Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
34045/15.1T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1– A descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na 2ª parte do nº 1 do artigo 14º da LAT depende da verificação cumulativa dos seguintes elementos: 1º) existência de condições ou regras de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou pela lei; 2º) existência de acto ou omissão do sinistrado que viole essas condições ou regras; 3) que tal acto ou omissão seja voluntário e sem causa justificativa; e 4º) existência de nexo causal entre esse acto ou omissão e o acidente.

2– A negligência grosseira a que alude a alínea b) do artigo 14º da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, consubstancia um comportamento do sinistrado, por acção ou omissão, perigoso, temerário, indesculpável e inútil, inaceitável à luz de um elementar juízo de prudência e cautela causador, em exclusivo, do acidente de trabalho.

3– A prova de tais elementos incumbe ao obrigado à reparação, de acordo com o nº 2 do artigo 342º do CC.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Tendo-se frustrado a tentativa de conciliação, veio o sinistrado, AAA, intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra  BBB, com sede na Rua (…) em Lisboa e CCC, com sede na Rua (…)  em Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e, em consequência,

- seja a Ré BBB condenada a pagar ao Sinistrado a pensão anual e vitalícia no valor de €3549,02 e ainda a quantia de 11,60€, relativa às despesas de transporte suportadas pelo Sinistrado com a deslocação ao Tribunal e ao Instituto Nacional de Medicina Legal;
- seja a CCC condenada a pagar ao Sinistrado a pensão anual e vitalícia no valor de €1603,54; e
- sejam as Rés condenadas no pagamento de juros de mora até integral pagamento.
Invocou para tanto, em resumo, que:
- No dia 10 de Julho de 2015, cerca das 10h00, no seu local de trabalho sito no n.º (…), em Lisboa, o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho, quando prestava o seu trabalho de empregado de armazém para a empresa  CCC  sob orientação e direcção desta e em execução do contrato de trabalho celebrado com esta;
-  O acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava sozinho a operar uma máquina misturadora horizontal, marca “MANO”, modelo MHI-300, ano de fabrico 2007 e com o n.º de equipamento 07,027,MISH,01 e, na sequência do encravamento da patilha de fecho bocal de saída, o sinistrado ao meter a mão no bocal de modo a tentar desencravar a referida patilha, foi a sua mão direita apanhada pelas pás misturadoras, do qual resultou a amputação de dedos da mão direita e ainda amiotrofia dos músculos do antebraço direito (menos 2,2 cm em comparação com a região contralateral);
- À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração mensal de €550,00,  acrescida de um subsidio de alimentação mensal de €98,78, o  que corresponde à retribuição anual de €8786,58;
- A empregadora havia transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a Ré, BBB. pela retribuição anual de €7.700,00, correspondente ao salário mensal de €550,00;
- O sinistrado foi pago, pela Rés das indemnizações por ITA que lhe eram devidas, no período de 10-07-2015 a 30-11-2015, nada tendo a haver a título de pagamentos por ITA;
- Na sequência das lesões sofridas, o sinistrado ficou impedido de retomar a profissão habitual razão pela qual se encontra desempregado, fazendo apenas trabalhos esporádicos e que, além das dores sofridas, depara-se, diariamente, com a discriminação que esta deficiência lhe causa, nomeadamente no mundo laboral;
- O acidente de trabalho ocorreu por falta de observação por parte do empregador das regras de segurança e saúde no trabalho, sendo a sua responsabilidade agravada;
- Por seu turno, a Ré BBB é responsável pelo pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse, conforme existiu, actuação culposa da empregadora; e
- Sendo a IPP do Sinistrado superior a 30% poderá a pensão anual e vitalícia ser parcialmente remida a requerimento deste, o que requer, por estarem respeitados os limites das alíneas do n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009.

Citadas as Rés, contestaram.

A Ré BBB invocou, em resumo, que a retribuição anual transferida para a Entidade Responsável foi de €8.786,58 e não de €7.700,00, que  o acidente dos autos deveu-se à violação das normas de segurança por parte da entidade patronal posto que  a máquina misturadora na qual o sinistrado laborava, ao tempo do acidente, não tinha qualquer protecção na boca de extracção que impedisse o contacto com elementos móveis, a máquina misturadora não dispunha de protecções que impedissem o acesso às zonas perigosas, nomeadamente às pás da mesma, ou de dispositivos que suspendessem o seu movimento antes do acesso às mesmas, o acidente em causa ocorreu porque o sinistrado ao introduzir a mão direita no interior da boca de saída da misturadora ficou em contacto com as pás, as quais não se imobilizaram, pelo que o acidente ocorreu devido à inexistência dos meios de protecção, segundo o relatório de análise de acidentes de trabalho da empresa (…)  o equipamento não cumpre os requisitos mínimos de segurança porque os dispositivos de protecção instalados nas portas da boca de entrada são inoperantes e no que respeita ao meio de acesso à boca não existe corrimão e guarda-corpos, por não cumprir os requisitos mínimos de segurança foi a entidade patronal autuada, por contraordenação laboral muito grave, tendo esta efectuado o pagamento voluntário da coima e que, caso a entidade empregadora prove que foram observadas as condições de segurança, a contestante, então, delimita o enquadramento do sinistro, subsidiariamente, na actuação do próprio sinistrado e na possível descaracterização do acidente de trabalho, posto que o sinistrado colocou a mão na boca de extracção para auxiliar a abertura da mesma em vez de utilizar a pá para bater na boca de saída e puxar a tampa pela pega, o sinistrado tinha formação para operação do equipamento, mas mesmo assim colocou a mão na boca de extracção sabendo que esta não tinha qualquer protecção, de acordo com as instruções de utilização do equipamento o sinistrado apenas podia ter contacto com as partes destinadas para o efeito, ou seja, as pegas das tampas, a pega da válvula de saída e os botões do quadro eléctrico e que na extracção de produtos está expressamente proibido o acesso ao interior do misturador através da boca de saída, pelo que a actuação do sinistrado foi temerária e grosseira.

Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente e absolvida a Ré BBB do pedido.

Ainda requereu a realização de exame por Junta Médica tendo apresentado os respectivos quesitos.

A empregadora, por seu turno, defendeu-se invocando, em síntese, que o sinistro não se deveu à inobservância das regras de segurança do trabalho, que, como admitido pelo Autor, foi o próprio que colocou a mão no bocal de modo a tentar desencravar a referida patilha encravada, não foi a inobservância das regras de segurança no trabalho que originou o acidente, mas antes uma desatenção do autor que sem hesitar meteu a mão de forma a desencravar a máquina, o Autor recebeu formação para a utilização dos aparelhos e não dá direito a reparação o acidente que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu acto ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, o que foi o caso.

Pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente por não provada e, consequentemente, absolvida do pedido.

O Autor respondeu às contestações alegando ser falso ter tido formação para operar o equipamento e que apenas foi-lhe explicado por um colega, o Sr. (…), também ele com as mesmas funções do sinistrado mas como funcionário há bastante tempo na empresa, como funcionava de forma genérica a referida máquina nomeadamente como se ligava e desligava e como se procedia à limpeza da mesma nunca lhe tendo sido dito que o equipamento não tinha qualquer protecção.

Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Foi determinado o desdobramento do processo e autuado por apenso o incidente para fixação da incapacidade do sinistrado para o trabalho.

Por sentença de 8.1.2018 foi fixada ao sinistrado uma IPP de 40,37%, desde a data da alta (30.11.2015).

Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo conforme decorre das actas que antecedem.

Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Pelos fundamentos expostos, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:
1– Fixar a I.P.P. de que padece o sinistrado em consequência do acidente de trabalho em 40,37% desde a data da alta, ou seja, desde 30.11.2015;
2– Condenar a BBB, a pagar ao sinistrado AAA uma pensão anual e vitalícia de 3.547,14 € (três mil, quinhentos e quarenta e sete euros e catorze cêntimos), desde 01.12.2015, acrescido de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal, desde aquela data até efectivo pagamento;
3– Condenar a BBB,  a satisfazer ao sinistrado AAA o pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 2.483,00€ (dois mil, quatrocentos e oitenta e três cêntimos), desde 01.12.2015, acrescido de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal, desde aquela data até efectivo pagamento, sem prejuízo do direito de regresso sobre a ré CCC. por tais prestações ou outras que tenha efectuado ou venha a efectuar.
4– Absolver as Rés do pedido de pagamento de 11,60€ a título de despesas de transportes.
Custas a cargo da Ré CCC. (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Valor da acção: de acordo com o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.”

Inconformada com a sentença, a empregadora recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“1.– Não pode a recorrente concordar que o tribunal “ a quo” tenha efectuado uma análise e apreciação correcta da prova produzida em sede de julgamento, nem uma correcta interpretação dos factos e da prova produzida.
2.– Impugna também a decisão sobre a matéria de facto (nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Código de Processo Civil.)
Da Prova Testemunhal
3.– É precisamente quanto às testemunhas da Ré, ora recorrente que não podemos concordar com a douta decisão e análise critica dessa prova, logo de início e quanto a questão do manual de instruções de utilização da máquina a ser operada pelo Autor, se verifica uma apreciação incorrecta do tribunal a quo, já que como é referido pelo douto tribunal em sede de sentença:” não resultou provado que o Sinistrado tenha lido e tomado conhecimento do teor de tal manual” embora as testemunhas trazidas pela Ré Empregadora tenham dito que o Manual havia sido disponibilizado ao trabalhador, aliás pode ouvir-se o que é dito pelas testemunhas quanto a isso - Ou seja, pese embora as testemunhas que lidaram, deram formação e ensinaram o autor a manusear a dita máquina lhe tenham explicado tudo sobre o dito aparelho e lhe tenham indicado onde se encontrava o manual, e assim o tenham testemunhado, o tribunal a quo não dá como provado que o Autor tenha lido e tomado conhecimento do teor do tal manual.
4.– As testemunhas trazidas pela Empregadora, ora recorrente: P.A.C. e J.P.L., são ambos trabalhadores da empresa. O primeiro era com quem o Sinistrado trabalhava e quem lhe deu a “formação” que este recebeu. A testemunha explicou a formação que o sinistrado teve, sendo que foi claro em afirmar ao Tribunal que lhe explicou o que era a máquina, para que servia, e como a devia operar.
Para além de dizer de forma peremptória que lhe mostrou como a máquina trabalhava diz que mostrou ainda como desencravar a máquina, com a ajuda de uma pá, quando esta encravava, o que também disse que era frequente.
5.– O segundo, J.P.L., é o responsável pela qualidade alimentar da empresa e também quem faz a ponte com a empresa responsável pela Segurança e Higiene no Trabalho. Foi esta testemunha quem teve que verificar que o trabalhador já sabia utilizar a máquina depois das explicações dadas por P.A.C.. Acrescentou ainda que o Manual de instruções se encontrava junto à máquina.
6.– Mas não resultou provado pese embora o testemunho daquelas duas que o manual foi disponibilizado ao Autor? Testemunhas essas que eram os funcionários da Ré que trabalhavam com o Autor?
7.– Estamos obviamente perante contradição entre os factos provados e a fundamentação em relação à decisão.
8.– Como bem referido na douta decisão as duas testemunhas da Empregadora disseram mais do que uma vez que foi dito ao trabalhador que não deveria colocar as mãos no bocal de saída do produto na máquina.
9.– O que não se pode concordar com a fundamentação do douto tribunal a quo, pois se as testemunhas referiram precisamente que lhe foi explicado ao autor tudo sobre a máquina, os seus componentes, peças, o que fazia aquela máquina-precisamente misturar, foram mostradas as pás existentes na máquina, pás cortantes, como não lograram provar que lhe foi explicada a razão pela qual não deveria colocar as mãos naquele local e que este percebeu a explicação.
10.– Todas as explicações das testemunhas foram sempre em alertar o trabalhador que recebia formação que nunca em momento algum poderia mexer com as mãos no bocal de saída ou aceder à máquina
11.– O Autor sabia, por lhe ter sido explicado por alguém com mais experiência a manobrar a máquina do que ele, e, que lhe deu formação, que não poderia como ninguém poderia colocar as mãos no bocal de saída, por razões elementares de segurança, proibição referida, aliás, no próprio manual de instruções daquela que se encontrava guardado na máquina em questão podendo ser consultado a qualquer momento.
12.– Aqui o tribunal a quo não podia ter desvalorizado como desvalorizou a prova testemunhal (trabalhadores da Ré com conhecimento de causa de largos anos naquele local e do uso daquela máquina e outras), bem como a existência do manual de instruções que foi dado a conhecer ao Autor e estava à vista de todos que manuseavam a máquina, por isso também nos parece relevante o que foi dito por aquelas testemunhas de forma clara e honesta no seu depoimento devidamente gravado, onde referem nunca ocorreu nas instalações da Ré qualquer acidente deste género ou outro semelhante.
13.– Existe violação injustificada das condições de trabalho determinadas pelo empregador quando o trabalhador infringe, de forma dolosa ou gravemente negligente, ordens expressas e concretas relativas à segurança da utilização do equipamento onde sofreu o acidente de trabalho, sem motivo que juridicamente a explique, devendo tal violação ser a causa única e exclusiva da verificação do referido sinistro de trabalho.
14.– Não temos duvidas que face à prova existente nos autos e produzida em sede de julgamento que o trabalhador sinistrado assumiu uma conduta despropositada, irresponsável, arriscada em alto grau, fortemente imprudente, que foi causa única e exclusiva do acidente de trabalho que o mesmo sofreu.
15.– O Autor é, por isso, o único responsável pela sua atitude temerária e insensata, causando o acidente, por violar as elementares regras de segurança.
16.– A verdade é que da prova produzida se pode retirar que a ora recorrente sempre cumpriu as normas de segurança e higiene no trabalho, e que, em qualquer dos casos, nenhuma das circunstâncias atinente às regras de segurança pode ser considerada como causalidade adequada do acidente de trabalho a que o Autor, por sua livre iniciativa, se expôs.
17.– O Tribunal a quo não julgou correctamente os factos que considerou provados e não provados e não extraiu dos mesmos as necessárias conclusões nem aplicou correctamente o direito ao caso sub judice pelas razões supra expostas.
18.– O tribunal a quo face à prova produzida deveria ter considerado existir violação das regras da segurança por parte do sinistrado.
19.– É manifesto que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho que se traduziu na amputação de dedos da mão direita e ainda amiotrofia dos músculos do antebraço direito (menos 2,2 cm em comparação com a região contralateral).
20.– Mas, não se confunde com exactamente se averiguar se o processo causal que levou às lesões sofridas pelo sinistrado pode ser assacado ao mesmo, em termos de responsabilidade pela sua verificação, a título de dolo (violação das regras de segurança sem causa justificativa) ou de negligência (grosseira).
21.– Toda a conduta do Autor constituiu uma infracção às regras de elementares de segurança sobejamente conhecidas pelo mesmo,
22.– A sua actuação não se enquadra no conceito padrão de bonus pater familiae, ou seja uma conduta exigível na actuação. A culpa afere-se apreciando a diligencia do agente pela de bom pai de família, o que não existiu na actuação do Autor, já que esta actuação foi totalmente afastado do que o homem médio reagiria em situação idêntica.
23.– O autor teve um acto voluntário em manifesta violação das regras de segurança impostas pela sua entidade patronal e pelas regras de utilização da máquina em questão, e, até proibida, revelando uma absoluta temeridade e violação das mais elementares regras de cuidado e de prudência ao colocar a própria mão no bocal coisa que não tinha que fazer em circunstância alguma, como aliás bem sabia.
Ainda que assim o tribunal a quo não tivesse entendido, o que só por mera hipótese se discute, estar-se-ia perante uma situação de negligência grosseira, porque resultante de culpa grave,
24.– O Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos que considerou provados, e não extraiu dos mesmos as necessárias conclusões nem aplicou correctamente o direito ao caso sub judice pelas razões supra expostas, pelo que violou o disposto no art.º 14º n.ºs 1 al. a) e b), 2 e 3 da Lei n.º 98/2009 de 04/09.
25.– A violação depende, em primeiro lugar, da existência de condições de segurança determinadas pelo empregador ou pelo legislador- o que existia e, por outro, terá de referir-se a ordens ou normas referentes às efectivas condições de segurança reclamadas para o modo, local e tempo da prestação de trabalho concretamente desenvolvida pelo sinistrado e não quaisquer outras, quer nada tenham a ver com a segurança, saúde e higiene no ambiente de trabalho, quer não se mostrem adequadas a prevenir os riscos derivados efectivamente da actividade desenvolvida.
26.– A culpa para efeitos da dita violação das condições de segurança, por acção ou omissão, sem causa justificativa tem de ser aferida em concreto e não em abstracto.
27.– Entendemos ao contrário do tribunal a quo que foi demonstrado que o sinistrado infringiu as normas de segurança.
28.– O Autor não procedeu com todos os cuidados e prudência necessários, e era-lhe exigível outra actuação compatível com as regras de segurança.
29.– O encravamento da máquina foi dito por todas as testemunhas que acontecia com frequência e que naquela data o trabalhador, encontrando – se sozinho, colocou a mão na boca de saída para ajudar ao “desencravamento” da porta da boca de saída, tendo chegado com a mão às pás da máquina que se encontravam em funcionamento.
30.– Ora é possível responsabilizar a ora recorrente pela acção do trabalhador em si?
31.– O trabalhador ao ter-lhe sido dada formação com explicação da máquina, dos seus componentes, peças e de uma dita pá ou ferro para desencravar a porta da boca de saída é possível a empregadora evitar tal situação quando se tratou de acto do próprio Autor?
32.– Relativamente à formação dada ao sinistrado e ao facto C. considerado não provado. O tribunal a quo entendeu não ter havido qualquer formação dada pela testemunha J.P.L., este, como o próprio explicou, limitou-se a ver o trabalhador operar a máquina para ter a certeza que sabia como fazê-lo, o que é o normal, foi explicado por esta testemunha que apenas fazia como fez a avaliação do Autor para saber se estava apto a manobrar a maquina sozinho, mas não era esta testemunha o formador dos trabalhadores da Ré mas sim a testemunha P.A.C.. Não podemos ainda deixar de referir que,
33.– Tendo ora recorrente definido os procedimentos de segurança a serem utilizados na realização dos trabalhos, não lhe era exigível que contasse também com a eventualidade de os mesmos não serem observados por qualquer um dos trabalhadores, quer voluntária quer involuntariamente.
34.– O que aqui releva é a ponderação sobre a adequação dos meios de segurança que foram definidos para terem obstado ao acidente, desde que tivessem sido cumpridos pelos trabalhadores.
35.– Por isso mesmo in casu não há um nexo causal.
36.– O Autor na sequência do encravamento da patilha de fecho bocal decidiu meter a mão no bocal para desencravar.
37.– A ora recorrente tinha disponibilizado formação ao Autor para uso da máquina, alias conforme prova testemunhal produzida e aqui transcrita
38.– A ora recorrente tinha transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a 1ª Ré mas apenas pela retribuição base.
39.– É a 1ª Ré, a Seguradora, que cabe sempre satisfazer as prestações.
40.– Não se pode considerar que o acidente de trabalho ocorreu devido à violação das regras de segurança pela recorrente, sendo a responsável pelo pagamento a 1ª Ré.
41.– Considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. O QUE NÃO FOI O CASO, ANTES PELO CONTRÁRIO, as testemunhas da ora recorrente foram peremptórias a depor que foi dada formação com manual de instruções de manuseamento da máquina, e que o Autor teve conhecimento e tinha acesso sempre que manuseasse a máquina.
42.– Não esqueçamos que não dá direito a reparação o acidente: Que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu acto ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, o que nos parece que sucedeu.
43.– Se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, e, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não pode ser da responsabilidade do empregador, ora recorrente.
44.– Entendemos que o tribunal a quo não julgou correctamente os factos que considerou provados e não provados e não extraiu dos mesmos as necessárias conclusões nem aplicou correctamente o direito ao caso sub judice pelas razões supra expostas,
Termos em que, invocando-se o Douto Suprimento do Venerando Tribunal, nestes termos e nos demais de Direito, a presente apelação deve ser julgada procedente, revogando-se a douta sentença ora em recurso em conformidade com a conclusões acima formuladas e com todas as consequências legais - assim se fazendo, Justiça.”

A Ré seguradora contra-alegou pugnando pela manutenção, na íntegra, do decidido na sentença recorrida.

Também o Autor contra alegou e sem formular conclusões defendeu que a apelação deve ser julgada improcedente, por não provada e que, em consequência, deve manter-se, na integra, a sentença.

Subidos os autos a este Tribunal, a Exmª Procuradora Adjunta emitiu parecer no sentido da sentença ser confirmada, excepto na parte em que condena a Ré seguradora no pagamento do capital de remição.

Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, não responderam.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), nos presentes autos importa conhecer as seguintes questões:
- Se deve ser conhecida a arguida nulidade da sentença.
- Da impugnação da matéria de facto.
- Se o acidente dos autos deve ser descaracterizado.

Fundamentação de facto
A sentença considerou provada a seguinte factualidade:
1.– O autor, AAA, nascido em …, titular do CC nº …, foi vítima no dia 10 de Julho de 2015, cerca das 10h00, no seu local de trabalho, sito no …, em Lisboa, de um acidente de trabalho, quando prestava o seu trabalho de empregado de armazém, para a empresa CCC., sob orientação e direcção desta e em execução do contrato de trabalho a termo resolutivo com este celebrado a 15 de maio de 2015 pelo período de seis meses. (A)
2.– À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração mensal de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros), acrescida de um subsídio de alimentação mensal de €98,78 (noventa e oito euros e setenta e oito cêntimos), o que corresponde à retribuição anual de €8.786,58 (oito mil, setecentos e oitenta e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), calculada da seguinte forma: (€50,00 x 14 meses) + (€98,78 x 11 meses). (B)
3.– A entidade empregadora tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente aos trabalhadores ao seu serviço transferida para a BBB, S.A., ao abrigo de contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 6533931 000001, estando o autor abrangido pelo seguro pela remuneração auferida. (C)
4.– O acidente ocorreu nas circunstâncias descritas a Fls. 37 dos autos (descrição efectuada pela ACT no inquérito que realizou) e Fls.118 dos autos (auto de noticia realizado pelo ACT), cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, mais concretamente quando o autor se encontrava sozinho a operar uma máquina misturadora horizontal, marca “MANO”, modelo MHI-300, ano de fabrico 2007 e com o n.º de equipamento 07,027,MISH,01, e, na sequência do encravamento da patilha de fecho bocal de saída, ao meter a mão no bocal de modo a tentar desencravar a referida patilha, foi a sua mão direita apanhada pelas pás da misturadora, do qual resultou a amputação traumática de 4 dedos da mão direita. (D)
5.– O acidente de trabalho supra descrito originou a abertura de um inquérito por parte da ACT, cujo auto de notícia e posterior relatório se encontra junto ao processo a Fls. 37, 114 e 118 os quais se dão por integralmente reproduzidos e no qual foi concluído que a entidade patronal do sinistrado não tomou as devidas providências a fim de evitar a verificação do acidente nomeadamente não identificou os riscos previsíveis de todas as actividades do estabelecimento e na concepção de processos de trabalho, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta fosse inviável, à redução dos seus efeitos, o que levou inclusivamente à aplicação por parte da ACT de uma coima por violação da alínea c) do n.º 2 do art.º 15.º do Regulamento Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, a qual consubstancia uma Contra-ordenação laboral muito grave. (E)
6.– Na data da inspecção da ACT, a 28 de Julho de 2015, esta entidade notificou a entidade patronal, ora R., para entregar uma série de documentação entre as quais o Relatório de avaliação de riscos profissionais, tendo esta apresentado tal relatório que datava de 03/07/2013 (fls. 126 a 138 dos autos), o qual não se debruçava sobre a actividade produtiva da R. não existindo assim à data do acidente qualquer avaliação de riscos referentes, em geral, à actividade produtiva da R. nem, em especial, às operações de manuseamento de misturadores, em concreto quanto ao manuseamento do Misturador horizontal “Mano” modelo “MHI-300”. (F)
7.– Após o sinistro, a entidade patronal do sinistrado apresentou junto do ACT o Relatório de Análise de acidente de trabalho, elaborado pelos serviços externos de segurança, higiene e medicina do trabalho, o qual foi junto ao Auto de Notícia da ACT, constante a Fls. 118, como documento 6, que se dá por reproduzido (fls. 139 a 141 dos autos), no qual a referida entidade dá conta que a supra identificada misturadora, na qual o sinistrado sofreu o acidente, tinha “…sistema de abertura da válvula de saída/extracção ineficaz (…)”, “… inexistência de proteção que impeça o contacto com elementos móveis na boca de saída/extração(…), “ inexistência de instruções de segurança relativas à utilização do equipamento” e ainda “inexistência de um procedimento escrito relativamente ao método de abertura da tampa (…)” concluindo ainda o referido relatório que :”Da análise do equipamento de trabalho verificou-se ainda que o mesmo não cumpre os requisitos mínimos de segurança ao abrigo do DL 50/2005, de 25 de fevereiro (…)”. (G)
8.– O autor, após participação da entidade empregadora no dia 10.07.2015, foi clinicamente assistido pelos serviços clínicos da seguradora ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 6533931 000001, tendo-lhe sido concedida uma ITA, no período de 10-07- 2015 a 30-11-2015, no total de 144 dias, tendo-lhe sido dada alta em 30-11-2015. (H)
9.– No âmbito deste processo o autor foi submetido a exame médico no dia 02 de Março de 2016, realizado no INML, cujo relatório de fls. 17/59 se dá por reproduzido, tendo o perito médico fixado uma incapacidade permanente parcial de 57,7020% desde a data da alta, fixável em 30.11.2015, considerando o factor de bonificação de 1.5 por não reconversão em relação ao posto de trabalho. (I)
10.– O sinistrado foi pago, pela Rés das indemnizações por ITA que lhe eram devidas, no período de 10-07-2015 a 30-11-2015, nada tendo a haver a título de pagamentos por ITA. (J)
11.– A máquina misturadora na qual o sinistrado laborava, ao tempo do acidente, não tinha qualquer protecção na boca de extracção que impedisse o contacto com elementos móveis.
12.– A máquina misturadora não dispunha de protecções que impedissem o acesso às zonas perigosas, nomeadamente as pás da mesma, ou de dispositivos que suspendessem o seu movimento, antes do acesso às mesmas.
13.– O acidente em causa ocorreu porque o sinistrado ao introduzir a mão direita no interior da boca de saída da misturadora ficou em contacto com as pás, as quais não se imobilizaram.
14.– O sinistrado colocou a mão na boca de extracção para auxiliar a abertura da mesma em vez de utilizar a pá para bater na boca de saída e puxar a tampa pela pega.
15.– O sinistrado colocou a mão na boca de extracção sabendo que esta não tinha qualquer protecção.
16.– De acordo com o manual de instrução de utilização do equipamento, ponto 3.2, o sinistrado apenas podia ter contacto com as partes destinadas para o efeito, ou seja, as pegas das tampas, a pega da válvula de saída e os botões do quadro eléctrico.
17.– De acordo com o manual de instrução de utilização do equipamento, ponto 3.3.2, na extracção de produtos está expressamente proibido o acesso ao interior do misturador através da boca de saída.
18.– Por sentença de 08.01.2018, no incidente apenso, fixou-se em 40,37% a IPP de que o autor sofre, desde a data da alta, 30.11.2015.
*

A sentença considerou não provados os seguintes factos:
A.– O sinistrado ao sofrer as lesões supra descritas ficou impedido de retomar a profissão habitual, razão pela qual se encontra desempregado, fazendo apenas trabalhos esporádicos.
B.– O autor gastou a quantia de 11,60€ em despesas de transporte com a deslocação ao Tribunal e ao Instituto Nacional de Medicina Legal.
C.– O sinistrado recebeu formação para a utilização e operação da máquina misturadora, quer pelo formador, quer pelo engenheiro de produção.
*

Fundamentação de direito.

Comecemos por apreciar se deve ser conhecida a arguida/ /nulidade da sentença.
Na conclusão 7ª a Recorrente invoca que “Estamos obviamente perante contradição entre os factos provados e a fundamentação em relação à decisão”, acrescentando nas alegações que, por isso, a sentença é nula nos termos do artigo 668º nº 1 al.c) do CPC.

Antes do mais, tendo a sentença sido proferida em 29.05.2018, ao caso, é aplicável o CPC aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, daí que, certamente por lapso, a Recorrente invoque  a al.c) do nº 1 do artigo 668º do anterior CPC, em vez de referir a al.c) do nº 1 do artigo 615º do actual CPC, que mantém a anterior 1ª parte e inovou na 2ª parte acrescentando“ ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”

Dispõe a al.c) do nº 1 do artigo 615º do CPC que é nula a sentença quando “ Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”

Sucede, porém, que no processo laboral, a arguição de nulidades da sentença segue um regime especial e que se encontra previsto no nº 1 do artigo 77º do CPT.

Nos termos do referido preceito legal, a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.

A propósito desta norma escreve o Sr. Concelheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra “ Recursos no Processo do Trabalho Novo Regime”, pag. “Em especial, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente, como o determina o art. 77.º n.º1, do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas.”

A referida especialidade visa permitir ao juiz que proferiu a sentença e a quem é dirigido o requerimento de interposição do recurso que se aperceba que foi arguida a nulidade da sentença e para que sobre ela se possa pronunciar, suprindo-a, se for o caso, antes da subida do recurso (cfr. nº 3 do artigo 77º do CPT).

Ora, no caso, analisado o requerimento de interposição do recurso, constata-se que a Recorrente nada refere quando à arguição de nulidades da sentença, o que apenas sucede na pag. 8 das alegações e na conclusão 7ª, pelo que é de concluir que não observou o disposto no nº 1 do artigo 77º do CPT.

Consequentemente, por extemporânea, não se conhece da arguida nulidade da sentença.
*

Da impugnação da matéria de facto
A recorrente expressou a sua intenção de impugnar a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
(…)  elimina-se a alínea C) dos factos não provados e adita-se aos factos provados o facto seguinte:
“O sinistrado recebeu formação do Técnico de Produção da Ré para operar com a máquina misturadora.”
Assim, apenas parcialmente procede a impugnação da matéria de facto.
*

Analisemos, por fim, se o acidente dos autos deve ser descaracterizado.

Sobre o acidente dos autos, o Tribunal a quo, após considerar aplicável ao caso a Lei n.º 98/2009, de 04.09, o que acompanhamos e não mereceu a discordância das partes, analisar o conceito de acidente de trabalho e concluir que o acidente dos autos configura um acidente de trabalho e debruçar-se sobre a norma do artigo 18º da LAT, pronunciou-se nos seguintes termos:

 “Como resultou assente, o acidente ocorreu quando o autor se encontrava a operar, sozinho, uma máquina misturadora horizontal, e tendo havido um encravamento da patilha de fecho bocal de saída, ao meter a mão no bocal de modo a tentar desencravar a referida patilha, foi a sua mão direita apanhada pelas pás misturadoras. A máquina não tinha qualquer protecção na boca de extracção que impedisse o contacto com elementos móveis, nada que impedisse o acesso às zonas perigosas, nomeadamente as pás da mesma, ou de dispositivos que suspendessem o seu movimento, antes do acesso às mesmas. É dever do empregador, entre outros, adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram da lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho [artigo 127.º, n.º 1, alínea h), do Código do Trabalho], assegurando ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho (artigo 15.º, n.º 1, da Lei 102/2009, de 10.09).

Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, que visou transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Directiva nº 95/63/CE, do Conselho, de 05 de Dezembro, e pela Directiva nº 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, define o equipamento de trabalho como sendo «qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho, entendendo a utilização de um equipamento de trabalho como qualquer actividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza, sendo operador qualquer trabalhador incumbido da utilização de um equipamento de trabalho [artigo 2.º, alíneas a), b) e e)].

Também, estabelece, no seu artigo 3.º, as obrigações gerais do empregador, estipulando que, para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a)- Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b)- Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e saúde dos trabalhadores (…);
c)- Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho (…);
d)- Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e)- Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10º a 29º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.

Mais, os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º, do referido diploma legal (artigo 4.º, n.º 1), recaindo, ainda, sobre o empregador o ónus de prestar aos trabalhadores a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados (artigo 8.º, n.º 1, sempre do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.20).

Entre os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, que os equipamentos de trabalho devem satisfazer e que o empregador deve fazer por assegurar, temos que:
- o equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem, devendo os postos de trabalho dispor de um sistema do comando que permita, em função dos riscos existentes, parar todo ou parte do equipamento de trabalho de forma que o mesmo fique em situação de segurança, devendo a ordem de paragem ter prioridade sobre as ordens de arranque (artigo 13.º, nºs. 1 e 2);
- e que os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas [qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde – artigo 2.º, alínea c)] ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essa zonas (artigo 16.º, n.º 1), protectores e dispositivos esses que, nomeadamente, devem ser de construção robusta, não devem ocasionar riscos suplementares, não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes (artigo 16.º, n.º 2).

No caso, como visto, a ré empregadora, tendo em funcionamento uma máquina misturadora, não fez por garantir a segurança dos seus trabalhadores, nomeadamente não velou por assegurar que o equipamento respeitasse os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, mais propriamente os enunciados nos artigos 13.º, nºs. 1 e 2, e 16º, nºs 1 e 2, e transcritos, não colocando protectores que impedissem o acesso dos trabalhadores à zona perigosa, leia-se zona de exposição dos mesmos, por referência ao equipamento de trabalho, que os submetia a risco para a sua segurança, ou dispositivo que interrompesse o movimento dos elementos móveis do equipamento antes do acesso a essas zonas.

Afirmando-se a violação das enunciadas regras de segurança, nos termos vindos de expor, cumpre, ainda, aferir se o acidente ocorreu em função dessa violação, ou seja, se existe nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o acidente.

No caso, a colocação de um sistema de protecção entre a zona do bocal de saída e as pás misturadoras da máquina – protectores que impedissem o acesso do trabalhador à zona em questão (ou dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso à sua zona) – teria obstado a que o trabalhador pudesse entrar em contacto com as ditas pás misturadoras onde ficaram entalados os seus membros superiores.
E, arvorando a empregadora, nos autos, que a função a exercer pelo trabalhador não implicava que este introduzisse a sua mão no bocal de saída da máquina, escamoteia que o trabalhador não devia – no cumprimento das regras estabelecidas no Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, supra transcritas - sequer poder achegar-se àquela zona do equipamento em funcionamento.

De igual sorte, reitera-se, viciada se acha a argumentação de que a colocação das protecções não impediria, uma vez que as protecções e os dispositivos devem ser de construção robusta e não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes: visam, precisamente, impedir o contacto dos trabalhadores com as partes móveis dos equipamentos em funcionamento e não meramente dificultar-lhes o acesso.

Os sistemas de protecção não são para contornar pelos trabalhadores, nem oferecem esse entendimento: protectores que impeçam o acesso ou dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas servem forçosamente e ainda de aviso aos próprios trabalhadores do perigo da zona e de que a mesma se lhes encontra interdita – recaindo, aliás, sobre a empregadora o ónus de assim os informar, conforme artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02.

No conspecto, não pode deixar de se considerar que, colocadas que se achassem, em respeito às normas indicadas e infringidas do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, as protecções de modo a impedir o contacto (todo e qualquer) do trabalhador com as partes móveis do equipamento, o trabalhador não podia sequer achegar-se às mesmas - independentemente do que a tradição ditava quanto à fase de saída e ensacagem do produto moído ou de encravamento do mesmo, e se colocava (ou colocou) a mão mais acima ou mais abaixo da boca de saída -, e o acidente não teria ocorrido.

A infracção das regras de segurança, no caso, não foi, pois, de todo indiferente para a produção do dano, radicando na sua génese, concluindo-se pela demonstração de que o acidente resultou da inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho, como excepcionado pela seguradora, com reflexo nos termos da respectiva reparação, em atenção ao disposto nos artigos 18.º, n.º 4, e 79.º, n.º 3, da Lei 98/2009, de 04.09.

Contrariamente às alegações da entidade empregadora, não resulta provado que o acidente se tenha ficado a dever exclusivamente à actuação desatenta e imprudente do trabalhador, tanto mais, que se provou que o acidente ocorreu durante a operação de moer determinado produto (durante a qual a máquina só funciona ligada à corrente eléctrica) e não durante as operações de limpeza da máquina (situação em que a máquina deve estar desligada da corrente eléctrica).

Não resultou provado que o trabalhador sabia que ao introduzir as mãos no bocal de saída estava muito próximo das pás móveis da máquina, o que competia à empregadora. Nem esta conseguiu provar que havia um botão de emergência/paragem da máquina próximo do local onde o trabalhador laborava.

Pelo que não foi produzida prova suficiente para assacar ao trabalhador responsabilidade pela ocorrência do sinistro.”

Discorda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo sustentando, em resumo, que o sinistrado assumiu uma conduta despropositada, irresponsável, arriscada em alto grau, fortemente imprudente, que foi causa única e exclusiva do acidente de trabalho que o mesmo sofreu, sendo, por isso, o único responsável pela sua atitude temerária e insensata, causando o acidente por violar as elementares regras de segurança, que a actuação do sinistrado não se enquadra no conceito de bonus pater familiae, que ainda que assim o tribunal a quo não tivesse entendido, sempre estaríamos perante uma situação de negligência grosseira, porque resultante de culpa grave, que ao não entender dessa maneira o tribunal a quo violou o disposto no art.º 14º n.ºs 1 al. a) e b), 2 e 3 da Lei n.º 98/2009 de 04/09,  que nenhuma das circunstâncias atinentes às regras de segurança pode ser considerada como causalidade adequada do acidente de trabalho a que o Autor, por sua livre iniciativa, se expôs e que não se pode considerar que o acidente de trabalho ocorreu devido à violação das regras de segurança pela Recorrente, sendo a responsável pelo pagamento das prestações a 1ª Ré e não a empregadora.

Vejamos:

De acordo com o artigo 2º da Lei n.º 98/2009 de 14.09. (LAT), “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei”.

Contudo, existem determinadas circunstâncias, as enumeradas no artigo 14º da citada Lei, que levam a que o empregador não tenha de reparar os danos decorrentes do acidente de trabalho, não obstante estar demonstrada a sua verificação.

Assim, dispõe o artigo 14º da Lei n.º 98/2009 de 14.09. sob a epígrafe Descaracterização do acidente”:
1.– O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a)- For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b)- Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c)- Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2.– Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3.– Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau que não se consubstancia em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”

No caso, importa apreciar se a conduta do Autor determina a descaracterização do acidente de trabalho que o vitimou, por se mostrar verificada a previsão da alínea a) ou da a alínea b) do nº 1 do artigo 14º da LAT.

Ora, face à factualidade provada podemos, desde logo, afirmar que nada aponta no sentido de que o acidente foi dolosamente provocado pelo sinistrado. Ou seja, nada se provou no sentido de que o sinistrado actuou de modo a provocar o acidente, que quis a realização do acidente e que aceitou ou se conformou que o mesmo pudesse ocorrer na sequência do seu comportamento.

Mas será que podemos afirmar, como faz a Recorrente, que o acidente  proveio de acto do sinistrado que importou violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador?

Sobre esta causa de descaracterização do acidente de trabalho, atenta a sua pertinência, chamamos à colação o que sobre ela se escreve no Acórdão deste Tribunal e Secção proferido em 19.12.2012, no Processo n.º 686/10.8TTLRS.L e no qual foi 2ª adjunta a ora relatora:
“Como primeiro passo cabe determinar o sentido e alcance do ai disposto. E, nesse desiderato, mostra-se pertinente, senão mesmo indispensável, atentar nas correspondentes normas que nos anteriores regimes jurídicos de acidentes de trabalho, nomeadamente, a Lei nº 2127, de 8 de Agosto de 1965, e a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, antecederam as aqui em causa.

Assim, na Lei n.º 2127, a Base VI, com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui interessa, dispunha o seguinte:
[1]Não dá direito a reparação o acidente:
a)- Que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu acto ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal”.
A propósito da parte final dessa norma, Cruz de Carvalho, na sua incontornável obra de anotação à Lei n.º 2127, referindo estarem aí previstos “(..) os casos de violação injustificada das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal – que o podem ser, quer em regulamento de empresa ou de serviço, quer em ordem especial”, defendeu que para se verificar essa hipótese “(..) não exige a lei, que a violação das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal seja propositada, intencional  - por isso que fala em acto ou omissão –mas exige que tenha sido sem causa justificativa. Assim, não estão ali compreendidos não só os actos involuntários, como até os cometidos com violação daquelas condições de segurança, por espírito de abnegação e sentimento de caridade ou impulso meramente instintivo ou altruísta de salvar outrem, ou o intuito de beneficiar o patrão, ou ainda os devidos a imprudência ou imprevidência resultante do longo hábito ao contacto diário com o perigo. E, após elucidar sobre a necessidade de demonstração de um nexo de causalidade entre o acto ou omissão violador das condições de segurança e o acidente, concluiu o seguinte:
- “Para que se verifique a hipótese prevista na 2.ª parte da alínea a), é necessária a prova cumulativa (que compete à entidade patronal): 1.º) da existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; 2.º) da existência de acto ou omissão da vítima que os viola; 3.º) que tal acto seja voluntário, embora não intencional, e sem causa que o justifique; 4.º) que o acidente tenha sido consequência desse acto ou omissão”.
[Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, 2.ª Edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1983, pp. 50/51].
Na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, as causas excludentes do direito à reparação do acidente de trabalho encontram-se no art.º 7.º, igualmente com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui releva, dispondo o seguinte:
[1]”Não dá direito a reparação o acidente:
a)- Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;”
Por seu turno, o art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99 (correspondente ao n.º2, do actual art.º 14.º), ao regulamentar o preceito transcrito, estipula como segue:
“Para efeitos do disposto no artigo 7º da Lei, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”.

Confrontando essas normas, vê-se que na evolução da Lei n.º2127, para a lei 107/97, as únicas inovações consistiram em acrescentar – na alínea a) - que a violação das condições de segurança pode incidir quer sobre as estabelecidas pela entidade empregadora  (na terminologia anterior, entidade patronal), quer em relação às “previstas na lei”; e, para além disso, que foi acrescida uma norma procurando clarificar quando se deve entender “existir causa justificativa da violação das condições de segurança” (o art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99). Por último, constata-se que daquela última lei para a actual não resultou qualquer inovação, apenas havendo alterações de redação e terminologia (empregador, em vez de entidade empregadora), para além da inclusão do n.º 2, no art.º 14.º, resultado da opção legislativa pela inclusão de normas regulamentadoras na própria lei, deixando de existir um diploma regulamentador autónomo.

Feita esta constatação, é seguro afirmar-se que mantém inteira validade e actualidade os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais suscitados pela interpretação e aplicação desta causa excludente do direito à reparação, desde a mais longínqua Lei 2127, passando pela mais recente, mas também já revogada, Lei n.º 100/97.

Na esteira do que já era entendido na Lei n.º 2127, há um entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, respaldada também na doutrina, no que respeita à causa excludente do direito à reparação, a que se reporta a al. a), do art.º 7.º da lei n.º 100/97, como o elucida o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 2012, onde a propósito se pode ler o seguinte:
- «Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007 (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) acto ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente.

Em suma: a lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.

Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), neste caso, «o legislador exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290.º do Código do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.»

E, mais adiante, conclui, «[s]e o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador. Contudo, a responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade de as entender (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99).»

Note-se que, na mesma linha fundamental de entendimento, o sobredito acórdão de 17 de Maio de 2007, referindo-se à segunda situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, afirma que «[s]e a lei se basta, na espécie, com o pressuposto assinalado — ausência de causa justificativa — é porque recai sobre o trabalhador um especial dever de observar […] as condições de segurança que lhe são impostas», dever especial que «é tanto mais evidente quanto é certo que a lei só justifica a omissão quando seja de concluir que o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento da norma impositiva ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la — artigo 8.º, n.º 1, supra citado».
[Proferido no processo 827/06.0TTVNG.P1.S1, Pinto Hespanhol, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj]”

E sobre a voluntariedade do acto ou da omissão que justifica a descaracterização do acidente de trabalho, afirma-se, ainda, no citado aresto:
“Com efeito, na linha do entendimento que acima apontámos, subscrito quer pela doutrina quer pela jurisprudência, entre os requisitos de verificação cumulativa para que se preencha a previsão da al.a), do n.º1, do art.º 14.º, contam-se a prática do acto ou omissão, voluntária e conscientemente.
Elucidando sobre as aplicação em concreto desses requisitos, ainda que face à Lei 100/97, mas como se disse, com inteira aplicação à actual, afirmou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de 23/6/04 [publicado em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, Edições Colectânea de Jurisprudência, pp. 77/78] que a descaracterização com fundamento na segunda parte da alínea a) do artigo 7º da Lei n.º 100/97, exige que sejam voluntariamente violadas as regras de segurança, quer legais quer estabelecidas pela entidade patronal, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco.
(…)
Reafirmando esse mesmo entendimento, em aresto mais recente, de 19 de Dezembro de 2007, pronunciou-se de novo o Supremo Tribunal de Justiça, em cujo sumário se consignou que “A descaracterização do acidente de trabalho, com fundamento na alínea a) do art. 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) que se trate de uma conduta do acidentado, seja ela por acção, seja por omissão; (ii) que essa conduta seja representativa de uma vontade do mesmo iluminada pela intencionalidade ou dolo na adopção dela; (iii) que inexistam causas justificativas, do ponto de vista do acidentado, para a violação das condição de segurança; (iv) que existam, impostas legalmente ou por estabelecimento da entidade empregadora, condições de segurança que foram postergadas pela conduta do acidentado”, encontrando-se explicação mais ampla, para além do mais, no extracto seguinte:
-“Na verdade, como tem sido defendido pela doutrina e pela jurisprudência, do âmbito da alínea a) do nº 1 do mencionado artº 7º estão excluídas as “chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco” (utilizaram-se as palavras de Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, 61).
(…).”
No mesmo sentido, veja-se, ainda, o Acórdão do STJ de 12.12.2017, in www.dgsi.pt.

Regressando ao caso em apreço vejamos, então, os factos provados com relevância para a decisão:
O autor, AAA, nascido em …, titular do CC nº …, foi vítima no dia 10 de Julho de 2015, cerca das 10h00, no seu local de trabalho, sito no n.º … em Lisboa, de um acidente de trabalho, quando prestava o seu trabalho de empregado de armazém, para a empresa BBB, sob orientação e direcção desta e em execução do contrato de trabalho a termo resolutivo com este celebrado a 15 de maio de 2015 pelo período de seis meses. (facto 1); O acidente ocorreu nas circunstâncias descritas a Fls. 37 dos autos (descrição efectuada pela ACT no inquérito que realizou) e Fls.118 dos autos (auto de noticia realizado pelo ACT), cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, mais concretamente quando o autor se encontrava sozinho a operar uma máquina misturadora horizontal, marca “MANO”, modelo MHI-300, ano de fabrico 2007 e com o n.º de equipamento 07,027,MISH,01, e, na sequência do encravamento da patilha de fecho bocal de saída, ao meter a mão no bocal de modo a tentar desencravar a referida patilha, foi a sua mão direita apanhada pelas pás da misturadora, do qual resultou a amputação traumática de 4 dedos da mão direita. (facto 4); O acidente de trabalho supra descrito originou a abertura de um inquérito por parte da ACT, cujo auto de notícia e posterior relatório se encontra junto ao processo a Fls. 37, 114 e 118 os quais se dão por integralmente reproduzidos, e no qual foi concluído que a entidade patronal do sinistrado não tomou as devidas providências a fim de evitar a verificação do acidente nomeadamente não identificou os riscos previsíveis de todas as actividades do estabelecimento e na concepção de processos de trabalho, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta fosse inviável, à redução dos seus efeitos, o que levou inclusivamente à aplicação por parte da ACT de uma coima por violação da alínea c) do n.º 2 do art.º 15.º do Regulamento Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, a qual consubstancia uma Contra-ordenação laboral muito grave. (facto 5);Na data da inspecção da ACT, a 28 de Julho de 2015, esta entidade notificou a entidade patronal, ora R., para entregar uma série de documentação entre as quais o Relatório de avaliação de riscos profissionais, tendo esta apresentado tal relatório que datava de 03/07/2013 (fls. 126 a 138 dos autos), o qual não se debruçava sobre a actividade produtiva da R. não existindo assim à data do acidente qualquer avaliação de riscos referentes, em geral, à actividade produtiva da R. nem, em especial, às operações de manuseamento de misturadores, em concreto quanto ao manuseamento do Misturador horizontal “Mano” modelo “MHI-300”. (facto 6); Após o sinistro, a entidade patronal do sinistrado apresentou junto da ACT o Relatório de Análise de acidente de trabalho, elaborado pelos serviços externos de segurança, higiene e medicina do trabalho, o qual foi junto ao Auto de Notícia da ACT, constante a Fls. 118, como documento 6, que se dá por reproduzido (fls. 139 a 141 dos autos), no qual a referida entidade dá conta que a supra identificada misturadora, na qual o sinistrado sofreu o acidente, tinha “…sistema de abertura da válvula de saída/extracção ineficaz (…)”, “… inexistência de proteção que impeça o contacto com elementos móveis na boca de saída/extração(…), “ inexistência de instruções de segurança relativas à utilização do equipamento” e ainda “inexistência de um procedimento escrito relativamente ao método de abertura da tampa (…)” concluindo ainda o referido relatório que :”Da análise do equipamento de trabalho verificou-se ainda que o mesmo não cumpre os requisitos mínimos de segurança ao abrigo do DL 50/2005, de 25 de fevereiro (…)”. (facto 7); A máquina misturadora na qual o sinistrado laborava, ao tempo do acidente, não tinha qualquer protecção na boca de extracção que impedisse o contacto com elementos móveis. (facto 11); A máquina misturadora não dispunha de protecções que impedissem o acesso às zonas perigosas, nomeadamente as pás da mesma, ou de dispositivos que suspendessem o seu movimento, antes do acesso às mesmas. (facto 12); O acidente em causa ocorreu porque o sinistrado ao introduzir a mão direita no interior da boca de saída da misturadora ficou em contacto com as pás, as quais não se imobilizaram. (facto 13); O sinistrado colocou a mão na boca de extracção para auxiliar a abertura da mesma em vez de utilizar a pá para bater na boca de saída e puxar a tampa pela pega.(facto 14); O sinistrado colocou a mão na boca de extracção sabendo que esta não tinha qualquer protecção. (facto 15); De acordo com o manual de instrução de utilização do equipamento, ponto 3.2, o sinistrado apenas podia ter contacto com as partes destinadas para o efeito, ou seja, as pegas das tampas, a pega da válvula de saída e os botões do quadro eléctrico. (facto 16); e de acordo com o manual de instrução de utilização do equipamento, ponto 3.3.2, na extracção de produtos está expressamente proibido o acesso ao interior do misturador através da boca de saída. (facto 17).

Ora, é certo que o sinistrado não deveria ter introduzido a mão na boca de extracção da máquina, tanto mais que se provou que sabia que esta não tinha protecção.

Contudo, não ficou provado e essa prova cabia à empregadora, que o sinistrado conhecia a distância que ia da boca de extracção da máquina às pás cortantes. Ou seja, como refere o Tribunal a quo, não resultou provado que o trabalhador sabia que ao introduzir as mãos no bocal de saída estava muito próximo das pás móveis da máquina, o que competia à empregadora, nem esta conseguiu provar que havia um botão de emergência/paragem da máquina próximo do local onde o trabalhador laborava.

Por outro lado, não obstante ter ficado provado que o sinistrado recebeu formação do Técnico de Produção para operar com a máquina, o certo é que não se provou que o Autor tenha lido o manual de instruções da máquina e tenha apreendido o seu conteúdo.

Acresce que da factualidade provada também não se retira que a actuação do sinistrado ocorreu à luz do propósito de desrespeitar quaisquer regras de segurança, sendo certo que era sobre a empregadora ora Recorrente que impendia essa prova, posto que a descaracterização do acidente determina a sua não responsabilização pelo pagamento das quantias peticionadas pelo sinistrado.

Mas mais, tendo ficado provado que a máquina misturadora não tinha qualquer protecção na boca de extracção que impedisse o contacto com os seus elementos móveis, é de concluir que não estavam implementadas as medidas de segurança que evitassem que os trabalhadores que operassem com a máquina, por qualquer motivo, introduzissem a mão na respectiva boca da extracção.

Por conseguinte, no caso, não podemos afirmar que há um comportamento do sinistrado violador de condições de segurança, na medida em que relativamente à máquina em questão estas nem tinham sido implementadas pela empregadora.

Mas já podemos concluir que foi a inexistência de protecção na boca de extracção que permitiu que o sinistrado aí introduzisse a mão.

Por conseguinte, entendemos que a conduta do sinistrado não se pode subsumir à 2ª parte da al.a) do nº 1 do artigo 14º da LAT. 

Mas ainda invocou a Recorrente que o sinistrado actuou com negligência grosseira.

Conforme se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.12.2015, in www.dgsi.pt, “(…) III– Existe negligência grosseira quando o trabalhador sinistrado assumiu uma conduta despropositada, irresponsável, arriscada em alto grau, fortemente imprudente, que foi causa única e exclusiva do acidente de trabalho que o mesmo sofreu.”

E no corpo do mesmo aresto lemos: “Já na Base VI da Lei n.º 2127 se aludia a «falta grave e indesculpável da vítima», explicitando, por seu turno, o art.º 13.º do Decreto n.º 360/71, que não se considerava «falta grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».

A Lei n.º 100/97, no seu art.º 7.º, fala já de «negligência grosseira», que é clarificada, em termos de conceito, pelo número 2 do art.º 8.º da Decreto-Lei n.º 143/99: «Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão», definição que é mantida no número 3 do art.º 14.º da atual Lei. 

A noção de «negligência grosseira» tem vindo a ser apurado pela nossa doutrina e jurisprudência a partir das diversas expressões e definições legais, dando-se aqui, a mero título de exemplo, as seguintes:
- Veiga de Oliveira, citado por Cruz de Carvalho e no quadro da Lei n.º 1942, por referência à doutrina francesa (Sachet) e ao conceito de «culpa indesculpável»: «…um ato ou omissão voluntários, injustificado pelo exercício da profissão ou das ordens recebidas que constitua um perigo grave conhecido pela vítima. Todavia, distingue entre voluntariedade do ato ou omissão e a intencionalidade do mesmo».
- Cruz de Carvalho, obra citada, págs. 51 e 52, no âmbito da LAT:
«Para aplicação da alínea b) do número 1 é preciso que haja um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil, indesculpável, mas voluntária embora não intencional…».
- Carlos Alegre, obra citada, pág. 63, no seio da NLAT:
«Ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e contras. Há, todavia, uma espécie de comportamento que, em termos laborais, deve ser considerado muito diverso da negligência ou da imprudência, embora, em muitos casos possa resultar de um misto de ambas. É a imperícia ou o erro profissional.

O legislador do art.º 7.º teve, também, o cuidado de distinguir a negligência quanto à intensidade da vontade ou gravidade, no pressuposto de que a doutrina costuma estabelecer três graus: lata, leve e levíssima. A negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira, porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-famílias.»

Do confronto entre estas três posições, é possível concluir que para os três autores citados, a negligência grosseira vive paredes-meias com o dolo (eventual) [[38]] e deve ser reconduzida à negligência lata ou grave da doutrina clássica no sentido que lhe é atribuído, por exemplo, pelo Dr. Manuel Domingues de Andrade, obra citada, págs. 341 e 342, possuindo uma dimensão de censura ético-jurídica muito forte, por ser socialmente inaceitável e sem justificação plausível para um cidadão comum e normalmente previdente e prudente colocado na posição (concreta) do sinistrado.[[39]]

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/6/2010, proc.º n.º 579/09.1YFLSB, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt, no seu sumário, define a negligência grosseira e enuncia as suas principais características:
«I–A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objetivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente).
II–A negligência também pode assumir diferentes graus, em função da ilicitude e da culpa: será levíssima quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excecionalmente diligente teria observado; será leve quando o parâmetro atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente e será grave quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta teria também incorrido.
III–Correspondendo a “negligência grosseira” à “culpa grave”, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum.
IV–A “negligência grosseira” deve ser apreciada em concreto – conferindo as condições do próprio sinistrado – e não com referência a um padrão abstrato de conduta.
V–A exclusão da responsabilidade decorrente da descaracterização do acidente, prevista no art.º 7.º, n.º 1 da LAT, a par de um comportamento do agente altamente reprovável, exige que o acidente tenha resultado, em exclusivo, desse comportamento.
VI–Como a descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito reclamado pelo autor, compete ao réu a prova da materialidade integradora dessa descaracterização, na dupla vertente mencionada em V (…)» [[40]]
Tal negligência grosseira, apesar de existir, só não afastará o direito à reparação caso se verifiquem uma das três exceções ou ressalvas contidas na parte final da norma: «…que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».

Cruz de Carvalho, obra citada, págs.52 e 53, afirma o seguinte:
«E compreende-se tal posição do legislador, pois que, se a imprevidência do trabalhador está indissoluvelmente integrada na própria essência da prestação de trabalho, sempre e previsivelmente inerente à ocorrência dos acidentes dessa natureza que nele venham a registar-se, parece de ponderar a sua particular incidência naqueles casos», podendo consultar-se, a este respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/02/2006, proc.º n.º 0516323, relatora: Fernanda Soares, em www.dgsi.pt (funções habituais há 15 anos) [[41]].     
                             
O nexo de causalidade tem de ser exclusivo, isto é, o acidente deve ter apenas na sua raiz e como sua base a negligência grosseira do trabalhador sinistrado, não consentindo, para efeitos de descaracterização do sinistro em questão, concorrência de causas ou culpas («…tal não acontecerá no caso de concorrência de culpa da entidade patronal ou do seu representante (veja: Base XVII), ou quando seja possível concluir que mesmo sem tal comportamento, o acidente sempre se verificaria» - Cruz de Carvalho, obra citada, págs. 51 e 52) e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/2007, proc.º n.º 06S3956, relator: Sousa Grandão[[42]] e de 14/04/2010, proc.º n.º 35/05.7TBSRQ.L1.S1, relator: Pinto Hespanhol [[43]], ambos em www.dgsi.pt [[44]].

A apreciação da existência de uma situação de «negligência grosseira» é feita em concreto, em termos casuísticos, com referência ao caso particular em presença e não em função de um tipo abstrato de comportamento, conforme defende o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/01/2007, proc.º n.º 664/04.6TTVFR.C1, relator: Fernandes da Silva, em www.dgsi.pt (Sumário).
«I– Dispõe a LAT (art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13/09) que não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, como tal se considerando o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
II– O preenchimento casuístico dessa noção aberta há-de fazer-se necessariamente ante a análise e avaliação do caso concreto e das suas reais circunstâncias, não deixando todavia de sobrar para o intérprete uma margem de intangível subjetividade no que concerne à ponderação-limite do que seja, em cada caso, a fronteira entre o espírito de bem cumprir, com eficácia e competência, abnegação ou heroísmo, e os excessos imponderados, de clara temeridade, por inexistência ou deficiente cálculo do risco, medianamente reconhecido, em abstrato, como desaconselhado à luz dos mais elementares princípios de prudência e devida previsibilidade.
III– Devendo entender-se por “temerário” um comportamento perigoso, arriscado, imprudente, audacioso, arrojado, que não tem fundamento, à conduta acolhida na figura da “negligência grosseira” corresponderá uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares.
IV– E a exclusão da cobertura/reparação infortunística será a solução certa uma vez provado que o sinistro é consequência exclusiva de um ato ou omissão temerários, em alto e relevante grau, por parte do sinistrado, injustificado pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos e costumes da profissão.» (cf., ainda, Cruz de Carvalho, obra citada, pág. 53, Carlos Alegre, obra citada, pág. 187, Nota 3 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9/01/2008, proc.º n.º 07S3419, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt, bem como o Parecer da Procuradoria-geral da República publicado no D.R. de 24/12/1987, n.º 295, II Série, págs. 14657, indicado e analisado por Júlio Gomes, obra citada, págs. 244 e 245, Nota 543).[[45]]”
(…)”.
Como se refere no Acórdão do STJ de 19.11.2014, igual pesquisa, “(…) III – A negligência grosseira, prevista na alínea b) da norma enquanto causa exclusiva descaracterizadora do acidente, preenche-se na assunção, pelo sinistrado, por acção ou omissão, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, causalmente determinante da eclosão do evento infortunístico, considerando-se como tal a actuação perigosa, audaciosa e inútil, reprovada por um elementar sentido de prudência
(…)
E como elucida o Acórdão do mesmo Tribunal, de 11.02.2013, mesma pesquisa, “(…)3. A “negligência grosseira”, que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo, deve ser apreciada não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta, mas em concreto, em face das condições da própria vítima – segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais”

Por fim, como ensina o Acórdão do nosso mais alto Tribunal de 17.09.2009 também disponível em www.dgsi.pt “I - Para excluir o direito à reparação de acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), é indispensável que o evento seja imputado, em termos de causalidade adequada, exclusivamente, a comportamento temerário em alto e relevante grau do sinistrado (n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril), o que implica, por um lado, a prova de que o acidente se deveu a conduta inútil, indesculpável, sem fundamento, e de elevado grau de imprudência, da vítima, e, por outro lado, a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção.”

Regressando ao caso, verifica-se que, apesar de ter ficado provado que o sinistrado colocou a mão na boca de extracção da máquina sabendo que esta não tinha qualquer protecção, a verdade é que não se provaram outros elementos que contribuam para concluirmos em que circunstâncias é que o Recorrente adoptou tal conduta, como também não se provou que o Autor sabia a distância que existia entre a boca de saída da máquina e as pás cortantes, o que não permite caracterizar o seu comportamento como temerário e grosseiro ou inaceitável à luz da mais elementar prudência, tanto mais que resulta dos autos que o sinistrado operava com a máquina há menos de dois meses, o que significa que não tinha qualquer experiência com o seu manuseamento.

Acresce que, como já acima adiantámos, não foi  apenas o facto do sinistrado introduzir a mão na boca de extracção da máquina que causou o acidente; a par desta circunstância provou-se que o bocal não tinha a necessária protecção, pelo que aquele facto não foi a causa exclusiva do acidente como exige a al.b) do nº 1 do artigo 14º da LAT. 

Por fim e em jeito de conclusão, podemos afirmar que na situação descrita apenas se poderia admitir a existência de negligência grosseira do sinistrado e consequente descaracterização do acidente, caso tivesse ficado provado que existia um sistema de protecção implementado pela empregadora que não permitisse o acesso à boca de extracção da máquina e que, contrariando tal protecção, o trabalhador a removesse para introduzir a sua mão na máquina ou, no caso de existirem dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso à sua zona, o sinistrado, deliberadamente, não os tivesse accionado antes de introduzir a mão na boca de extracção.

Mas tal não foi o caso.

E, nessa medida, também não podemos integrar a conduta do sinistrado na previsão da al.b) do nº 1 do artigo 14º da LAT.

Consequentemente, não podemos concluir no sentido de que o acidente dos autos se mostra descaracterizado.

Por fim, importa ainda referir que não procede o argumento da Recorrente no sentido de que não violou as normas de segurança e que inexiste nexo de causalidade entre a falta de protectores na máquina e o acidente.

Ora, nessa parte, merece a nossa concordância o entendimento do Tribunal a quo que acima citámos e que aqui acompanhamos.

Consequentemente, não merece reparo a sentença recorrida, improcedendo a apelação.

Contudo, tendo a sentença recorrida condenado a Recorrida a pagar ao sinistrado AAA uma pensão anual e vitalícia de 3.547,14 € (três mil, quinhentos e quarenta e sete euros e catorze cêntimos), desde 01.12.2015, não se vislumbra o motivo pelo qual, no ponto 2 do dispositivo, se refere que os juros de mora incidem sobre o capital de remição, afirmação que só por lapso terá ocorrido e que importa rectificar.

Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
- Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, nos termos acima mencionados.
- Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
- Rectificar o ponto 2 do dispositivo da sentença na parte em que refere que os juros de mora incidem sobre o capital de remição devendo ler-se “ acrescida de juros de mora à taxa legal, desde aquela data até efectivo pagamento”, em vez de “acrescido de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal, desde aquela data até efectivo pagamento”
Custas do recurso pela Recorrente.


Lisboa, 7 de Novembro de 2018

           
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria Paula Moreira Sá Fernandes