Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1333/17.2YRLSB-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
PRAZO
EXTINÇÃO DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– No âmbito da arbitragem voluntária, em face da redacção do art. 43º, n.º 3 da LAV, o decurso do prazo de 12 meses para a notificação da sentença às partes importa a extinção automática do processo arbitral, extinguindo-se igualmente a competência dos árbitros para julgarem o litígio.

2.– Na LAV, não se estabelecem prazos indicativos para os actos a praticar pelo tribunal arbitral, estabelecendo-se tão-só aquele prazo peremptório de 12 meses.

3.– Já na arbitragem necessária regulada na Lei n.º 62/2011, de 12/12 (art. 3º, n.º 4), o único prazo expressamente prescrito – prazo para a marcação da audiência de produção de prova (60 dias após a apresentação da contestação) - é meramente indicativo, à semelhança dos prazos estabelecidos no CPC para os actos dos juízes, sem prejuízo da eventual responsabilidade disciplinar destes.

4.– Para além desta diferença de regimes, não faz sentido aplicar à arbitragem necessária a que alude a Lei n.º 62/2011, o regime dos prazos peremptórios/fatais expresso no art. 43º, n.º 3 da LAV, pois que, não se compreenderia que, estando as partes obrigadas ao juízo arbitral (que, é em regra, mais tolerante e facilitador do que o “oficial”) tivessem menos direitos, ou mais restrições, do que teriam na Justiça estatal, quando esta lhes foi vedada “ope legis”.

5.– Atenta a natureza jurídica da arbitragem necessária – não baseada na autonomia privada, mas imposta por lei como o único meio de contencioso susceptível de ser usado – e à semelhança das regras vigentes para os tribunais estatais, na arbitragem necessária a que se reporta a Lei n.º 62/2011, os prazos para a prolação das decisões são ordenadores e o seu decurso não inutiliza os julgados nem faz precludir a jurisdição do tribunal arbitral.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


I.– G..., LLC e J... UC ., no âmbito do regime processual especial instituído pela Lei 62/2011, de 12/12, instauraram acção arbitral necessária, na qual demandaram Z….

As Demandantes notificaram a Demandada nos dia 13 de Maio de 2015 de que pretendiam submeter a arbitragem o litígio relativo a medicamentos genéricos que contêm a substância activa Daranavir.

No dia 15 de Setembro de 2015 ocorreu a designação do último árbitro.

O tribunal arbitral declarou-se instalado dia 10 de Novembro de 2015, conforme doc. junto aos autos a fls. 32 a 38, cujo teor se dá por reproduzido.

Da acta de instalação consta, além do mais, o seguinte:
“4. Regras do processo
(…)
i)- Os prazos não se suspendem nos sábados, domingos e feriados, correndo durante as férias judiciais, com ressalva do mês de agosto;
(…)
l)- Findos os articulados, o Tribunal Arbitral fixará a matéria assente e a base instrutória, sendo as Partes notificadas para a audiência de produção de prova oral, que terá lugar nos 60 (sessenta) dias seguintes. (…)
4.2. A presente arbitragem obedece subsidiariamente ao Regulamento de Arbitragem do Centro de arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e às regras decorrentes da Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela lei n.º 63/20111, de 14/12, aplicável, em tudo o que não se encontrar previsto especificamente nos números anteriores; subsistindo ainda qualquer lacuna seguirá as que se mostrarem mais apropriadas à eficácia e celeridade processuais.
5. Prazo da arbitragem
O prazo para a decisão arbitral é de 2 (dois meses) após o termo da fase de julgamento. O prazo pode ser livremente prorrogado por decisão do tribunal.
(…)”

As Demandantes apresentaram a p.i. na qual a 1ª Demandante alega ser titular da EP 810209 e do CCP 270 e a segunda Demandante alega ser titular da EP 1448567, da EP 1567529, da 2314591, da 1725566 e da 2089371, tendo peticionado a condenação da Demandada:
1.– a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Darunavir identificado no art. 194º da p.i. ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de Fevereiro de 2019;
2.– a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Darunavir identificado no art. 194º da p.i. ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, na forma de darunavir etanolato, bem como nas formas equivalentes, incluindo o darunavir hidrato, enquanto as patentes EP 1567529, da 2314591 se encontrarem em vigor;
3.– a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Darunavir identificado no art. 194º da p.i. ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, fabricadas sob os processos constantes das patentes EP 1448567, 1725566 e 2089371, enquanto as mesmas patentes se encontrarem em vigor;
4.– a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no artigo 194º da p.i. até à caducidade dos referidos direitos de patente ora exercidos;
5.– a pagar, nos termos do artigo 829.°-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 110.000,00 (cento e dez mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida, nos termos do primeiro, segundo e do terceiro pedidos; e
6.– a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente acção arbitral, e ainda a reembolsar as Demandantes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas pagas pelas Demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada, bem como os honorários dos mandatários das Demandantes e outras despesas que estas tenham tido com o processo.

A Demandada apresentou contestação, alegando que os seus medicamentos genéricos não infringem a EP  1448567, nem a EP 1567529,  nem a EP 2314591, nem a EP 1725566, nem ainda a EP 2089371.

Houve resposta às excepções por parte das demandantes.

