidade de expressa previsão contratual (Gonçalo Castilho, ob. cit., pp. 141 e 142).

Os contactos entre o potencial investidor e o intermediário financeiro, se culminarem numa decisão de investimento, originarão um negócio jurídico de cobertura, através do qual o investidor confere ao intermediário financeiro os necessários poderes para celebrar os chamados negócios jurídicos de execução, ou seja, aqueles contratos que os intermediários financeiros celebrarão por conta dos clientes e que visam a aquisição ou alienação de valores mobiliários (v.g., Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., p. 162, nota 366). O contrato de cobertura será um contrato de mandato, frequentemente na modalidade de comissão (art.º 266.º do Código Comercial; cfr. Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., pp. 158, 162-164).

Gonçalo Castilho dos Santos realça que o CVM ensaia um “subsistema de imputação”, com uma composição inovatória de traços do regime da responsabilidade delitual com traços da responsabilidade obrigacional (ob. cit, p. 199). Assim é: desde logo, no n.º 2 do art.º 304.º-A do CVM estabelece-se uma presunção de culpa do intermediário financeiro no caso de responsabilidade emergente da violação de dever de informação, independentemente da fonte contratual, pré-contratual ou meramente legal desse dever (ou seja, ainda que se consubstancie responsabilidade civil aquiliana, à luz da segunda parte do n.º 1 do art.º 483.º do Código Civil). Por outro lado, ao estender-se a presunção de culpa à responsabilidade pré-contratual, ultrapassou-se o escolho resultante da querela existente acerca da natureza contratual ou delitual do regime do art.º 227.º n.º 1 do CC (Gonçalo André Castilho dos Santos, ob. cit., p. 212).

No n.º 1 do art.º 304.º-A aplana-se o caminho da responsabilização delitual do intermediário financeiro pelos prejuízos causados a terceiro, na falta de sujeição a deveres contratuais ou pré-contratuais, qualificando-se os deveres legais e regulamentares impostos aos intermediários financeiros como disposições destinadas a proteger interesses alheios (segunda parte do n.º 1 do art.º 483.º do CC) (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in Direito dos Valores Mobiliários, volume II, Coimbra Editora, 2000, p. 147; idem, Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., p. 191). De todo o modo, aceita-se que o n.º 1 do art.º 304.º-A do CVM não circunscreve a disciplina da imputação dos danos à responsabilidade delitual. O preceito em causa consagra simultaneamente uma cláusula de imputação obrigacional dos danos sofridos pelo cliente do intermediário financeiro inadimplente no que respeita às obrigações a que este estava adstrito e que surgem expressas no rol de deveres que a lei estabeleceu (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 191). De facto, entre o intermediário financeiro e o seu cliente estabelece-se sempre uma relação obrigacional, um vínculo pessoal através do qual o cliente tem direito à realização de determinada prestação com o conteúdo dado por uma específica atividade de intermediação financeira (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 192). De todo o modo, tal relação é estabelecida essencialmente por via contratual, implicando que a violação dos respetivos deveres e a consequente responsabilidade pelo seu incumprimento assentam no contrato de intermediação financeira, pese embora o forte contributo da lei mobiliária para a definição do quadro de deveres específicos de conduta impostos ao intermediário financeiro (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 193). Daí que a aparente dicotomia introduzida no n.º 2 do art.º 324.º do CVM (“Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”), entre responsabilidade obrigacional de origem legal ou regulamentar e responsabilidade de origem contratual, circunscrevendo o n.º 2 do art.º 324.º à responsabilidade contratual, constitua um falso problema, pois “toda a atividade de intermediação financeira é exercida tendo por base a celebração de contratos de intermediação financeira e, por isso, o regime da responsabilidade civil contratual cobrirá todo o espectro do regime da responsabilidade obrigacional do intermediário financeiro” (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 259).

António Menezes Cordeiro vem defendendo que na responsabilidade civil obrigacional a presunção de culpa, prevista no art.º 799.º n.º 1 do CC, abarca também a ilicitude (vide, por último, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in Estudos de Direito Bancário I, Almedina, 2018, pp. 25-27) e o nexo de causalidade (ob. cit., p. 37), tudo se conjugando no conceito do direito napoleónico “faute.” Quanto à presunção de ilicitude, ela é pressuposta pela imputação de um juízo de culpa sobre o devedor; quanto ao nexo de causalidade, ele decorre do incumprimento, do qual emerge, sem mais, o dever de indemnizar, que é decalcado do dever de prestar. Tal já não será assim no que concerne aos deveres acessórios: relativamente a estes o credor deve identificar quais os deveres acessórios violados, que bens eram por eles protegidos, qual a extensão dos danos (estudo citado, pp. 37 e 38). Do mesmo modo se passarão as coisas no âmbito da responsabilidade bancária (estudo cit., pp. 38-40). Quanto à violação do dever de informar, Menezes Cordeiro propugna uma solução casuística, dependendo a existência, ou não, de presunção de culpa, de ilicitude e de causalidade da inserção do dever de informar, respetivamente, numa situação de tipo obrigacional ou numa situação de tipo aquiliano (estudo cit., pp. 40 e 41).

Gonçalo Castilho dos Santos, embora discorde da inserção da ilicitude na presunção de culpa prevista no âmbito da responsabilidade civil obrigacional, maxime à luz do art.º 304.º-A n.º 2 do CVM, defende que tal presunção se estende ao nexo de causalidade. Para tal invoca o teor de alegadas presunções de causalidade inseridas em situações tipificadas no CVM (artigos 152.º n.º 2, 334.º, 282.º), bem como o elevado padrão de diligência na conduta do intermediário financeiro fixado no n.º 2 do art.º 304.º. Segundo este autor, tais preceitos demonstram que a estrutura montada pelo legislador “não está preparada para admitir resultados contraproducentes em termos de protecção do cliente-investidor. Designadamente, o modelo da lei visa acautelar, precisamente, a posição enfraquecida do cliente na demonstração da “culpa técnica” do intermediário financeiro ou de nexos de causalidade comprometidos com complexas e sofisticadas rotinas operacionais, bem como com “leis de mercado” habitualmente desconhecidas do leigo, à partida, de um investidor não qualificado, por sinal” (ob. cit, pp. 215 e 216).
Também Margarida Azevedo Almeida, em nome do particular escopo de proteção do investidor e da eficácia preventiva que entende também estar ligada à responsabilidade civil, defende que as dificuldades de prova em matéria de incumprimento ou deficiente cumprimento de obrigações informativas e de adequação, maxime na área da intermediação financeira, determinam que a inversão do ónus da prova prevista no art.º 314.º n.º 2 do CVM (atual art.º 304.º-A) se estenda ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano (estudo citado, pp. 420 e 421).

No que concerne à presunção de culpa prevista no art.º 799.º n.º 1 do CC, não encontramos razões para dissentir da visão clássica, que equipara a responsabilidade civil delitual à responsabilidade civil obrigacional, destrinçando nesta, à semelhança do que ocorre na responsabilidade delitual, a existência de um facto voluntário do devedor (incumprimento da obrigação), a qualificação desse facto como ilícito (violação do contrato ou de dever emergente da relação obrigacional), a culpa (juízo de censura pelo incumprimento), o dano (prejuízo emergente do incumprimento da obrigação) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Esses elementos encontram-se mencionados no art.º 798.º do CC, não se vislumbrando razão para que tal diferenciação não seja tida em conta pelo legislador quando, no artigo seguinte, estipula a inversão do ónus da prova quanto à culpa, que continua bem destacada no n.º 2 do mesmo artigo (cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 2017, 14.ª edição, Almedina, pp. 345-347 e Direito das Obrigações, volume II, 2017, 11.ª edição, Almedina, pp. 245-253; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, 2013, pp. 543, 549).

Tal visão das coisas é de manter no regime do CVM, o qual reproduz, no art.º 304.º-A, o quadro conceitual traçado no Código Civil (“os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os “danos” “causados a qualquer pessoa em consequência da “violação de deveres” respeitantes ao exercício da sua actividade”); “a “culpa” do intermediário financeiro presume-se quando o “dano” seja “causado” no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais…” (neste sentido, tacitamente, cfr. Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, estudo citado, pp. 147 e 148).

Assim, ao investidor lesado em virtude de incumprimento de um dever de informação por parte de intermediário financeiro, cabe demonstrar a existência desse dever; sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º n.º 1, 312.º n.ºs 1 e 2 do CVM (art.º 342.º n.º 2 do CC); sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de falta de culpa no alegado incumprimento; sobre o investidor recai o ónus da prova do dano decorrente da atuação do intermediário financeiro e do nexo de causalidade entre o facto do intermediário financeiro e o dano. In casu, o estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro. “A escolha do investidor deverá ter sido causada pela conduta do intermediário financeiro, de tal modo que, se este houvesse cumprido as suas obrigações informativas, a escolha do investidor teria sido diversa”. “Para que se estabeleça o nexo causal é necessário que, caso tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, o investidor ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento” (Margarida Azevedo Almeida, estudo citado, pp. 421 e 422).

Também aqui, movendo-nos (em regra) no âmbito da responsabilidade contratual, os intermediários financeiros serão responsáveis pela atuação dos seus funcionários nos termos do art.º 800.º n.º 1 do CC (Menezes Leitão, Actividades de intermediação…, estudo cit., p. 148; Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., pp. 229-232).

Tal nexo não é afastado ou restringido pelo n.º 5 do art.º 304.º do CVM (“Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação”) – este preceito, além de elevar o grau de exigência de conduta de alguns dos representantes do intermediário financeiro, alarga o elenco de pessoas que podem ser diretamente responsabilizadas pelo lesado e, ainda, facilita o exercício de direito de regresso entre responsáveis segundo o mesmo padrão de culpabilidade (Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., p. 232).

Em todo o caso, no n.º 5 do art.º 304.º do CVM não se contém qualquer desvio às regras gerais de responsabilização civil, contratual ou delitual. Isto é, a imputação de responsabilidade diretamente ao titular do órgão de administração do intermediário financeiro e/ou às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação pressupõe a alegação e prova de concretas ações ou omissões em que essas entidades tenham incorrido, violadoras dos seus deveres, causadoras de prejuízos aos clientes do intermediário financeiro. Uma coisa é a determinação da responsabilidade do intermediário financeiro, neste caso o BES, pessoa coletiva, e outra é a responsabilização das pessoas singulares, integradas na sua organização, que intervieram no concreto ato prejudicial, sejam meros trabalhadores, comissários, dirigentes ou administradores. Contrariamente ao aventado pelos apelantes, a responsabilização do intermediário financeiro por prejuízos causados a clientes no âmbito da atividade de intermediação financeira não acarreta, automaticamente, a responsabilização dos respetivos administradores. Em nenhuma norma legal se encontra suporte para a afirmação, em que se baseia esta parte da apelação, contida na conclusão 3 do recurso: “A responsabilidade do titular do órgão de administração ou de qualquer pessoa que tenha a efetiva direção da atividade de intermediação financeira são os da instituição de intermediação financeira e não quaisquer concretos factos direta e pessoalmente imputados aquele titular ou pessoa.”
Daí que, como aliás já o R. R... (…) havia feito notar na sua contestação, não tendo os AA. imputado ao R. qualquer concreta atuação atinente à intermediação financeira que alegadamente os prejudicou (pelo contrário, o comportamento enganador alegado foi o dos dois gestores de conta identificados na p.i.), bem andou o tribunal a quo ao absolver esse R., por falta de alegação de elementos de facto reveladores da responsabilidade que lhe era imputada.
A apelação é, assim, improcedente.

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo dos apelantes, que nela decaíram (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).



Lisboa, 13.9.2018



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins