Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5907/2006-2
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: 1- A finalidade da defesa por oposição estabelecida no art. 388 al. mb) do C.P. Civil é a de permitir que o julgador em face de elementos novos de prova (ou contraprova) possa formar uma convicção diferente, ou mesmo oposta, à que fora tomada, sem prejuízo de uma valoração dos meios de prova produzidos na primeira fase.
2- Para provar que realizou empréstimos à requerida ao requerente não basta provar depósitos bancários na conta desta sendo-lhe necessário provar que (nos termos do art. 1142 do CC) havia celebrado com a recorrida um contrato pelo qual havia emprestado àquela dinheiro, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto.
3- Quem recorre ao instituto do enriquecimento sem causa para reclamar de outrem uma indemnização, carece de alegar e provar que aquele instituto era o único de que podia lançar mão com aquele desiderato.
4- O justo receio da perda da garantia patrimonial tanto pode resultar de haver indicação de o devedor estar em risco de se tornar insolvente, como de estar a ocultar o seu património ou de tentar alienar bens de modo que se torne consideravelmente difícil ao credor promover a cobrança coactiva do seu crédito, sendo disso indício se a dissipação, ou mera tentativa, estiver conexa com a exiguidade do património do devedor em face do montante da dívida e com o facto de aquele se furtar ao contacto com o credor ou, de qualquer modo, denotar pretender eximir-se ao cumprimento da obrigação.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da segunda secção do Tribunal da Relação de Lisboa
A., residente na Av……., instaurou no 3º Juízo do Tribunal da Comarca de Torres Vedras, providência cautelar de arresto contra B., com sede na Rua …, pedindo que, pela procedência do procedimento, fosse decretado o arresto das cadeiras do estádio e de todos os bens móveis encontrados nas instalações anexas ao mesmo e na sede do clube, de todos os veículos automóveis registados em nome da requerida e do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Pedro e Santiago, concelho de Torres Vedras, sob o artigo 2853º.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- foi Presidente da Direcção da Requerida entre Junho de 2001 e Março de 2003;
-nesse período, a Direcção da Requerida solicitou por diversas vezes que o Requerente emprestasse dinheiro ao clube;
o Requerente acedeu a tais pedidos, tendo depositado em conta do clube, entre Maio de 2001 e Junho de 2002, um total de € 174 789,37;
- a Requerida, apesar de para tal interpelada pelo Requerente, não procedeu ainda à devolução de tais quantias;
- a Requerida vive graves dificuldades financeiras, tendo em dívida, só no que toca a empréstimos de terceiros, a quantia de € 1 175 954,11;
- para fazer face a tais dificuldades, a Requerida irá vender o seu estádio, único bem imóvel de que é dona e que foi já alvo de penhora por parte da Fazenda Nacional
Admitido liminarmente o procedimento, foi produzida prova apresentada pelo requerente sem contraditório da requerida, vindo a ser proferida decisão, em 12/08/2005, que julgou procedente o mesmo, decretando o arresto sobre:
a) o prédio urbano sito no Bairro das Covas, em Torres Vedras,
composto de parque de jogos de futebol e basquetebol, bancadas laterais, bilheteiras, balneários, instalações sanitárias, arrecadações, lavandaria e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 2456 da freguesia de S. Pedro, concelho de Torres Vedras e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2853º;
b) cadeiras do estádio desportivo denominado “Campo de Jogos
….”, correspondente ao prédio supra identificado, bem como bens móveis que se encontrem nas instalações anexas ao estádio;
c) veículos automóveis registados a favor da requerida:
marca Bedford, com a matrícula ..-..-..;
marca Peugeot, com a matrícula ..-..-..;
marca Peugeot, com a matrícula ..-..-..;
marca David Brown, com a matrícula ..-..-..;
marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
marca Peugeot, com a matrícula ..-..-..;
marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
marca Volvo, com a matrícula ..-..-..;
marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
marca Toyota, com a matrícula ..-..-..;
marca Volkswagen, com a matrícula ..-..-..; e
marca Fiat, com a matrícula ..-..-...
Efectuado o arresto e citado a requerida, veio esta deduzir oposição ao procedimento cautelar, alegando, em síntese, que:
- nunca solicitou ao Requerente que este lhe emprestasse qualquer quantia em dinheiro;
- o Requerente tomou a iniciativa de depositar dinheiro em conta da Requerida no período em que foi Presidente da Direcção da mesma por sua livre e espontânea vontade;
- tal dinheiro foi entregue à Requerida como donativo, nunca tendo sido acordada a restituição do mesmo ao Requerente;
- qualquer empréstimo teria que ser alvo de prévio parecer do Conselho Geral da Requerida, o que não sucedeu;
- o Requerente sempre soube que a Requerida não tinha, nem tem, condições para restituir o dinheiro que o primeiro lhe entregou;
- foi o Requerente quem tomou a decisão de entregar tal dinheiro, decidindo igualmente, como Presidente da Direcção da Requerida, que tais montantes seriam contabilizados como empréstimos;
- o Requerente apenas poderia obter a devolução das quantias prestadas com fundamento em enriquecimento sem causa, sendo que tal direito já prescreveu;
- em 18/01/2005, o imóvel da Requerida foi avaliado em € 1 473 150;
- tal imóvel encontra-se penhorado para garantia da quantia de € 433 292,14.
Concluiu pedindo a revogação do arresto decretado.
Tendo sido realizada a audição das testemunhas indicadas pela requerida, foi proferida decisão que decidiu:
“Julgar improcedente o procedimento cautelar de arresto instaurado por A. e, consequentemente, revogo a providência cautelar de arresto decretada por decisão proferida nos autos em 10/08/2005, sobre os seguintes bens:
a) o prédio urbano sito no Bairro das Covas, em Torres Vedras, composto de parque de jogos de futebol e basquetebol, bancadas laterais, bilheteiras, balneários, instalações sanitárias, arrecadações, lavandaria e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 2456 da freguesia de S. Pedro, concelho de Torres Vedras e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2853º;
b) cadeiras do estádio desportivo denominado “Campo de Jogos …”, correspondente ao prédio supra identificado, bem como bens móveis que se encontrem nas instalações anexas ao estádio;
c) veículos automóveis registados a favor da requerida:
1. marca Bedford, com a matrícula ..-..-..;
2. marca Peugeot, com a matrícula ..-..-..;
3. marca Peugeot, com a matrícula ..-..-..;
4. marca David Brown, com a matrícula ..-..-..;
5. marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
6. marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
7. marca Peugeot, com a matrícula ..-..-..;
8. marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
9. marca Volvo, com a matrícula ..-..-..;
10. marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
11. marca Ford, com a matrícula ..-..-..;
12. marca Toyota, com a matrícula ..-..-..;
13. marca Volkswagen, com a matrícula ..-..-..; e
14. marca Fiat, com a matrícula ..-..-..;
ordenando o imediato levantamento de tal arresto”.
… …
Inconformado com esta decisão o recorrente A. interpôs dela recurso concluindo que:
- Da matéria gravada impunha-se decisão diversa da obtida quanto aos depósitos efectuados pela Requerente serem de facto empréstimos.
Com efeito, o depoimento da testemunha L… é esclarecedor quanta à existência de tais contratos de mútuo, especificando que o Requerente terá feito menção expressa que tais depósitos seriam empréstimos à Requerida, pois como tinha efectuado anteriormente um donativo àquela não poderia dispor de mais dinheiro a tal título.
A existência dos mútuos é ainda reforçada pela carta remetida pelo Requerente à Requerida na qual especifica os montantes em dívida e que os mesmos foram depositados a título de empréstimo do Requerente à Requerida e que tais empréstimos eram do conhecimento de toda a Direcção (o que é corroborado pela testemunha L… membro da então direcção da Requerida).
Na supra mencionada missiva é ainda esclarecido que tais empréstimos foram feitos pela Requerente à Requerida sempre com a perspectiva do seu retorno, porquanto havia um donativo prometido à Requerida a realizar por um Sr. J….
0 teor desta carta era conhecido da Direcção, do Conselho Fiscal e da Assembleia Gerai da Requerida, sem que até à oposição ao presente procedimento cautelar quaisquer um dos referidos órgãos daquela tivesse deduzido qualquer oposição ao seu conteúdo e desmentido a existência dos referidas mútuos.
Tal como qualquer um dos mencionados órgãos colocou em causa a documentação oficial da Requerida, da qual consta a existência dos mencionados empréstimos.
De facto, quer o balancete geral quer o relatório de Contas da referida fazem menção expressa à existência de tais empréstimos e nunca as Direcções subsequentes da Requerida colocaram qualquer questão à existência dos mesmos, nem o conselho fiscal, a quem compete emitir parecer sobre o relatório de contas apresentado e perante o balancete suscitou qualquer questão quanta àqueles ou a Assembleia Geral a quem compete aprovar as contas e a quem o Requerente dirigiu a já mencionada missiva, que se encontra junta aos autos como doc. nº 8, colocou qualquer entrave na aprovação das mesmas reconhecendo a existência mútuos.
Esta falta de oposição de quaisquer dos referidos órgãos da Requerente outra coisa não pode significar senão que não houve qualquer oposição exactamente porque se tratavam de verdadeiros mútuos efectuados pela Requerente à Requerida.
Não podendo, assim, colher a tese trazida aos autos pela Requerida de que os depósitos efectuados pela Requente nada mais são que donativos por aquele efectuados, sem nunca os mesmos lhe tivessem sido requeridos.
Referindo, ainda, que tais depósitos só foram feitos pela Requerente porque quis e que aquele sempre decidiu conforme lhe apeteceu os destinos da Requerida.
Bem como que o mesmo sempre teve consciência de que tais quantias não lhe podiam ser restituídas e nunca a Requerida se comprometeu a restituí-las.
Ora, a prova documental junta aos autos e o testemunho de L…, demonstram situação diversa, que de facto, a Direcção da Requerida tem e sempre teve conhecimento desses empréstimos.
Mesmo a colher a tese da Requerida da alegada prepotência do Requerente, o que não se concede, ficaria por explicar o porquê da inércia dos restantes órgãos da mesma, mormente do Conselho Fiscal e da Assembleia Gerai daquela.
Será que a prepotência do Requerente é de tal sorte, a ponto de impedir um Conselho de Gerai, obrigado a emitir parecer sobre as contas da instituição que representa, se abster de dizer que inexiste qualquer empréstimo ou a influenciar toda uma Assembleia Geral a quem compete aprovar as contas e tem acesso à documentação oficial da Requerida, a saber balancete geral e relatório de contas?
Refere, ainda, a Requerida que as quantias depositadas na conta da Requerida apenas aparecem contabilizadas como empréstimos na escrita oficial da mesma, porque o Requerente assim o determinou dando tal indicação expressa ao gabinete de contabilidade e que nunca poderiam tais depósitos constituir mútuos porque não houve qualquer parecer do Conselho Geral, o que é imposto pelos estatutos da requerida, sendo que o referido conselho reuniu pela última vez em 03.04.1997.
Perante tais afirmações ficam as seguintes dúvidas: se tais quantias apenas fora contabilizadas enquanto empréstimos porque o Requerente assim o determinou e se era necessário para a sua constituição o prévio parecer do Conselho Geral porque é que tais questões nunca forma anteriormente levantadas?
Será que o técnico de contabilidade responsável pelas contas da Requerida, tendo dúvidas se tais montantes constituíam empréstimos ou não se bastaria com a indicação do requerido enquanto tal?
Ou será que tal nunca foi feito porque de facto se tratam de verdadeiros empréstimos? Parece-nos que esta é a conclusão mais razoável.
Quanto à exigência estatutária do parecer do Conselho Gerai, sempre se dirá que, ao longo dos anos, este órgâo nunca exerceu de facto as suas competências.
0 que sempre sucedeu foi a Direcção resolver todas as situações e em se alguma delas fosse mais complicada levá-la ao conhecimento e aprovação da Assembleia Geral, sendo que na prática o parecer do Conselho Geral não era solicitado.
Conforme foi dado como provado nos autos, a última vez que o Conselho Geral reuniu foi em 1997, e porque o próprio Requerente solicitou que assim fosse, vista tratar-se da alienação de bens imóveis.
A prova do supra referido, quanto a, na prática, não se utilizar o recurso ao parecer do Conselho Geral é o facto de a acta, junta à oposição, ser a nº 2 do Conselho Geral.
Ora, se a Requerida existe desde 1917 e se é uma instituição de utilidade Pública desde 1993, estranho será que durante todos estes anos nunca tenha ocorrido alienação de bens imóveis ou que tenha contraído empréstimos, que tenham obrigado a reunir e solicitar parecer ao seu Conselho Geral.
Pelo contrário, houve mais empréstimos de terceiros e nomeadamente bancários, no entanto, a solicitação de parecer ao Conselho Geral não era utilizada.
Sendo, ainda, o que ocorreu com o caso subjudice.
Para sustentar a inexistência do crédito do Requerente, alega, o Mmo. Juiz a quo, que a existir mútuos além da nulidade por via da preterição da forma, os mesmo sofreriam de outras vícios, quer pela falta de parecer do Conselho Geral, quer pela facto, de o Requerente por si só não poder vincular a Requerida, porquanto para os mútuos seriam necessárias as assinaturas no contrato de 3 membros da Direcção, restando-lhe, assim, para fazer valer o seu crédito, o recurso à figura do enriquecimento sem causa.
Sendo que, na opinião do Mmo. Juiz a quo, tal direito já se encontra prescrito.
Carece de razão, salvo o devido respeito e melhor opinião, o Mmo. Juiz a quo, quanto à prescrição do direito de recorrer à figura do enriquecimento sem causa.
Porquanto, a figura do enriquecimento sem causa é subsidiaria, não se podendo fazer uso da mesma enquanto a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído (art. 474.° do c.e.)
Ora, se o Requerente alega que existem mútuos, mesmo que possam ser tidas por nulos, a consequência da nulidade daqueles, de acordo, com a Lei é a restituição às partes daquilo que tiverem prestado, logo, no caso do Requerente, o que emprestou à Requerida.
Pelo que, faculta assim a Lei a hipótese ao Requerente de ser restituído por outra via.
- Só se tal via se frustrar, ou seja, se o Requerente vir julgado improcedente o pedido por si formulado na acção a cujos autos está apenso o presente procedimento cautelar, é que o recorrente poderá fazer uso do instituto do enriquecimento sem causa e começa a contar o prazo para tanto.
É este, igualmente, o entendimento jurisprudencial, especificamente do Supremo Tribunal de Justiça, referindo-se, a título meramente exemplificativo os seguintes acórdãos: acórdão da Relação do Porto datado de 23.10.2001 com o nº RP200110230121088; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.04.2002 com o nº SJ200210240028317 e acórdão do Tribunal de Justiça datado de 26.02.2004 com o nº SJ200402260037987, todos in www.dgsi.pt.
Face ao supra alegado, sempre seria de concluir pela existência de um crédito do Requerente sobre a Requerida.
Alega ainda, o Mmo. Juiz a quo, que, ainda, que existisse um crédito do Requerente, inexistia o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Referindo que a Requerida é dona de um imóvel com suficiente para garantir o crédito invocado pelo Requerido, bem como aquele que justificou a penhora sobre o crédito e que não ocorreram quaisquer alterações significativas no estado financeiro da Requerida.
No entanto, o depoimento da testemunha Maria Margarida constante da cassete nº 1 contador nº 0003 a 2500, lado B, da diligência de inquirição de testemunhas de 01.02.06, impunha conclusão diversa, bem como a análise do relatório de contas e balancete geral da Requerida.
A supra mencionada testemunha, instada quanto à situação financeira da Requerida esclareceu o Tribunal que a mesma era bastante grave e que haviam muitas dívidas, que rondariam, actualmente os três milhões de euros.
Esclarece que as dívidas da Requerida aumentaram significativamente a partir do ano de 1998 e que nos últimos anos o valor das mesmas quase que duplicou.
E, confrontada com o valor de avaliação do imóvel propriedade, da Requerida, referiu que duvida que o valor do mesmo possa cobrir todas as dívidas.
Note-se que o valor das dívidas avançado por aquela testemunha é o dobro do valor de avaliação atribuído ao imóvel propriedade da Requerida e cujo relatório foi junto aos autos na diligência de inquirição de testemunhas.
Salvo o devido respeito, parece ter esquecido, o Mmo. Juiz a quo, ao concluir pela inexistência de justo receio de perda da garantia patrimonial, de todas as outras dívidas que a Requerida tem.
Fundamentando apenas tal conclusão, no facto do valor do imóvel ser suficiente para pagar ao Requerente e para pagar o valor da quantia exequenda da penhora registada sobre o mesmo.
Parece, assim, o Mmo. Juiz a quo, ter feito tábua rasa de todas as outras informações que constam dos autos, algumas das quais até por aquele dadas como factos provados.
Com efeito, deu o Mmo Juiz a quo por provado que:
a) 0 valor do imóvel é de € 1.473.150,00;
b) que as dívidas da Requerida a terceiros é de € 1.175.954,11;
c) e que sobre aquele prédio urbano já incide uma penhora da Fazenda Nacional no valor de € 433.292,14.
Por mero calcula aritmético, chegamos à conclusão que, se o estádio fosse vendido pela valor constante do relatório de avaliação, já não chegaria para pagar a quantia exequenda e os empréstimos de terceiros, cuja soma de ambos ascende a € 1.609.216.25.
Só aqui já existe um diferencial de cerca de mais de € 433.000,00.
E não estão aqui incluídas as outras dívidas do Clube que constam do relatório de contas e do seu balancete geral, como sejam dividas a fornecedores, empréstimos bancários e outras dívidas ao Estado, como outras dívidas fiscais e à segurança social.
Dívidas essas que foram confirmadas, além da prova documental constante dos autos, pelo depoimento da testemunha C… (cujo depoimento se encontra na cassete nº l, lado A, contador nº 00008 a 250O) que confirmou a existência de outras dívidas e foi peremptório na afirmação de que não há forma de pagar as mesmas porque o Clube não tem capacidade financeira.
Face a todo o supra exposto, salvo o devido respeito e melhor opinião, carece de fundamento a decisão do Mmo. Juiz quanto à inexistência do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
Pois que, para haver fundado receio de perda da garantia patrimonial não é necessário que o Requerido dissipe o seu património.
Basta, apenas, que esteja na iminência de se tornar insolvente (a título meramente exemplificativo refere-se o acórdão da Relação de Lisboa datado de 16.10.03, in www.dgsi.pt)
Ora, da prova indiciária resultam factos mais que evidentes da grave situação financeira da Requerida e da eminência da sua insolvência, porquanto forçoso seria concluir pela existência do justo receio de perda garantia patrimonial e não pela inexistência do mesmo conforme fez o Mm.o Juiz a quo.
Logo, salvo o devido respeito, face a todo o supra alegado encontram-se preenchidos os requisitos necessários ao decretamento do arresto:
a) a aparência de um crédito;
b) o justa receio de perda da garantia patrimonial.
… …
A recorrida contra alegou sustentando o acerto da decisão.
… …
A primeira instância deu como provado que :
1 – O requerente foi Presidente da requerida durante o período decorrido entre Junho de 2001 a Março de 2003.
2 - Nessa qualidade, o requerente efectuou antes e durante o referido período, diversos depósitos em valores, na conta n.º 100371/3, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, balcão de Torres Vedras, de que a requerida é titular, nos seguintes montantes e datas:
a) 7.000.000$00/ € 34.915,85, em 21.05.2001;
b) 3.000.000$00/ € 14.963,94, em 24.05.2001;
c) 5.500.000$00 / € 27.433,88, em 02.07.2001;
d) 2.500.000$00/ € 12.469,95, em 01.08.2001;
e) 1.000.000$00/ € 4.987,98, em 26.11.2001;
f) 3.000.000$00/ € 14.963,94 em 04.01.2002;
g) 13.042.126$00 / € 65.053,85, em 27.06.2002.
3 - As quantias referidas no número anterior não foram pagas, não obstante o requerente ter já solicitado à requerida, verbalmente e por escrito, a sua devida liquidação.
4 - A requerida fez tais quantias como passivo na sua escrita oficial (Balancete Geral) e relatórios anuais de contas.
5 - A requerida encontra-se actualmente em situação económica gravosa, possuindo elevados montantes em dívida para com diversos credores, situação que é do domínio público.
6 - A requerida vive das receitas que obtém, as quais provêm, na sua maior parte, do pagamento das quotas dos seus sócios, da bilheteira dos jogos de futebol e dos patrocinadores.
7 - As receitas obtidas pela requerida não têm sido suficientes para que a mesma possa fazer face a todas as despesas, pelo que tem recorrido a empréstimos de terceiros.
8 - A requerida tem contabilizadas dívidas para com credores terceiros no montante total de € 1.173.954,11.
9 - O único bem imóvel de que a requerida é proprietária é o prédio urbano correspondente ao estádio de futebol, denominado "Campo de Jogos …", descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 2456 da freguesia de S. Pedro e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2853º.
10 - Sobre o referido prédio urbano incide já penhora registada a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de € 433.292,14.
11 - A requerida possui diversas viaturas automóveis, embora de reduzido valor económico, atento o seu ano de origem e estado de conservação, encontrando-se já algumas delas igualmente penhoradas.
12 - No local correspondente à sede do Torreense já não existe qualquer bem da requerida.
13 – Segundo os Estatutos da Requerida, a constituição por parte desta de empréstimos está sujeita a parecer obrigatório por parte do seu Conselho Geral.
14 – O Conselho Geral da Requerida não emitiu parecer relativamente a quaisquer empréstimos contraídos pela Requerida, nem se pronunciou quanto ao referido em 2).
15 – O Requerente interveio como outorgante na escritura pública de 09/05/1997, onde se procedeu à última alteração dos Estatutos da Requerida.
16 – A última reunião do Conselho Geral da Requerida ocorreu em 03/04/1997, tendo sido presidida pelo Requerente, à data Presidente deste órgão, tendo tal reunião por objectivo dar parecer à alienação de terrenos pertencentes à Requerida.
17 – O Requerente sempre soube que a Requerida não tinha, nem tem, condições económicas para restituir os montantes que depositou na conta desta.
18 – Foi o Requerente quem ordenou que as quantias referidas em 2) fossem contabilizadas como empréstimos à Requerida e decidiu que as mesmas fossem entregues através de simples depósito, sem outra formalidade.
19 – O referido em 2) não consta de qualquer acta de reunião da Direcção da Requerida.
20 – Em 18/01/2005, o prédio referido em 9) foi avaliado em € 1.473. 150,00.
… …
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas, pelo recorrente, da respectiva motivação (Ac. STJ, de 13.3.1991: AJ, 17.°-3) e a análise destas faz concluir que as duas questões suscitadas se prendem com:
- A existência e qualificação do crédito do recorrente;
- A existência de fundado receio de perda de garantia patrimonial;
… …
Sabemos que tendo sido proposta providência cautelar de arresto pelo ora recorrente, veio a mesma a ser deferida, sem audição da requerida.
Porém, nos termos do disposto no art. 388 nº1 al. b) do CPC, o requerido veio a deduzir oposição que foi julgada procedente, tendo sido determinado o levantamento do arresto.
E é desta decisão que foi interposto o presente recurso.
Estabelece o art. 388° do C.P.C.: - "1. Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 5 do art. 385.°:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 386 e 387 nº 2.
No caso a que se refere a alínea b) do número anterior, o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.”.
Em face destas disposições, verifica-se que se o decretamento da providência não tiver sido precedida de audição do requerido, fica-lhe aberta a possibilidade de optar por um dos seguintes meios de defesa: recurso, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, perante os elementos apurados, a providência não devia ter sido decretada; oposição, quando pretenda alegar factos ou socorrer-se de meios de prova que não tenham sido tidos em consideração pelo tribunal e que afastem os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.
Na sequência deste contraditório superveniente, através do qual se faculta ao requerido a dedução da defesa que não teve oportunidade de produzir antes, poderá o juiz alterar a decisão proferida, nos termos constantes do citado n° 2 do art. 388 do C.P.C. (cfr. Abílio Neto, C.P.C. Anot., 13ª Ed.).
Poderá estranhar-se o novo regime surgido com a reforma processual introduzida pelos DL nºs 329-A/95 e 180/96, pois que, ao fim e ao cabo, permite ao juiz da 1ª instância “dar o dito por não dito”, ou seja, reduzir ou revogar a decisão que havia tomado, após a oposição da parte contrária. E o certo é que, porque se está perante uma simples providência cautelar, se basta com uma prova sumária, perfunctória, analisadas as provas oferecidas pelo requerente facilmente se conclui dever a providência ser decretada e, depois, apreciadas as provas do requerido, também com frequência se concluirá que, a final, a providência não deveria ter sido deferida.
O novo regime tem, porém, a sua justificação.
É que, como escreve Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, III, 229], são mais frequentes as situações de injustiça material que resultam de procedimentos cautelares na ausência de contraditório do que aquelas que são fruto da comparticipação de ambas as partes, cada uma carreando elementos susceptíveis de influir na decisão do tribunal. Por isso, “atento aos maiores riscos de injustiça derivados da prolacção de uma decisão cautelar sem a garantia do contraditório, a lei concedeu ao requerido a possibilidade de remover ou de modificar, logo em sede de tribunal de primeira instância, a decisão cautelar, desde que esteja na posse de novos factos ou meios de prova que, carreados para os autos e aí apreciados, sejam susceptíveis de afastar os fundamentos da medida ou de determinar a sua redução a limites mais razoáveis”.
Dir-se-á ainda que, como escreve aquele mesmo autor [op. cit., pág. 232 e segs.], o objectivo fundamental da defesa por oposição não é o de proceder à reponderação dos meios de prova produzidos na primeira fase.
O que se pretende com a oposição é carrear para os autos novos elementos que levem o julgador a formar uma convicção diferente, ou mesmo oposta, à que fora tomada com base nos primitivos elementos, isto sem prejuízo de uma valoração dos meios de prova produzidos na primeira fase e no âmbito da oposição, com vista a uma melhor ponderação da decisão e valoração dos novos meios de prova, ou contra-prova, tendo-se em consideração a versão de uma das partes, agora em confronto a posição da outra parte, com novos factos ou novos meios de prova.
Feitas estas considerações, e volvendo ao caso dos autos, temos que o agravante vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida na sequência da oposição.
De acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 690º-A do CPC, no caso de impugnação da decisão de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, “quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.
Pese embora a recorrente não tenha feito, pelo menos de forma expressa, essa especificação, depreende-se que os mesmos põem em causa o facto de se não haver considerado provado que as quantias colocadas pelo recorrente na recorrida o foram a título de empréstimo e que estes foram solicitados pela requerida.
Ora, os fundamentos de prova indicados pela recorrente para a modificabilidade da decisão facto assentem assim nos critérios de convicção do julgador na apreciação da prova produzida.
Importa, no entanto, sublinhar que, no nosso ordenamento jurídico vigora, o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art. 655 do CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
No tocante ao julgamento da matéria de facto refere o Tribunal Constitucional, de 3.10.2001, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 51°., págs. 206 e ss. – “ A garantida do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas", e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador" entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova" e factores que não são "racionalmente demonstráveis", de tal modo que a função do Tribunal de 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar da razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.
A questão é saber a convicção vertida nas respostas cabe, razoavelmente, nesses elementos, se esses elementos suportam ou não essa convicção.
O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibi perante si".
É este também o sentir da mais recente jurisprudência do STJ que refere. “ a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade da convicção atingida pela instância recorrida (Ac. STJ, de 13.03.2002, Rev. n°. 58/03, 7ª Secção, Sumários, Março/2003, www.stj.pt).
Resulta assim pacífico que, havendo contradições nos depoimentos das testemunhas, só o juiz do julgamento, está habilitado a apreciar livremente a prova testemunhal, de acordo com a sua prudente convicção que tenha formado acerca de cada facto controvertido, segundo o princípio da livre apreciação da prova, constante do art. 655.º/1 do C.P.C.
Também Abrantes Geraldes, sobre o regime vigente do “Registo da Prova e Decisão da Matéria de Facto” escreve em “Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume (3.ª Edição revista e actualizada), a págs. 273 e ss., o seguinte:
Ora, neste campo, a experiência comum é bem capaz de demonstrar que o sistema de gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, assim como qualquer outro sistema alternativo (gravação vídeo, estenografia, computorização, taquigrafia, transcrição integral dos depoimentos ou extractação de um simples resumo dos depoimentos operada pelo juiz que assiste à produção da prova), pode revelar-se insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou de influenciar a convicção do juiz ou dos juízes perante quem são prestados.
Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores.
É bom de ver que a simples leitura de secas e inertes laudas de argumentação fáctica jamais se pode comparar à vivacidade proporcionada ao juiz da primeira instância, quando este, empenhado como deve estar no efectivo apuramento da verdade material, procura encontrar, na floresta integrada pelos diversos mei­os probatórios (firmes ou imprecisos, convincentes ou contraditórios, serenos ou interessados), a vereda que lhe permite ir de encontro à justa composição do litígio, arrimado nos instrumentos que lhe são proporcionados pelos princípios da imediação e da oralidade .(…)
De facto, tal sistema não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qual­quer relevo.
Além do mais, todos sabem que por muito esforço que possa ser feito na racionalização do processo decisório aquando da motivação da matéria de facto sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a con­vicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoi­mentos.
Ora, carecendo o Tribunal da Relação destes elementos coadju­vantes e necessários para que a justiça se faça, correm-se sérios riscos de a injustiça material advir da segunda decisão sobre a maté­ria de facto.”.
Neste contexto, e no caso em estudo, realizada a audição dos depoimentos de todas as testemunhas, quer na providência cautelar quer na oposição, observamos que relativamente à matéria impugnada as mesmas se pronunciaram de forma não concordante.
Enquanto L…, que fez parte da direcção de que o requerente era Presidente e que depois o substituiu como presidente, afirmou que a requerida através da direcção, solicitou diversas vezes ao ora recorrente, em reuniões desse órgão empréstimos de dinheiro e que este se prontificou a realizar esses empréstimos afirmando expressamente que se tratavam de empréstimos e não de donativos, a testemunha C…, que era também membro da direcção presidida pelo requerente afirmou precisamente o contrário, dizendo que nunca foram solicitados empréstimos pela direcção e que o ora recorrente fez os depósitos das quantias discutidas nos autos de sua livre vontade, sem consultar ninguém, sendo que, se tais montantes foram contabilizados como empréstimos, tal aconteceu porque aquele determinou que assim fossem contabilizados. Mais acrescentou que os depósitos realizados pelo recorrente foram feitos à semelhança de outros realizados por anteriores presidentes, isto é, sem qualquer obrigação ou acordo de reembolso, até porque sabia que a requerida não tinha condições de pagar esses valores.
Relativamente a esta questão, estes são os únicos depoimentos valoráveis por serem os únicos que revelam conhecimento directo e razão de ciência e sobre a contradição valem aqui as considerações produzidas pelo Mmo. Juiz a quo na fundamentação da matéria de facto provada, resumindo-se elas na conclusão de que não resultando maior credibilidade de nenhum destes depoimentos da divergência de posições não pode resultar indiciariamente provado que os depósitos configuram empréstimos ou donativos.
Por outro lado, a prova documental protestada pelo recorrente para se concluir que os depósitos se tratavam de empréstimos não pode valorar-se nesse sentido uma vez que a existência desses valores indicados na escrituração como empréstimos não formaliza a existência desse negócio tanto mais que a testemunha Maria Margarida Silva que faz a contabilidade da requerida referiu que a inclusão dessas verbas como empréstimos foi feita por indicação expressa do recorrente e suportada documentalmente com base numa declaração escrita e assinada por ele, não valendo para tanto como elemento seguro a carta escrita pelo recorrente à recorrida onde ele apelida aqueles depósitos de empréstimos.
Ora, se a função do Tribunal de 2ª Instância se circunscreve a "apurar da razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos, por esta mesma razão se entende que não merece censura a circunstância de o tribunal a quo não ter dado como provado que aqueles depósitos se tratavam de empréstimos.
Aliás, neste sentido e valorando já a matéria de direito quanto a este pressuposto da providência diremos que o art. 619º, n.º 1 do Código Civil dispõe que «o credor que tenha receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo”.
Por outro lado, resulta do estatuído nos arts. 406 nº 1 e 407 n.º 1 do Código de Processo Civil que o arresto deve ser decretado se, através do mecanismo sumário, próprio dos procedimentos cautelares, for de concluir pela probabilidade séria da existência do crédito e pelo receio da perda da garantia patrimonial.
Destina-se a providência de arresto a acautelar o “periculum in mora”, resultante da normal tramitação do processo da dívida e traduz-se numa apreensão judicial de bem tendente à garantia de um crédito, que não necessita de ser certo e exigível, por declarado, mas tão-só que, a nível de uma indagação sumária, se verifique uma indiciária probabilidade ou verosimilhança da sua existência.
Para que seja legítimo o recurso a este meio conservatório da garantia patrimonial é necessário, pois, que concorram duas circunstâncias condicionantes: a aparência da existência de um direito e o perigo da insatisfação desse direito.
Quanto à existência do direito/crédito, a invocação pela recorrente de haver realizado empréstimos obrigava a que ele fizesse prova de que (nos termos do art. 1142 do CC) havia celebrado com a recorrida um contrato pelo qual havia emprestado àquela dinheiro, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto.
A prova dos depósitos mas a inexistência de prova de que tenha havido essa contratação não permite qualificar aqueles como empréstimos e como tal, desde logo deve improceder a providência cautelar, por não ter ficado demonstrado o crédito que o requerente invocava.
Ao contrário do que a recorrente afirma, não existe apenas a alternativa de afirmar, perante a prova, se os depósitos realizados eram empréstimos ou se eram donativos, trata-se antes de saber se se fez prova de que aqueles depósitos foram feitos na sequência da celebração de um negócio jurídico de mútuo pelo qual a requerida se obrigou a reembolsar. É que a inexistência de prova de que eram donativos não os transforma em empréstimos, uma vez que o non liquet do tribunal , segundo as regras de repartição do ónus da prova, nos termos do art. 342, faz concluir pela inexistência do pressuposto que cumpria ao recorrente provar (e não provou).
Nem mesmo argumentar-se que a prova nas providências cautelares se resume a uma natureza indiciária e de sã aparência, retira a aplicação do ónus da prova ou a exigência de que o julgador tenha de converter uma convicção que não teve numa outra, por aproximação, porquanto mesmo a prova indiciária deve revelar alguma certeza e segurança que, no caso concreto, depois da audição da prova da requerida se não obteve.
A partir desta conclusão resulta académico e irrelevante indagar se, aquilo que não se sabe se eram empréstimos ou não, eram nulos por falta de forma, porquanto, anteriormente deveria ter ficado assente que o recorrente havia celebrado com a recorrida contratos de mútuo e isso ele não logrou demonstrar.
No que se refere ao afirmado sobre o enriquecimento sem causa, cumpre também dizer que o artigo 473.° do Código Civil que: “1- Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2- A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
E o art. 474º esclarece que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Perante as normas em apreço, para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa exige-se a verificação simultânea dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento; b) enriquecimento verificado à custa de outrem); c) inexistência de causa justificativa desse enriquecimento e d) ausência de outro meio jurídico para se obter a indemnização devida.
Assim, a obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, exige que alguém tenha obtido uma vantagem de carácter patrimonial, sem causa que a justifique e que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A obrigação de restituir, fundada no enriquecimento sem causa, tem natureza subsidiária, ou seja, não é permitido o exercício da acção de enriquecimento sem causa quando o interessado tenha ao seu dispor outro meio para conseguir ser indemnizado do prejuízo sofrido. Deste modo, se alguém obtiver um enriquecimento sem causa, à custa de outrem, mas a lei lhe facultar algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial será a esse meio que deverá recorrer, não se aplicando as normas do enriquecimento sem causa previstas nos artigos 473º e 474º do CC.
Por outras palavras: quando exista uma acção própria, normalmente adequada e de que o empobrecido possa socorrer-se para obter a reparação do seu direito é esse tipo de acção que deve usar para se ressarcir e não basear a sua pretensão no enriquecimento sem causa.
E este entendimento é perfilhado pacificamente pela doutrina e jurisprudência, aliás, numa linear interpretação da lei, tem a sua razão de ser, por se reportar àquelas situações de facto que preenchem quer os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa quer os de outro instituto ou normas específicas, sendo que o legislador, com vista a uma mais justa e equilibrada aplicação do direito, faz prevalecer as normas específicas sobre as que têm um carácter mais geral ou subsidiário.
Igualmente, é entendimento pacífico que quem recorre ao instituto do enriquecimento sem causa para reclamar de outrem uma indemnização, carece de alegar e provar que aquele instituto era o único de que podia lançar mão com aquele desiderato.
Pelo exposto, não tendo feito o requerente referência a que o enriquecimento sem causa era o único meio de que poderia socorrer-se para fazer valer o seu direito, fica prejudicada o estudo sobre se o protestado crédito do recorrente pode ou não extrair-se da figura do enriquecimento sem causa , bem como, se por essa via o seu eventual direito estaria ou não prescrito.
Quanto ao outro pressuposto da providência, o perigo da insatisfação do direito invocado, e tendo por adquirido a improcedência desta por não se haver feito prova do crédito, diga-se que não é necessário que exista certeza de que a perda da garantia se vai tornar efectiva com a demora, bastando que se verifique um justo receio de tal perda vir a concretizar-se.
O critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos pu­ramente subjectivos do juiz ou do credor (simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), mas deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência aconselhem uma decisão cautelar imediata, sob pena de total ineficácia da acção declarativa ou da acção exe­cutiva.
E importa salientar que o justo receio da perda da garantia patrimonial tanto pode resultar de haver indicação de o devedor estar em risco de se tornar insolvente, como de estar a ocultar o seu património ou de tentar alienar bens de modo que se torne consideravelmente difícil ao credor promover a cobrança coactiva do seu crédito. E mais segura razão para o receio justificado da perda da garantia patrimonial haverá se a dissipação, ou mera tentativa, estiver conexa com a exiguidade do património do devedor em face do montante da dívida e, porventura, com o facto de aquele se furtar ao contacto com o credor ou, de qualquer modo, denotar pretender eximir-se ao cumprimento da obrigação.
No caso vertente entendeu-se na decisão sindicada que para lá da não demonstração do crédito invocado, também se não tinha por verificado o justo receio da perda da garantia patrimonial.
Escreve-se na decisão recorrida que “Na verdade, nenhum facto permite concluir existir fundado receio de perda da garantia patrimonial de um tal crédito.
A Requerida é dona de um imóvel com valor suficiente para garantir o crédito invocado pelo Requerido, bem como aquele que justificou a penhora sobre o prédio.
Não ficou demonstrada a iminência de alienação de tal imóvel, nem sequer a intenção da Requerida em prosseguir tal desiderato.
Inexiste qualquer fundamento justificativo da urgência no procedimento. O Requerente, enquanto Presidente da Direcção da Requerida, bem sabia que, à data em que depositou montantes a favor do clube, este vivia uma situação financeira aflitiva (que aliás justificava tais depósitos), não tendo pois como restituir tais valores. Só passados mais de três anos do último depósito efectuado decidiu fazer valer os direitos de que se arroga titular, sem que se demonstrem alterações significativas no estado financeiro da Requerida, invocando uma suposta intenção de alienação do único património relevante do clube, que nunca logrou demonstrar.
Assim, também por esta via se impõe revogar a providência cautelar de arresto decretada.”.
Com interesse neste domínio, ficou provado que
- “ A requerida encontra-se actualmente em situação económica gravosa, possuindo elevados montantes em dívida para com diversos credores, situação que é do domínio público.” - número 5 dos factos provados;
- A requerida vive das receitas que obtém, as quais provêm, na sua maior parte, do pagamento das quotas dos seus sócios, da bilheteira dos jogos de futebol e dos patrocinadores.” - número 6 dos factos provados;
- As receitas obtidas pela requerida não têm sido suficientes para que a mesma possa fazer face a todas as despesas, pelo que tem recorrido a empréstimos de terceiros.” – número 7 dos factos provados;
- “A requerida tem contabilizadas dívidas para com credores terceiros no montante total de € 1.173.954,11.” - número 8 dos factos provados;
- “O único bem imóvel de que a requerida é proprietária é o prédio urbano correspondente ao estádio de futebol, denominado "Campo de Jogos …", descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 2456 da freguesia de S. Pedro e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2853º.” - número 9 dos factos provados;
- “Sobre o referido prédio urbano incide já penhora registada a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de € 433.292,14.” – número 10 dos factos provados;
– “Em 18/01/2005, o prédio referido em 9) foi avaliado em € 1.473. 150,00.” – número 20 dos factos provados;
Sendo estes os elementos objectivos da decisão, concluímos que o afirmado pelo Mmo Juiz a quo não merece censura neste domínio porquanto as dívidas provadas ascendem a € 1.173.954,11, a que se acrescermos o montante reclamado na providência (€ 174 789,37) totalizam 1.348.743,40 €.
Ora, se o estádio foi avaliado em 1.473.150,00 € a totalidade do valor das dívidas que ficaram provadas ( e a outras não poderemos atender) cabem ainda no valor daquele activo.
Diferentemente, o recorrente afirmava que pelos factos provados o valor das dívidas já ultrapassava o valor de avaliação do bem imóvel mencionado mas , para tanto ao valor das dívidas dado como provado (1.173.954,37 €) acrescia o valor de € 433.292,14, referente a uma dívida à Fazenda Nacional, garantida por penhora. Porém, perante os factos provados deve concluir-se que no valor das dívidas para os credores terceiros (1.173.954,37 €) está incluída a dívida à Fazenda Nacional, sendo que a indicação do valor deste último crédito (433.292,14 €) foi realizada para que constasse que apenas esse montante da totalidade da dívida tem garantia real.
Nesta conformidade e com os elementos que permitem a segurança da decisão teremos de concluir que também não se encontra feita a demonstração do requisito do fundado receio da perda de garantia patrimonial, termos em que improcedem na totalidade as conclusões do recorrente.
……
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da segunda secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao Agravo e, em consequência, manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 12 de Julho de 2006.