No Despacho Saneador proferido a 20 de Fevereiro de 2017 o tribunal arbitral conheceu  parcialmente do mérito da causa nos seguintes termos:
II.Despacho saneador
Na contestação a Demandada não invoca nenhuma excepção dilatória que possa obstar ao conhecimento da causa.
Na perspectiva do Tribunal, também nada impede o conhecimento do mérito da causa na presente acção arbitral. O Tribunal encontra-se regularmente constituído e actua no âmbito do regime instituído pela Lei n.º 62/2011, de 12/12. As partes têm personalidade judiciária e são legítimas. Por fim o processo não enferma de nenhuma nulidade de que se deva conhecer ou que importe convidar a sanar.
III. Decisão parcial
1.- Conforme acima se referiu, na sua contestação a Demandada não se pronuncia sobre a EP 810 209 e sobre o respectivo CCP 270.
A EP 810 209 reivindica a prioridade do pedido de patente norte-americana US 934984 e tem como epígrafe "Hidroxietilamino-sulfonamidas de Alfa- e Beta-Aminoácidos Úteis como Inibidores de Protease Retroviral". Entre os componentes protegidos pelas reivindicações da EP 810 209 encontra-se o Darunavir.
2.- Neste momento, não cabe ao Tribunal realizar qualquer juízo sobre as relações entre a EP 810 209 e todas as demais patentes invocadas no presente processo pela Segunda Demandada e perante as quais a Demanda terre posição na sua Contestação. O que agora cabe fazer é apenas retirar as consequências da falta de qualquer oposição da Demandada quanto à EP 810 209.
As implicações do que agora é decidido quanto à EP 810 209 para o que venha a ser decidido quanto às demais patentes não têm de (nem podem) ser analisadas neste momento.
3.- Nos termos do art. 3º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, "a não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação pare o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1, ou seja, na vigência dos direitos invocados pelo demandante.
Não se suscita nenhuma dúvida de que o que vale para a falta da contestação no seu todo vale também para a falta parcial de contestação. Sendo assim e de acordo com o pedido formulado pela Demandante G..., há que condenar a Demandada e abster-se de, em território português, ou tendo em vista e comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como principio activo o Darunavir e em relação aos quais a Demandada requereu e obteve Autorizações de Introdução no Mercado ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja até 24 de fevereiro de 2019.
4.- As Dernandantes – e, em concreto a Demandante G... - pede ainda que a Demandada seja condenada, com vista a garantir o exercício dos direitos dessa Demandante, a não transmitir a terceiros as Autorizações de Introdução no Mercado identificadas na Petição Inicial, até à caducidade dos referidos direitos de patente agora exercidos por aquela Demandante.
A problemática relativa à condenação da parte demandada nas arbitragens instituídas e reguladas pela Lei n.º 62/2011 a não transmitir a terceiros as Autorizações de Introdução no Mercado é delicada, pois que a mesma é susceptível de ser analisada segundo várias ópticas e de encontrar várias soluções. O que está em causa é, como já foi correctamente identificado, a resolução de um conflito de direitos: trata-se de saber como compatibilizar o direito do titular da Patente com o direito do titular da Autorização de Introdução no Mercado.
Se o problema é fácil de enunciar e de enquadrar, o mesmo não pode ser dito quanto à sua solução. Nos termos do disposto no art. 335.º do Código Civil, o conflito de direitos pode ser resolvido através de uma cedência recíproca em cada um dos direitos conflituantes ou através da prevalência de um dos direitos sobre o outro. No caso em análise, a cedência recíproca no direito do titular da patente e do direito do titular da autorização de introdução no mercado está, naturalmente, excluída, dado que os direitos não podem ser mutuamente comprimidos. Resta, pois, saber a qual dos direitos conflituantes deve ser concedida prevalência.
A questão já foi analisada peias tribunais estaduais, precisamente no âmbito das arbitragens instituídas pela Lei n.º 62/2011, tendo acabado por prevalecer a orientação segundo a qual o titular de uma Patente Europeia e de um Certificado Complementar de Protecção tem o direito de impedir o início de comercialização do medicamento patenteado, mas não o de condicionar a transferência para um terceiro da propriedade de uma Autorização de Introdução no Mercado (cf., por exemplo, acórdão da Relação de Lisboa de 7/11/2013 (854/13.0YRLSB-6)).
A fundamentação subjacente a esta solução não deixa de ser interessante. A fundamentação é a seguinte: o titular da autorização de introdução no mercado não pode transmitir a terceiros mais do que ele próprio detém, sendo que o que esse titular detém é uma Autorização de introdução no Mercado que não pode ser usada em violação da proibição de esse mesmo titular violar direito da titular de Patente; portanto, qualquer terceiro que adquirir a referida autorização, adquiri-a com a limitação que é imposta ao anterior titular: em concreto, é titular da Autorização de Introdução no mercado, mas não e pode utilizar sem violar o direito do titular da Patente.
A argumentação é, no fundo, esta: não importa restringir o direito do titular da Autorização de Introdução no Mercado e afastar e sua faculdade de transmitir essa Autorização para terceiro, porque o direito daquele titular já se encontra suficientemente restringido com as limitações que decorrem do necessário respeito pelo direito do titular da Patente e ainda porque estas limitações são suficientes para assegurar os interesses deste último titular. Portanto, não se nega que o direito decorrente da Patente prevaleça sobre o direito resultante da Autorização de Introdução no Mercado, pois que as limitações impostas a este último direito só podem ter como justificação aquele direito de Patente; o que se nega é que a protecção do titular do direito de Patente necessite da condenação do titular da Autorização de Introdução no Mercado a não transmitir as faculdades inerentes a esta Autorização.
Assim, independentemente da opinião pessoal que cada um dos Árbitros tenha tido no passado sobre o problema, considera-se ser de seguir a jurisprudência estadual sobre a matéria. Neste sentido, deve a Demandada ser absolvida do pedido quanto ao pedido de não transmissão para terceiros das Autorizações de Introdução no Mercado de que é titular e que se encontram elencadas no art. 194.º da Petição Inicial.
5.- Ambas as Demandantes pedem ainda a condenação da Demandada a pagar, nos termos do disposto no art. 829.º-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 110.00,00 (cento e dez mil euros), por cada dia de atraso no cumprimento da condenação acima decidida.
Também esta matéria é (ou tornou-se) bastante problemática. A questão que importa resolver no caso concreto, é a seguinte: pode a Demandada ser condenada numa sanção pecuniária compulsória a título puramente preventivo e eventual ou pode essa Parte ser condenada nessa sanção apenas se houver uma violação ou, pelo menos, uma ameaça de violação do direito da Demandante G?
Qualquer das respostas possíveis a este questão é certamente discutível. Não se esconde que não é impensável que a sanção pecuniária compulsória seja aplicada como forma de compelir um cumprimento, quando haja indício de que o mesmo não venha a ocorrer no momento próprio.
Sucede, no entanto, que precisamente no âmbito da arbitragem Instituída e regulada pela Lei n.º 62/2011, a jurisprudência estadual se orienta por outros parâmetros. Assim, por exemplo:
- No já referido acórdão da Relação de Lisboa de 7/1 1/2013 (854/13 0YRLSB-6), decidiu-se que "e imposição de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe a violação ou ameaça de violação do direito a acautelar, não se bastando com o mero reconhecimento desse direito";
- No acórdão da Relação de Lisboa de 21/12/2015 (1 546/15,1YRLSB-1), decidiu-se que o 'Tribunal Arbitral tem competência para aplicar uma sanção pecuniária compulsória, desde que alegados e demonstrados os requisitos, ou seja, perante uma obrigação de prestação de facto negativo infungível e instantâneo resulte um incumprimento actual ou iminente da mesma'.
Dos factos apurados na presente acção quanto à EP 610 209 e ao CCP 270 não resulta que a Demandada esteja a violar ou a ameace violar essa Patente e o respectivo Certificado Complementar de Protecção. Sendo assim, seguindo a mesma orientação de neutralidade perante a posição que algum dos árbitros tenha adoptado no passado, entende-se ser de seguir a corrente jurisprudencial acima referida. Nesta base, não há fundamento para condenar a Demandada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, pelo que a mesma deve ser absolvida do correspondente pedido formulado pela Demandante G....
6.- As Demandantes pedem ainda que a Demandada seja condenada a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente acção arbitral, bem como a reembolsar as Demandantes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pelas Demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada, bem como os honorários dos mandatários das Demandantes e outras despesas que estas tenham tido com o processo.
Tendo e Demandada decaído quanto ao pedido relativo à EP 810 209 e ao CCP 270, é indiscutível que, nessa parte, deverá ficar responsável pelos honorários dos Árbitros e demais despesas relativas à acção. Sucede, no entanto, que, como acima se referiu, se é certo que há que reconhecer o direito da Demandante G... quanto à EP 810 209 e ao CCP 270, também é verdade que ainda não é possível determinar o reflexo deste reconhecimento para o que venha a ser decidido quanto às demais Patentes alegadas nesta acção pela Segunda Demandante.
Sendo assim, remete-se para a sentença final a decisão sobre a repartição pelas Partes dos honorários dos Árbitros e das despesas da presente acção.
7.- Em suma:
- A Demandada é condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em Vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Derunavir e em relação aos quais a Demandada requereu e obteve Autorizações de Introdução no Mercado ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de fevereiro de 2019;
- A Demandada é absolvida quanto a todos os demais pedidos formulados pela Demandante G...;
- O Tribunal remete para e sentença final a decisão sobre a repartição pelas Partes dos honorários dos Árbitros e das despesas de presente acção”.

Da decisão condenatória da Demandada, veio esta interpor recurso, tendo nas suas alegações, apresentado as seguintes conclusões:
1.– O presente recurso de apelação vem interposto do despacho saneador, sem data, notificado à Recorrente através de email enviado dia 20 de Fevereiro de 2017, na parte em que o Tribunal Arbitral declarou que tem competência e na parte que conheceu imediatamente do mérito da causa no que respeita à Patente Europeia n.º 810209 e respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 270, designado por decisão recorrida;
2.– A decisão recorrida, na parte em que o Tribunal Arbitral, ao ter decidido que na sua perspectiva nada impede o conhecimento do mérito da causa na presente acção arbitral, declarou que tem competência, nos termos do disposto no artigo 18º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, é recorrível autonomamente, ao abrigo do disposto no artigo 3º, n.º 7 da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, no artigo 18º, n.º 9, da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro, e no art. 644º, n.º 2, alínea i), do Código de Processo Civil.
3.– A decisão recorrida na parte em que o Tribunal Arbitral decidiu do mérito da causa quanto aos pedidos relativos à Patente Europeia n.º 810209 e respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 270, é recorrível autonomamente, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 7 da Lei n.º 62/201 1, de 12 de Dezembro, e no 644.º, n.º 1, alínea b). do Código de Processo Civil;
4.– O prazo global para a conclusão da presente arbitragem é de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro, nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 4 do Regulamento de Arbitragem, uma vez que a Acta de Instalação do Tribunal Arbitral é omissa quanto ao prazo global para a conclusão da presente arbitragem, aplicando-se à presente acção arbitral, subsidiariamente, o disposto no Regulamento de Arbitragem e na Lei de Arbitragem Voluntária;
5.– O prazo global de 12 meses para a conclusão da presente arbitragem teve o seu início no dia 16 de Setembro de 2015, e não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão da arbitragem, não tendo as partes acordado na prorrogação do prazo da arbitragem , e não tendo o Tribunal Arbitral decidido nesse sentido, pelo que a sentença arbitral deveria ter sido proferida e notificada às partes até ao dia 16 de Setembro de 2016, ou seja, no prazo de 12 meses a contar do dia 16 de Setembro de 2016, ou seja, no prazo de 12 meses a contar do dia 16 de Setembro de 2015;
6.– A presente acção arbitral encontra-se finda desde o dia 16 de Setembro de 2016, tendo-se extinguindo, nessa data, a competência do Tribunal Arbitral, por força do disposto no artigo 43.º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária, uma vez que a falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo de 12 meses põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos Árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido;
7.– A decisão recorrida, na parte que o Tribunal Arbitral declarou que tem competência, nos termos do disposto no artigo 18,º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, e que nada impede o conhecimento do mérito da causa na presente acção arbitral, violou o disposto no artigo 43.º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária, e no artigo 33.º, n.º 4, do Regulamento de  Arbitragem, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito;
8.– A decisão recorridas na parte em que conheceu imediatamente do mérito da causa quanto aos pedidos relativos Patente Europeia n.º 810209 e respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 270, proferida e notificada às partes no dia 20 de Fevereiro de 2017, ou seja, depois de decorrido o prazo global de 12 meses para a conclusão d apresente arbitragem, violou o disposto no artigo 33º, n.º 4, do Regulamento de Arbitragem, sendo, assim, nula, por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional estabelecido no art.º 43º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária.
Nestes termos, e nos demais de Direito, cujo douto suprimento expressamente se requer, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que declare extinta a presente acção arbitral, por caducidade, por se ter ultrapassado o prazo de 12 meses estabelecido no art.º 33º, n.º 4, do Regulamento de Arbitragem e no artigo 43º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária.

As demandantes apresentaram contra-alegações, nas quais propugnam pela confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*

II.– As questões a decidir resumem-se, essencialmente, em saber:
- se ocorreu a extinção da acção arbitral por caducidade;
- e se, em decorrência disso, cessou a competência do tribunal arbitral, sendo ainda nula a decisão recorrida por ter sido proferida quando já se tinha extinguido o poder jurisdicional dos árbitros.
*

III.– Do mérito da apelação:
Da questão da caducidade/extinção da competência do tribunal arbitral:
Como decorre da acta de instalação do tribunal arbitral, as regras do processo são constituídas, para além das normas obrigatórias constantes do modelo de arbitragem necessária descrito na Lei n.º 62/2011, de 12/12, subsidiariamente, pelo Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, aprovado em 1 de Março de 2014 e pelas regras da Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei 63/2011, de 14/12.
Haverá ainda que ter presente o disposto nos arts. 1082º a 1085º do CPC, máxime, no tocante ao prazo, o art. 1084, n.º 2 – prescreve-se aí que se a decisão não for proferida dentro do prazo, este é prorrogado por acordo das partes ou decisão do juiz – e 1085º, onde se remete para o disposto na LAV, na parte aplicável.

O Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, como decorre do estabelecido no seu art. 1º, é aplicável tanto à arbitragem voluntária, como à necessária.

Ora, estatui o art. 33º, nos n.ºs 4 e 5, desse Regulamento que:
4.- O prazo global para a conclusão da arbitragem é de um ano, a contar da data em que o tribunal arbitral se considere constituído.
5.- O Presidente do Centro, a requerimento fundamentado do tribunal arbitral, e ouvidas as partes, pode prorrogar os prazos previstos nos números anteriores, por uma ou mais vezes, salvo se ambas as partes se opuserem à prorrogação.

E dispõe o art. 43º da LAV, aprovada pela Lei .º 63/2011, de 14/12, que:
1- Salvo se as partes, até à aceitação do primeiro árbitro, tiverem acordado prazo diferente, os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro.
2- Os prazos definidos de acordo com o n.º 1 podem ser livremente prorrogados por acordo das partes ou, em alternativa, por decisão do tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, devendo tais prorrogações ser devidamente fundamentadas. Fica, porém, ressalvada a possibilidade de as partes, de comum acordo, se oporem à prorrogação.
3- A falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do presente artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia, nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem.
4- Os árbitros que injustificadamente obstarem a que a decisão seja proferida dentro do prazo fixado respondem pelos danos causados.

Destes normativos decorre o estabelecimento de um prazo máximo de 12 meses para a sentença ser notificada às partes, a contar da data em que o tribunal se considere constituído/da aceitação do último árbitro, permitindo-se, porém, a sua prorrogação por períodos sucessivos de 12 meses.

Simultaneamente criou-se um mecanismo de salvaguarda contra eventuais excessos, permitindo às partes, de comum acordo, oporem-se à prorrogação.

Acontece que no caso a designação do último árbitro teve lugar dia 15 de Setembro de 2015 e a decisão recorrida só foi proferido dia 20 de Fevereiro de 2017, sem que aquele prazo de 12 meses tivesse sido prorrogado.

Por outro lado, decorre das regras de andamento do processo fixadas pelo tribunal arbitral que os prazos não se suspendem aos sábados, domingos e feriados, correndo durante as férias judiciais, com ressalva do mês de Agosto  – vide ponto 4.1.i).

Assim, o prazo de 12 meses para a prolação da sentença terminou dia 15 de Outubro de 2016 – art. 138º, n.º 1, do CPC.

Tendo a decisão recorrida sido proferida em momento posterior, coloca-se a questão de saber se tal importa a extinção automática do processo arbitral, extinguindo-se igualmente a competência dos árbitros para julgarem o litígio.

No âmbito da arbitragem voluntária, em face da redacção do art. 43º, n.º 3 da LAV, é indubitável que o decurso do prazo em referência importa aquela extinção – neste sentido poderão consultar-se os acórdãos do STJ de 24 de Setembro de 2015 (Távora Victor), da RL de 22.10.2015 (António Martins) e da RP de 23 de Outubro de 2014 (Judite Pires).

E compreende-se que assim seja, pois que quando as partes decidem submeter um litígio a um tribunal arbitral é essencialmente porque pretendem que o litígio seja rapidamente resolvido, sendo que tal objectivo sairia naturalmente frustrado caso se deixasse aos árbitros a disponibilidade de fixarem eles um (qualquer) prazo para a prolação da decisão arbitral, à revelia das partes.

Trata-se, pois, de um prazo peremptório, ainda que sujeito à sua prorrogação, desde que ocorrida antes da extinção do prazo inicial.

E no caso da arbitragem necessária relativa aos litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência, a que se reporta a Lei n.º 62/2011, de 12/12? Passar-se-ão as coisas do mesmo modo?
Vejamos.
A questão prende-se com o alcance a conferir às remissões para a Lei da Arbitragem Voluntária plasmadas nos arts. 1085º do CPC e 3º, n.º 8, da Lei n.º 62/2011, de 12/12.

Reza o citado art. 1085º:
“Em tudo que não vai especialmente regulado, observa-se, na parte aplicável (sublinhado nosso) o disposto na Lei de Arbitragem Voluntária”.

E dispõe o art. 3º, n.º 8, da Lei n.º 62/2011:
8 Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária.
É, pois, a extensão desta remissão que cumpre apreciar em matéria de prazos.

Em face da aplicação ao caso do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, e atenta a remissão para a LAV a que supra fizemos referência, é para nós claro a aplicabilidade do prazo de 12 meses e do regime da sua prorrogabilidade previstos quer no Regulamento (art. 33º, n.ºs 4 e 5), quer na LAV (art. 43º, n.ºs 1 e 2).

A questão reconduz-se pois a saber se é também aplicável a cominação expressa no n.º 3 do art. 43º da LAV:
3- A falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do presente artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia, nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem.

Assinale-se desde logo, que a Lei n.º 62/2011, no seu art. 3º, n.º 4, estabelece um prazo máximo para o início da audiência de produção de prova (60 dias após a apresentação da contestação), não prescrevendo qualquer consequência para o caso desse prazo não ser respeitado pelo tribunal.

Trata-se, pois, de um prazo meramente indicativo, à semelhança dos prazos estabelecidos no CPC para os actos dos juízes, sem prejuízo da eventual responsabilidade disciplinar destes.

Ao invés, na LAV, não se estabelecem prazos indicativos para os actos a praticar pelo tribunal arbitral, estabelecendo-se tão-só aquele prazo peremptório de 12 meses e uma cominação: termo automático do processo arbitral, com a extinção da competência dos árbitros para julgarem o litígio.

Para além desta diferença de regimes, e na linha do entendimento vertido no acórdão desta Relação de 16 de Março de 2017 (Maria Manuela B. Santos G. Gomes), acessível in www.dgsi.pt, a cuja fundamentação aderimos, cremos não fazer sentido aplicar à arbitragem necessária a que alude a Lei n.º 62/2011, o regime dos prazos peremptórios/fatais expresso no art. 43º, n.º 3 da LAV.

“Efectivamente, não se compreenderia que, estando as partes obrigadas ao juízo arbitral (que, é em regra, mais tolerante e facilitador do que o “oficial”) tivessem menos direitos, ou mais restrições, do que teriam na Justiça estatal, quando esta lhes foi vedada “ope legis”.
Ademais, quando o Estado abdica de uma parcela da sua soberania fá-lo, em primeira linha, para facilitar a vida dos cidadãos e lograr maior rigor, que não para a dificultar ou burocratizar” – acórdão citado.

Assim, atenta a natureza jurídica da arbitragem necessária – não baseada na autonomia privada, mas imposta por lei como o único meio de contencioso susceptível de ser usado – e à semelhança das regras vigentes para os tribunais estatais, na arbitragem necessária a que se reporta a Lei n.º 62/2011, os prazos para a prolação das decisões são ordenadores e o seu decurso não inutiliza os julgados nem faz precludir a jurisdição do tribunal arbitral.

Deste modo, não sendo preclusivo o prazo de 12 meses para a prolação da decisão, improcede a arguida caducidade da acção arbitral e, em decorrência de tal, a incompetência do tribunal arbitral, bem como a invocada nulidade fundada na extinção do poder jurisdicional.

Sumário:
1.-No âmbito da arbitragem voluntária, em face da redacção do art. 43º, n.º 3 da LAV, o decurso do prazo de 12 meses para a notificação da sentença às partes importa a extinção automática do processo arbitral, extinguindo-se igualmente a competência dos árbitros para julgarem o litígio.
2.- Na LAV, não se estabelecem prazos indicativos para os actos a praticar pelo tribunal arbitral, estabelecendo-se tão-só aquele prazo peremptório de 12 meses.
3.- Já na arbitragem necessária regulada na Lei n.º 62/2011, de 12/12 (art. 3º, n.º 4), o único prazo expressamente prescrito – prazo para a marcação da audiência de produção de prova (60 dias após a apresentação da contestação) - é meramente indicativo, à semelhança dos prazos estabelecidos no CPC para os actos dos juízes, sem prejuízo da eventual responsabilidade disciplinar destes.
4.- Para além desta diferença de regimes, não faz sentido aplicar à arbitragem necessária a que alude a Lei n.º 62/2011, o regime dos prazos peremptórios/fatais expresso no art. 43º, n.º 3 da LAV, pois que, não se compreenderia que, estando as partes obrigadas ao juízo arbitral (que, é em regra, mais tolerante e facilitador do que o “oficial”) tivessem menos direitos, ou mais restrições, do que teriam na Justiça estatal, quando esta lhes foi vedada “ope legis”.
5.- Atenta a natureza jurídica da arbitragem necessária – não baseada na autonomia privada, mas imposta por lei como o único meio de contencioso susceptível de ser usado – e à semelhança das regras vigentes para os tribunais estatais, na arbitragem necessária a que se reporta a Lei n.º 62/2011, os prazos para a prolação das decisões são ordenadores e o seu decurso não inutiliza os julgados nem faz precludir a jurisdição do tribunal arbitral.
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IV.– Pelo acima exposto, decide-se:
1.- Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida;
2.- Custas pela apelante;
3.- Notifique.



Lisboa, 24 de Abril de 2018

(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)
Decisão Texto Integral: